A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 51
Uma Vitória, Um Preço Alto


Notas iniciais do capítulo

Comentem por favor. Sinceridade acima de tudo



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Uma Vitória, Um Preço Alto

 

Matthew Chambers... Matthew vance

 

Eu já vi muitas coisas nessa vida. Coisas que muita gente nem sonhou. Já conheci pessoas que me marcaram para o resto da vida. É até engraçado a forma como nos vemos depois de um tempo. Nem parece que somos nós. A pior coisa, no entanto, é sentir medo de quem somos. Como se não fosse seguro ser você mesmo. É agonizante, desesperador. Mas, depois de um tempo isso passa. Aí você consegue desfrutar a vida e aceitar o destino que ela lhe preparou.

            O medo é quase tocável. Na verdade, ele chega a doer. Dói de uma forma inexplicável, cruciante. É pavoroso. Parece que não acaba nunca. Mas chega uma hora que tudo isso passa, e a sensação é incrível. Rejuvenescedora. Vivendo e aprendendo, é o que dizem. É assim que a vida funciona. Nem todos param para apreciar uma noite de lua cheia, ninguém percebe que ela nos olha quando ninguém nota. Ela sabe de tudo, vê tudo. Com a lua, não existem segredos. 

 

Ah, se pudessem ouvir minhas entranhas gritarem agora. Descobrir algum propósito de viver. Perceber que você nunca será aceito. Não importa o quanto tentemos negar, fugir. Cedo ou tarde, a mentira desmorona, e nós caímos por terra, junto com ela.

            O que fazer quando uma mentira nos mantém vivos? E quando ela é desmascarada? Nós morremos?

O cheiro de sangue é tão intenso agora. É quase palpável.  É quente, mas nem chega a doer. Apenas uma ferida pulsante, entorpecida. Só que dá uma sensação engraçada. Dá um vazio. Mas um pouco de satisfação. Significa que não precisamos mais sustentar segredos. Porque ninguém estava preparado para ouvi-los... Mas eu também não estava preparado para guardá-los.

            O cheiro de sangue está mais forte. É claro que todos morremos um dia. Mas para uns, acontece tão rápido, e nem sempre é do jeito que se esperava. A verdade não machuca. Ela mata.

Não. O cheiro não é só sangue. O odor é diferente. Cheira a morte.

Ela fede.

 

            O corpo abraçado a mim é terrivelmente familiar. Não esperava que a morte poderia chegar até nós dessa forma. Um segundo antes da morte ficamos inteiramente lúcidos, sem dor, sem nenhum tipo de problema. Não, morrer não é bom, mas ruim? Não sei o que dizer. É verdade quando dizem que um filme passa pela nossa cabeça, exibindo as imagens de uma vida conturbada, principalmente como a minha.

Eu sentia ódio da minha mãe, a mulher que me traíra covardemente. Mas... Vale a pena? E tudo o que vivermos? Sentados naquela mesa, conversas familiares, Emi tão infantil e inocente, Rich tão teimoso. Papai tão sábio, mamãe tão responsável. Eu tão feliz.

Minha história se queimou, junto com todo o resto. Lamento as perdas, não somente a minha. Sinto muito, Abi. Minha vida já não é mais uma promessa, apenas um rastro do passado. Mas a sua ainda é o presente, e será o futuro. Então seja forte.

Se pudesse me ouvir, provavelmente eu diria que você é a garota mais teimosa e excêntrica que já conheci.

Acho que meu corpo está quase seco, agora. Mas ainda sinto o calor dos braços daquela mulher, aquela mãe distante. Ela errou, de fato. Mas o que ela deve estar pensando? Eu sei que eu estou pensando um monte de coisas. Não me arrependo da vida que levei. Só queria ter dado um abraço em minha mãe e dizer que ainda a amava. Mas ela estava certa. O amor não é o suficiente. Mas sem ele, nada é.

            Espero que eles estejam bem. Está indo. Está tudo branco agora. Soa meio clichê, mas não tem nada melhor do que um bom clichê para encerrar uma vida bagunçada. Um pouco de paz. Ta bom assim. Confortável. Brian... Ainda está lutando. Boa sorte, amigo. Proteja nossos amigos, porque eu sei que você tem um bom coração.

            É acho que estou indo. Meu corpo não é mais meu. Tudo é branco. Calmo. Pacífico.

