A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 47
Weight Of The World - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Demorei para postar, findeano é complicado...
Enfim, aí está mais um capítulo, espero q gostem e, por favor, comentem. Não custa nada e ainda ajuda a incentivar o autor xD



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“Weight Of The World” – E v a n e s c e n c e – Parte 2

 

            A mansão Vance estava rodeada de guerreiros. Os quase oitocentos homúnculos cabiam com folga no vasto terreno da minha casa. As Algueoras estavam espalhadas a toda a volta, mantendo uma certa distância dos guerreiros.

            Todos estavam apreensivos, isso era óbvio nos olhos de cada um, incertos da vitória, incertos de quem sobreviveria. Percebi que esse era um peso que todos carregávamos, o que aumentou ainda mais minha responsabilidade. Afinal, era o meu coração que estava em jogo. Literalmente.

            À frente, Madeleine estava solitária, não havia nenhum inimigo a volta, mas nenhum guerreiro ousara passar pela cerca e chegar até ela. Estavam todos ocupando pontos estratégicos nos pastos à volta.

            Estava silencioso, até demais. Não havia nenhum sinal de batalha, não havia inimigos, não havia nenhum rastro de perigo. Apenas nós. Era isso o que me assustava. Onde estava Jericho e seu grupo infeliz? Onde estavam todos os traidores? Os Alucates provavelmente não apareceriam. Estariam ocupados demais com a Zoeh. Lembrar dela me deu calafrios. Será que ela estava completamente ciente dentro daquele corpo, consciente de que ia matar o próprio pai? Afastei esses pensamentos, deixei o meu objetivo me domar. Era por isso que eu estava ali, afinal.

            _ Matthew... – murmurou Abi – está silencioso demais.

            Eu assenti mas não disse nada. Estava mantendo meu radar aberto, buscando qualquer rastro de luz dourada. Ao que parecia, meus amigos Haunters estavam fazendo o mesmo. Não havia nada além de nós naquele lugar.

            _ Será que... Eles não estão aqui? – murmurou Abi, meio esperançosa, meio tensa.

            _ Não consigo vê-los em lugar nenhum – falei – talvez... Sejamos os únicos aqui.

            _ Isso é bom... Certo? – perguntou Abi.

            _ Eu queria poder dizer que sim. Mas, a julgar pelas coisas que aconteceram ultimamente, eu não duvido que algum imprevisto possa acontecer.

            _ OK, então vamos continuar. – Richard falou, levando a mão ao meu ombro – ficarmos parados aqui não vai tirar a máscara da Sala Octogonal.

            _ Haunters – eu chamei – venham, por favor.

            Em um segundo eles apareceram ao meu lado. Dominique, Camille, Archy, Charlie e os gêmeos também vieram ao perceberem a movimentação. Estavam ansiosos, isso era evidente, mas havia um certo brilho de terror em seus olhos. Todos estávamos assim.

            _ Pessoal, nós vamos na frente – falei.

            _ Por que você não manda os soldados mais experientes? – perguntou Archy.

            _ Porque não tem nenhum perigo por aqui, pelo menos não, aparentemente – falei – e os mais experientes vão manter suas posições, protegendo o perímetro. Só precisamos ir até Madeleine e fazer o que precisa ser feito. Vocês vão comigo apenas por precaução.

            _ Ok, chefe – ele deu uma risada.

            _ Chega de conversa, vamos logo antes que amanheça. Precisamos da lua cheia para nos auxiliar.

            Caminhamos, vagarosamente, em direção a Madeleine. Não que não estivéssemos ansiosos para acabar com aquilo de uma vez por todas, mas correr parecia ser perigoso demais, assim como respirar, sorrir ou, mesmo, se mexer. Não estávamos convencidos daquela atmosfera pacífica. Não queria alarmar ninguém, mas eu comecei a sentir um cheiro estranho, algo que eu não conseguia distinguir. Talvez fosse amônia, um cheiro bastante desagradável. Mas, de qualquer forma, não estava tão intenso. Para meu alívio, Cary surgiu bem do meu lado, afastando o aroma ruim.

