A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 7
Os três novatos de Ford




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Os três novatos de Ford

 

            Eu estava deitado em minha cama, meu olhar fixo na parede a minha frente. EU entrei em casa rapidamente, disse para meus pais que estava cansado e iria descansar, mas não saí do meu quarto até me dar conta que passavam das nove.

            O dia que havia se passado correu em minha mente, fazendo ziguezagues e perturbando meu senso de lucidez. Recapitulando o dia. Uma mulher bela, e estranha, segurando um trompete me olhou como se eu fosse um fantasma. Um garoto da minha nova escola que eu não reconheci havia me dito para ter cuidado com a mulher do trompete. Como se não bastasse, eu derrubei um valentão do colégio, que era o dobro do meu tamanho, com braços da largura da minha cintura. Para dificultar, os cheiros e gostos bizarros que me perturbavam vez ou outra, antes de acontecer algo estranho ou perigoso. 

            O que estava acontecendo comigo? De repente eu parecia mais forte. No início eu pensei que fosse o excesso de exercícios que eu andava fazendo, mas aquilo parecia absurdo demais. Não tinha condições de manter um cara como Edmund imóvel no chão, mas eu o fiz sem suar. A pior parte era que todos na escola haviam visto. Depois que eu comecei a pensar sobre o dia transcorrido, eu me dei conta que, no dia seguinte, eu seria a atração principal na escola. Todos iriam me olhar como um herói, ou um valentão, um encrenqueiro. Eu torci para que a diretoria não descobrisse sobre a briga, embora eu suspeitasse que isso não fosse tão fácil.

            Eu não saí do meu quarto. Não jantei, não comi nada, estava sem fome. Só queria entender como o meu dia tinha sido tão louco, estressante e estranhamente suspeito, como se houvesse algo mais por trás de toda aquela situação. Apenas uma coisa era certa: meus sentidos estavam sempre me alertando do que estava por vir, e só naquela noite eu percebi isso.

 

            O sol entrou timidamente dentro do meu quarto, fazendo uma trilha dourada no chão por trás dos retalhos da cortina. A manhã parecia tão amistosa que eu quase havia me esquecido do dia anterior. Quase. Mas eu procurei afastar os pensamentos, pelo menos por hora. Eu precisava me concentrar em outras coisas e meus pais com certeza iriam me questionar em relação à minha atitude singular no dia anterior.

            Arrumei meu quarto, tomei uma ducha rápida, me vesti e peguei minha mochila. Estava cada vez mais difícil afastar os pensamentos, mas a presença da doce Emilliene me ajudou bastante. Assim que desci as escadas ela pulou nas minhas costas, gargalhando.

            _ Feliz Aniversário, Maty!

            Eu joguei minha mochila sobre o sofá assim que cheguei ao primeiro andar, beijei a bochecha rosada da minha irmã e a coloquei no chão. Ela estava incrivelmente mais leve. Emi me acompanhou até a cozinha, onde meus pais já estavam. Assim que entrei, eles sorriram, empolgados, esperando que eu estivesse tão excitado quanto eles pelo meu aniversário. Acho que minha aparência os decepcionou.

            _ Bom dia. – eu falei, sem nenhuma excitação.

            Meu pai pareceu ligeiramente decepcionado, mas minha mãe não se deixou abater. Ela veio até mim, me abraçando com vontade, embora não tão firme quanto aparentou.

            _ Oh, meu filho. – ela exclamou, beijando minha testa – feliz aniversário.

            _ Mãe! – eu resmunguei, passando a manga da camisa sobre a testa – menos empolgação, por favor.

            _ Ora, Matthew! É o seu aniversário. – ela retrucou.

            _ Pois parece mais o seu. – eu respondi, sorrindo levemente.

            _ Que seja. – minha mãe me conduziu até uma cadeira – sente-se, preparei o seu prato preferido hoje.

            Meu pai veio até mim e me deu um abraço longo e demorado. Eu o abracei também, tentando parecer pelo menos um pouco mais animado com o clima de comemoração.

            _ Feliz aniversário, filho. – ele disse, colocando suas mãos sobre meu ombro – Está cada vez mais responsável, mais velho.

            _ Aprendo rápido. – falei sorrindo e, para minha alegria, consegui arrancar uma risada dele – o que tem de tão especial nesse prato, mãe?

            Ela veio até mim, trazendo um prato cheio de panquecas com mel, calda de chocolate e canela. Do lado, duas bolas de sorvete e com creme de leite e uvas passas. Um belo banquete, eu pensei.

            _ Eu sei como você gosta desse prato. – ela disse – foi seu avô quem inventou essa guloseima. Coma rápido e vá para a escola.

            _ Na verdade, mãe... – eu enfiei o garfo em uma panqueca e a fiz girar no ar – eu pensei em faltar de aula, sabe... Como um presente de aniversário?

            _ Não, eu não sei. E não, eu não concordo. – ela respondeu – Querido, você chegou ontem da escola, entrou para o seu quarto e só deu as caras hoje de manhã. Se você pensa que vai ficar enfurnado dentro de casa, está enganado.

            _ Mas, mãe, eu quero aproveitar meu aniversário, ver os preparativos para nossa festinha particulada e tudo o mais. – eu fingi estar empolgado com a idéia. E fingi mal demais.

            _ Ha-ha. Os céus sabem como você está empolgado com o dia de hoje. Agora, pare de tentar enganar sua mãe e coma.

            _ Deixa que eu te levo, filho. – meu pai disse, enfim – ah, a propósito. Achei um ótimo comprador para o meu Mercedez.

