A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 45
Caos


Notas iniciais do capítulo

Bem, pessoal.
Minha história, como perceberam, gira em torno de quimeras e homúnculos. Se alguém aqui já assistiu ao anime FullMetal Alchemist, provavelmente percebeu a ligação. No entanto, devo avisar que, no mundo da alquimia (que não existe apenas no anime) esses termos são comuns. POr exemplo, Homúnculo era, na época, a forma embrionária humana como conhecemos hoje. Quimera, por outro lado, já é uma figura, inclusive, mitológica.
Mas, nessa história, eu usei a relação pai e filha, como logo vocês irão perceber, baseado em um determinado acontecimento do próprio desenhor. POr tanto, devo avisar que, inspirado nesse capítulo em específico, criei Zoeh.
(quem assiste sabe do que falo, mas quem não assiste, tudo bem, não fará diferença nenhuma para a compreensão de A Lua)
Enfim, boa leitura xD



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Caos

“Se você está ouvindo isso, significa que uma guerra está muito próxima”

“Durante anos tentamos manter em segredo as Salas Octogonais, a fim de proteger a máscara de Agammêmnon. Mas os nossos povos sempre almejaram força, destruição, queriam para si o que não podiam ter. Calcas Vance tomara a pior decisão, criando tal máscara e, agora, poderosa demais para ser destruída, precisava ser mantida em proteção, longe dos ambiciosos.”

“Em sua última viagem até a Sala Octogonal, um velho amigo, Matthew Vance, havia me revelado um futuro tortuoso. Busquei respostas, tracei várias possibilidades, pedi ajuda ao oráculo, e tudo me levou a um lugar. Uma criança nasceria do improvável.”

“O ódio foi imposto, naturalmente, entre Alucates e Homúnculos. A partir desse momento, a conciliação entre essas duas espécies jamais aconteceria. Estariam fadados a se enfrentar eternamente. Mas uma improbabilidade, um erro da natureza, daria fruto a um amor proibido. Vance e Grant gerariam uma criança. Essa criança, fora dos planos naturais da lua, causaria um distúrbio na ordem de universo. Ela seria capaz de transpor o impossível.”

“Revelado pelo oráculo, essa criança teria capacidade para tomar suas próprias decisões e, com elas, fazer uma: sustentar o submundo, ou derrubá-lo com as próprias mãos. Essa criança teria o coração escolhido para entrar na Sala Octogonal, moldada por Vincent Vance. Ao longo do tempo, ele, eu e nosso querido Parlomeus. Somos os únicos com a informação e, através disso, selamos a nós mesmos com o Juramento da Lua, para que o segredo não caíssem em mãos erradas. A Vincent, foi confiado a identidade da criança, e encarregado a tarefa de guiá-la até o lugar certo. A Parlomeus, a chave, o instrumento de meu irmão, guardado a sete chaves, e o conhecimento da criança, cujo coração de liderança seria capaz de abrir a Sala Octogonal.”

“Madeleine soará o canto com o instrumento. As partituras escritas por Barnaby carregarão a harmonia de cada nota. Curem a ferida de Madeleine, dêem a ela o que lhe falta, e ela lhe será grata, dando-lhe o pranto de revelação”.

“Essa é a mensagem, a verdade. Dê a Madeleine o que ela quer, e ela retribuirá. A Sala Octogonal não está aqui, nem em nosso tempo. Está onde as nossas decisões não podem tocar”.

            Repeti a mensagem para os meus amigos, Sammael sempre ao meu lado. Desculpe-me vovô, mas eu sabia o que significava confiar em meus amigos e, naquele momento, eu percebi que eles mereciam muito mais do que eu era capaz de oferecer a eles. Eu sei que prometera em sua memória não contar nada, mas ele não os conhecia para julgá-los. Eu estava cansado de viver a sombra da minha família, os mesmos passos do meu avô. Não eram eles que tinham um fardo gigante para carregar e, eu sabia, meus ombros não eram largos o suficiente para carregar tudo sozinho. Confiar em meus amigos não era uma traição ao meu avô, mas a prova de que eu havia aprendido, e muito bem, a tomar minhas próprias decisões. 

            A mensagem não saía da minha mente, como se estivesse gravada dentro de mim, e eu não conseguia parar de pensar nos desenhos, nas possibilidades em encontrar a máscara.

            _ Então é isso – falei, depois de ditar toda a mensagem enquanto Abi escrevia.

            _ É mesmo verdade – Camille falou, sorrindo – você é o eclipse, o encontro entre Alucate e Homúnculo.

            _ Você interferiu no ciclo natural das coisas – arriscou meu irmão em um palpite.

            _ Não apenas eu. Emilliene também – falei, fitando minha irmã com certa apreensão. Eu não a queria nessa confusão.

            _ Seu irmão está certo – disse Sammael – esse atrito entre Alucate e Homúnculo não foi algo que surgiu com o tempo. Isso nasceu com a divisão das duas raças, um instinto imposto em nossas vidas. Vivemos fadados a ser inimigos. Mas, quando seus pais decidiram se apaixonar, você rompeu essa linha frágil.

            _ Um coração de liderança – refletiu Abi.

            _ Parlomeus, meu avô e Salazar eram amigos – falei, não dando a devida atenção às palavras de Abi – eles dividiram as informações, de modo que nenhum pudesse ter conhecimento total sobre a localização.

            _ Isso significa que Parlomeus tinha muitas pistas. Explica o fato de estarem sempre na nossa cola.

