A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 52
Uma Década – A taça e os Destinos


Notas iniciais do capítulo

Último Capítulo... Espero que gostem



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Uma Década – A taça e os Destinos

 

Emilliene Vance

 

            Existe uma coisa que as pessoas chamam de tempo. Dizem que é o remédio para todas as feridas, dizem que estão sem ele, dizem que o tem de sobra. Às vezes não se importam com tal tempo de forma alguma. Bem, eu digo que ele não é algo que mereça algum conceito. O tempo não traz vidas de volta, então pra mim ele não serve.

            Eu o classifico como um completo estranho andando na rua, do outro lado da calçada, em uma direção que você desconhece. Se você sabe pra onde está indo, aquele estranho não faz diferença alguma. É assim que aprendi a viver. Desprendida desse conceito “tempo”, desse estranho que vaga sem rumo. Eu sei pra onde estou indo. Sei quem me mostrou a direção certa.

            Matthew Vance.

            Todas as noites eu me pergunto onde aquele garoto deve estar. Hoje ele teria, o que, quase trinta anos. Teria uma sombra de barba no rosto, uma aparência mais madura, um ar superior, um Conselheiro, talvez. Mas ele preferiu abrir mão da maturidade, e doar seu sangue em prol de algo maior.

Meu irmão viveu de uma forma que nenhum guerreiro no submundo poderia expressar. Tornou-se um líder jovem. Morreu jovem. Mas conquistou sua primeira guerra ainda jovem.

           

            A história que Brian contou se espalhou por toda a Célula, e correu pelo mundo, e inspirou os soldados, deram mais vigor às tropas. Um garoto venceu, carregou consigo, até o seu ilustre funeral, uma medalha de honra ao mérito. Não era uma medalha de ouro, ou prata, ou que pudesse ser tocada. Ela foi feita em lágrimas, em sangue, em suor, tingida do mesmo tom azul de seus olhos determinados, com a mesma força e leveza que seu corpo. Tão leve que voou. Para longe. Chegou aonde ninguém chegaria.

            A história de Brian foi contada em uma versão interessante a todos. Os irmãos Vance acabaram com os inimigos, com um só golpe de misericórdia. Brian estava quase morto, quando Matthew o salvou. No último minuto, Elisabeth Vance protegera os filhos, lutando contra os inimigos, mas acabou morrendo no processo. O portão se fechou, lacrando os corpos de heróis que morreram em guerra.

            Embora Brian soubesse que jamais poderia esconder o passado de mim, resolveu inventar essa mentirinha, dizer que minha mãe tinha partido com um pouco de dignidade. Ele disse que o nome Vance merecia isso.

            Não, aquela mulher não era minha mãe. Eu a deixei na mansão, fazendo panquecas, cuidando da casa. Aquela é a minha mãe, ou a sombra da mulher que fora um dia. Está tudo bem pra mim, é fácil me apegar a boas lembranças.

            Dez anos mudaram muita coisa no Submundo. A começar pelos Alucates. Eles voltaram a ser nossos únicos inimigos de morte. Mas eu acredito que, em algum momento, uma nova rebelião poderá se levantar. Humano ou não, sempre existem aqueles insensíveis, incapazes de ver além do próprio orgulho.

            Mas, para esses rebeldes, é bom que estejam preparados. Estaremos sempre aqui.

           

            Já faz algum tempo que não vejo Brian. Após algum tempo, ele se transferiu uma outra célula, foi viver com o irmão mais novo. Disse que, depois de ver a guerra, iria prezar mais sua família. Quem diria, os pais de Brian tentaram outro filho. Quanta coragem!

            Nessa mesma manhã desci as escadas da célula, deixando os aposentos dos Estranhos. Abi e Camille estavam tão absortas em uma conversa que preferi não me intrometer. Percebi como elas estavam belas, maduras. Abi tinha deixado o seu cabelo crescer completamente, estava tão longo quanto o meu. Camille usava o seu em um coque impecável. Que bom tinham superado a perda. Dez anos ajudou a superar. Mas não digo que foi o tempo. Foi a determinação. Apenas isso.

            Archy conquistou o seu espaço, ao lado de Dominique. Ambos se tornaram Chefes de Tropa da Célula, participando das reuniões frequentemente. Meu tio os enxergava como uma terapia, uma forma de suprir a perda. Se tornaram bons amigos. Archibald e Dominique se tornaram os pupilos de Bradley Vance. Acho que ele ainda não se perdoa por ter abandonado o grupo há dez anos atrás, seguindo uma pista falsa. Como eu disse, o tempo não cura feridas. Ele as esconde, apenas isso.

            Estevan ainda não se recuperou, mas eu estou ajudando nesse processo. Ele tem sido um bom amigo, assim como Camille e Abi. Nos tornamos íntimos, e acho que isso foi bom para superar todo o conflito com o passar dos anos, e manter vivo os laços de amizade.

            Meu pai está morando na mansão ainda, vivendo o resto de nossa realidade. Eu continuo visitando. Preferi esconder a verdade. Para ele, minha mãe sempre foi uma mãe fiel, mulher ideal. Ele não merecia sofrer. Pelo menos alguém poderia viver sem toda essa dor. Que bom que era meu pai.