            _ Ah, é? – eu me virei para ele, aliviado – quem?

            _ Seu tio Bradley.

            _ Ah – eu exclamei – e quando ele pretende nos visitar?

            O tio Brad era, depois do vovô, o cara mais engraçado da família. Suas piadas sempre me faziam rir, e ele tinha o dom natural em ser bom em tudo o que fazia. Era o tipo de pessoa que poderiam esperar ajuda a qualquer momento. Seu problema, na verdade, era a sua perícia em se meter em problemas, e isso é uma coisa que nasceu com ele. Eu me divertia ouvindo as histórias dele. Eu até me sentia na liberdade de chamá-lo simplesmente de Brad, ele preferia. Não gostava muito do “tio”.

            _ Ele vem hoje para o seu aniversário. Parece que ele vai trazer a namorada.

            _ Ele tem uma namorada? – eu perguntei, imaginando que tipo de mulher sensual e perigosamente bonita ele poderia ter se apaixonado dessa vez – é filha de algum mafioso?

            _ Não, não. – meu pai respondeu, rindo – mas eu não duvidaria se me dissessem que ela é líder de alguma gangue.

            _ George! – minha mãe acotovelou o braço do meu pai – Não seja bobo. Vamos, Matt, você vai se atrasar.

            Eu sempre estava prestes a me atrasar, mas nunca chegava atrasado. As vezes o tempo parecia estar a meu favor, por isso não me alarmei tanto.

            _ Vamos, filho. Eu te levo. – meu pai disse, se dirigindo à porta dos fundo.

            _ Ah... De Mercedez?

            _ Claro. A não ser que você tenha outros planos.

            _ Bem... – eu me levantei, deixando o resto do sorvete de lado – eu pensei em ir de bicicleta hoje.

            _ Bicicleta? – meus pais me olharam, surpresos.

            _ É. Faz um tempo que eu não ando. Além do mais, o dia está com um sol bem bacana e eu ainda não pude apreciar a paisagem.

            _ Matt, você conhece o lugar desde pequeno e você vai demorar o dobro do tempo.

            _ Eu sei, mãe, mas as coisas estão mudadas por aqui. E eu vou bem rápido, não se preocupe comigo.

            Meus pais pareceram relutantes, obviamente. Andar de bicicleta por quase três quilômetros era muita coisa, principalmente a metade do caminho sendo apenas terra e riscos de deslize. Mas eu sabia me cuidar.  E eles sabiam que eu sabia.

            _ Ok. – ele disse, enfim – mas eu quero que você esteja em casa antes de anoitecer, tudo bem?

            _ Pode deixar.

           

            Em questão de minutos eu estava cruzando a estrada de terra que dava para a rodovia. Eu não estava com pressa. Por um breve momento, eu quis me esconder em algum lugar e esperar o tempo passar. Mas enganar os meus pais não era parte de mim, e traição era, para mim, a atitude mais suja que alguém poderia tomar.

            Passei pelo caminho de ipês, observando o ruído das aves e o farfalho dos galhos das árvores, como se a simplicidade fosse a coisa mais apreciável no momento. O caminho de terra começou a se estreitar e, minutos depois, eu havia chegado à rodovia. Mais uns dois ou três minutos e eu havia entrado na cidade. Demorou bem uns dez minutos para a paisagem coberta de árvores e plantações dar lugar às construções de concretos e pessoas que caminhavam tranquilamente. Não havia pressa alguma em uma cidade tão pequena. Olhei para o meu relógio de pulso, eu tinha apenas oito minutos. Apertei o passo sobre o pedal, estreitei os pulsos no guidão e corri mais do que o normal.

            Por um momento ali, sentado em minha bicicleta, sentindo a brisa da manhã passar em meu rosto como seda, eu senti uma liberdade que eu não sentiria em uma Mercedez. As pessoas não se importavam com um garoto comum andando em uma bicicleta, elas não se incomodavam em direcionar seus olhos curiosos para um estudante simples e contente, como eu estava naquele momento. Havia um cheiro diferente no ar. Parecia lavanda, ou algo assim. Não, eu tinha certeza, era lavanda. Era bom e, naquele momento, eu percebi que meu dia seria diferente, seria melhor. Afinal, era meu aniversário, eu merecia pelo menos um dia de trégua.

            Eu cheguei à escola faltando apenas dois minutos. Os outros alunos estavam, em sua maioria, no pátio, esperando o sinal soar o início das aulas. Prendi minha bicicleta em um mastro com um cadeado e, com a mochila nas costas, continuei a caminhar. Era engraçado como os meus materiais continuavam tão leves, mesmo com tantos livros da biblioteca. Então os olhares começaram.

            Ninguém havia se esquecido do dia anterior, coisa que eu consegui fazer durante meu passeio até a escola. Aqueles olhares curiosos e espantados despertaram as lembranças. Alguns murmuravam, outros apontavam descaradamente. Eu exibi um sorriso tímido, tentando afastar as impressões ruins que tinham de mim. Mas, estranhamente, eu comecei a acreditar que a maioria me admirava.

            Eu estava perto das escadarias que davam às salas de aula, quando eu avistei Edmund Davis com o seu bando de amigos no outro extremo do pátio. Ele me encarou, eu não pude descrever a expressão dele, talvez algum traço de ódio, ou espanto. No dia anterior, seu bando não veio em seu socorro, mas pela expressão deles, era evidente que no fim da aula haveria mais um desentendimento.