            _ O que explica o interesse dele em Matthew, além do fato de ser um Haunter – comentou Dominique.

            _ Ta, mas isso está meio estranho – Abi se levantou, aparentemente concentrada na mensagem – se Parlomeus sabia da sua importância para encontrar a chave, já deveria estar tentando te parar...

            A evidência, então, materializou-se bem a nossa frente, a verdade nua e crua. Era tão óbvio que nem havíamos percebido. Parlomeus nunca quis me impedir de encontrar a chave. Pelo contrário, era isso o que ele queria. Queria que eu chegasse o mais perto. Mas, por quê?

            _ O coração... – murmurou Abi – coração de liderança.

            _ O que está te incomodando, Abi? É uma metáfora – falou Brian.

            _ Será mesmo? – ela replicou – então por que “coração de liderança”? Nós sabemos como um coração de um líder é fonte de muita energia.

            _ Abi fica fria – eu falei – meu coração está seg...

            Eu engoli em seco. Mais uma vez a verdade estava bem a minha frente. Parlomeus não queria me matar, não até o dia da catedral, em que teve a oportunidade. Eles não me mataram, mas tiraram algo de mim: um coração. embora eu o tivesse regenerado, um coração de líder, o meu coração, estava em algum lugar por aí. Talvez...

            _ Parlomeus tem o meu coração! – eu sibilei, furioso – como eu fui tão idiota! Tão estúpido!

            _ Hei, Matthew! Do que está falando? – perguntou Sammael, confuso – como ele pode ter o seu coração?

            _ Na catedral – eu disse, bufando sentindo o ódio ferver os meus ossos – lutei contra uma Haunter. Estávamos lutando, ela era muito forte, enviada por Papah. Ela arrancou o meu coração.

            _ Você foi se apaixonar pela inimiga? – sibilou Camille, cética.

            _ Não, isso não foi uma metáfora. Ela, realmente, arrancou meu coração.

            _ É impossível, Matthew – falou Charlie, se manifestando pela primeira vez – você está bem diante de nós, vivo. Tenho certeza que existe um coração aí dentro batendo e pulsando sangue.

            _ Não é impossível – Brian interferiu.

            Todos nos voltamos para ele, que estava sério, me olhando com uma mescla de frustração e curiosidade.

            _ Você pode explicar? – Abi perguntou.

            _ Bem... O que eu vou revelar não é algo que eu faria normalmente, mas se fora ajudar a resolver o caso... Sim, eu vou falar – ele se sentou ao lado de Charlie, agora parecendo preocupado – Matthew, se sua habilidade de regeneração for como a minha, então isso é bem possível. Veja bem, eu tenho três pontos de vitalidade extrema eu meu corpo. Cérebro, coração e intestino. Eles estão associados à minha capacidade de regenerar. Se destruir um deles, a capacidade diminui, se destruir os três... Bem, não há regeneração. No caso de Matthew, ele perdeu apenas o coração, mas o cérebro e intestino permaneceram intactos. Com isso, foi possível regenerar o corpo.

            _ É isso que Madeleine quer! – eu exclamei, batendo a mão na testa com voracidade – ela quer o meu coração, o coração de um hibrido de Alucate com Homúnculo, um coração que é a prova de um amor. Amor esse que Madeleine desvalorizou, quando seduziu Murdock e o matou. Ela quer curar a ferida! E, assim, ela nos dará a resposta!

            _ Isso significa...

            _ Que Parlomeus sabia sobre isso! – falou Abi – Claro, ele sabia que precisava do coração de Matthew! A Haunter não te atacou com a intenção de te matar... O que ela queria, mesmo, era seu coração!

            _ Mas temos a chave – falou Brian – eles não podem fazer nada sem isso.

            _ Então vamos a Madeleine – falei – lá no pátio, agora.

            Sammael nos impediu antes de nos levantarmos.

            _ Aquela não é a Madeleine que queremos – falou Sammael.

            _ Como não? Eu vi ela cobrindo a ferida com as mãos, a estátua.

            _ Não, Matthew. Aquela é uma réplica. A verdadeira Madeleine, a original, está em um lugar. Um lugar que você conhece muito bem.

            Eu o encarei, com os olhos esbugalhados. Sabia exatamente onde.

            _ Vamos preparar muitas tropas! – falei – vamos reunir todos os Homúnculos, todos os aliados! Quero os Hauntes aliados comigo! Vamos precisar de todo o apoio para pegar a máscara. Parlomeus deve estar lá, ele não tem a chave – falei, tirando o bocal pendurado no pescoço – eles não podem entrar sem isso.

            Um sino gigantesco, acima da montanha, soou imponentemente. Nunca o tinha reparado até o dia em que o alarme tocou, alertando toda a célula. Estávamos prontos para a guerra.

            A montanha já não existia mais. Em seu lugar, uma construção gigantesca de torres erguidas com pedras escuras, os movimentos pulsantes das pessoas do lado de dentro, que se preparavam para a luta iminente. Armaduras, Aurupos acorrentados, Algueoras pousadas na superfície do deserto, a multidão que se agrupava do lado de fora da célula.

            Era uma cena bastante tensa. Uma verdadeira legião de guerreiros poderosos. Haviam tropas formadas, em várias filas, cada uma delas liderada por conselheiros, guerreiros de confiança e, os Mestiços, liderados por si mesmos. Logo, a Célula estava completamente vazia. Centenas de Homúnculos estavam se preparando do lado de fora.

