A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 44
A Máscara de Agammêmnon




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A Máscara de Agammêmnon

 

            O cheiro da cela da pequena delegacia de Ford era uma mistura de naftalina com alvejante. Era um lugar horrível, mau-iluminadas, com paredes sujas, celas quase vazias. Minha cela era a única com “inquilinos”, onde eu dividia um espaço considerável com um velho sujo e esfarrapado, com o rosto coberto por jornais velhos, fedendo a álcool, roncando em um sono profundo e despreocupado.

            Apoiei minha testa nas grades, de pé, desanimado e quase apavorado. Passei os últimos cinco minutos forçando as barras das grades com as mãos, mas minha força havia me deixado. Eu era, novamente, um garoto normal. Talvez eu estivesse mesmo sob o efeito de drogas. Talvez... Eu tivesse sonhado com toda aquela fantasia e, movido pelo delírio, efeito da erva, eu achava que era tudo real. Era um absurdo.

            Ouvi os murmúrios de Sammael, o policial, a alguns metros, discutindo com uma mulher, aparentemente a secretária do gabinete. As vozes eram rápidas e nervosas e, depois de alguns minutos, ouvi o som de teclas de telefone. Estavam discando para algum lugar.

            Apurei os ouvidos. Nada, apenas o ronco estúpido do bêbado infeliz. Depois de algum tempo, o policial veio até mim, com um olhar de dúvida, cautela,e mais um monte de sensações mescladas, incompreensíveis.

            _ Liguei para os seus pais – ele disse, sério, em tom de desaprovação – que você fez foi muito sério, rapaz.

            _ Olha, eu...- Eu o que? O que eu tinha pra dizer? – Eu não sei o que dizer numa hora como essas. – dei uma risada nervosa.

            _ Que tal: “Eu sinto muito ter machucado a Srta. Parshes?” – Sammael vociferou.

            Nem em um mundo alternativo perfeito e colorido eu me arrependeria de quebrar o nariz de Amanda Parshes. Eu não me importava com o que ela parecia para o resto do mundo, ou o que ESTAVA acontecendo com o resto do mundo.

            _ Ela... Ela é uma traidora – eu murmurei – tenho certeza disso.

            _ Traidora? – ele arqueou as sobrancelhas – o que quer dizer? Você e ela... Tiveram um caso? Céus, você bateu nela por traição? Garoto, pense no que está dizendo!

            _ Eu e Parshes? Com certeza você não é um Vance.

            _ Vance? – ele me olhou – garoto, acho que está ficando louco. Louco de verdade. Seus pais estarão aqui e, com sorte, conseguirão te internar.

            _ Eu não estou louco! – vociferei.

            _ Não é o que parece – ele me deu as costas, caminhando para fora do pavilhão. Miserável! Como ousa se esquecer da sua família?

            Eu estaria mesmo sob efeito de drogas todo aquele tempo? Não! Eu não podia pensar assim, eu era um Homúnculo. Por mais que doesse, por mais que eu preferisse ter minha vida normal, minha natureza gritava dentro de mim, me garantindo quem eu realmente era.

            Eu estava prestes a surtar, quando o bêbado fedido roncou, engasgando na própria saliva. Eu me virei, encarando-o com desprezo. Ele se mexeu, virou de um lado para o outro e, aparentemente se sentindo desconfortável (como se uma cadeia fosse a todo luxo), ele se sentou, deixando o jornal cair.

            Ele tinha uma longa barba grisalha, olhos negros e um nariz adunco e saliente, o rosto redondo e a pele morena de sol. Ele me olhou, sorridente, esperando uma resposta ao gesto.

            _ Que foi? – eu falei, enfezado – nunca viu um delinqüente não?

            _ Já sim. Muitos. Mas não um Vance.

            Eu o encarei, surpreso. Ele falou em um tom pomposo, natural e até mesmo divertido, como se me conhecesse. Mas eu nunca havia visto homem mais estranho. Seria parte da minha loucura?

            _ Vance? Como sabe dos Vance? – perguntei – você... é um Homúnculo?

            Ele deu uma risada, encostando-se nas grades. Começou a assobiar uma bela melodia. Uma canção de ninar atlanta.

            _ Quem é você? – perguntei, perplexo. Era a figura menos provável que eu esperava encontrar para responder minhas perguntas.

            _ Sou a mensagem.

            _ Quem?

            _ A mensagem! – ele falou, como se fosse óbvio demais. Revirou os olhos, entediado. Ele se levantou e desabotoou a camisa velha. Afastei-me com repulsa, mas ele queria apenas mostrar uma coisa. Uma cicatriz no peito, na forma do símbolo de mensagem, o mesmo que Sammael havia me mostrado – sou a semi-consciência. Veja sua mão, garoto.

            Olhei, mecanicamente, para a palma da minha mão. Para minha surpresa, um cicatriz rosada e, aparentemente recente, estava marcada em minha pele, o mesmo símbolo cicatrizado na minha pele.

            _ Não acredito que não percebeu isso – ele riu – teria sido mais fácil.

            Deslizei os dedos da mão esquerda sobre a marca, um alto-relevo cheio de círculos, formando um símbolo milenar. Fechei a marca em um punho cerrado, sentindo uma pontada de esperança queimar meu coração frio.