            Por mais que eles quisessem me trucidar, eu não importei. Foi uma sensação estranha, como se não fosse preciso ter medo de nenhum deles. Como se fosse tolice ter medo. A mochila parecia um peso da papel agora. Definitivamente, eu estava mais forte, e isso era incrivelmente anormal.

            Eu estava apenas ansioso com o que viria a seguir. Eu não queria que ninguém pensasse que eu era algum tipo de encrenqueiro delinqüente da cidade grande. Eu estava cogitando seriamente a hipótese de falar com Edmund, tentar contornar a situação e quem sabe, sermos amigos, ou pelo menos não-inimigos.

            Eu estava distraído, olhando para os meus pés e tentando evitar todos aqueles olhares, quando eu cruzei o corredor. O mesmo cheiro de lavanda invadiu minhas narinas e, uns dez passos depois, eu me choquei com alguma coisa, ou melhor, alguém. Dessa vez, ninguém caiu e, quando eu olhei pra frente, não era nenhuma mulher misteriosa carregando um trompete. Era apenas uma garota, uma linda garota. Meu rosto corou ligeiramente. Seus cabelos eram curtos, acima do ombro, castanhos bem claros. Seus olhos eram azuis, um belo rosto rosado triangular e um nariz fino e arrebitado. Os dentes eram tão brancos que reluziam com o brilho da manhã.

            _Oh, me desculpe. – a garota disse, sorrindo. Aquele sorriso repleto de dentes brancos me deixou escarlate. Droga... – eu não o vi. Eu estava distraída.

            _ Tudo bem. – eu disse, admirando com a sua voz macia – eu também não estava olhando por onde eu andava. Acho que também te devo desculpas.

            _ Acho que nós dois temos que olhar para frente da próxima vez, então.- ela respondeu, rindo levemente – Ah, meu nome é Abigail. Abigail Willians.

            _ Matthew. Matthew Chambers.

            Nós dois apertamos as mãos. Abigail tinha as mãos quentes e delicadas, o que não era surpresa nenhuma. Ela só tinha um pequeno defeito, que não pude deixar passar despercebido. Havia uma cicatriz em seu pescoço, uma cicatriz mais alva que a sua própria pele. Ela parecia tentar escondê-la em uma blusa de colarinho alto.

            Assim que soltamos as mãos um do outro, eu percebi como ela se vestia. Era um estilo meio gótico. Não, era quase isso, mas tinha algo um pouco mais cativante em sua forma de mover as mangas largas. Ela usava uma saia preta e sapatos com salto envolvidos por cintos de couro. Era um estilo bem exótico, mas ela continuava bonita e, certamente, ela tinha estilo. Aparentemente, ela também estava reparando em minha forma de vestir. Eu usava uma camisa preta de manga curta, calças jeans e um tênis cinza. Nunca fui muito preocupado com a aparência.

            _ Prazer, Matt. – ela disse, enfim – Posso te chamar assim, não é?

            _ Oh, claro. – respondi apressadamente. Não queria causar nenhuma má impressão.

            _ Então. – ela continuou, sem dar muita atenção à minha resposta – você é o novo garoto de Seattle, não é? De quem todos estão falando?

            _ Sou de Seattle. Mas não estou certo em relação à segunda pergunta. Eu não costumo ser tópico de fofocas – mentira cabeluda – mas você não parece ser daqui.

            _ Ah, você descobriu. – ela disse, levando a mão aos lábios, fingindo estar escondendo um segredo e, depois riu timidamente – Eu sou de Charlotte.

            _ Carolina do Norte?

            _ Isso mesmo. Mudei-me pra cá há uma semana, mas hoje é meu primeiro dia de aula aqui. É tão excitante! – ela parecia bem sincera.

            _ Não sei se “excitante” é a melhor palavra para descrever essa escola. – eu respondi, desanimado – quer dizer, todos parecem te julgar apenas por ser de outra cidade.

            _ Eu sei, parece até aqueles filmes teen, não é? – ela disse, sorrindo – é isso que deixa a vida aqui tão divertida.

            Eu a olhei, surpreso. Ela disse uma coisa que eu não havia pensado desde o dia em que soube que iríamos nos mudar. Olhando por aquele ângulo, as coisas realmente ficavam mais fáceis. Como um filme, e eu era o astro. Eu dei uma risada com minha piada particular, mas ela pareceu entender, e riu também.

            _ Então, acho que estamos na mesma turma, certo? – ela comentou.

            _ Eu espero. Você foi a primeira pessoa com quem eu conversei desde o meu primeiro dia aqui. Ah, tem o Edmund, aquele grandalhão ali, mas não posso dizer que foi o melhor diálogo que já tive.

            Ela riu e, pela primeira vez, eu senti que o dia naquele lugar minúsculo estava completo. Ela me compreendia, e eu a ela. Estávamos começando a nos entender.

            _ Olha, Matt. Eu preciso ir à biblioteca pegar alguns livros, nos encontramos na sala, então?

            _ Claro. Foi um prazer, Abigail.

            _ Por favor, me chame de Abi. – ela sorriu – agora deixa eu ir, senão nos atrasamos.

            Na verdade, já estávamos atrasados. Assim que ela passou por mim, eu senti um perfume suave, doce. Era familiar demais. Me virei para ela novamente, curioso.

            _ Hei, Abi. – eu chamei.

            Ela se virou para mim, ainda com um sorriso estonteante.

            _ Sim?

            _ Que perfume é esse que você está usando?

            _ Ah, é lavanda.