            _ Vocês são muito apressados – ela disse, sorrindo.

            Todos olharam em direção à ChAngel. Devia ser frustrante falar com ela e não ser capaz de vê-la. Em todo o caso, eu podia, e isso não me fazia sentir melhor. Cary, estando ali, só me trazia mais preocupações. Por que, cargas d’água ela me escolheu? Se tivesse escolhido Emi, estaria dentro da Algueora, em segurança.

            Finalmente, depois de caminharmos bastante, chegamos à fonte da sereia solitária, sem coração. ela parecia mais viva naquele momento, sua tristeza era quase real, talvez fosse pelo fato de, ultimamente, ela ter feito parte, mesmo que indiretamente, da minha vida turbulenta. Ela permanecia imóvel, olhando para o horizonte, as mãos cobrindo um discreto buraco no peito, sua expressão triste, suas pernas entrelaçadas numa pedra. As imagens do sonho com Madeleine vieram a minha mente.

            _ E agora? – perguntou Dominique – vamos ter que enfiar o seu coração nela, certo?

            _ Ah, ta, peraí – Camille o encarou, cínica, em seguida virou-se para Madeleine – Dona Sereia, tira a mãozinha do peito porque a gente quer repor seu coração. Opa, acho que ela não me ouviu. Será que é por que ela é só uma pedra?

            Dominique fitou-a com desprezo, mas não prosseguiu com a discussão.

            _ Camille está certa. – murmurei – como vamos colocar o coração aí com a mão dela cobrindo? Afinal, nem sabemos se é isso que devemos fazer.

            Por um longo minuto permaneci olhando a sereia petrificada, imaginando se sua história era uma lenda, ou se, algum dia, tinha conhecido um grande amor, e desprezado-o.

            _ Ela era muda, certo? – comentei – ela vivia triste. Mas, depois que Murdock deu-lhe a flauta, ela voltou a ser feliz novamente.

            _ Até matar o ogro – completou Abi.

            _ Ok mas... Talvez ela queria saber como é ser feliz, para variar. Lembrem-se “dêem a Madeleine o que ela quer”, era o que dizia a mensagem.

            Enfiei a mão no bolso, tirando a chave, o bocal do trompete.

            _ Talvez ela queira tocar novamente.

            Antes que eu pudesse continuar minha linha de raciocínio, tio Bradley veio até mim, ofegante.

            _ Mathew... Precisamos mandar uma equipe de volta – ele disse.

            _ O que houve?

            _ A equipe comandada por sua mãe não chegou. Acreditamos que tenham sido interceptados por Patriotas.

            Senti uma fisgada no peito, um nervosismo. Ainda era minha mãe, e saber que estava em perigo me deixava em pânico.

            _ Sei que não devia estar te falando isso, mas estou pensando em liderar a equipe.

            _ Ok – eu disse, tentando manter o controle da situação – não importa o que aconteça, tio. Traga minha mãe.

            Ele assentiu e, sem uma despedida decente, saiu correndo, apontando para um seleto grupo de Homúnculos. Embarcaram em uma Algueora que se lançou no ar e desapareceu na escuridão da noite.

            Deixei meus pensamentos que circundavam minha família vagarem, e voltei toda a minha atenção à tarefa.

            _ Talvez seja essa a resposta – falei – que outra relação teria Madeleine com a chave?

            _ Do que está falando? – perguntou Brian.

            _ Espere, vou fazer o teste.

            Me apoiei na orla da fonte, uma pequena mureta de tijolos que continha a água. Subi em suas pernas e, me equilibrando bem a sua frente, coloquei o bocal do trompete em seus lábios. Foi um encaixe perfeito.

            _ Como sabia? – perguntou Abi, surpresa.

            _ Não sei. Um pouco de intuição, um pouco de mensagens extra-corpóreas – falei, sorrindo fracamente.

            _ E agora?- perguntou Brian.