  

Os haunters estão por aí, vivendo suas vidas, livres do compromisso de viverem no submundo. Merecem isso, depois de salvar uma boa parte de humanos e homúnculos. Cadence, Kurt, Joshua, Sarah e Alexandra em seus merecidos descansos.

Bem, tem um Haunter que não conseguiu me deixar.

 

            Avistei Will perto da fonte de Madeleine. Ele exibia aquele sorriso bobo sempre que me via, acenava e, por pouco, não caía tropeçando em seus próprios pés. Ele se surpreendeu em como a garotinha cresceu e se tornou uma mulher forte.

            _ Emi – ele murmurou. Sua voz era grossa, firme como uma rocha, mas ao mesmo tempo macia e acolhedora – achei que não viria.

            Sua surdez regrediu com o tempo, parte de sua auto-cura. Ele conseguiu falar, e me conquistou com aquele tom de voz arrastado e suave.  

            Eu o beijei. Um namorado bobo, sem nenhuma consciência do quão recíproco era esse sentimento.

            _ Estou ansiosa por esse passeio a um bom tempo. De jeito nenhum eu desistiria – lancei um olhar desafiador, mas logo me rendi ao seu olhar ingênuo. 

            Ele sorriu com travessura, exibindo as mesmas feições do garoto de dez anos atrás. O surdinho que me salvara.

            _ Ótimo. Nós vamos montados num Aurupo, se não se importa.

            Eu o encarei, surpresa.

            _ Você ta brincando, certo?

            Ele riu de novo.

            _ Não se preocupe – ele passou o braço pela minha cintura, me conduzindo – Você ainda vai ter muito tempo pra me conhecer melhor.

 

             Haunters estão nascendo em todo o lugar. Humanos, homúnculos, todos com esse misterioso dom. Estamos tentando localizar um por um, mas tem se tornado mais difícil. O que o destino está tramando? Em todo o caso, estamos aqui, dispostos lutar pelo sacrifício do verdadeiro herói. Garantir que o equilíbrio permanecerá intacto.

            A taça? Bem, não era nada mais nada menos do que uma mensagem. Lembro-me como se fosse ontem, antes de derramar a água sobre o solo árido do deserto de Sonora, após ler a mensagem nas “sombras de luz”. Meu avô deixara uma mensagem.

            Seu rosto era jovial, cheio de energia. Tão novo, e tão maduro. Entendi porque Matthew se parecia tanto com ele.  

            A máscara de Agammêmnon nunca esteve nas mãos dos conselheiros. O que estavam protegendo durante todos esses anos era o verdadeiro segredo, a localização do artefato. Eles deixavam a mensagem do paradeiro da máscara em cada Sala Octogonal.

            Ela sempre esteve no Museu Arqueológico Nacional de Atenas, livre de qualquer suspeita. Foi fácil fazer todos acreditarem que aquela era uma réplica produzida pelo submundo. Difícil mesmo foi esconder esse segredo por tantos anos.

            A máscara ainda está lá, protegida por uma parede de vidro simples com alarmes a prova de roubos, onde humanos a admiram diariamente e engorduram o vidro com seus dedos despreocupados, sem imaginar a importância que guarda aquele artefato. Bem, é um segredo só meu, algo que eu não posso dividir com ninguém. Em minha mente mestiça, onde meus segredos estão protegidos, está protegido também a segurança do resto do mundo. Isso até alguém resolver atrapalhar a ordem e paz.

 

            Não acabou. Nunca acaba. Ainda vão existir problemas. Mas tem uma voz na minha cabeça, uma voz familiar, me dizendo que tudo vai ficar bem, que, no fim, as coisas podem não sair do nosso jeito, mas sai do melhor jeito possível. É verdade.

 

            Will me conduziu até a câmara de entrada da Célula. A parede da montanha se derreteu, dando acesso ao lado exterior.

            O céu estava escuro, coalhado de pontos luminosos, pequenas e discretas estrelas, no embalo da noite, fazendo coro com a lua cheia, imponente.

            _ Aposto que você não me alcança. – ele zombou.

            _ Ah, você acha? – eu arqueei a sobrancelha, incrédula – se esqueceu que eu sempre te venço na velocidade?

            _ Bem – ele deu de ombros – Tem sempre uma primeira vez.

            Eu soltei uma risada.

            Disparamos a correr. Sim, ele era rápido. Mas meus pés o passaram com facilidade. Era tão prazeroso correr daquela forma, atingir a velocidade do vento. O ar da noite me tornava viva, afastava os problemas.

            Olhei para trás. Will estava correndo, animado, acenando como se perder fosse algo sem importância. Sim. Ele estava certo. A vida era importa. Muito mais.

            Deixei a atmosfera da noite nos envolver, nos transportar nesse momento especial, longe dos pensamentos presos ao passado. O céu negro se tornou parte de nós, nós nos tornamos parte do vento ligeiro.

Eu queria poder voar. Chegar onde Matthew estava. Só para poder lhe dizer que tudo estava bem, afinal de contas. Mas algo me dizia que ele já sabia disso.   

 

           


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Notas finais do capítulo

FIM!