 

            Eu me sentei em minha cadeira, ainda pensando na conversa que tivera a pouco com a garota nova. Ela era incrivelmente encantadora, sorridente e comunicativa, bem diferente de mim. Mas o que mais me chamou a atenção foi seu perfume. Tudo bem que lavanda não era tão incomum, mas era o cheiro que andei sentindo desde o momento em que saí de casa. Julgando a minha habilidade bizarra em sentir aromas que vinham de lugar algum, eu percebi que aquilo significava algo bom, não sei o quão bom, mas era melhor que ruim, com certeza.

            Não demorou muito e Abi entrou na sala, exibindo um sorriso que certamente chamou a atenção da maioria dos rapazes. Assim que ela me viu, acenou alegremente e veio em minha direção. Como os lugares estavam quase todos ocupados, ela se sentou na fila ao lado, a duas cadeiras de distância. O professor ainda não havia chegado.

            _ Alô, Matt. – ela cumprimentou – Você já viu a biblioteca daqui? Quantos livros bons! Adoro suspense.

            Eu enfiei minha mão e peguei um livro que eu estava lendo: “Enigma dos Quatro”. Ela o olhou, fascinada. Eu sorri contente ao ver a empolgação dela por livros. Era bom saber que ela compartilhava da mesma paixão que eu.

            _ Esse livro é ótimo! – ela disse, estendendo as mãos para pegar o livro, enquanto eu a entregava.

            _ Eu estou lendo pela segunda vez. – falei retribuindo o sorriso – Eu gosto de saber como as mentes brilhantes funcionam.

            _ Tenho que confessar uma coisa. – ela sussurrou, me entregando o exemplar de “Enigma dos Quatro” depois de admirá-lo – eu sou viciada em leitura. Sabe, eu estou escrevendo um livro.

            _ Sério? – eu a olhei, admirado. Era uma garota de talentos – gostaria de ver algum dia. Sobre o que é?

            _ É sobre uma garota que se apaixona por um cara, mas eles não podiam ficar juntos, pois pertenciam a mundos diferentes. – ela parecia orgulhosa a cada palavra.

            _ Ah, o tipo Romeu e Julieta?

            _ Não, nem perto. Na verdade, esse mundo diferente é bem mais que status social. Ele pertencia a uma colônia de adoradores do Sol, e de lá eles tiravam todo o seu poder. Ela pertencia a uma colônia de adoradores da Lua e...

            _ Ela obtinha poderes da Lua? – eu arrisquei.

            _ Exato. Mas não é só isso. Eles enfrentam outras colônias.

            _ Uau! – eu exclamei – uma garota do segundo ano escrevendo histórias de ficção e romance.

            _ Na verdade... – ela olhou para a janela – eu não considero um romance. Acho que é só sobre duas pessoas com destinos diferentes. Eles não podem viver juntos, porque a Lua e o Sol nunca se encontram.

            _ Mas sempre há o eclipse.

            _ Talvez... – ela parecia pensativa, olhando algo mais além do pátio pela janela – mas será que vale a pena esperar tanto? E se eles não tiverem tanto tempo?

            _ O destino não pode fazer nada. – eu olhei para a janela e, em seguida, voltei minha atenção aos olhos dela – nós somos donos do nosso futuro. É um dom de todos.

            Ela se virou para mim, sorrindo. Antes que pudesse dizer alguma coisa em resposta, o professor entrou na sala de aula. Era o professor de Álgebra, o nome nem me lembrava mais. Logo atrás dele, Edmund surgiu, parecendo um urso faminto. Seus punhos estavam enfiados nos bolsos da jaqueta, sua mochila pendurada apenas no ombro esquerdo. Davis estava apenas tentando parecer inatingível, como se, a próxima ver que colocasse as mãos em mim, eu me arrependeria. Mas não me preocupei. Ele se sentou em seu lugar, no fundo da sala, sem desviar o olhar. Ele parecia bem concentrado. Vez ou outra, seus olhos corriam pela sala, pousando violentamente em mim.

            Abigail piscou para mim, e deu uma risada silenciosa. Ela devia achar divertido o fato de eu ter derrubado um cara daquele tamanho. Era desconcertante saber que as notícias em uma cidade pequena se espalhavam tão rapidamente. Eu só fiquei tenso, me perguntando seu eu teria a mesma sorte quando fosse enfrentar quatro caras duas vezes maiores que eu.

            _ Bom dia. – o professor de álgebra falou, dando fim às conversas paralelas – antes de começarmos nossa aula, gostaria de dar as boas-vindas à nova aluna. Srta.Williams.

            Abi levantou-se educadamente e acenou com a cabeça para o professor e os demais alunos. Seus olhos demoraram um pouco mais quando ela olhou para mim. Ela sorriu e disse em alto e bom som.

            _ Bom dia, pessoal. Meu nome é Abigail Williams, mas podem me chamar de Abi. Por favor, não me julguem pelas minhas roupas. Acreditem, eu sou mais perigosa do que pareço.

            Todos em sala de aula riram, inclusive eu. Edmund, por outro lado, não parecia disposto a exibir um sorriso naquela manhã. Abigail continuou:

            _ Sou de Charlotte, na Carolina do Norte. Estou feliz por estar aqui, e ansiosa para conhecer a todos.

            A sala inteira aplaudiu. Sua beleza, suas roupas exóticas e seu humor cativante eram impecáveis, perfeitos demais. Ela era o tipo de garota que se daria bem em qualquer lugar, e eu arrisquei um palpite de que ela seria popular muito em breve.