            Num salto, voltei ao chão, observando, pacientemente a imagem de Madeleine. Um minuto de silêncio se prolongou, todos observavam a imagem de pedra.

            _ Era para estar acontecendo alguma coisa? – perguntou Charlie.

            _ Sei lá, deve faltar alguma palavra mágica. Abra-te Sésamo? – murmurou Camille.

            Revirei os olhos, deixando de lado toda e qualquer paciência que havia cultivado todo esse tempo. Era para estar acontecendo alguma coisa.

            _ Ótimo, não adiant...

            Todos se calaram novamente. Subitamente, um som, um uma melodia tocada em flauta ecoou no ar, sobrepondo-se ao canto agourento do vento. Era um canto completamente novo pra mim, algo tão atrativo, tão cativante, que chegava a entorpecer. Uma overdose musical.

            _ A música... – murmurou Abi – vem da fonte. Vem de Madeleine.

            Estávamos progredindo, pensei comigo mesmo. O som atingiu dimensões gigantescas, soando de forma imponente, quase ensurdecedora. Mas, ainda assim, era belo de se ouvir. Era reconfortante, não me importaria de dormir ouvindo aquela melodia.

            Estávamos absortos na canção. Mas ela parou, abruptamente, interrompida como um som sendo desconectado da tomada. Nossas mentes ficaram pesadas novamente.

            _ Ok, o que aconteceu?

            _ Não, vai acontecer. Olha só.

            Olhamos para a terra úmida em volta de Madeleine. Havia alguns montes de terra, como se alguém tivesse escavado por ali. A terra remexida estremeceu. O chão, literalmente, começou a se mover. Fragmentos de terra, ondas sísmicas, toda aquela movimentação nos obrigou a nos afastarmos.

            A fonte começou a se mover em linha vertical. Alguma coisa estava levantando-a. A fonte de Madeleine começou a se afastar, subindo cada vez mais e mais. Abaixo dela, para espanto de todos, algo que nunca havíamos imaginado, ou sequer visto. Exceto em fotos e filmes de época.

            Abaixo de Madeleine, ergueu-se um gigantesco órgão de tubos, um instrumento antigo, usado há muito em catedrais da dinastia, uma espécie de teclado gigante, com tubos de onde o som saía por meio de ar comprimido. Era incrível, assustador e belo, tudo ao mesmo tempo.

            _ O que é essa merda? – sibilou Archy.

            _ É um órgão de tubo – falei – foi o primeiro instrumento tocado com teclas. É um instrumento de sopro, mas o ar comprimido sai quando se aperta uma tecla, então...

            _ Ta bom, já entendemos. – interrompeu Brian – agora, qual é o próximo passo, Wikipédia?

            Eu revirei os olhos. Ele sempre se queixou do fato de eu estudar demais o mundo que não mais me pertencia. Mas fazia parte de mim, de toda a minha personalidade, ser um cara estudado. Não um “geek” como muitos me chamavam. Apenas alguém bem estudado.

            _ Essa parte é fácil – falou Sarah – eu aprendi isso na Célula da Escócia. Esses instrumentos eram usados para tocar em grandes celebrações do Submundo. Quando filhos de reis do submundo nasciam, eles tocavam as canções de ninar em órgãos de tubo.

            _ O que significa... – eu enfiei a mão no bolso, tirando, dessa vez, o rascunho das notas que Sammael e Orestes haviam descoberto – que alguém tem que tocar isso naquela coisa.

            Nos entreolhamos, encarando um ao outro. Ao que parecia, ninguém ali sabia tocar um órgão de tubos.

            _ Eu posso fazer isso.

            Era meu tio Sammael. Ele estava liderando a equipe de apoio, sempre protegendo a retaguarda das outras. Até aquele momento, ele permanecia em seu posto, mas não pode deixar de perceber o gigantesco órgão de tubos se erguendo do chão.

            _ Tio... Sammael – eu corrigi – o senhor pode tocar isso?