            Meus amigos, todos eles, incluindo os Haunters, estavam agrupados ao meu lado, éramos uma equipe. Estevan, Sophie, Loui, Richard, Sammael e Tio Bradley estavam conosco. Emi, depois de muito insistir, acabou vindo conosco. Era isso ou ela acabaria nos seguindo às escondidas, de qualquer jeito. No fim, pedi a Will que viesse, e cuidasse de Emi, desde que permanecessem dentro da Algueora, longe da briga. Cary decidiu não desgrudar de mim até que tudo estivesse resolvido. Todos encaravam a luz brilhando e disforme ao meu lado, aparvalhados. Também nunca tinham visto um ChAngel, embora soubessem reconhecer um.

            _ Não encontrei sua mãe em lugar nenhum – falou tio Brad.

            _ Não importa. Prefiro ela fora disso – falei – estamos todos prontos?

            Sammael assentiu.

            _ Você sabe onde será o campo de batalha, não sabe, Matthew? – Abi perguntou.

            _ Sim. E espero que a mansão Vance sobreviva depois dessa noite.

            Era como se todo o céu fosse tomado pela escuridão total. As algueoras, seres gigantescos, impediam que a luz da lua cheia chegasse à superfície, como se fossem nuvens de tempestade cobrindo a iluminação natural noturna.

            A minha maior preocupação era com meus amigos. Na algueora onde estávamos, cinco Aurupos permaneçam imóveis, ronando baixo, mas sem nenhum movimento brusco. Abi tinha uma habilidade muito útil. Tomando a forma de Aurupo, podia liderá-los, não precisávamos de Alucates para isso.

            Então essa dúvida me fisgou. Onde estavam os Alucates? Há muito eles não se manifestavam, a não ser grupos de resistência que, sem uma liderança, tentavam nos atacar, mas sempre eram derrotados. Os Alucates estariam lá também?

            Mas não era hora nem lugar para pensar nisso. Mantive minha concentração total em como salvar meus amigos e conseguir capturar a máscara, levando em consideração a possibilidade de matar Jericho. Eram muitas coisas para serem feitas sozinho, mas era uma promessa que eu tinha feito a mim mesmo. Se eu não pudesse ser leal a mim, então a quem eu seria?

            Eu mantive o papel das notas musicais e o bocal bem seguros no bolso do meu sobretudo, pensando na melhor forma de usá-los. Abi permaneceu do meu lado todo o tempo, sob a forma de Aurupo, fungando no meu pescoço, como se quisesse dizer alguma coisa. Algo que, mesmo com palavras, não poderiam ser expressadas. Eu sabia o que ela tentava me dizer. Era mais ou menos do tipo “sobreviva”.

            Sobrevoamos por um longo tempo, enquanto todos se aqueciam e pareciam, alguns apreensivos, outros ansiosos. Mas, em geral, estávamos nos tratando com muito mais amabilidade. Uma coisa era certa para todos: muitos não voltariam dessa luta.

            Estávamos todos absortos em pensamentos, concentrados no que estava por vir, quando um barulho estridente de alguma coisa se rasgando chamou nossa atenção. A princípio não parecia nada. Mas, um segundo ruído fez a Algueora estremecer e rodopiar.

            _ Ataque! – gritou alguém, em algum lugar no ventre da Algueora – ALUCATES ESTÃO ATACANDO!

            Era tudo o que não precisávamos. Todos se levantaram, atônitos, correndo de um lado para o outro, ouvindo os disparos. Subitamente, uma rajada de luz vermelha atravessou a pele do animal, passando a centímetros de mim.

            _ Estão usando energia áurea! – gritei – eles devem estar loucos!

            _ Nem tanto! – falou Brian – hoje é lua-cheia, lembra-se? Eles podem usar a energia da lua nessa fase, sem gastar a própria.

            _ Maldita hora que escolhemos para fazer uma guerra! – guinchei, furioso – Brian, eu e você vamos até lá. E não morra, beleza?

            _ Tudo bem, eu me viro – ele deu uma piscadela, confiante. Estávamos mais ligados agora, uma amizade que tinha tudo para acabar aquela noite.

            Abi rosnou logo atrás de mim, urgentemente.

            _ Abi, você não. Fique aqui – eu fitei as cinco criaturas logo atrás dela – mas mande os outros Aurupos. Pode fazer isso?

            Ela uivou e, no mesmo instante, as criaturas se posicionaram a minha frente, imóveis e submissas. Eu sorri, agradecido.

            _ Estevan! –gritei – Abra a boca da Algueora!

            Estevan, a frente, apoiado nos maciços dentes brancos do animal, acenou positivamente com a cabeça. Cutucou a língua do animal, mas ele parecia abalado demais para receber o sinal.

            _ Vou ter que forçar! – gritou ele em resposta.

            Reuni os Haunters, com exceção de Will que deveria ficar com Emi, ao meu lado, assim como Brian e os cinco aurupos. Cadence Flanders, Joshua Langdon, Sarah Goldenberg, Kurt Steven, Alexandra Goulart e Loui Campbell estavam prontos para o primeiro duelo oficial de suas vidas. Estevan, Sophie e Loui, o outro Homúnculo grandalhão que nos ajudara na catedral, se colocaram a postos para romper os dentes da Algueora a força.

            _ Sarah – falei com a Vance escocesa – use sua barreira de aura. É lua cheia, você vai fazer uma maior e mais forte, ok?

            _ Isso vai me custar muita concentração – ela avisou.