            Após a amistosa apresentação, o professor iniciou a aula. Algumas garotas puxavam conversa com Abi, elogiando os sapatos ou fazendo observações positivas em relação à suas roupas. Ela respondia, sempre sorridente, e eu não pude deixar de perceber como ela era rápida enquanto conversava e copiava a matéria no quadro. Decidi copiar a matéria também, afinal, não podia ficar para trás.

            Assim que as aulas se passaram, o sinal para o recreio soou. Seria mais um dia tranqüilo desde que Edmund não resolvesse tirar satisfações comigo. Eu levantei, silenciosamente, procurando não chamar a atenção do predador. Quem veio me procurar não foi Davis, e sim Abi.

            _ Hei, Matt. – ela me segurou pelo ombro – escuta, não quer ficar com a gente no recreio?

            _ A gente? – eu a observei, confuso.

            _ É. Eu e as meninas. – ela disse, apontando para três garotas que estavam logo atrás dela.

            Assim que me virei, elas acenaram sorridentes, e começaram a dar cotoveladas umas nas outras. Dessa vez, eu consegui segurar o sangue abaixo do pescoço, e eu não fiquei corado.

            _ Elas te acham bonitinho – Abi cochichou, dando risadinhas – faça esse favor, venha se sentar com a gente. A não ser que você tenha planos com seu amigo Edmund.

            Nós dois rimos, nos virando para a cadeira vazia do valentão. Ele saíra da sala sorrateiramente, e percebi que ele estava querendo me evitar. Finalmente eu respondi.

            _ Tudo bem. Acho que Edmund está ocupado batendo em outra pessoa hoje.

            _ Perfeito. – Abi sorriu.

            Assim que cinco saímos pelo corredor, Abi passou seus braços em volta do meu braço esquerdo, conversando alegremente sobre seu primeiro dia, como as pessoas eram legais e como o professor de biologia, Prof. Devon, era simpático.

            _ Uma aula dinâmica. – Abi mencionou para a amiga ao lado.

            _ Espere só até ver os testes que ele passa. – a garota loura ao meu lado falou – ele não dá mole não.

            _ Nem deve. – Abigail interrompeu, ainda exibindo sua satisfação na nova escola – minha antiga escola nunca foi fácil. Muitos na minha sala ficaram na corda bamba ano passado.

            _ Aposto que você passou sem suar – eu brinquei.

            _ E quem precisa suar com biologia? – Abi respondeu, balançando o meu braço – é tudo tão fascinante, cada célula responsável por alguma coisa, tudo tem uma função específica, única. E quando sai alguma coisa errada, o sistema corrige, eliminando o problema.

            A conversa estava estranhamente agradável. Conversar sobre as disciplinas e os professores nunca foi tão legal, e as outras três meninas também achavam o mesmo. Abi tinha o dom de tornar qualquer assunto mais interessante.

            Assim que chegamos ao pátio, as garotas apontaram para o refeitório. Aparentemente, era o lugar preferido delas. O sol parecia mais ameno daquele lado. A única coisa que me incomodava era ter que ficar sentado em uma mesa ao lado de quatro garotas que, com certeza, teriam muitas coisas de garotas para conversar.

            O refeitório era bem arejado, cheio de pilastras de concreto com cartazes de festas, horários de aula e normas de condutas. Eu não gostava tanto daquele lugar, estava cheio demais. Abigail me puxou pelo braço, me conduzindo até a mesa onde as garotas tinham o costume de ficar.

            _ Olha, isso é bem... – eu comecei a gaguejar.

            _ Ah, por favor, não seja machista. – ela me repreendeu.

            _ Não é isso. É que, bem... Eu não levo jeito...

            _ Por que a gente não...

            Ela parou abruptamente. Eu pude sentir todo o seu corpo enrijecer, os lábios dela se contorceram e suas mãos apertaram meu pulso. Ela se virou lentamente para uma pilastra a uns dois metros de distância. Eu acompanhei seus olhos e vi o mesmo que ela via.

            Um garoto de capuz preto estava encostado de costas na pilastra, as mãos dentro dos bolsos do jeans e uma das pernas flexionadas, com os pés firmes na barra de concreto. Eu não pude ver o rosto, mas eu reconhecia aquela figura em qualquer lugar. Era o garoto que havia me dito para ter cuidado com a mulher do trompete. Ao que parecia, Abigail o conhecia, e não agradava em vê-lo ali.

            _ Me espere aqui, Matt. Só vai levar um minuto, ok? – ela me pediu.

            Ela não esperou pela minha resposta. Ela soltou meu braço e foi até o garoto, a passos lentos e cautelosos. Eu comecei a duvidar que ela o conhecia. Uma coisa era certa: eles não eram amigos. Não mesmo.

            As outras três garotas já estavam na mesa nos esperando. Mas eu fiquei a uma distância razoável daquele garoto, observando a reação dos dois. Abi se aproximou dele e ficou de frente para o garoto. Ele baixou o capuz. Seu rosto era magro, os cabelos louros eram quase dourados e estavam espetados, seus olhos eram verde-intensos. Ele tinha uma expressão nada amigável.

            Eu não pude ouvi-los, mas pelo movimento dos lábios de Abi, ela parecia estar falando vagarosamente, e escolhendo cautelosamente as palavras. O garoto a olhou com os olhos estreitos e fez uma carranca. Ele valou, rápido demais e baixo demais. Por um momento, Abi ficou calada, parecendo ansiosa. Mas aí sua expressão mudou. Suas sobrancelhas se curvaram e sua boca se contraiu. Quando ela começou a conversar, ela parecia bastante irritada.