            Ele sorriu.

            _ Não sou tão bom quanto tio Ory. Mas posso tentar. Sabe, eu e seu avô éramos ótimos pianistas. É claro que ele sempre foi melhor do que eu, mas isso não quer dizer que eu seja ruim.

            Ele piscou amigavelmente, me tranqüilizando. Eu lhe entreguei as notas e, decidido, ele se dirigiu ao instrumento gigantesco, onde as teclas iam a perder de vista.

            _ ah, Matthew... – ele murmurou – eu não sei o que pode acontecer quando terminarmos. Se aqui for a Sala Octogonal, significa que muitas armadilhas estão por vir. Tome bastante cuidado, ok?

            Ele me fitou, sério, preocupado. Nunca havia notado aquele olhar antes.

            _ Pode deixar, tio Sammael. Está tudo sob controle – eu sorri, tentando tranqüilizar a equipe.

            Ele colocou as notas sobre o suporte do instrumento e, após um rápido exercício respiratório, ele começou. Seus dedos, a cada encontro com as teclas, soavam uma nota diferente, tão alta quanto o canto de Madeleine. As notas se encontravam no ar, formando uma melodia perfeita, impecável. O som pairou na atmosfera. Era tranqüilizante e, ao mesmo tempo, pavoroso. Uma espécie de música de solidão, meio fúnebre.

            A música demorou alguns minutos, Sammael parecia concentrado em sua tarefa. Ele se mostrara um excelente conselheiro em meu conceito, sua lealdade ao Submundo e compromisso com o objetivo de proteger a raça humana era admirável. Ele me fazia lembrar meu avô.

            A melodia, então, acabou. Sammael estralou os nós dos dedos, como um pianista profissional. Por fim, levantou-se e caminhou em minha direção, entregando o rascunho.

            _ O que mais vai acontecer? – ele perguntou.

            _ Só podemos observar. – respondi.

            Então a terra se moveu novamente. O órgão começou a ser puxado para baixo, ser engolido pela terra, a fonte de Madeleine descendo vagarosamente. Finalmente, depois que a terra se acalmou, a fonte de Madeleine voltou a sua posição original.

            Antes que pudéssemos pensar no próximo passo, suas mãos de pedra começaram a se mover, trincando nas juntas, deixando cair pequenas “migalhas” de pedra. Seus braços descobriram o peito por completo, exibindo um buraco do tamanho de um punho fechado.

            Então ela se imobilizou novamente, em uma nova posição. Suas mãos estavam sobre o colo, olhando tristemente para o buraco no peito.

            _ Acho que essa é a hora. – falei

            _ Vá em frente – Abi acenou com a cabeça, me encorajando.

            Pela última vez, enfiei a mão no bolso, tirando um coração pulsante, o meu coração que, surpreendentemente, continuava vivo, elétrico, lutando contra a própria morte. Olhei para todos, procurando algum tom de desaprovação. Mas todos assentiram, me encorajando a continuar.

            Fui em direção à fonte de Madeleine. O coração pulsava a cada segundo, cada vez mais forte, como se sua aproximação com Madeleine lhe trouxesse alguma esperança de vida. Notei, dentro do buraco, algumas manchas de sangue escuras nas bordas. Não me preocupei com isso. Não naquele momento. Simplesmente coloquei o coração em seu lugar e deixei o sangue circular dentro dos traços fundos da estátua, fazendo-a despertar.

 

            Abi me puxou pelo braço, me afastando da estátua, provavelmente preocupada que pudesse haver alguma armadilha. Cary também ficou do meu lado por garantia. Madeleine se moveu. Humana, quase tão real quanto qualquer um de nós. O coração em seu peito começou a bater, ela se mexia de forma irregular, como se estivesse desconfortável.

            Seus olhos pousaram em mim. Ela não podia expressar o que sentia com o aquele rosto duro de pedra. Seus movimentos falharam, ela ainda não parecia bem. Não como deveria estar.

            _ Talvez falte alguma coisa – arriscou Charlie.