            _ Nós vamos descer e você vai nos proteger de qualquer ataque até lá. Pode fazer isso?

            _ Com certeza. – ela sorriu.

            _ Hei! – eu gritei para Estevan – deixa que eu abro.

            Acumulei energia em minhas mãos e, num jorro de luz, a energia atravessou a estrutura dentária do animal. Eu sabia que iria doer, mas ele devia estar sofrendo muito mais do lado de fora, e, ainda assim, seu corpo se regeneraria em algumas horas.

            _ Sarah, assim que nos colocar em segurança lá embaixo, proteja a Algueora e resto que estiver aqui dentro.

            Ela assentiu. Fechou os olhos e, concentrada, deixou sua aura, num tom arroxeado claro, emanar de seu corpo. A energia nos envolveu. Logo, eu, os Haunters, Brian e os Aurupos estávamos protegidos.

            Como da primeira vez que havia feito durante a invasão da catedral, nós saltamos, como aventureiros sem para-quedas. Nosso corpo iria suportar o impacto com o chão, o que não conseguiríamos suportar eram as rajadas de energia que os Alucates disparavam contra o nosso grupo. Mas o escudo de Sarah surtiu efeito.

            A primeira esfera de luz vermelha veio em minha direção. Eu esperei ela colidir. A alguns centímetros do meu peito, ela simplesmente acertou o ar, um escudo invisível. Os filetes de luz ricochetearam, deslizaram sobre a superfície transparente do escudo, mas não me atingiram. Nenhum ataque a longa distância dos Alucates iriam nos atingir.

            Finalmente tocamos o chão. O impacto formou uma densa nuvem de poeira e o chão estremeceu com a força de nossos corpos. Mas estávamos bem, e prontos para a luta. Senti o escudo de Sarah me abandonar no mesmo instante. Agora era com a gente.

            _ Ataquem! – gritei.

            A frente, sem demora, os aurupos saltaram. Havia, mais a frente, um grupo enorme. Talvez cem Alucates reunidos bem ali, seus olhares furiosos, disparando suas explosões de aura contra nós. Éramos rápidos e, naquela distância, conseguíamos desviar, mas os aurupos não eram tão espertos quanto nós. Logo no início da batalha, um foi atingido.

            Os outros quatro aurupos avançaram contra um pequeno grupo de Alucates a leste. Isso iria atrasá-los.

            _ Haunters! – bradei – aflorem seus instintos!

            Foi o que eu fiz. Instantaneamente meu corpo estremeceu, como se algo quisesse sair de dentro dele, como se cada órgão quisesse sua própria luta. Todo o meu corpo queria lutar, cada célula, cada desejo e sentimento, tudo voltado a esse propósito. Mas eu tinha quase toda a minha consciência sobre controle.

            Uma rajada de energia disparou contra mim. Saltei, furioso, por cima da rajada, esquivando. Outra veio logo atrás de mim, e depois mais outra. Uma explosão e uma luz branca vieram logo em seguida.

            Uma muralha de terra se ergueu a minha volta, raízes de árvores reforçando a proteção, e jatos de água, provavelmente de lençóis d’água, jorraram, criando uma falsa impressão de chuva. Ouvi as rajadas de chuva se chocarem nas grossas paredes de terra, cipó e troncos.

            _ Eu não queria demorar – Cary sorriu – mas você sabe como eu gosto de te dar um gostinho da luta.

            _ Cary! Sai daqui! – eu pedi, com a voz trêmula e raivosa.

            _ Opa, é aquele negocio de Haunter, certo? Ok, mas se estiver em perigo, eu volto.

            Ela saltou por cima da muralha e se embrenhou em alguma luta.

            Fiz o mesmo, mas indo na direção oposta. Olhei para os lados por um segundo. Brian estava se saindo bem. Vi dos Alucates caídos atrás dele. Joshua parecia o mais desengonçado, mas sua estratégia de luta, sempre se esquivando do oponente até irritá-lo e cansá-lo, estava dando certo. Sua força, no entanto, era muito mais impressionante. Kurt também não ficava atrás, pelo contrário. Erra os golpes era impossível, porque mesmo golpeando o vento, ele conseguia deslocar o ar, criando uma forte pressão sobre o adversário, como um tufão. Alexandra era ágil. Conseguia desviar dos golpes, imobilizar um inimigo e usá-lo como escudo Alucate contra as rajadas de energia. Era fria e se esforçava para se manter viva, logo não fiquei surpreso com os dois Alucates, mortos, que ela deixara pra trás, correndo atrás do outro. Loui, o homúnculo desertado, tinha aflorado sua habilidade Haunter ao máximo, como eu havia feito. Nenhum golpe sequer o encostava, ele era capaz de visualizar tudo a trezentos e sessenta graus, a uma distância incrível. Vez ou outra ele derrubava um Alucate, mas parecia não estar disposto a matar ninguém.

            Voltei minha atenção a minha própria luta, atento ao que estava por vir. Três Alucates com aparência assassina, correram em minha direção, bradando ofensas e disparando energia. Desviei de todas, inclinando ombros e cabeça na direção oposta. Minha velocidade era tamanha que eu precisava usar os braços vez ou outra para equilibrar os movimentos. Me projetei atrás do primeiro Alucate, rápido o suficiente para segurá-lo pela longa cabeleira ruiva e arremessá-lo a alguns metros. Avancei novamente contra ele. Então, involuntariamente, meu radar foi ativado.