            _ Onde estou? – perguntei.

            _ Na sua mente – ele sorriu – estamos dentro da sua mente. Você precisa sair daqui, rapaz.

            _ Como eu saio? – perguntei, rápido e direto.

            _ Ora, você não quer que eu faça tudo por você, quer? – ele riu – Você só poderá sair daqui com a informação que eu tenho para dar. Mas, se você não conseguir, então...

            _ Vou ficar preso aqui pra sempre?

            _ Sim. Mas veja o lado bom. Você viverá uma vidinha normal que tanto queria. Claro, seus amigos Brian e Abi estão mortos... Mas é só um detalhe, certo?

            _ Não quero viver em um lugar assim – retorqui.

            _ Pense bem, Matthew. Seu avô está aqui. Vivo. Ao seu lado.

            Eu estreitei os olhos, lutando contra aquelas palavras tentadoras.

            _ Você logo vai sair daqui. Você não é um criminoso, vai passar por uma situação chata, apenas isso. Vai se desculpar com a jovem Amanda Parshes, vai voltar a sua vidinha, vai crescer, ir para a faculdade. Namorar, curtir festas com Camille e Kyle, vai ser amado pela mamãe. O que mais você quer?

            Eu realmente avaliei suas palavras, tentado. Meu avô estava vivo, teria uma vida normal. Mas e Abi? E enquanto ao Brian? Em algum lugar eu sabia que estavam vivos, mas viver em um mundo sem meus novos amigos era estranho, perturbador. Não, eu queria a verdade, mesmo que ela corroesse para sempre minha capacidade de ser um humano normal.

            _ Eu quero sair daqui – sibilei – odeio esse lugar, quase tanto quanto odeio você. Me tire daqui, miserável.

            Ele deu uma gargalhada repentina, batendo palmas calorosamente, em aprovação.

            _ Isso é um bom começo. Você realmente quer essa mensagem. É um rapaz de atitude. Mas isso não é tudo... Você precisa ser esperto.

            _ O que eu tenho que fazer? Isso é algum joguinho doentio?

            _ Não, garoto – ele gesticulou o dedo indicador, negativamente – isso é um teste. Não posso dar informações a qualquer um, certo? Você precisa provar que é digno dessa mensagem.

            _ Ok. Quais são as regras?

            _ Encontre o que você procura. – ele deu de ombros – simples.

            _ O que... Eu procuro? Ora, eu quero a resposta para o paradeiro da...

            _ Shhhh! – ele balançou as mãos no ar violentamente – não diga. Não me fale o que quer, eu não quero nem saber.

            _ Mas você já sabe – eu disse – você está dentro da minha mente.

            _ Eu sim... Mas eles não – o velho apontou para o canto da sala, onde um rato marrom de olhos rosados mordiscava a madeira do roda-pé. Eu fitei o animal, inocente e indiferente à nossa conversa.

            _ O que há de errado com ele? – perguntei – é só um rato.

            _ Não. – ele ficou sério de repente – aquilo ali é o seu pior pesadelo. Veja bem, garoto. Você não é apenas Matthew. Aqui você é Matthew Chambers; Matthew Vance, o Homúnculo; Matthew Vance, o Haunter. Muitas personalidades em uma pessoa só. Lá fora, você é dono de todas elas. Aqui dentro, você é tão autoritário quanto qualquer uma dessas suas personalidades. Sua parte amorosa, sua parte sanguinária. A parte cruel, a parte que compadece. Todas já sabem que você está aqui, e querem te enfraquecer, e tomar o controle.

            _ O que? Mas... Como eu posso vencer isso? – eu falei, atônito – eu sou só um humano aqui.

            _ Porque, no seu íntimo, é isso que você quer – ele disse – precisa encontrar sua força, a aceitação de sua própria natureza, enquanto busca a mensagem. Eles farão de tudo para te impedir. Mas eles não dominam sua mente, não podem saber o que você está pensando.

            _ Ótimo, como eu saio daqui? Nessa cela, eu não posso faze nada.

            _ Você vai sair, apenas diga a eles o que querem ouvir. – ele sorriu novamente – se não se importa, eu gostaria de tirar um cochilo antes de ir. Sua mente é muito bagunçada.

            Dizendo isso ele de deitou e, em menos de um minuto, já estava dormindo.

 

            Meu pai e minha mãe vieram até mim, com os rostos lívidos e preocupados. Nunca iriam me imaginar atrás das grades. O policial Sammael abriu a cela, deixando meus pais entrarem. Mamãe me abraçou como se eu tivesse desaparecido há anos.

            _ Oh,meu filho! – ela murmurou, deixando algumas lágrimas molharem meu ombro. Eu era um pouco maior que ela – Seu avô está se sentindo tão mal!

            _ Mal? – eu a abracei – por quê?

            _ Ora, a erva que ele te deu – ela falou em meio a um soluço.

            _ Espero que isso sirva de lição a ele – meu pai disse logo atrás, esfregando a ponte do nariz fervorosamente – seu avô parece uma criança.

            _ Eu... Eu estou livre, então? – perguntei.

            _ Sim. Sammael conhece sua conduta – disse minha mãe – sabe que é um bom garoto, e acreditou quando contei sobre a brincadeira idiota do seu avô. Ele veio aqui e vai responder pelo seu crime.