 

            *************************************************************

 

Brian Renwick

 

            Foi um alívio e, confesso, um prazer imenso ver o corpo daquele haunter desprezível cair aos meus pés. Ford, seu imbecil! Não subestime a força de um Renwick. Seu corpo está vazio no chão, sem vida, assim como todos os seus amigos, aquela escória traidora.

            Está silencioso. O que houve com toda aquela confusão? Acabaram? Barclay está morto? Ah, é melhor que esteja. Matthew, seu idiota! É bom estar vivo!

            Passo pelas pilastras derrubadas. O lugar está deserto. A única coisa audível é minha respiração, ofegante. Que bagunça nós fizemos nesse lugar.

            _ Matthew! – eu grito. Minha voz ecoa meio estranha naquele lugar aparentemente deserto. Onde estão aqueles idiotas? – Richard? Alguém!

            Continuo procurando. Uma névoa branca e densa se formou, acho que a temperatura caiu um bocado. Não sei como vamos sair, mas dali não saio sozinho. Meus pés batem nos blocos de gelo, levantando pedaços cristalizados, flutuando no ar meio estranhamente. Que hora pra ficar observando esse tipo de coisa!

            Minha visão, meio turva por causa do cansaço, começa a correr em todas as direções, procurando vestígios de vida. Um silvo de exclamação sai da minha garganta. Jericho morto. Mortinho, cheio de buracos. Ah! Grande babaca! Matthew é mesmo um cara forte, tenho que admitir. Onde ele se meteu?

            _ Matthew! Matthew... – minha voz perdeu força.

            Meus olhos viam, mas minha mente se recusava a acreditar. Richard! Seu idiota!

            Começo a correr em direção ao seu corpo caído. “Esteja vivo”, é só o que consigo pensar.

            Me debruço sobre ele, em pânico. Não, cara! Acorda, vai! Não me faça essa sacanagem! Procuro todos os sinais, pulsação, respiração, qualquer coisa. Insisto. Dou uns tapas de leve no seu rosto. Seus olhos estão abertos, olhando pro teto sem nenhum interesse.

            Morto.

            Não posso evitar. As lágrimas simplesmente insistem em sair. Danem-se! Eu estou com o corpo de Richard nos braços! Como Matthew vai lidar com isso... Como eu vou lidar com isso?

            _ Matthew! – eu grito, em desespero – Imbecil! Seu irmão! Ele morreu, sabia! Vai ficar sem fazer nada! SEU IDIOTA DE UMA FIGA! É BOM ESTAR VIVO OU EU TE MATO!

            Minha voz ecoa, no completo silêncio. Ele não está ali. Não, ele não está mais em lugar algum. Abandono corpo de Richard. Começo a correr, em completo desespero. Removo pedras, blocos de pilastras, corpos.

            Ali está Charlie... Era uma grande garota. Merda, isso só me faz querer chorar. Eu não posso chorar, que coisa mais estúpida! Minhas mãos tateiam o chão, as paredes, meus pés chutam qualquer coisa. Olho em volta. Ao longe, Sophie... O que restou dela. Eu a vi lutar. Eu a vi morrer. Guerreira de fibra. Por favor, Sophie, não me faça chorar mais, ok?

            Desde quando eu sou sentimental? Acho que é o silêncio e a solidão. Agora eu tenho certeza. Estou sozinho. Todos mortos, nenhum sinal de...

            Encontrei. A mulher, a miserável mãe de Rich e Matt. eles estão abraçados. Mãe e filho juntos.

            Corro até eles, seus corpos cobertos de sangue e lâminas afiadas. Merda, Matthew!

            Eu removo aquele abraço fúnebre, afasto o corpo da mulher e puxo matthew para mais perto.

            Olhos fechados. Não parece estar sofrendo. Parece tão pacífico. Mas morto.

            _ MEEERRDAAAA!!!!! – minha voz sai sem meu consentimento.

            Penso em um monte de palavrões, mas não encontro nenhum bom para ser usado no momento.

            Matthew... Você disse que iria viver, cara! Por que foi morrer assim?

            Fico sem entender. Por que estavam se abraçando? O que eles disseram um para o outro? Eles ainda se gostavam? Será que Elisabeth amava o filho? O que eles deviam estar pensando naquele momento?

            Levantei-me, levando as mãos a cabeça. Gritar. Era só o que eu queria. Um urro de dor, de raiva, frustração, uma mistura besta de um monte de sensações que eu não gostava de sentir.