            Minha visão azul se abriu e visualizei, a poucos metros de distância, logo atrás de mim, uma gigantesca esfera de energia vermelha. Meus pés tocaram o chão, segurei o Alucate que estava caído pelo pescoço e o arremessei contra a esfera. O impacto entre o corpo e a energia causaram uma explosão tremenda.

            Escapei dos “estilhaços” do Alucate e corri na direção do meu agressor que investira o ataque. O rosto que tinha visto era cruelmente familiar.

            Blaine Grant estava bem a minha frente, sorridente, exibindo seus dentes brancos, como um relâmpago tenebroso numa noite tempestuosa. Os cabelos e cavanhaque cor de Âmbar se movimentavam rebeldemente contra a fúria do vento. Seus olhos amarelos e desafiadores estavam me fitando.

            _ Jovem Vance – ele sorriu.

            Isso me enfurecia. Seu sorriso macabro, que me apavorava e me enfurecia, causava repulsa.

_ Incrível como você ficou forte. Estou espantado. Você, sem dúvida, é o que tem a maior aura nesse campo de batalha. Esses anos te fez bem.

            Dois Alucates vieram em minha direção no mesmo instante, mas Blaine fez um gesto, e eles retrocederam.

            _ Eu sou seu único inimigo essa noite, garoto – ele disse - eu e mais alguns amigos.

            Logo atrás dele, quatro outros Alucates apareceram. Os gêmeos Barry e Adley, Zandra e Septima. Os rostos dos primeiros Alucates que eu havia visto, quando eu ainda era um garoto confuso e não sabia o que existia por trás das negras cortinas do Submundo.

            _ Como você é justo – eu retorqui – cinco contra um.

            _ Eu só não quero que você chegue até lá.

            _ Claro, deixe que os Patriotas peguem a máscara – dei de ombros – eles não matar vocês, de qualquer jeito.

            Blaine me encarou, não tão sorridente quanto antes.

            _ Eles não podem pegar a máscara se você não chegar lá. Nós o derrubamos aqui e agora. A máscara continua em seu devido lugar. Quando os duzentos anos se passarem por completo, aí sim nós a teremos em mãos.

            _ Sabe, é um bom plano – eu ri, cinicamente – mas tem um problema... Eu.

            Minha aura queimou todo o meu corpo. A rajada de energia liberada por mim foi tão intensa que empurrou meu corpo para trás, e os cinco Alucates se separaram. A rajada acertou o chão, levantando terra e uma densa nuvem de poeira.

            Os cinco alucates, agora mais distantes, estavam separados por uma cratera no chão.

            Os gêmeos não esperaram nenhuma ordem. Antes que qualquer um deles avançasse, Barry e Adley já estavam correndo em minha direção, com aquela mesma aparência agressiva, disposta a me matar.

            Ergui minha mão mais uma vez e, com a palma aberta, acumulei mais energia. O suficiente para cegar o campo de visão deles. Seus passos diminuíram e eles cobriram os rostos, e bastou. Disparei contra eles.

            _ Idiotas! – gritou Blaine.

            Ele se lançou contra os gêmeos, segurando-os pelo braço, e os puxaram para fora do alvo, mas não rápido o suficiente. Um deles, talvez fosse Barry, foi atingido. A rajada de energia áurea atingiu seus membros esquerdos e parte do seu rosto. Blaine continuou puxando-os, e soltou Berry apenas quando percebeu que ele não seria capaz de lutar.

            Barry caiu no chão, seu corpo ensangüentado, seu rosto deformado.

            _ Peguem esse moleque! – gritou Baline, furioso.

            Com Barry no chão, os quatro Alucates investiram contra mim. Novamente, a explosão de luz surgiu. Uma rajada de gelo perpassou pelo meu corpo, mas não me afetou. Seguiu seu caminho até o grupo de inimigos, congelando seus membros.

            _ Cary! – eu gritei – já disse pra não se meter!

            Ela apareceu atrás de mim.

            _ Eram quatro Alucates, Matthew!- ela rosnou – não podia deixar...

            _ Você tem que deixar! – eu resmunguei – agora dá o fora daqui.

            Ela fechou a cara, mas desapareceu outra vez. No íntimo eu estava contente por ela ter me ajudado, mas eu não a queria envolvida em duas lutas, já era difícil demais se concentrar em apenas uma.

            _ Seu ChAngel é mesmo uma pedra no nosso caminho – Blaine esganiçou, quebrando a camada de gelo que cobria seu corpo – uma habilidade interessante. Mas não vai funcionar pela segunda vez.

            _ Não vai ser preciso – sibilei, confiante – essa vai ser a última.

            Primeiro veio Septima, a mulher com a longa cabeleira dourada e olhos ameaçadores cor de tempestade. Ela segurava, em cada mão, duas esferas de luz, intensas. Eu podia ver, claramente, a sua poderosa aura envolvendo seu corpo.

            Ela disparou a primeira. Correndo em sua direção, esquivei-me, mas a segunda, por muito pouco, não me acerta, esfolando o meu braço com um golpe de raspão. Eu me desequilibrei por um breve momento, mas me recuperei antes de ser atingido pelo terceiro golpe.

            Zandra, a mulher oriental de olhos verdes e cabelos cacheados, se lançou em um novo ataque, enquanto Septima continuava disparando granadas de luz em minha direção. As coisas estavam ficando feias, eu sabia que não poderia vencer nem mesmo quatro deles. Barry só tinha se ferido por ter sido displicente demais.