            A reação do garoto não me agradou. Ele ficou ereto, olhando furiosamente, agarrou o braço dela e a aproximou do seu rosto e, pelo que pude perceber, ele estava sussurrando nervosamente no ouvido dela. Eu não sabia se ele era perigoso. Movimentei-me rapidamente. Fui até os dois , dando passos largos e rápido e, assim que os alcancei, me coloquei entre os dois. Eu segurei o braço do garoto pelo pulso e o fiz soltar Abi.

_ Algum problema, Abi? – eu perguntei, encarando o garoto.

_ Matthew? – ela olhou para mim, surpresa – O que foi? Algum problema?

_ Esse cara aí está te incomodando, não está?

Eu o encarei. Ele não estava tão furioso agora, ele parecia mais confuso, seus olhos pareciam me estudar minuciosamente. Eu não agradei nenhum pouco da forma como ele agia e olhava. Parecia um delinqüente fugitivo, ou algo assim.

_ Matt, eu estou bem. – Abigail, assim que voltei meus olhos para ela, estava sorrindo gentilmente.

Então eu percebi em seus olhos. Ela parecia confusa também, tanto quanto o estranho à minha frente. Eu havia visto os dois discutindo, ele tinha sido agressivo, e ela estava irritada. Isso não era só neurose. Mas a maneira como eu fiquei a frente dos dois pareceu patético assim que eu comecei a perceber o que havia feito.

            _ Oh, Desculpe, Abi, eu... – eu estava, definitivamente vermelho agora. Eu não era ninguém para ela, e vice-versa. O que ela ficaria pensando de mim? O que havia me impulsionado a tomar as dores de alguém que eu sequer conhecia – eu vi ele te segurando pelo braço, então...

            _ Ah, não está tudo bem. – ela repetiu, sorrindo – eu sei me cuidar, sabe?

            _ Você arranjou um namorado? – o garoto perguntou para ela. Sua voz era grave, mas não demonstrava nenhuma agressividade.

            _ Ah, não seja idiota. – ela respondeu rispidamente. A resposta dela me incomodou. Talvez um “sim” me deixasse mais contente.

            _ Mas... – eu tinha que tentar melhorar a situação para o meu lado – olha, foi mal se eu atrapalhei alguma coisa, mas vocês não pareciam amigos de onde eu estava.

            _ Amigos? – o garoto pareceu cético – como alguém poderia ser amigo dessa garota?

            _ Deixe-o, Matt. – ela se virou para mim, segurando meu braço – Vamos sair daqui.

            _ Hei, garoto. – o estranho se virou para mim, com um sorriso cínico no rosto – você tem que saber com que tipo de gente você anda.

            _ Brown! – ela rosnou.

            _ Desde que não seja você, eu não me preocupo muito. – respondi com veemência – Então seu nome é Brown, hã?

            _ Brian Brown. Você é Matthew Chambers, o garoto que derrubou a Muralha Davis, certo?

            Eu exibi o mesmo sorriso sarcástico e falei tentando mostrar o máximo de arrogância em minha voz:

            _ Pena não poder dizer que é um prazer, porque não é.

            _ O sentimento é recíproco.

            Abigail me puxou pelo braço, com os dentes cerrados.

            _ Vem, Matt. Deixa o cara aí.

            Antes que eu a acompanhasse em seus passos rápidos, eu parei, me lembrando do dia anterior. Aquele garoto, de alguma forma, sabia quem era aquela mulher grã-fina e havia me aconselhado a tomar cuidado com ela. Eu tinha que saber o porquê.

            _ Hei, Brown. – eu falei, me virando para ele novamente.

            Ele apenas me olhou, ainda com um sorrisinho insolente.

            _ Sobre ontem – eu continuei – O que você quis dizer quando me avisou para ter cuidado? Quem era aquela mulher?
            _ Ah... – ele parecia pensativo agora, mas o sorriso continuava ali – Nada em especial. Eu fiquei surpreso quando você conseguiu enxergá-la...

            Abigail estava ao meu lado assim que Brown se calou, pensativo. Os olhos dela se dirigiam de mim ao outro garoto, curiosa e preocupada ao mesmo tempo. Os dois trocaram um olhar inexpressivo, então Abi se virou para mim.

            _ Que mulher você viu. – ela quis saber – Do que você e Brian estão falando?

            Eu estava pronto para responder, mas Brown me interrompeu se aproximando de nós dois enquanto falava.

            _ Ele viu a ilusionista. – ele enfatizou a palavra “ilusionista”, como se houvesse algo mais naquela conversa – Não sei como, mas viu.

            Não sei o que havia de tão errado em ver uma mulher mas, fosse o que fosse, Abigail me encarou, uma mescla de espanto e curiosidade. Ela se afastou dois passos, mas não era repulsa ou medo, ela parecia estar tentando ter uma visão mais ampla de mim, como se, de repente, eu tivesse algo de especial.

            _ Como ela era? – Abi perguntou – se você a viu, sabe descrever. Não que eu esteja duvidando, entende. Mas eu preciso saber se você viu mesmo.

            _ Bem... – de repente, os dois estavam olhando para mim. O clima de discussão havia sumido. Eu comecei a descrever a mulher – ela usava um terno de risca de giz, eu acho. Tinha os cabelos castanhos... Ah, um coque, os cabelos estavam amarrados em coque. Óculos escuros, um trompete... Por que tanta curiosidade de repente?