            _ QUE MERDA DE VITÓRIA FOI ESSA!!!

            Eu queria dizer um monte de coisas. Meus olhos pousam naquela mulher. A mãe de Matthew. Suja, mesquinha. Uma vadia. Não me importo com o que ela pensava.

            Caminho até ela.

            _ Vadia... – eu murmuro. Mas os murmúrios dão lugar ao tom de voz agudo e furioso – VAGABUNDA!

            Começo a chutar o corpo vazio. O cadáver se move de um lado para o outro, a mulher sem vida. Sinto as lâminas pregas em seu corpo rasgarem os meus pés, mas não dou a mínima. Isso não vai me machucar mais do que eu já estou.

            Abandono o corpo daquela mulher. Vou até Jericho. Ah, agora é minha vez. Um soco! Seu sangue respinga em meu rosto.

            _ MISERÁVEL! – minha voz insulta o cadáver do inimigo.

            Meu punho se fecha e acerta o seu corpo sem cabeça. Só quero extravasar a dor. Encontro a cabeça idiota de Jericho.

            Piso como se fosse inseto. O crânio estrala, e se quebra embaixo da minha sola. Uma mancha de sangue suja minha calça e o chão congelado. Você está morto, cara! Morto para sempre!

            Muitos estão.

            Não há muito que eu possa fazer, afinal. Aquele lugar me parece uma boa sepultura. Fria, luminosa, onde ninguém poderá, jamais, profanar.

            Passo dez minutos fazendo buracos, enquanto uma ou outra lágrimas insiste em escorrer no meu rosto sujo. Buracos bem feitos, sincronizados, um ao lado do outro. Covas para os meus amigos, como é poético!

            Deito Sophie. Depois os gêmeos, em uma mesmo cova. Sempre inseparáveis, eu não queria que fosse diferente. Depois Loui. Nunca nos conhecemos bem, mas eu sei que acabara de perder um parceiro com potencial para amigo. Por fim, Charlie. Ela era uma figura. Merecia um bom lugar. Enterro todos.

            A terra congelada cobre com facilidade. Logo nem parece que existiu buracos ali. Na verdade, todo o lugar está irreconhecível.

            Aproximo o corpo de Rich e Matthew. Olho para uma pilha de cadáveres ao longe. Não sei bem o motivo, mas, de alguma forma, eu senti que deveria sepultar Elisabeth, também. Mas eu não fiz. Mandei essa voz na minha cabeça calar a boca e joguei o corpo da mamãe Vance sobre a pilha de inimigos mortos. Um bom lugar, o topo dos derrotados. Espero que esteja confortável aí em cima, “Lizzie”!!!

            Jogo Richard por cima de um ombro e, depois de remover as pétalas, jogo Matthew por cima do outro. Caminho em direção ao véu, quase opaco. Quando eu chegar lá fora, vou contar toda a histórias, do meu jeito.

            Os Vance são incríveis. Matthew salvou o submundo. Simples, direto.

 

Abigail Blair

 

            Todos estão a postos. Encaram o portão esperando pelo pior. Eu não. Confio nas palavras de Matthew. Ele me prometeu que viria então não tenho do que questionar. Mas... Por que essa sensação estranha? Como se tudo tivesse acabado. Não apenas a guerra. Tudo mesmo.

            Sinto um aperto no peito, uma sensação estranha.

            As tropas estão prontas, se necessário, irão atacar. Os traidores foram capturados e, logo, serão executados. Mas eu estou me lixando para toda essa gente. Se Matthew estivesse aqui, a minha certeza de que “tudo iria acabar bem” seria mais convincente. Me arrependo de ter deixado Rich, Matt e Brian lá dentro, sozinhos. Só faltam eles.

            Todos estão apreensivos. Cary está segurando Emi nos braços, é o que parece, elas parecem unidas, fortes, mas tão desoladas. É obvio que Cary queria estar protegendo Matthew. Mas ele havia renunciado. Não é Cary quem decide. Cary apenas seguiu a indicação dele. As vezes eu queria que ele fosse menos corajoso.

            Estevan está sentado ao lado de dois amigos do bando. Ele está mal. Sophie morreu amargamente, sem nenhuma piedade. Eu consigo compreender a dor que ele sente. Bem demais.