            _ Água – murmurei – cura as feridas.

            Me desvencilhei dos braços preocupados de Abi e Cary e caminhei novamente até a sereia de pedra. Seus olhos inanimados ainda pareciam me olhar, como se soubesse de quem pertencia aquele coração. Desci a mão fechada em forma de concha até a fonte, peguei um pouco da água e, deixando que um pouco do líquido escapasse por entre os dedos, deitei a água sobre o buraco em seu peito. Madeleine estremeceu.

            Sua boca vibrou, trincando os lábios, fazendo uma rachadura até as orelhas. Seus lábios tentaram se mover, mas não conseguiu.

            _ Mais um pouco... – murmurei, repetindo o processo.

            Fiz isso umas cinco vezes, encharcando o coração com a água. A medida em que o fazia, os movimentos de Madeleine pareciam ser mais freqüentes, e o buraco em seu peito parecia se fechar.

            Quando me dei conta de que não era mais preciso continuar com o banho de cura, me afastei, deixando Madeleine se contorcer, espreguiçar seu corpo de pedra, até se tornar móvel como um ser humano. Seus olhos, mesmo cinza como a pedra, adquiriram um leve tom acastanhado, seus cabelos já não eram completamente cinzas, tinha um tom quase dourado, e sua pele estava meio rosada, meio branca. Um meio termo entre mármore e pétala de rosa.

            _ Hum... – ela gemeu, como se acabasse de acordar de um sono tranquilo. Sua expressão, agora tão humana quanto a minha, era serena e gentil. Mas eu aprendi a jamais confiar em gentilezas aparentes.

            _ Madeleine? – eu murmurei.

            Ela virou o seu rosto em minha direção. Seu semblante se iluminou com um belo sorriso. Ela assentiu com a cabeça, radiante.

            _ Madeleine... Onde está a chave? – perguntei.

            _ Pô, tem que ser tão direto? – murmurou Cary – você não sabe chegar em uma garota não?

            Revirei os olhos, impaciente.

            _ Eu não preciso fazê-la se apaixonar por mim, besta. – murmurei – eu já dei o que ela queria.

            _ Vá em frente, Coração Gelado – ela cruzou os braços.

            _ Madeleine – ignorei o comentário de Cary – Você pode me dizer onde está a chave?

            Ela piscou duas vezes, sorrindo, dizendo que sim com um aceno de cabeça.

            _ Ótimo... – murmurei – onde?

            Ela olhou a volta, parecendo confusa. Me fez lembrar uma criança confusa, divertida, completamente despreocupada. Ela deu de ombros.

            _ Ah, mas que beleza! – retorquiu Brian – uma pedra muda e burra.

            Ela fechou a cara, enfezada.

            _ Não seja idiota, Brian – falei – ela não é apenas uma fonte. Madeleine – voltei minha atenção a ela – você não pode falar, certo? Você não possui voz.

            Ela fez que sim com a cabeça.

            _ Então, como eu posso compreender o que você quer me dizer? – perguntei.

            Ela cobriu a boca, como se abafasse um sorriso, embora nenhum som saísse entre seus lábios. Ela estava me deixando irritado, se divertindo da minha frustração.

            Por fim ela se levantou, exibindo seu corpo de pedra, tão vaidosa e convencida que, por um momento, acreditei mesmo que fosse uma humana como outra qualquer, não que todas fossem tão exuberantes quanto ela. Fiquei me perguntando se o Submundo fora destinado a carregar tamanha beleza em meio a tanta dor.

            Madeleine caminhou até mim, com uma expressão travessa. Cary se aproximou, temendo que fosse algum tipo de cilada. Mas eu sabia que não havia perigo algum, pelo menos eu espera que não. A sereia de pedra se aproximou, ignorando a presença de Cary e, vagarosamente, levou sua mão fria e sólida até o meu peito, apertando levemente seus dedos contra o meu coração.

            _ Matthew...