            Zandra golpeou o chão com o punho fechado e, para meu espanto, a terra estremeceu. Sua força era incrível. Ergueu o braço novamente, lançando dois enormes fragmentos de terra em minha direção. Eu apertei o passo, sempre em sua direção, atravessei os dois fragmentos como se fossem tampas de isopor, e disparei contra Zandra. Minhas mãos seguraram sua cabeleira, prendendo-a entre meus dedos.

            Então uma luz vermelha, logo atrás de mim, me despertou a atenção. Virei-me, e lá estava a enorme esfera de aura em minha direção, queimando como um pequeno sol.

            _ Sinto muito – murmurei para Zandra, que tentava desvencilhar dos meus dedos – mas sou eu ou você.

            Coloquei-a entre mim e a esfera de luz. Seu corpo foi lacerado pelo golpe. Quando a soltei, ela caiu, inerte, uma poça de sangue viscoso em volta de seu corpo vazio.

            _ Zandra! – gritou Septima.

            _ Não fui eu – dei de ombros, rindo. Era amedrontador estar na minha pele. Era frio, tenebroso. Não era totalmente eu, havia um instinto tomando consciência dentro de mim, me tornando cruel.

            Justo no momento em que Septima estava para investir contra mim, um Aurupo agarrou-a no pescoço, arrastando-a para longe, rosnando, enquanto suas presas atravessavam a pele dura da mulher de beleza apavorante.

            _ Opa, acho que eles querem um momento a sós – falei, voltando minha atenção para Adley e Blaine – somos só nós três agora.

            _ Você não precisa fazer isso sozinho Matthew – uma mão segurou o meu ombro. Era Brian.

            _ Hei, Brian. Você não deveria estar aqui.

            _ A luta ali tava muito sem graça. Os Haunters estão pegando os melhores para eles. Pode deixar, vou deixar Blaine pra você – ele piscou cinicamente – você sabe que ele é muito forte, não seja tão convencido, ok?

            _ Tudo bem, mas é só limpar a sujeira depois, ouviu? Você sabe como esses Alucates fazem uma bagunça quando se explodem – eu zombei, apontando para Zandra, esparramada no chão.

            _ Vou tentar me lembrar disso – ele fez um gesto positivo.

            Eles avançaram contra nós. Adley e Brian se meteram em uma nuvem de poeira, trocando socos e, vez ou outra, chutes. Adley conseguiu atingir os olhos de Brian com sua energia áurea, mas levou um tempo quase instantâneo para restaurar a forma original. Tanto treinamento havia rendido mais eficiência em todas as nossas habilidades.

            Ignorei Brian e sua luta prazerosa, eu tinha a minha particular. Blaine veio em minha direção, furioso, rangendo os dentes com a fúria de um leão faminto, sua cabeleira âmbar dando-lhe uma aparência ainda mais ameaçadora. Mas não me deixei intimidar. Eu era tão forte quanto ele.

            Meus pés correram em uma velocidade surreal, levantando poeira logo atrás de mim, enquanto o ar a minha volta era deslocado, formando pequenos tornados na medida em que eu corria. Blaine saltou uns dez metros, com os joelhos flexionados, como um animal felino se preparando para o ataque. Suas mãos, arqueadas como garras, investiram contra mim. Um erro da parte dele. No ar, ele não podia se esquivar.

            Disparei contra ele uma enorme quantidade de energia, mas ele fez o mesmo. O impacto entre nossos poderes gerou uma explosão, arremessando-o na direção oposta à minha.

            Mas é claro que os movimentos dele eram todos pensados. Ele não faria esse tipo de ataque se não soubesse das conseqüências. Tentei me controlar. Subestimar um inimigo experiente era um erro idiota, e eu poderia morrer por isso.

            _ Espero que você consiga continuar com isso por muito tempo – ele disse, radiante – porque eu posso ficar aqui a noite inteira.

            Disparei contra ele outra vez, minha velocidade surreal me carregando a frente do vento. Impulsionei a ponta dos pés, me arremessando contra ele. Meu corpo girou no ar, esquivando de dois lances de energia. Então liberei minha visão.

            Vi tudo a trezentos e sessenta graus, como um jogo virtual de RPG. O tempo desacelerou, o suficiente para eu analisar os movimentos. Blaine estava com as pernas contraídas e as mãos a frente do corpo, o que indicava que iria investir outro ataque. Eu estava no ar, logo meus movimentos eram limitados.

            Ele se lançou contra mim. “Se eu continuar nessa linha de ataque, ele pode esquivar e me acertar sem problema”, pensei comigo. “Bem, não me resta outra opção”.

            Blaine, agora, depois da investida, estava no ar, vindo em minha direção. Não havia como esquivar, pois não tinha nenhuma superfície para me impulsionar. Mas eu tinha uma habilidade “propulsora” que tinha acabado de descobrir durante o ataque contra Barry. Reuni aura o suficiente e, disparei, não contra Blaine, mas contra o chão. A força gerou um impulso, me arremessando para o alto como um foguete. O ataque de Blaine furou e, logo, eu me vi por cima dele, minhas mãos segurando seus ombros com força.

            Senti seus músculos enrijecerem entre meus dedos. Eu estava pronto para acabar com a luta, mas algo inesperado aconteceu. Senti alguma coisa me acertar, e uma queimação súbita no braço.

