A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 43
Capítulo 43




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Merda de Confusão! Já não era sem tempo!

 

            Era como estar acordando de um pesadelo. Caí no chão, suando frio, sentindo todo o meu corpo dormente e dolorido, como se tivesse sido atropelado por uma matilha de Aurupos. Meus olhos relutavam em se abrir. Na verdade, todo o meu corpo se sentia bem daquele jeito, estirado no chão, exausto, transpirando.

            “Ok. Tenho que me levantar”. Pensei comigo mesmo. Fiquei uns minutos me perguntando por que, afinal de contas, eu estava no chão. Até onde eu me lembro, estava sentindo uma dor miserável em todo o meu corpo. Ah, claro. A mensagem, ou algo assim. Minha mente também estava uma preguiça, não queria pensar muito.

            Finalmente, vencendo aos poucos o cansaço, consegui apoiar meu corpo com as mãos, me levantando vagarosamente. Coloquei-me de joelhos, ainda como os olhos semi-cerrados, visualizando imagens foscas, embaçadas. Esfreguei o rosto sem nenhuma destreza, bocejei e, depois de convencer cada músculo do meu corpo de que era preciso me levantar, eles me obedeceram. Levantei-me, abrindo os olhos.

            Era impossível. Eu não podia estar ali. Não mesmo. Eu estava em Sonora, no Submundo. Não ali, não naquele lugar. Como eu havia chegado? Como haviam me trazido? Qual era a pergunta certa a ser feita?

            Eu estava em meu quarto, coberto de pôsteres, uma escrivaninha com um computador, uma tevê de vinte e duas polegadas, um colchão ortopédico e o cheiro de amaciante no ar. O que estava acontecendo?

            _ Sammael? – eu chamei – Emi. Orestes? Alguém?

            A veneziana estava aberta, deixando o sol da manhã entrar preguiçosamente, sem esforço. O clima ameno e o ar fresco de uma manhã comum e estranhamente normal me deixaram entorpecido. Era como estar assistindo a um desenho, imaginando impossível ser real. Eu devia estar sonhando. Era impossível.

            Sentei-me na cama, respirando mais desesperadamente. Mantive minha mente concentrada nos meus últimos dias, em tudo o que havia acontecido. Não me lembrava de ter chegado ali por vontade própria.

            TOC TOC TOC

            As batidas súbitas na porta me assustaram, me fazendo saltar da cama. Olhei para a porta fechada, imóvel.

            _ Matthew, você vai acabar se atrasando, rapaz – era a voz da minha mãe. Seu tom de voz era tão... Amoroso – fiz panqueca hoje.

            Fiquei calado por um tempo, perplexo. Quando foi que resolvemos voltar pra casa? Quando foi que resolvemos os problemas do submundo? Tudo o que eu me lembro era daquela dor...

            _ Hei, Matt! Você está acordado? – ela perguntou.

            _ Ah... Ah... Mãe – eu respondi, minha voz soou meio esganiçada – eu... Já to indo... To trocando de roupa.

            _ O que ta acontecendo, hein, garoto? Você não é de se atrasar... – a voz dela foi sumindo. Ouvi seus passos na escada, sua voz resmungando baixo até sumir completamente.

            Eu estava em casa. Minha mãe estava simpática e amorosa como há dois anos atrás. Eu devia estar ficando louco. Minha cabeça estava girando de repente, como se tentasse se colocar no lugar, negando tudo o que estava vendo ou ouvindo.

            Corri até o banheiro, ansioso. Olhei-me no espelho. Era eu, mas estava um pouco mais novo, embora meu corpo ainda preservasse sua boa-preparação, presente do Submundo. Talvez... Talvez a batalha tivesse sido ganha. Quem sabe eu não tinha levado uma pancada na cabeça e sofri uma momentânea amnésia? Eu estava de volta ao meu lar? Tudo havia voltado ao normal? Eu não me importaria se fosse esse o caso.

            Liguei a torneira, molhando meu rosto fervorosamente. Então era isso, talvez tudo estivesse voltando aos eixos, eu viveria uma “dupla-identidade”, na escola um humano normal, no Submundo um Homúnculo. Poderia lidar com essa vida com grande satisfação.