            _ O que? Ah, o vovô? Ele não...

            Atrás de mim, o velho bebum tossiu discretamente.

            Claro, nada era real. Eu estava vivendo um mundo alternativo. Aquele não era meu avô de verdade. E, para meu pesar, as lágrimas da minha mãe também não eram.

           

            Estávamos a caminho de casa, passando pela estrada de ipês. Minha mãe soluçava, aliviada, e meu pai dizia como eu era um bom filho, e como não merecia isso, e tudo o que eu queria era que eles calassem a boca. Eu precisava achar a mensagem e encontrar minha força. Como conseguiria fazer isso? Como eu iria merecer?

            Estávamos de frente a mansão, meu pai estacionou próximo à estátua de Madeleine, a versão menor, perto da escadaria de mármore. Minha mãe desceu, me conduzindo como se eu tivesse recebido alta depois de uma enfermidade.

            _ Mãe. Sério, eu não preciso disso – pedi – pode ir na frente, você e o papai. Eu quero ficar aqui um pouco.

            _ Tem certeza filho? – ela perguntou.

            Meu pai abraçou-a e puxou para perto.

            _ Deixa ele, querida. É melhor para espairecer a cabeça. Depois Vince vem conversar com ele.

            _ Isso mesmo – eu sorri, fingindo estar tudo bem.

            Assim que eles subiram as escadas e entraram, eu me sentei, cansado, na fonte de Madeleine, esfregando os olhos com força. Aonde poderia estar a mensagem. Do que aquele velho, realmente, estava falando? Abri a mão direita e fiquei contemplando a cicatriz por algum tempo.

            _ Hei, Matthew – uma voz me chamou.

            Virei-me para trás. Era Camille, sorridente. Fechei meu pulso, escondendo a cicatriz.

            _ E aí? Conseguiu cavar um túnel?

            _ Ha Ha Ha. Muito engraçado – eu bufei.

            Ela sentou-se ao meu lado.

            _ Você não é imune a falhas, Matthew – ela disse.

            _ Eu sei...

            _ Hei... – ela segurou meu punho fechado – o que tem aí?

            _ Nada – eu puxei a mão – Nada de mais.

            _ Me deixa ver - ela sorriu – ou você tem algum segredo comigo?

            _ Talvez eu tenha.

            Ela fechou a cara. Com uma expressão dura, segurou minha mão e, com uma voz levemente alterada, murmurou:

            _ Precisa aprender a confiar em seus amigos de vez em quando.

            Ela forçou o meu punho e viu a cicatriz. Ela pousou o olhar um instante na marca e, depois de suspirar, me olhou, com uma expressão de pesar.

            _ Uma pena – ela murmurou – você percebeu, né?

            Eu a encarei, apreensivo.

            _ Você sabe que nada disso é real. – ela soltou o meu punho e se levantou – mas não posso te deixar sair daqui.

            _ Do que você...

            O corpo de Camille explodiu, e uma densa fumaça negra subiu, espiralada, como fios de cabelo negros e espessos, formando vórtices no ar e mergulhando no chão. Eu me afastei da figura negra, correndo de costas. Meu equilíbrio, desprovido de habilidades Homúnculo, falhou, eu caí, num tropeço, batendo as costas no chão, enquanto a fumaça densa tomava uma forma familiar.

            Era eu. Idêntico, mas com alguns pequenos detalhes. Suas vestes eram formadas por uma camada densa de fumaça, as pontas do sobretudo exalavam fios negros espiralados, seus olhos eram vermelhos cor de sangue, os cabelos cintilantes e a boca esticada maliciosamente em um sorriso.

            _ Você não pode sair daqui – ele falou, sua voz soou mais grave do que a minha.

            _ Quem? – eu bradei, ainda caído no chão – quem é você?

            _ Eu sou você, besta – ele deu uma gargalhada – sua parte Homúnculo, seu desejo reprimido em ser mais forte, sua vontade em possuir a máscara. Está aqui por isso? Para conseguir respostas? Que mensagem está buscando aqui dentro?

            _ Você é só uma parte de mim – retorqui, me levantando – você não pode me fazer mal.

            Ele deu uma gargalhada agourenta, macabra, fitando-me com uma expressão completamente transformada. Ele exalava confiança, mas tinha um olhar destruidor.

            Num salto, me levantei e comecei a correr, em direção a cerca, em completo desespero. Eu iria morrer bem ali, dentro da minha própria cabeça, ser massacrado por mim mesmo, uma versão maligna.

            _ Você quer mesmo fazer isso? – ele gritou, sem se mexer, enquanto me via correr – acha mesmo que pode correr de mim?

            _ Eu posso tentar, não posso? – respondi.

            Apertei o passo, inclinando a cabeça pra frente.

            BUM!

            Caí no chão, sentindo minha cabeça girar, meus olhos fora de órbita, uma dor nauseante, depois de trombar em alguma coisa. Tentei me apoiar nas mãos, virando-me pra frente. Ele estava bem ali, sorrindo pra mim, vitorioso.

            _ Agora eu mando nessa droga – ele disse – sua cabeça, sua mente, sua vida... É tudo meu. Aqui dentro, você não é nada, só a menor unidade de um ser.