            Guinchei de dor, soltando Blaine e caindo no chão com um baque surdo. Virei, atônito, para o local da queimação. Havia uma enorme úlcera que jorrava sangue do meu braço. Blaine se afastou e preparou outro ataque. Olhei para trás, de onde vira o ataque súbito. Lá estava Barry, ainda ensangüentado, com as mãos apontadas na minha direção. Ele havia disparado aquela energia contra mim.

            “Droga!”, murmurei, sabendo que não teria tempo para me levantar e escapar do próximo golpe de Blaine. Teria de sobreviver a isso e, com sorte, revidar na próxima.

            Os segundos seguintes foram contados como se fossem minutos.

            Primeiro a voz estridente de Abi gritando.

            _ EMILLIENE!

            Não! Emi estava bem ali, no campo de batalha. O que estava acontecendo? Onde estava Will que não a estava protegendo? Por que Emi estava ali embaixo?

            _ EMILLIENE! VOLTA! – a voz de Abi me irritou.

            Blaine estava tão perto de mim, suas mãos tão próximas ao meu rosto, mas eu só conseguia pensar na minha irmã, pequena e indefesa naquele campo de batalha. Bem, talvez não tão indefesa.

            Num segundo Blaine estava a minha frente, “congelado” em minha visão, prestes a me atacar. No segundo seguinte, uma nova rajada de luz azul o envolveu. Pisquei duas vezes, depois um pouco mais. Blaine não estava ali. Consegui me ajoelhar no chão, sentindo a ferida no meu braço, já cicatrizada.

            Virei-me na direção da voz de Abi. Lá estava ela, correndo em minha direção. Emi estava mais a frente, suas mãozinhas abertas, em posição de ataque. Emilliene havia disparado sua própria aura contra Blaine.

            _ Emi! – eu gritei – Emi, o que...

            Minha visão ficou azul, meu radar sempre era ativado quando um Haunter queria se comunicar. “Eu estou bem”, ouvi a voz da Emilliene soar baixo. Ela estava dourada em minha visão. Estávamos conectados através da habilidade Haunter. Ela era um Haunter!

            _ Emi! – Abi correu até ela, Will vinha logo atrás, correndo com uma velocidade pouco eficiente, mas seu corpo gigantesco rebatia os Alucates como se fossem bonecos de neve, enquanto abria espaço para chegar até Emi. Bem, pelo menos ele estava se esforçando para protegê-la.

            Emi era muito mais impressionante do que qualquer homúnculo. Seus poderes se desenvolveram precocemente, tinha uma incrível habilidade de “viajar” para o passado e, agora, sendo capaz de manipular a aura e possuir habilidades Haunter, era uma preciosidade. Mas isso não mudava o fato de que ela era minha irmã, e nunca deveria estar nessa batalha.

            _ Abi! – eu gritei – O que diabos ela está fazendo aqui?

            _ Salvando sua vida! – Abi gritou, abraçando Emi por trás – não se queixe! Você estaria morto se não fosse por ela!

            _ Ótimo, obrigado! Agora tira ela daqui, e Will também. Ele não vai conseguir lutar se não puder OUVIR de onde vem o inimigo!

            Ela assentiu, ainda irritada. Puxou Emi pelo braço, que se contorcia para continuar na luta. Eu a encarei, decidido, com aquele olhar decisivo de irmão mais velho. Subitamente, uma mão me puxou para cima, me colocando de pé.

            _ Qual é? Vai ficar de joelhos fazendo prece? – era Rich, meu irmão mais velho – vamos logo, temos muito o que fazer por aqui.

            Eu sorri, satisfeito. Estávamos, enfim, lutando em família. Era estranho, perturbador até, mas era, de certa forma, reconfortante, como se uma certeza crescesse dentro de mim. Um protegeria a retaguarda do outro.

            _ Por que está aqui? – eu perguntei – falei pra você ficar...

            _ Cara, eu sou seu irmão mais velho. Minha tarefa é contrariar, não importa se estamos no Submundo ou não. – ele bateu no meu ombro.

            _ E os outros?

            _ Estevan, Sophie, Loui e o tio Brad estão chutando alguns traseiros Alucate. A algueora está bem protegida. Sarah ficou. Ao que parece, ela te obedece.

            _ Que coração de liderança de merda – eu resmunguei.

            _ Hei, Matt. Você é um bom líder, eles é que são uns bastardos insubordinados – ele deu uma gargalhada – Opa, fica esperto que Blaine ta vindo com tudo.

            _ Deixa comigo, dessa vez eu resolvo – eu pedi – dessa vez eu não vou cair.

            _ Olha, se você quiser, eu posso te ajudar. Você sabe, minha habilidade...

            _ Não quero ajuda, Richard – falei – deixa comigo, ok?

            _ Ah, sei. É aquela coisa de instinto Haunter, né?

            _ É, isso mesmo – falei, impaciente – agora sai.

            _ Ok, vou ter que usar minha habilidade em outro fracote – desanimado, Richard sumiu de vista, provavelmente lutando com algum outro Alucate.

            Blaine se levantou, furioso, seu rosto sangrando, trêmulo de ódio. Emi tinha feito um estrago e tanto. Correu em minha direção.

            Seu soco chegou bem perto, mas eu anulei seu ataque bloqueando com o antebraço, cobrindo meu rosto. Usou o outro punho e, novamente, eu o bloqueei com o respectivo antebraço. Seu joelho voou em minha direção e protegi do golpe com a perna. Com a outra livre, eu o empurrei para longe, desvencilhando dos seus membros que mais pareciam serpentes prontas para me estrangular.