            Troquei-me, arrumando minhas coisas. Terceiro ano. Uau! Não me lembro de ter terminado nem o segundo! Mas, estava bom pra mim. Tudo o que eu queria era comer as deliciosas que minha mãe fazia, sentar a mesa e ver minha família reunida. Joguei a mochila nas costas e desci as escadas, cantarolando a canção de nina que Orestes descobrira. Tinha entrado na minha cabeça, e já não saía mais. Passei pelo corredor e pela sala da mansão, sentindo o bom e velho cheiro do interior da mansão dos Vance. 

            _ Oi família... – murmurei. Mas minha voz não teve forças para subir.

            Quando entrei na cozinha, era como ter entrado em um lugar surreal, um mundo louco onde as coisas impossíveis aconteciam. Meu avô estava bem ali. Sentado... Colocando mel em calda sobre meia dúzia de panquecas... Sorrindo. Meu avô. Vivo! Vivo?

            Minha voz tinha escapado por entre meus lábios, desaparecido de vista, e tudo o que me restou foi um grande e enorme buraco, que começou a se fechar. Meu avô estava ali.

            _ Oi, Matthew. Venha, sente-se ao meu lado – ele disse. Sua voz era tão familiar! Rouca, complacente, ao mesmo tempo tão marota e infantil. Uma voz que eu não ouvia há tempos.

            Fitei a figura do velho bem disposto, sorridente. Os cabelos grisalhos, olhos azuis, iguais aos meus, as mãos ágeis brincando com o garfo sobre a pequena torre de panquecas. Era Vincent Vance.

            Corri e o abracei como nunca tive a chance. Era tão absurdamente reconfortante, a melhor sensação que eu já sentira. Deixei as lágrimas jorrarem sem medo, sem vergonha alguma.

            _ Hei... – ele falou, me segurando pelos ombros – o que foi, garoto? Ta certo que eu fiquei fora um tempo... Mas não é pra tanto.

            _ Ficou fora? – eu falei, a voz embargada – como o senhor... Como o senhor voltou? Como...

            _ Ora, como qualquer pessoa. De avião – ele me fitou – curioso – nós nos vimos ontem, Matthew. O que há com você?

            _ Eu disse, não disse, Vincent? – meu pai falou, impaciente.

            Eu o fitei, confuso, com o rosto vermelho e os olhos marejados. O que ele estava querendo dizer com “voltar de avião”?

            _ Eu disse para o senhor não trazer essas ervas africanas – meu pai queixou-se, provocando risos constrangidos em meu avô – isso não é nenhuma brincadeira.

            _ Desculpe, George. – meu avô abafou o riso – prometo não fazer mais isso.

            Eu os encarei. Primeiro meu avô, depois meu pai. Então minha mãe, Richard e Emi. Todos pareciam normais, calmos. “Hein?”, Era a única palavra em que eu conseguia pensar.

            _ Do que vocês estão falando? – eu perguntei, enxugando o rosto.

            _ Dessa besteira do seu avô de oferecer ervas africanas pra vocês – meu pai falou, irritado – Isso é droga, Vincent.

            _ Papai, George está certo – falou minha mãe, calmamente – pare com isso. Eu sei que o senhor gosta de trazer surpresas em suas viagens... Mas isso já é demais. Por favor, não faça mais isso.

            Eu não ousei sair de perto do meu avô, mas aquela conversa havia chegado a um ponto que eu não compreendia.

            _ Viagem? Erva? Do que vocês estão falando? – eu perguntei, atônito – Eu... Não me lembro de nada! O que aconteceu! Onde está Jericho Barclay? Nós vencemos? Hein, pai! Vencemos? No duro?

            _ Hi, a erva ainda ta fazendo efeito – Rich deu uma risada – ele ainda ta doidão.

            _ Não... – eu murmurei, coçando a cabeça, furiosamente confuso – A guerra! Nós vencemos ou não? CARAMBA, QUE DROGA!

            _ Matthew! – meu pai chiou – tenha bons modos á mesa! Que atitude é essa agora? Ta vendo, Vince! Por que eu não queria ervas nessa casa? Isso é um absurdo! Tinha que ser coisa sua mesmo.