            Eu me levantei, irritado. Apertei os punhos, sentindo o desespero crescer loucamente, eu estava para morrer. Seria dominado por um ser que não era eu, nunca seria. Um instinto furioso. Se aquele era apenas o Homúnculo, que barbaridades o Haunter poderia fazer?

            Então, num estalo, uma idéia brilhante me veio à mente. As minhas habilidades, minhas personalidades, estavam distribuídas. Mas a mente, a capacidade de raciocínio, ainda me pertencia. Eles agiam segundo meu instintos, reflexos de minha personalidade. Eu tinha uma chance.

            _ Ah, acho que não tem mesmo jeito – eu falei, afrouxando as mãos, erguendo-me, encarando-o com certa satisfação – Vou me render.

            Ele piscou duas vezes, surpreso.

            _ Sério? – ele riu – vai se render? Assim? Nem acredito que fiquei tanto tempo dentro de um cara tão fraco.

            _ Pois é. – dei de ombros – Mas não sei se o Haunter vai concordar com isso. Quer dizer, agora que o meu “reinado” está sem um líder.

            _ O que quer dizer com isso? – ele parou, abruptamente.

_ Ora, você acha que é o único dentro da minha cabeça a fim de tomar o controle de tudo. Ah, não. Tem um monte de versões minhas andando por aí.

            _ É... – ele me olhou, confuso, desconfiado – tem mesmo. Mas eu quem vou tomar o controle.

            _ Sabe... A semi-consciência me disse para tomar cuidado com o que eu dizia. Provavelmente vocês podem me ouvir, embora não saibam o que eu penso. Bem, eu digo uma coisa, se eu conseguir a mensagem, vou sair daqui rapidinho. Por isso é melhor vocês decidirem logo quem vai tomar o meu lugar. Mas eu acho que você não serve muito para esse tipo de coisa não, sabe... Meio nervosinho, chato que só! Talvez você possa deixar isso pro Haunter. O cara tem estilo.

            _ Cala a boca! – ele vociferou, erguendo a mão furiosamente – vou acabar com você agora.

            Seu corpo estremeceu e uma rajada ondulante de fumaça negra me atingiu em cheio, me arremessando vários metros acima do chão, a uma considerável distância dele. Senti meu corpo arder em chamas, minha mão começou a formigar. A minha cicatriz estava em pelando.

            Caí no chão com um baque surdo. Senti meu braço quase deslocar, mas nada tinha me acontecido de grave. Tentei me levantar, mas meu corpo estava dolorido demais, minha cabeça rodando violentamente. Olhei a diante, onde Matthew o Homúnculo estava, a uns cinqüenta metros, me encarando com fúria.

            Ergui minha cabeça, forçando meu corpo a se levantar. Assim que me virei, senti alguma coisa úmida e gelada encostar o meu cotovelo. Levantei-me, trêmulo. Era um focinho. O focinho de Brock. Respirei, aliviado. Pelo menos um amigo.

            _ Oi garot...

            Brock explodiu como tinha acontecido com Camille. Uma onda de fumaça branca esvoaçante rodopiou no ar, envolvendo meu corpo. Levantei-me, às pressas, me afastando do vórtice de fumaça branca.

            _ Mais um! – reclamei.

            A fumaça tomou a forma de uma outra versão minha. Calças jeans, moletom e o olhar sério e atento. Não parecia ser grande coisa. ele me encarou, inexpressivo, me fazendo lembrar a mim mesmo, quando era mais jovem, normal.

            _ Você é mesmo um idiota – ele falou – queria dar o controle pra um babaca como aquele?

            _ A quem eu deveria dar? A você?

            _ Você pelo menos sabe quem eu sou?

            Claro que eu sabia. Ele era eu! Ou pelo menos parte de mim.

            _ Eu sou Matthew Chambers – ele respondeu – a sua parte humana. Acha que eu posso contra aquele cara lá?

            _ Então o que, diabos, está fazendo aqui? – olhei para trás por um breve segundo enquanto falava. Matthew o Homúnculo havia sumido.

            _ Colocar juízo nessa sua cabeça. Antes você na liderança do que um daqueles sádicos.

            _ Ok. Como espera me ajudar? – perguntei.

            _ Eu sou responsável pela sua parte intuitiva. Separado de você, sou muito mais efetivo. Pense por um segundo, cara. O que você tem em mãos?

            _ Que tipo de pergunta é essa?

            _ A chave, seu estúpido! – ele rosnou – pensa rápido, eles estão perto. Você tem a chave, um instrumento! Você tem as notas de uma música. Você tem uma flautista petrificada! O que mais você quer? Isso não parece óbvio?

            _ Ah... Eu não tinha pensado nisso.

            _ Então comece a pensar. E, se você sair vivo dessa merda, lembra de mim, ok?

            _ Ah, entendi, você é a sensitividade.

            _ Caramba, como você sabe? Aposto que é sensitivo – ele revirou os olhos, em uma expressão de escárnio.

            _ Por que você não vai pra...