            Ouvi uma voz. Era como um eco, um som dentro da água, ou algo do tipo, um som diferente, de uma voz doce e tão suave quanto qualquer outra que eu pudesse ter ouvido. Era a voz de Madeleine, que soava como um canto sedutor.

            _ Madeleine? – murmurei.

            Ouvi uma risada abafada.

            _ O que foi, Matthew? – perguntou Cary, segurando meu braço.

            _ Ela está falando comigo... – murmurei.

            _ Matthew concentre-se na minha voz – pediu Madeleine.

            Afastei a mão de Cary e fiz o que a sereia me pedira.

            _ Existe uma forma de encontrar a máscara – ela foi dizendo, logo de cara – a resposta está lá dentro... Dentro da fonte, nas entranhas dessa terra... Darei a você a passagem, mas não posso permitir que todos entrem… Depois disso irei lacrar a saída de vocês. Só conseguirão sair com a reposta em mãos.

            Ela fez uma pausa, e já não me olhava com aquele ar divertido. Era mais um olhar do tipo “boa sorte”.

_Para isso... – ela continuou - Leve a menina, a pequena mestiça.

            Madeleine apontou para os fundos do terreno. Meus olhos pousaram na Algueora “estacionada” atrás de outras duas menores. Era a algueora onde Will e Emi estavam, sãos e salvos.

            _ Não. Não minha irmã – impeli.

            _ Ela é a única que pode achar a resposta. Se entrar sem ela, certamente não voltará.

            _ Ótimo. Sem ela, ninguém pega a máscara, e continuamos felizes pelo resto da vida.

            _ Não – ela disse – a resposta está contida pelo coração do último líder que selou essa Sala. Ao término de duzentos anos, as portas da Sala Octogonal se abrirão, e a verdade será revelada a qualquer um que entrar nesses domínios. A escolha não é apenas sua. Eu posso sentir. A menina sabe que precisa ajudar.

            _ Ela é minha...

            _ Irmã. E o mundo é o seu lar. Se quiser, vocês podem ir embora, e deixar a verdade cair nas mãos de qualquer um quando os duzentos anos revelarem o segredo desse mistério. Espero saiba o quão importante é essa decisão.

            Olhei a minha volta, atônito. Entrar com Emi dentro de um lugar desconhecido, com armadilhas e mistérios que poderiam nos matar? Não era para isso que eu a estava protegendo. Mas, as palavras de Madeleine eram verdadeiras. Por que Emi era a chave? Por que ela tinha que ser a resposta?

            _ Ok, ok... – eu esfreguei a cabeça, furiosamente – Cary, vá buscar minha irmã.

            _ Emi... Mas, ela...

            _ Faça o que eu estou pedindo, Cary... – falei, sério.  

            Voltei-me novamente para Madeleine, que continuava com suas mãos em meu peito.

            _ Madeleine, minha irmã vai sair daqui viva? – eu falei em tom de desespero.

            _ Depende de você. – ela disse – só controlo a passagem e administro os esclarecimentos para aqueles que conseguem chegar até onde você chegou. O resto é com você.

            _ Quantos eu posso levar?

            _ Vinte – ela disse – Quando vinte almas atravessam o portão, ele se lacra, até que a resposta seja revelada.

            _ Tudo bem, eu os escolho.    

            Já tinha decidido os nomes: Sarah, Kurt, Cadence, Loui (o Haunter), Alexandra e Joshua, meus amigos Haunters, treinados para esse propósito. Abi, Brian, os gêmeos Gifford, Dominique, Charlie, Loui (o Homúnculo apenas), Sophie e Estevan. Emi e eu inteirávamos dezessete. Ainda faltavam três.

            _ Eu vou – avisou Cary – você sabe que não pode me deixar de fora.

            Assenti, sem questionar. Ela era forte o suficiente e, eu esperava que ela fosse capaz de teletransportar Emi de lá caso algo acontecesse.

            _ Hei, e quanto a mim? – queixou-se meu irmão – Vai me deixar de fora, e levar esse bando de criança lá dentro?.