            _ Tudo bem, tudo bem. Olha, eu vou acalmar o garoto e voltamos para tomar o café – meu avô se levantou, segurando-me pelo braço – venha, meu filho. Vamos conversar lá fora.

            _ Mas, vô... Não, eu preciso...

            _ Por favor – ele olhou fundo em meus olhos, em uma expressão de aviso.

            Eu me deixei ser levado para fora. Ele fechou a porta da cozinha e me conduziu até o banco de madeira na varanda. Ele sentou-se bem ao meu lado, suspirando, meio satisfeito, meio cansado. Nunca o vira tão vulnerável como naquele momento.

            _ Vô, eu preciso saber. O que está acontecendo...

            _ Me desculpe – ele pediu, colocando a mão em meus ombros.

            _ O que?

            _ Me desculpe – ele repetiu – eu não devia ter feito aquela brincadeira. Achei que você ficaria bem, mas acabei fazendo besteira. Seu pai está certo, aquelas ervas, mesmo exóticas, são entorpecentes. Não devia ter feito...

            _ Eu não usei erva, vô.

            _ Usou sim – ele disse, rindo sem graça – eu coloquei no seu suco. Foi uma brincadeira, só isso. Prometo que não vai acontecer. Desculpe-me.

            _ Não, vovô! – eu me levantei, sacudindo os braços – não importa isso! E Jericho? Nós ganhamos? E os Alucates? Os Patriotas... O que...

            _ Ah, então é isso... – ele esfregou os olhos, cansado, fazendo uma pequena pausa.

            Por um momento, ele havia compreendido o que eu estava falando. Fiquei aliviado, sentindo que teria minhas respostas.

            _ Matthew... Foi tudo uma brincadeira. Você ainda está confuso. A erva, ela...

            _ Brincadeira? – eu perguntei, cético, “absurdado” – como assim, brincadeira? Como aquilo poderia ser brincadeira? Aquilo não é...

            _ Não é real – ele disse – olha, Matthew, essas ervas...

            _ Para de falar de erva, eu não usei...

            _ Matthew! Deixe-me falar! Respeite o seu avô! – ele falou bravo, superior. Fiquei em choque, ele nunca havia falado comigo naquele tom.

            _ Mathew... A erva que eu coloquei no seu suco, ela é usada por tribos africanas para induzir o sono e os sonhos. Ela é uma espécie de alucinógeno. Causa delírios, sonhos, pesadelos... Esse tipo de coisa.

            _ Mas, o que...

            _ Ontem, enquanto tomávamos suco, aqui mesmo, na varanda, eu estava contando sobre uma história que meu pai, uma vez, me contou. Sobre pessoas que viviam escondidas dos humanos. Os homúnculos, que lutavam contra Alucates e buscavam obter uma máscara poderosa escondida em uma Sala Octogonal. Os Patriotas queriam matas as pessoas para tomar o mundo só pra elas. Lembra-se disso?

            _ Não é bem assim, vô...

            _ Foi tudo uma história – ele me interrompeu – uma lenda, uma coisa boba que eu resolvi contar. Você já estava sob o efeito dessa erva... É normal ter delírios, filho. Não se preocupe, logo isso vai passar... Você apenas sonhou, ok? Um delírio bobo que, prometo, não vai voltar mais.

            Não! Do que ele estava falando? Eu não estava delirando! Tudo aquilo, todas as coisas pelas quais eu passei, eram reais, verdadeiras! Eram mesmo! Lembrava-me de cada detalhe, cada pequeno gesto, de todos os rostos, todas as pessoas. Impossível. Era mesmo real?

            _ Vá tomar um banho, ok? – ele pediu – refresque a cabeça. Eu te levo a escola hoje.

            _ Mas, vô...

            _ Matthew... Confie em mim. Nunca te dei motivos para desconfiar.

            A voz dele me chocou. Como assim, delirando? Eu me lembrava perfeitamente de tudo.

            _ E Estevan? Sophie! Seu irmão, Sammael!

            _ Irmão? – meu avô se levantou, segurando-me gentilmente no braço – filho, eu sou filho único, você sabe disso.