            Uma explosão de fumaça estourou o campo onde estávamos. O céu, subitamente, escureceu, as cercas foram violentamente arrancadas por uma tempestade, e vários gradientes de fumaça emergiram da terra, abrindo fissuras gigantescas, cercando a mim e a minha versão do bem, porém irritante. Camille, uma coruja de olhos amarelos, um Aurupo e Jericho Barlcay estavam bem ali, a minha frente, formando um círculo a nossa volta.

            _ Você sempre foi um fraco, Chambers! – Camille gritou para a minha versão do bem.

            As quatro figuras familiares a minha volta se desfizeram em figuras idênticas a mim, porém com algumas características diferentes. Camille se transformou em Matthew o Homúnculo. Barclay tomou a forma de um Matthew mais alto, agressivo, com os olhos vermelhos, a boca encharcada de sangue e um sorriso assassino brilhando como um relâmpago, com certeza era Matthew Haunter. A coruja tomou a forma de um Matthew menor, oito ou nove anos, sorrindo inocentemente, mas com convulsões periódicas, rápidas e assustadoras. O Aurupo tomou a forma de Matthew Chambers, com moletom e jeans, mas era corpulento e o olhar era rosado, os dentes protuberantes e virados para fora, como um rato.

            _ A mensagem! – eu gritei para minha versão do bem – eu preciso dela! Como eu consigo?

            _ Você precisa merecer! – ele gritou tentando sobrepor sua voz aos ruídos da tempestade.

            Meu corpo estremeceu. De repente, era tudo surreal, como estar de volta ao submundo, ver as anormalidades, as formas místicas e as manifestações misteriosas a minha volta, como um conto de fábulas. Era exatamente isso que eu precisava.

            Meu coração disparou violentamente, movido por uma certeza: era isso o que eu queria. Era esse o mundo que eu pertencia, e era esse o mundo que eu desejava. Sabia que viveria, eternamente, sentindo a saudade de uma vida humana, mas eu não era mais um humano. Era um Homúnculo. Senti a necessidade de possuir aqueles poderes, o desejo, a excitação em tê-los em minhas mãos.

            _ Isso! – Matthew do bem gritou – todos somos você!

            Ele tomou a forma de uma fumaça branca e envolveu o meu corpo, entrando por entre minhas narinas e boca, inflando meu pulmão. Minha mão formigou outra vez e, involuntariamente, olhei a cicatriz, que estava sangrando, como se tivesse sido feita naquele instante.

            _ Eu vou possuir sua mente! – gritou o Homúnculo.

            _ Não seja idiota! – gritou o Haunter – esse é o meu reinado agora!

            Haunter e Homúnculo se misturaram em uma densa névoa, uma mescla de cores arroxeada e negra. Enquanto isso, gotas de sangue escorriam da minha mão, sujando a grama verde, enquanto a tempestade alvoroçava todo o cenário. Os quatro “eus” começaram uma disputa pelo meu pescoço. Era minha chance.

            Comecei a correr em direção a mansão, usando toda a minha velocidade. De alguma forma, eu me sentia diferente, minhas pernas friccionavam uma velocidade mais intensa, meu corpo parecia mais resistente. Parte de mim tinha voltado. Consegui saltar uma fissura que, para um ser humano normal, seria quase impossível. Continuei minha corrida.

            _ Hei! – ouvi minha voz gritar, mas não era eu, era um dos “Matthews” – ele está fugindo!

            _ Merda! – gritou outro.

            Virei-me pra trás, vendo as quatro figuras, uma negra, outra roxa, uma cinza e uma vermelho-grená vindo em minha direção. Quatro rajadas de fumaça rasgando o ar, me seguindo com uma velocidade sobre-humana.

            Mantive minha atenção em meu trajeto, onde estava a estátua de Madeleine. Ao lado da fonte, um homem bem conhecido. O velho preguiçoso da cela, a semi-consciência. Estava me encarando, com um tom cômico em seus olhos negros. Lancei outro olhar para trás, os quatro continuavam a me seguir, com sua monstruosa velocidade.

            Eu não fui rápido o suficiente. Um dos vultos em fumaça me atingiram em cheio por trás, me arremessando como se fosse um peso de papel inútil. Ainda não tinha força para lutar contra três versões minhas.

            Choquei-me contra a estátua de Madeleine, espatifando-a em mil pedaços. Em meio a chuva de pedras e escombros, caí com um baque surdo no chão, sentindo meu corpo se contorcer em uma dor, mas não foi tão terrível quanto imaginei que fosse. Já estava me acostumando com dores quase insuportáveis. Senti algo viscoso escorrer na minha testa. Era meu próprio sangue. Fragmentos da estátua estavam cravados nos meus braços, no meu pescoço e nas pernas. O velho estava de longe agora, me encarando com uma expressão de expectativa, como se torcesse pela minha vitória, ou a vitória de qualquer um dos Matthew.

            Mas que diabos! Ele não ia fazer nada? Ia ficar me encarando, vendo meu corpo sangrar e morrer aos poucos, assistindo a covarde investida de quatro seres poderosos contra mim? Era uma droga mesmo!

            Não consegui me levantar dessa vez, apenas observar os vultos se aproximarem, determinados. Não estavam mais interessados em brigar. Pareciam mais focados em mim agora.

            _ Estamos mais interessados, no momento, em esvaziar o trono – disse o Haunter.