            Sinto uma mão apertar a minha. Viro-me. Confesso que fiquei surpresa, mas entendo perfeitamente o que todos estão sentindo. Camille está segurando a minha mão como quem ajuda um amigo a se encontrar. Ela está me mantendo firme, segura. Nunca nos demos bem, mas temos algo em comum. Parte da nossa vida ainda não passou pelo portão.

 

            Finalmente um movimento. O véu se move. Ele se tinge de um roxo vivo instantaneamente, opaco. Não. Não era isso que deveria acontecer!

            _ Cary! – eu a chamo – tire Emi daqui!

            Nem acredito que consigo falar depois de ver o que acabei de ver. Brian, carregando duas pessoas. Não estão vivas, eu sei disso.

            Cary parece segurar Emi com firmeza nos braços, desaparecendo logo em seguida, deixando um rastro de fumaça reluzente pra trás. Eu sei que Cary também não teria forças para ver aquilo.

Sinto Camille apertar minha mão com mais força. Ela também não queria ver a cena.

_ Tenho certeza que ele tentou – Camille murmura, de forma que apenas eu possa ouvir – Tenho certeza que ele tentou cumprir com a promessa.

            A única coisa que consigo fazer é assentir, enquanto assisto a cena, Brian caminhando, aos tropeços, com os corpos de Rich e Matt em seus ombros. Nada mais seria a mesma coisa.

 

            Camille Renwick

 

            _ Tenho certeza que ele tentou – é tudo o que eu consigo dizer, enquanto Abi corresponde ao meu gesto, nossos dedos abraçados, pela primeira vez, como amigas que nunca fomos – Tenho certeza que ele tentou cumprir com a promessa.

            Chorar está fora de questão. Matthew nunca pertenceu a mim. Ele foi de Abi, todo o tempo e, embora sempre fossemos amigos, me manifestei tarde demais. O que eu queria mesmo era xingar, quebrar tudo o que visse pela frente, quebrar os dedinhos de Abigail. Mas ela também sente muito dor, e isso já nos machuca o suficiente.

            Um grupo de pessoas corre para ajudar Brian. Archy, os haunters, Dominique. Eu não consigo me mover. Me sinto presa, desolada. Abi faz menção de ir também. Nossas mãos se soltam. Eu não quero me aproximar demais. Não quero ver o rosto de Matthew coberto pelo próprio sangue.

            _ Eu sou uma covarde... – murmuro para mim mesma.

            Sinto uma mão pousar em meu ombro.

            _ Você é excepcional, Camille – é a voz de Estevan – sua dor é grande como a minha.

            Eu o fito. Ele sorri, e posso ver que toda a sua vida esvaiu daquele olhar, antes tão penetrante e elétrico. Eu me jogo em um abraço, ele corresponde. Tantas amizades suprimidas, antes nunca manifestadas, começam a fazer sentido. Matthew era o laço entre todos nós, o laço que nos unia. Agora que ele se foi, é nossa obrigação mantermos esses laços. Não apenas por ele. Mas por nós mesmos.

 

Brian Renwick

 

            Todos começam a se aglomerar a minha volta, perguntando o que houve. Os mais íntimos se debruçam sobre os corpos dos irmãos Vance, desolados. Eu sei. Foi uma grande perda.

            Todos me fazem a mesma maldita pergunta: “Jericho Barclay morreu? Nós vencemos?”. Um dos homúnculos da tropa de apoio começa a me chamar, perguntando se a luta, finalmente, tinha acabado, se poderíamos ser felizes novamente.

            Felizes? Quem esse infeliz pensa que é?

            Nem percebo quando minha mão se fecha e acerta o rosto do infeliz. Ele cai de lado, com o nariz sangrando. Ele tenta revidar, mas o pessoal o afasta. Ah, deixa ele, pessoal! Deixa ele vir! Eu acabo com ele! Deixa eu extravasar minha raiva.

            _ FELIZ! – eu grito para o imbecil com o nariz coberto de sangue – FELIZ! PESSOAS MORRERAM!! FELIZ, É O QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO? SEU BABACA!

            Um monte de mãos começam a me deter, apoiando sobre meu peito. Me seguram, me fazem sentar no chão, me acalmam. Dominique e Archy pegam os corpos de nossos amigos no chão. Eles me lançam um olhar. Para minha surpresa, o cara com asas também parece mal.

            “Nós vencemos”, era apenas o que eu queria dizer. Mas a que preço? Acho que vou sentir saudades daqueles dois. 

             


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