            _ Não!

            _ Vá pro seu quarto, tome um banho, descanse. Conversaremos logo, logo.

            Ele sorriu, dando palmadas amigáveis em minhas costas. Não, não era verdade. Não poderia ser.

 

            Deixei a água fria do chuveiro fustigar minha testa, depois o meu rosto, tentando afastar todo e qualquer pensamento, mas era quase impossível. Eu mal sentia a água sobre minha cabeça, como se estivesse entorpecido.

            Saí do banho, enxuguei, vesti uma roupa qualquer, sem perceber, exatamente, o que estava fazendo. Olhei para o relógio. Se eu realmente tinha escola, eu deveria estar lá em meia hora. Mas eu não estava, tinha certeza! Minha vida não era mais aquela, normal e despreocupada. Tinha muita coisa acontecendo por baixo dos panos, num mundo onde humanos desconheciam o verdadeiro perigo. Como todos puderam se esquecer disso?

            Fui escovar meus dentes. Na caixinha da pasta dental havia o rosto de uma mulher, familiar, linda e deslumbrante. Era Sophie, sorrindo profissionalmente ao lado da mensagem “Sorriso Branco e Refrescante”. Joguei a caixa no lixo, desorientado. Minha mente devia estar brincando comigo.

            Vasculhei em meu guarda-roupas, procurando meus livros, não sabia ao certo porque eu queria tanto ir para a escola. Talvez meu cérebro ainda não estivesse funcionando direito. Puxei um livro grosso, da biblioteca de Ford, e uma folha caiu de dentro das páginas. Peguei-a, curioso.

            Era um trabalho de história, escrito a mão. Minha caligrafia. “Guerra de Tróia” era o título. “Agammêmnon foi um guerreiro...” era assim que começava.

            Pensei que estava enlouquecendo. Só podia ser, não havia nenhuma outra explicação. Erva? Será mesmo? Será que tudo não tinha passado de um sonho... Um sonho longo, e muito real?

            Desci as escadas, nauseante. Decidi levar essa coisa de mundo invertido, ver até onde chegava. Quando voltei para a cozinha, todos estavam ali, minha mãe me olhando com aquela cara que eu tanto sentia saudade, uma mescla de preocupação com desaprovação. Coisas de mãe.

            _ Melhor, filho? – ela perguntou.

            _ Acho que sim. – eu sorri.

            Ela retribuiu. Nossa! Como o sorriso dela era bonito! Eu quase tinha me esquecido daquele efeito tranqüilizador que ela tinha sobre mim. Era como voltar ao passado, ter de volta o mundo a que eu pertenci.

            _ Vamos, Matthew – meu avô jogou o braço por cima do meu ombro, sorrindo feito criança – eu te levo pro colégio.

            _ E nada de ervas, Vince – meu pai pediu.

            _ Sim senhor – vovô era mesmo hilário.

           

            No caminho até a escola, a paisagem parecia extremamente familiar. Eu sabia, exatamente, como era cada centímetro de caminho de terra, as árvores, os arbustos na trilha ornamentada com ipês, tudo. Como era possível?

            Mas um pensamento súbito veio à tona. Minha mãe me amava de novo, meu avô estava viva, éramos uma família americana com os problemas que todos tinham, problemas corriqueiros que não envolviam Alucates, feras malignas ou chacina incontrolável. Apenas a minha tediosa e maravilhosa vida. Vovô dirigia e assobiava alegremente, quebrando minha linha de raciocínio. Era uma canção familiar. Sim! Com certeza! Era a canção oculta por trás das sete partituras!

            _ Vô...

            _ Diga. – ele parou com o assobio.

            _ Onde ouviu essa música?

            Ele me fitou por um breve segundo, surpreso, como se eu tivesse dito algo improvável.

            _ Como assim, Matthew? Essa é a música que eu canto pra vocês desde... Desde sempre. Droga, espero que eu não tenha exagerado na erva. Você está bem mesmo?

            _ Vô, eu to legal... É que... Eu sonhei com essa música.

            _ Sonhar com músicas é bom presságio – ele disse, sorridente – principalmente quando se trata de uma canção de ninar. Vai ter um excelente dia.