            _ Concordo – disse o outro, mais alto e corpulento – vamos logo acabar com isso.

            _ Que bom que ele veio, não é? – disse a minha versão infantil, sorrindo sombriamente – aqui estava meio tedioso.

            _ Vamos acabar com ele e, de quebra, acabamos com o Chambers Intuitivo – disse o Haunter – depois nos estapeamos e vemos que fica na liderança.

            Ótimo! Eu os tinha reunido ali e, agora, estavam formando um complô para acabar comigo. Eu ficaria preso na minha mente bizarra e viveria eternamente nesse mundo deturpado.

            Gritei contra os meus músculos, dei as ordens mais absurdas ao meu corpo, mas ele não respondia, estava fraco, nocauteado, incapaz de responder. Só me restava esperar, ver a repercussão das coisas.

            _ Ta, chega de conversa. Vamos logo sumir com esse paspalho.

            Os quatro vultos investiram contra mim. Foi tudo tão rápido que meus olhos nem puderam acompanhar.

Num segundo, quatro tons diferentes de fumaça densa estavam se aproximando. No segundo seguinte, uma enorme barreira de terra tinha sido erguida entre mim e as minhas piores versões, como um escudo repentino. A terra estremeceu, como um abalo discreto, e, atrás de mim, enorme pilares de terra e raízes grossas de árvores se ergueram como mãos, investindo contra os meus inimigos. Não pude ver, pois a barreira estava cobrindo, mas pude ouvir seus urros de insatisfação e fúria.

            _ Matt! – ouvi a voz sibilante, tão familiar sussurrar perto de mim.

            Cary estava bem ao meu lado, inexpressiva, como sempre fazia quando estava concentrada em uma luta. Ignorava sua personalidade rude e adotava uma pose de guerreira. Era ela, com certeza.

            _ Eu senti – ela disse – você estava prestes... A me deixar.

            Ela apertou sua mão firme em meu ombro.

            _ Como você... Chegou aqui?

            _ Estamos ligados, lembra-se? – ela disse – Sua mente é a minha, minha mente é a sua.

            _ E a mensagem? – eu disse, perplexo – eu preciso!

            _ Se conseguirmos derrubá-los, a coisa fica mais fácil, não acha?

            _ Não estou apto para lutar.

            Do outro lado, a barreira sofreu um impacto forte, fazendo a muralha de terra rachar.

            _ Eles estão tentando atravessar – ela disse – Matthew. Eu preciso de você. Tome o controle da situação. Essa é a sua mente.

            _ Você não pode, sei lá, matá-los?

_ Eles são você. Não posso fazer isso. Não porque não quero, mas porque não consigo.

            Senti minha mão formigar outra vez. Abri a palma da mão, encarando a cicatriz, em uma úlcera aberta. Ela estava eliminando muito sangue, como se quisesse me secar por completo, expelir toda a essência de vida que circulava em minhas veias.

            _ Cary! – eu me virei para ela – Mate-os.

            _ O que... Não! Eu não posso – ela respondeu – eu não consigo. Eu já disse, não é porque não quero, mas meu corpo não me obedece para fazer isso.

            _ Confie em mim! – eu disse – precisamos dessa mensagem, e, pra isso, eu preciso sair daqui! Alguém precisa acabar com aquela guerra!

            _ Eles são você, Matthew! Eu não posso!

            _ Pode sim! – eu vociferei – Eu posso não ser capaz de possuí-los de volta. Mas posso me desligar deles! Eles não são mais parte de mim!

            _ Mas... Matthew... Se fizer isso... Sua natureza Homúnculo.

            _ Eu sei... – murmurei – não serei mais parte do Submundo. Também não serei mais parte do mundo tradicional. Mas é a única opção! Abi, Brian, você! Tenho certeza que são capazes de continuar!

            _ Mas...

            _ Cary! É só isso, apenas isso, que eu te peço! Acabe com eles! – pedi, em tom de súplica – eles não fazem mais parte de mim! São independentes! Acabe com eles!

            Ela me fitou, confusa, aflita, o olhar cheio de expressão. Mas ela via em mim a minha decisão tomada, a certeza nas minhas palavras. Eu iria renunciar minha natureza, meus dois mundos preferidos. Iria vagar entre eles, preso a isso. Mas não importava. Salvar um mundo onde as pessoas que tinham importância vivam, era o suficiente, maior do que qualquer sacrifício.

            _ Tudo bem... – ela disse, me abraçando como nunca havia feito. Senti o calor do seu corpo, a intensidade de suas emoções. Ela me protegia porque me amava. Isso me fez ter mais certeza da minha decisão.

            Ela me abandonou no chão e saltou por cima da mureta, desaparecendo de vista. Ouvi um estrondo e urros de dor da minha própria voz. Minha cabeça começou a doer, o sangue da cicatriz cobrindo meu corpo como um manto vermelho.

            _ Tudo bem... – ouvi uma voz rouca. Olhei para o lado. Era o velho – você fez por merecer.

            Então tudo ficou branco.

 

            Pisquei duas vezes. Tinha acabado de acordar. O chão, as paredes, era tudo branco, como um quarto de hospício. Mas, em todas as paredes, rabiscos feitos com giz de cera formavam desenhos bastante curiosos. Eu estava de pé, não me lembrava de ter me levantado. Estava sozinho. Virei trezentos e sessenta graus, observando os desenhos, procurando uma alma viva. Onde estava Cary?