            Sophie o encarou, revirando os olhos.

            _ O que foi? Existem armadilhas lá! – ele contrapôs – eu sou um Rubro, e sei que vou ser muito útil lá dentro.

            _ OK, não precisa de discurso– falei, um tanto quanto contente em ter meu irmão ao meu lado – falta mais um.

            _ Ah não! – ouvi a voz de Cadence e me virei – você não!

            Ela estava gritando com o irmão, que vinha até nós, com uma expressão decidida. Ele tinha saído da Algueora sem ninguém perceber e agora queria participar da luta.

            _ Will, você não pode...

            Ele cobriu a boca da irmã com o lábio, apontou para o próprio ouvido, como se dissesse “ainda bem que eu não te escuto”. Ele se posicionou decidido, vindo em minha direção e colocando sua enorme mão sobre o meu ombro.

            _ Will... Não... Matthew, não permita...

            Meus olhos dançaram entre Cadence e Will. Eu sabia como ela queria proteger o irmão, porque era isso o que eu queria.

            _ Como você sabia que precisávamos de mais um? – perguntei.

            Will apontou para minha irmã e, agachando, deitou a mão sobre a grama e tirou uma gota de orvalho.

            _ Ah... Entendo. Ela te mostrou – lancei um olhar desaprovador para Emi. Ela deu de ombros.

            _ Cadence... – eu me virei pra ela – se você quiser, eu não permito. Mas é isso mesmo que você quer? Tirar o seu irmão?

            Ela mordeu o lábio.

            _ Ele não sabe se defender – ela disse.

            _ Ele é mais forte do que qualquer um de nós – falei – como ele não sabe se defender?

            _ Mas...

            _ Sarah... – eu falei, sem tirar os olhos de Cadence – você e Will serão uma dupla. Quando ele precisar, proteja-o com o seu escudo, ok?

            _ Entendido – ela assentiu.

            Cadence me lançou um olhar desaprovador, mas não deu nenhum chilique. Ela sabia que, o que o irmão queria, ela não poderia contestar.

            _ OK, Madeleine – eu disse – estamos prontos, abra o portão.

            Ela assentiu dessa vez séria. Percebi, em seus olhos, o quão importante era essa “missão” de posse da máscara.

 

            Madeleine tomou sua posição novamente, sobre a fonte. Seu corpo começou a endurecer novamente, seus olhos foram perdendo a cor e, seus cabelos, perdendo a maciez e tomando o tom cinza de pedra.

            Um buraco começou a crescer em seu peito. Começou com uma fissura sobre a superfície de pedra, então uma rachadura maior, até abrir um enorme buraco, onde se exibia um coração, ainda vermelho, pulsante, cujas batidas podiam ser ouvidas ao longe.

            O sangue começou a escorrer do seu peito. Os filetes vermelhos escorriam entre sua pele de pedra, seguindo os desenhos do seu corpo e os traços marcantes, como umbigo, coxa e pernas. O líquido viscoso derramou sobre a fonte, até não sobrar nenhuma gota do meu antigo coração. ele parou de bater e, nesse momento Madeleine, cobriu o peito novamente, perdendo todo e qualquer movimento, qualquer característica marcante de humano. Ela era apenas uma pedra outra vez.

            A terra estremeceu, como da primeira vez. A fonte começou a se erguer mas, ao invés de um órgão de tubos, ergueu-se um imenso portão de ferro, adornado com rosas de ouro e querubins de prata, onde fitas brancas se entrelaçavam nas grades escuras. Logo atrás do portão, um encanamento ligado às bases da entrada, ligando a parte superficial com o subsolo, como um túnel na vertical.

            _ Maravilha, mais um passeio embaixo da terra – murmurei.

            _ Nunca gostei de metrôs, tenho certeza que isso vai ser horrível – resmungou Brian.

            Com um rangido estridente, o portão se abriu, exibindo uma imensa passagem.

            _ Vinte almas! – eu exclamei – vamos!


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