            Afundei-me na cadeira, pensativo. De repente eu me via dividido entre esses dois mundos que habitavam desordenados dentro da minha mente. Um em que eu e minha família éramos guerreiros poderosos, e outro em que éramos normais e unidos. O último me pareceu muito mais agradável. Eu não me importaria de viver nele.

            O percurso foi rápido, nem vi o tempo passar. Estava tentando entender, em meia à tanta confusão e entorpecimento, uma resposta lógica.

            _ Chegamos, Matt – ele disse, estacionando na porta da escola – boa aula.

 

            Ouvi meu avô cantar o pneu na esquina, enquanto meus olhos corriam, perplexos, a construção da minha velha escola. Ford High School, exatamente como eu a havia “deixado”. Os rostos tão familiares, acolhedores, o cheiro de cidade do interior, o barulho ameno das picapes carregando esterco e frutas. Como eu tinha me esquecido desse mundo tão ideal, perfeito? Era tão bom estar de volta que, por um segundo, decidi curtir aquele momento de vida normal, e ignorar minhas responsabilidades de Homúnculo.

            Minha mente vagou, solitária, pelos corredores e escadas da escola, enquanto eu permanecia imóvel no mesmo lugar. Não, não era meu radar, era apenas minha imaginação relembrando meus dias como estudante.

            _ Hei, Matt! – ouvi uma voz feminina me chamar.

            Era ela. Camille. Sua voz, a mesma irritação adorável, o som palpável em uma textura sedosa e tão familiar. Ela saberia me dizer o que estava acontecendo. Mas por que ela estava em Ford?

            Me virei, fitando-a com uma expressão bastante confusa. Ela vinha, sorridente, travessa, com uma mochila nas costas. Bem ao seu lado, um velho amigo. Kyle? Ele estava mesmo ali? Kyle! Ele estava sim! Meus dois melhores amigos de uma vida normal. Isso era algo que eu fazia questão de lembrar a mim mesmo: “vida normal”.

            _ Camille – eu corri até ela, abraçando-a – Que bom! Caramba, achei que estava perdido. Tem muita coisa estranha acontecendo aqui.

            _ É eu sei – ela me afastou com um empurrão – você está me tocando. Isso é estranho.

            _ Não... Eu quero dizer... Minha família. Ela não se lembra – lancei um olhar furtivo para Kyle, confuso – você sabe, não se lembram do... Submundo.

            Ela me fitou, com uma expressão cômica.

            _ Seu irmão falou a verdade – ela riu – você comeu erva de verdade! Caramba, li o e-mail dele essa manhã. Matthew Chambers ingerindo drogas. Parabéns, amigão. Você é, oficialmente, um garoto do colegial.

            Ela parecia não estar entendendo o que eu queria dizer. Talvez estivesse disfarçando.

            _ Camille! Estou falando daquilo! Caramba, ninguém quer me dizer o que aconteceu com Jericho!

            _ Ah, você não sabe? – ela deu de ombros – Os muros que protegiam a cidade caíram, depois de sete dias e sete noites cantando...

            _ Não, Camille! Não estou falando da queda de Jericó! Não seja estúpida! Barclay! Jericho Barclay!

            _ Quem é esse? – ela perguntou – algum seriado novo da CW? Se for, eu dispenso. Já estou cansada do drama que é a minha vida. Não preciso de mais.

            Lancei um olhar reprovador a ela. Estranho, ela realmente parecia confusa com a minha pergunta. Parecia não entender. Não teve nenhuma reação quando mencionei o nome de Barlcay.

            _ Por favor, não use mais nenhuma erva, Matthew – pediu Kyle – e eu estou bem, obrigado. Valeu por perguntar.

            _ Ah, ok, Kylls... Bom dia pra você. Camille, como você pode não se lembrar? – eu olhei a minha volta. Tinha que ser uma brincadeira, um sonho estranho – Eu não estou...

            _ A você está doidão, cara – ela disse – olha, seu irmão me falou que essa erva leva um tempo mesmo para ser absorvida. Faz o seguinte, a gente te leva até o banheiro, lava o rosto, bebe uma aguinha fresca e pronto. De volta à normalidade.