            _ Estou cansado de você, garoto! – ele bradou – Homens, liberem a experiência Zoeh!

            Ele deu passos, retrocedendo. O que ele estava pensando? Imaginei comigo mesmo. Estava fugindo da briga? Não parecia interessado em lutar mais, mas seu sorriso malicioso parecia ainda mais nítido e iluminado do que antes.

            _ Acho que você chegou a conhecer minha menina, Zoeh – ele murmurou – lembra-se do conflito recente entre Patriotas e Alucates? O real motivo era justamente esse: minhas quimeras, queridas criaturas.

            Eu o encarei, apreensivo. Lembrei da cada criatura horrenda na sala de entrada da base dos Patriotas.

            _ Você os viu, não? – ele ergueu os braços, como quem apresenta um espetáculo – mas você não viu em ação a melhor delas. Minha criança, Zoeh!

            Ouvi um barulho de algo pesado cair no chão. Apurei a visão, deixando minha visão atravessar a escuridão do horizonte. Havia uma enorme caixa de metal, uma espécie de cofre escuro, de onde saiu alguém, acorrentado até o pescoço. Era ela.

            “Uma garotinha. Magra, pouco maior que Emilliene, os cabelos louros acinzentados compridos até a cintura, olhos azuis vagos e um rostinho de anjo. Exceto por uma coisa. Os dentes não eram humanos. Definitivamente. Seu queixo estava distorcido, alargado por dentes quadrados e graúdos, uma mandíbula que esticava seus lábios de forma espantosa. Ela sorriu. Um sorriso de cavalo”. Ela estava usando uma camiseta cinza esfarrapada.

            Era tão humana, mas tão cruelmente transformada, que provocava medo apenas de olhar. Era a quimera, a criança acorrentada na entrada da base dos Patriotas. Era inesquecível aquele rosto.

            Blaine foi até Barry e, apoiando-o no ombro, falou:

            _ Se não se importa, eu preciso ir. Essa não é uma das minhas experiências mais bem-sucedidas, sabe. Ela não responde à nenhuma ordem. Bem, acho que é um castigo por eu ter costurado o corpo da minha própria filha ao crânio modificado de um cabalo e o DNA de uma Alárdia.

            O nome desconhecido, Alárdia, não me surpreendeu tanto quanto o fato de sua outra revelação: Blaine havia usado a própria filha para uma experiência, criando uma quimera incapaz de ser detida.

            _ Como você tem coragem... – murmurei.

            _ Foi pela ciência. Além do mais, nunca gostei de crianças.

            No mesmo instante, Zandra retornou, mancando, sangrando até os cabelos. Eles correram na direção oposta. Eu pensei em detê-lo, mas do que isso adiantaria? Havia uma quimera com grande potencial de perigo, e meus amigos estavam todos enfiados naquela guerra. Não podia me dar ao luxo de sair atrás de Blaine e deixar meus amigos à mercê de uma criatura que, pelo simples fato de ter o DNA de um Grant, já era perigosa demais.

            A menina, mais a frente, se soltou das correntes. Visualizei os Alucates a volta desaparecem de vista, alguns apavorados. Zoeh era mesmo apavorante e, a julgar pelo seu sorriso, parecia achar divertido toda aquela coisa de luta e sangue derramado.

            _ Pessoal! – eu gritei. Ativei meu radar para que os Haunters pudessem me ouvir – temos um problema aqui! Tomem cuidado!

            _ Matthew! – era a voz de Emi. Ela estava, todo esse tempo, conectada, nos observando – o que houve?

            _ Não é nada, Emi! Fique dentro da Algueora! Abi e os outros vão te proteger.

            Uma luz prateada estourou como um rojão ao meu lado. Caryenane estava pronta par lutar.

            _ Não me peça para ir embora dessa vez – ela pediu, trincando os dentes – aquela coisa parece ser perigosa.

            _ Eu sei – eu pisquei duas vezes, rápido demais, temendo perder a quimera de vista – por que ela não ataca?

            _ Está nos analisando? – ouvi a voz de Richard logo atrás de mim – Antes que perguntem, Adley está morto. Consegui, mas me custou muita coisa. Aquela quimera está observando quem vai lhe proporcionar mais divertimento.

            _ Como você sabe? – perguntei.

            _ Se esqueceu da minha habilidade?

            _ Ah, claro.

            Richard tinha uma habilidade muito útil, mas não a usava com freqüência. Do seu corpo saíam várias agulhas de metal, capazes de atravessar o corpo de um Homúnculo. Doía, de fato, como um disparo de revólver. Mas sua habilidade não se resumia apenas a isso. A agulha, uma vez dentro de um hospedeiro, era capaz de transmitir a Richard seus pensamentos e instintos, desejos e ansiedades. As agulhas também emitiam descargas elétricas no sistema nervoso, chegando a paralisar órgãos em alguns casos, dependendo da diferença de força entre Rich e o adversário. Mas era uma habilidade de difícil manejo.

            _ Você acertou uma agulha naquela coisa? – perguntei.

            _ Sim, mas ela não sentiu nada, nenhuma fisgada. Ta na cara que ela é muito forte – ele respondeu – ela não pensa, exatamente. Tem alguns momentos de reflexão, rápidos, como se tivesse várias mentes em conflito, entende?

            Entendo. E entendia também que, se continuássemos conversando enquanto a criatura nos estudava, iríamos morrer. Principalmente naquele momento, em que era corria, dando gargalhadas, vindo em nossa direção.

           


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