            _ Muito bem – ouvi a voz.

            Olhei para trás num movimento rápido e assustado. Lá estava o velho, a semi-consciência, mensagem ou o raio de nome que ele se auto-intitulasse. Eu só queria sumir dali.

            _ Muito bem... Então isso significa que eu passei no teste? – arrisquei a pergunta.

            Ele deu uma risada esganiçada.

            _ Nem de longe. Você foi uma droga! Mas eu dito as regras por aqui, eu decido quem lê as mensagens. Embora você tenha se saído um completo lixo, eu gostei da sua forma de agir, apreciei o seu sacrifício. Muito nobre.

            _ Então... Eu vou receber a mensagem – não fiz uma pergunta. Era uma afirmação uma expectativa.

            _ Sim – ele falou, enfim – eu te concedo esse direito.

            Suspirei, aliviado.

            _ Onde está, então?

            _ Ora, bem a sua frente. – ele sorriu, apontando para as paredes desenhadas.

            _ O que? Isso? Mas, eu não entendo nada. Quer dizer, algumas podem fazer sentido, mas...

            _ Você precisa tocar neles – o velho interrompeu – precisa sentir a mensagem.

            Eu o fitei, com um olhar inquisidor. Até onde confiar nas coisas que surgiam dentro da minha cabeça? Angeline não estava completamente certa quando dissera que meu interior era o lugar mais seguro.

            O velho notou minha hesitação e, talvez, numa tentativa de criar um elo de maior intimidade, começou a contar parte da história de Barnaby.

            _ Símbolos Mensageiros são feitos para levar mensagens através dos séculos, e é muito complicado sequer criar uma mensagem. É preciso ter um desejo desesperado em manter a mensagem viva. Foi assim que Salazar, o irmão de Barnaby, consegui esse prodígio.

            Ele fez uma pausa, levou as mãos para trás, adotando uma posição mais formal, mas, de certa forma, familiar.

            _ Eles eram irmãos gêmeos. Mesmo sangue, entende. Salazar queria enviar essa mensagem após conseguir algumas informações com seu avô, Vincent Vance. Mas, para isso, precisou da ajuda do irmão. Barnaby sempre confiou em Salazar, independente do que fosse. enquanto Salazar desenhava nas paredes e murmurava a mensagem, Barnaby desenhava, com o próprio sangue, o símbolo no centro da sala.

            Eu continuei em silêncio, olhando-o com certo interesse. Só depois do silêncio percebi que a história chegara no fim.

            _ Vamos, toque. – ele sorriu gentilmente.

            Ainda hesitante, caminhei até a parede, com a mão estendida, analisando desenho por desenho. Eram familiares, mas não diziam mais do que eu gostaria de ouvir. Finalmente, toquei na parede. Senti uma corrente elétrica atravessar o meu corpo e ouvi uma voz fraca soar como um sussurro:

            _ Se você está ouvindo...

            Puxei a mão, involuntariamente. Era uma sensação estranha. No momento em que toquei na parede, uma onda prolongou-se em meus dedos, subindo a cabeça e vibrando dentro do meu crânio, como se a voz estivesse dentro de mim.

            Olhei para trás, atônito, procurando alguma orientação do velho. Ele estava rindo, divertidamente.

            _ Não tenha medo. – ele disse – é assim mesmo que deve acontecer. Ninguém além de você pode ouvir a mensagem.

            Decidido, toquei novamente na parede, deixando a mensagem soar.

 

            “Se você está ouvindo isso, significa que uma guerra está muito próxima”

            Meus dedos deslizavam sobre um desenho mal-feito, onde homens desenhados de vermelho lutavam contra homens desenhados com giz azul.

            “Durante anos tentamos manter em segredo as Salas Octogonais, a fim de proteger a máscara de Agammêmnon. Mas os nossos povos sempre almejaram força, destruição, queriam para si o que não podiam ter. Calcas Vance tomara a pior decisão, criando tal máscara e, agora, poderosa demais para ser destruída, precisava ser mantida em proteção, longe dos ambiciosos.”

            Abaixo da mensagem, havia o desenho de um buraco fundo, com uma cabeça amarela, indicando a máscara dentro do que parecia ser um poço. Acima dele, vários homens desenhados em vermelho e amarelo apareciam caídos, mortos, enquanto outros travavam uma guerra sem fim.

            “Em sua última viagem até a Sala Octogonal, um velho amigo, Matthew Vance, havia me revelado um futuro tortuoso. Busquei respostas, tracei várias possibilidades, pedi ajuda ao oráculo, e tudo me levou a um lugar. Uma criança nasceria do improvável.”

            Havia o desenho de uma figura octogonal, onde detive meus dedos por alguns segundos.

            “O ódio foi imposto, naturalmente, entre Alucates e Homúnculos. A partir desse momento, a conciliação entre essas duas espécies jamais aconteceria. Estariam fadados a se enfrentar eternamente. Mas uma improbabilidade, um erro da natureza, daria fruto a um amor proibido. Vance e Grant gerariam uma criança. Essa criança, fora dos planos naturais da lua, causaria um distúrbio na ordem de universo. Ela seria capaz de transpor o impossível.”