            Eu os observei, curioso. Eles também me observavam com uma curiosidade ainda maior. Eu desejei não ter mencionado sobre a mulher misteriosa, meu rosto começou a corar e eu percebi que não seria tão fácil quanto antes controlar. Pela expressão de Abigail, minha descrição tinha sido o suficiente e, para minha preocupação, ela parecia nervosa e pasmada.

            _ Onde... – Abi continuou – Onde você a viu?

            _ Ontem, na porta da escola.

            _ Ótimo – não, Abi. Não estava ótimo – Faça o seguinte, siga o conselho de Brian, e mantenha distância dessa mulher, caso você a encontre. Aliás, ela te viu?

            _ Sim. – dessa vez foi Brian quem falou – e ela percebeu que ele podia vê-la.

            _ Droga! – eu bufei, furioso – Qual o problema em ver uma mulher?

            Abi mordeu os lábios, Brian chacoalhou a cabeça displicentemente.

            _ Eu tenho que ir. – ele disse – tenho outras coisas mais importantes a fazer.

            _ Resolveremos o nosso problema depois, Brian – Abigail disse, entre dentes – Agora, Matt. Vamos para a mesa, nós temos...

            TRRIIIIMMM

            O soar do sinal indicava o fim do recreio. Nem havíamos visto o tempo correr. Ele passou tão rápido que pareceram apenas cinco minutos. Abigail pareceu aliviada. Ela me agarrou pelo braço outra vez. Quando vi sua expressão, era novamente a Abi boa-gente de antes. Nada de nervosismo, pasmo ou irritação. Apenas um sorriso encantador.

            _ Vamos, Matt. Ah, deixa as garotas, veja. Elas estão conversando com aqueles rapazes. Namorinhos ha-ha.

            Subimos as escadas, passamos por várias salas e, finalmente, chegamos em nossa sala. Eu ainda não tinha engolido aquela conversa da “ilusionista”, mas eu não queria pressionar Abi, pelo menos não por enquanto. Sentei-me em meu lugar mas não consegui me concentrar no restante da aula. Havia algo de muito estranho acontecendo por ali. Desde o primeiro instante em que eu coloquei os pés naquela cidade, coisas suspeitas começaram a acontecer. E o fato de eu ter visto uma mulher que não deveria ser vista me deixou ainda mais preocupado. O que viria a seguir?

            A resposta não tardou. Eu estava com minha mochila nas costas, o sinal do término das aulas já tinha tocado, Abi ficara na sala conversando com a professora de inglês, e eu estava sozinho ali. Cheguei ao pátio sem muita pressa, em silêncio, sem olhar para os lados. Eu estava evitando os olhares curiosos desde o meu primeiro dia e, a cada segundo, isso parecia ainda mais difícil.

            Eu estava a alguns metros de distância do portão quanto eu ergui a minha cabeça para olhar para frente. Lá estava Edmund barrando a passagem, junto de mais três amigos grandalhões. Eles deviam carregar sacos de esterco na mesma roça. Ele estava sorrindo para mim, e seu sorriso era malicioso, quase cruel.

            Estranhamente, eu não estava com medo. Aliás, eu estava irritado com aquela situação que parecia não querer se desenrolar. Com o dia corrido, meus pensamentos a mil, eu havia me esquecido de Davis. A medida que eu dava um passo, ele dava outro em minha direção.

            _ Chambers! – ele disse, sorrindo debilmente – Por favor, não me diga que achou que ficaria por isso mesmo, achou?

            Ele e seus amigos deram gargalhadas. Eu revirei meus olhos, exausto de ver tanta estupidez em um dia só.

            _ Na verdade, eu estava achando que você daria uma trégua, já que hoje é sexta-feira. – eu respondi, tentando parecer tranqüilo. E não foi difícil.

            _ Ah, claro. Uma sexta-feira não vai salvar sua pele, Chambers. Na verdade, nem uma semana inteira poderia.

            Ele deve ter achado aquilo uma piada, porque começou a rir das próprias palavras. Não havia nada que eu pudesse dizer que o faria parar. Ele estava disposto a vir para cima de mim e ele não iria parar até me ver bem machucado.

            _ Olha, Davis. Vamos parar com isso. Qual é o seu problema, afinal?

            _ Deixa eu te dizer qual é o meu problema. – Edmund começou, sua voz mais parecia um rosnado – vocês, gente da cidade grande, acham que são superiores, que podem aparecer aqui e, de repente, nos zoar por sermos plantadores de milho, ou por dirigirmos uma pick-up velha.

            _ Acorda, Davis! Eu tenho uma bicicleta, o que á de errado em dirigir uma pick-up?

            _ Eu vi você com os outros dois novatos. – ele falou, sem dar importância às minhas palavras – eu vi no refeitório. Estão amiguinhos agora, hein?

            _ Novatos?

            _ Isso mesmo. Aquela garota estranha e o outro garoto, o isolado.

            Brian e Abigail. Assim como eu, eles eram novatos na escola.

            _ Sabe, você deveria ter feito como o seu amigo, e ficado longe de nós. – Edmund continuou.

            Então era isso. Era de Brian que Edmund tinha falado no dia anterior, quando ele disse que eu deveria ter ficado na minha. “O outro garoto da cidade grande ficou na dele, não incomodou ninguém. Por que você não fez o mesmo? Por que não se junta a ele?”. Era o que Edmund tinha dito momentos antes de eu esmagá-lo no chão.

            _ Vamos mostrar pra esse cara, pessoal. – Edmund apertou o punho na palma da mão, como um gesto de quem está pronto para brigar – Ford é a nossa cidade.