            O desenho seguinte eram duas esferas, uma azul e outra vermelha, formando um oito e, entre eles, uma bola desenhada com giz preto. A criança fruto do improvável.

            “Revelado pelo oráculo, essa criança teria capacidade para tomar suas próprias decisões e, com elas, fazer uma: sustentar o submundo, ou derrubá-lo com as próprias mãos. Essa criança teria o coração escolhido para entrar na Sala Octogonal, moldada por Vincent Vance. Ao longo do tempo, ele, eu e nosso querido Parlomeus. Somos os únicos com a informação e, através disso, selamos a nós mesmos com o Juramento da Lua, para que o segredo não caíssem em mãos erradas. A Vincent, foi confiado a identidade da criança, e encarregado a tarefa de guiá-la até o lugar certo. A Parlomeus, a chave, o instrumento de meu irmão, guardado a sete chaves, e o conhecimento da criança, cujo coração de liderança seria capaz de abrir a Sala Octogonal.”

            Três homens estavam desenhados em volta de uma bola gigante, azul, ao que parecia ser a lua. Toda aquela narração deixava tudo mais óbvio do que eu queria. A criança era eu. “O eclipse”.

            “Madeleine soará o canto com o instrumento. As partituras escritas por Barnaby carregarão a harmonia de cada nota. Curem a ferida de Madeleine, dêem a ela o que lhe falta, e ela lhe será grata, dando-lhe o pranto de revelação”.

            Na foto, uma mulher nua, cinza, estava de braços abertos, exibindo uma mancha marrom no peito, onde deveria estar um coração. Um homem desenhado de branco estava desenhado logo a frente dela, com uma mancha vermelha em mãos.

            “Essa é a mensagem, a verdade. Dê a Madeleine o que ela quer, e ela retribuirá. A Sala Octogonal não está aqui, nem em nosso tempo. Está onde as nossas decisões não podem tocar”.

            A voz, então, se calou. O silêncio tomou a sala branca, onde continuei admirando os desenhos, ligando-os a mensagem que eu acabara de ouvir. Enquanto meus olhos corriam pela imagem, muitas coisas vinham a minha mente. Parlomeus, o Papah, sabia sobre o paradeiro da máscara, era retentor de segredos, mas protegidos pelo Juramento. Mas eu sabia que ele teria seus métodos. Por isso a disputa sempre esteve acirrada, mesmo nós possuindo tantas informações preciosas.

            _ Compreende? – perguntou o velho.

            _ Claramente – respondi.

            _ Sabe, então, que você é a entrada para a Sala?

            _ De certa forma... – murmurei – Madeleine quer um coração... E eu tenho um coração de liderança.

            O velho assentiu com um sorriso.

            _ Vejo que está dando espaço a sua sensitividade – ele murmurou.

            _ Foi a única coisa que não tentou me matar até agora – ri, desanimado.

            _ Bem, depois disso, quer que eu mantenha a mensagem aberta?

            _ Como?

            _ Deixá-la para que mais alguém mereça ouvi-la? O último que esteve “aqui” deixou.

_ Não, pode sumir com essa mens... Peraí! Alguém mais já ouviu essa mensagem? Quem?

            Ele deu uma risada cômica.

            _ Eu não posso revelar, rapazinho. Mas, como você pediu, essa mensagem será lacrada para sempre. Não se preocupe, essa mensagem estará segura.

            _ Mas eu preciso saber quem a ouviu primeiro!  

            _ Volte pra casa.

            _ Não ainda.

            _ VOLTE! – gritou o velho.

            Eu o fitei, alarmado. Eu não podia ir sem antes descobrir quem mais sabia dessa mensagem.  

            _ Mas como eu...

            _ VOLTE, MATTHEW!

            _ VOLTE!

            _ VOLTE!...

 

            Acordei. Suando frio, senti as gotas geladas escorrerem em minha testa, molhando minhas roupas e ensopando meus cabelos. Meu corpo estava dormente, e minha mão ardia, no mesmo local da cicatriz. Olhei a palma da mão. Ela estava cicatrizando com uma velocidade absurda.

            _ MATTHEW! – gritou Sammael – VOLTE!

            Eu estava no chão da Biblioteca, e a queimação já estava amenizando. Sammael estava ao meu lado, segurando-me pelos ombros. Eu o fitei, ele estava inexpressivo, mas havia certa preocupação em seus olhos.

            _ Matthew... É você?

            Eu pisquei duas vezes. Que pergunta era essa agora? Mas é claro que era eu, quem mais poderia... Ah, claro! Ele sabia exatamente o que ia acontecer.

            _ Sim – eu murmure, levantando-me devagar, com a ajuda dele – e não é nenhuma versão sádica de mim.

            _ Isso é um alívio – ele sorriu – então? Conseguiu o que precisávamos?

            _ Eu estou aqui, não estou? Mas... Tem um problema. Desconfio que Parlomeus já tenha ouvido essa mensagem antes.  

           

               

             

               


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Notas finais do capítulo

Mandem reviews! E digam como estou me saindo! Na sincera mesmo, belê?
vlw! o/



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