            Eles vieram até mim, rápido demais. Eles fizeram uma roda em minha volta, os outros três garotos rindo e apertando os punhos. Eles estavam prontos para brigar. E se fosse preciso, eu também.

            A primeira tentativa de ataque veio do garoto moreno logo atrás do grupo. Ele veio pra cima de mim em uma voadora sincronizada. Meu corpo respondeu involuntariamente. Minhas pernas flexionaram e afrouxaram e, quando dei por mim, eu estava por cima dele, no ar. Pude ver tudo em câmera lenta, tempo o suficiente para que eu alcançasse seus braços e, assim que caí no chão, eu o derrubei. Eu senti o osso dele se partir em minhas mãos. O grito de dor veio logo em seguida. O grandalhão caiu no chão, gemendo, mas seus amigos não pararam para socorrê-lo.  

            Eu me afastei alguns passos, perplexo. Todos estavam me olhando, pasmos. Eu tinha machucado um aluno pra valer. Mas eu não tive tempo de me desculpar, ou tentar ajudá-lo. Um dos garotos levantou o punho, pronto para me acertar. Mas alguma coisa logo atrás dele o deteve. No inicio, eu só vi uma mão o segurando pelo cotovelo. Outra mão o agarrou pelo ombro e o lançou contra o chão. Assim que o espaço entre o círculo se abriu, eu pude ver claramente, Brian segurando o braço do outro garoto, imobilizado no chão.

            _ Hei! – Edmund exclamou – o que está fazendo, idiota?

            _ Dando uma lição nos imbecis. – gargalhou Brian.

            Edmund partiu pra cima dele, os outros dois logo atrás. Então era isso. Brian apareceu para me ajudar e, agora, eles o queriam em uma bandeja. Eu não podia ficar quieto. Joguei minha mochila no chão e, sem pensar direito no que estava fazendo, agarrei a camisa de Edmund e do outro garoto. O colarinho apertou suas gargantas e eles pararam a investida. Incrível! Sem muita força, eu havia segurado dois deles. Por um momento, eu havia me esquecido do garoto fraturado.

            _ Ora, seu... – Edmund olhou para mim. Suas pernas desgrudaram do chão. Ele lançou uma investida aérea saltando sobre mim.

            Antes que eu pudesse responder ao ataque, uma mochila acertou-o bem no rosto, com impacto. Ele errou o alvo (eu) e caiu maduro no chão. O outro amigo, ainda ileso, foi ao socorro do líder do bando. Edmund se levantou. O zíper da mochila tinha feito um corte feio em seu nariz. Eu reconheci a mochila e me virei para o outro lado.

            Ali estava Abigail, segurando a minha mochila e eu percebi que, se fosse preciso, ela iria usá-la como munição.

            _ Merda! – Edmund urrou, limpando o rosto ensangüentado – olha o que você fez, vaca!

            Abi pegou sua mochila e caminhou apressadamente até mim, me entregando a minha mochila.

            _ Você está bem? – ela sussurrou.

            _ Sim. – eu respondi quase inaudível.

            Brian soltou o braço do outro garoto e caminhou lentamente até nós. Nenhum dos quatro se atreveu a contra-atacar. Estavam mais preocupados com o corte no rosto de Edmund. Abi deve ter usado toda a sua força, para ter causado um impacto tão forte no rosto do Muralha Davis.

            _ É isso que eu estou falando! – Edmund começou a gritar, enquanto tentava parar o sangramento com a manga da jaqueta – esses novatos acham que podem tudo!

            Todos os alunos estavam olhando para nós três, espantados. A briga tinha chegado a um ponto crítico, dois dos adversários estavam feridos e aquilo não podia significar coisa boa.

            _ Vamos embora logo. – Brian falou de modo que apenas Abi e eu ouvíssemos – a coisa aqui vai ficar feia.

            Ele estava certo. Nós passamos pelos alunos, que continuavam a nos encarar com uma expressão de horror. Isso, “horror” era a palavra certa. Uma coisa era a minha sorte ao bater em um Edmund. Outra coisa bem diferente eram três novatos relativamente pequenos abaterem quatro grandalhões com punhos de aço. Mas, naquele momento, a única coisa que me preocupava era se meus pais iriam descobrir sobre a briga. Enquanto isso não acontecia, eu só queria entender o que estava havendo comigo, e com todos a minha volta. Eu estava com medo. Eu não me sentia seguro dentro de mim. Pela primeira vez, eu senti um medo tão forte, tão intenso, que quase me partiu ao meio. Eu não esperei Abi e Brian. Eu simplesmente corri, com todas as minhas forças, com toda a vontade. Eu não queria estar ali. Eles não me viram sair.

            Quando forcei minhas pernas a correrem, eu me senti estranhamente leve. Eu não havia me dado conta de quão rápido estava. Assim que eu freei, já estava perto da rodovia. Eu havia corrido rápido demais. Não gastei a metade do tempo que levaria de carro. O medo finalmente me partiu. Eu me sentei na calçada, envolvendo minhas pernas com os meus braços. Estava muito claro agora. Havia algo em mim mudando, me fazendo sentir um medo que eu não pude sentir antes. Eu encostei minha testa em meus joelhos. Eu estava tremendo. Pessoas misteriosas, sensações estranhas, uma força que eu não tinha, uma velocidade humanamente impossível. Eu feri um garoto, eu quebrei o braço de uma pessoa sem nem fazer força. Eu simplesmente o fiz, sem hesitar. Começou a chover. Que hora para chover! Eu queria que o velho Vincent estivesse ali. Ele saberia o que fazer.


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