            “De volta à normalidade”. Sim, era verdade. Eu estava, de alguma forma, de volta a normalidade. Minha vida, meu lar, nada de monstros, catedrais antigas, velhos milenares. Apenas eu, minha família, e amigos. Mas minha vida ainda não estava completa.

            _ Ah, Camille... Onde estão Brian e Abi? – arrisquei a pergunta.

            Kyle e Camille trocaram olhares furtivos, preocupados. Enfim, Kyle falou:

            _ Olha, cara. Eu sei que é uma barra, mas tem que largar mão dessa coisa de se drogar. Ta vendo o que ela faz com você?

            _ Abi e Brian, pessoal. – eu repeti.

            _ Você se esqueceu, Matthew? – Camille perguntou, preocupada – foi por isso que você se mudou para Ford. Foi um acidente. Vocês três no carro do seu pai. Abi e Brian... Não sobreviveram.

            Meus olhos saíram de foco, como se as palavras de Camille fossem as únicas coisas reais a minha volta. Não. Abi e Brian não poderiam estar mortos! Meus amigos não poderiam estar mortos! Não seria um acidente idiota de carro que os mataria! Não era possível!

            _ Não, Camille! – eu chiei – eles não podem ter morrido. Não assim.

            _ Talvez eu deva ligar pra sua casa, pedir para alguém...

            _ Não! Inferno! – eu gritei. Todos na entrada da escola me encararam, surpresos – não quero ir pra casa! Eu quero Abi e Brian! Aqui! Agora!

            _ Matthew, relaxa...

            _ Vai pro inferno, todos vocês! – eu chiei, jogando minha mochila no chão com toda a força que eu consegui reunir. Não era uma força incrível. Era normal, humana e frágil.

            Virei-me, desconcertado, deixando minhas pernas me levarem a qualquer lugar, distante dessa realidade que, com certeza, não era a minha. Quando dei por mim, estava correndo em uma avenida, cruzei o parque municipal, passei por duas senhoras que praguejaram contra mim quando derrubei suas cestas de compras, atravessei a rua no sinal verde. Nada disso importava. Eu não era essa pessoa? Era?

            Não estava correndo, não como antes, não como o vento, cortando o ar com minha velocidade desumana. Era normal, tedioso, vulneravelmente patético. Entrei num portão aberto, que dava no interior do parque municipal. Corri sem pensar para onde ir, simplesmente deixando minhas pernas me levarem.

            Estava deserto, também, era muito cedo para alguém resolver fazer um passeio. Sentindo um cansaço que meu corpo não estava acostumado a sentir, encostei-me em uma árvore, ofegando. Seria mesmo verdade? Talvez fosse.

            Minha mente brincou comigo todo esse tempo? Usei uma erva exótica, comecei a sonhar, ligando o imaginário e a minha realidade, idealizando amigos mortos, vendo coisas que jamais, em nenhuma parte do mundo, seria possível. Eu estava perdido.

            Mas então eu vi. Algo que, com certeza, não poderia ser minha imaginação. Bem adiante, sentada no banco do parque, uma mulher bela, trajada com um terno feminino, segurando um trompete, polia o instrumento com uma flanela. Sem pensar direito, corri até ela. Amanda Parshes, só podia ser. Uma ilusão! É claro! Se não fosse isso, o que poderia ser?

            _ Hei! – eu gritei – sua miserável!

            Ela virou-se para mim, deixando de lado o trompete. Ela sorriu cordialmente.

            _ O que pensa que está fazendo, sua cretina? – eu bradei.

            Ela ficou imóvel, perplexa. Estava com medo de mim. Era bom que estivesse mesmo.

            _ Matthew, que cara é essa...

            Lancei-me sobre ela, sem responder. Caímos no chão, ela gritava feito uma louca, em completo desespero. Não adiantava gritar, pensei comigo mesmo, eu ia destruir essa ilusão nem que fosse no braço. Fechei o punho e acertei o seu rosto com violência. Ela gritou como uma mulher indefesa, incapaz de se defender. O que ela queria? Não estava disposta a se salvar?

            _ Pare, Matthew! – ela gritou, desesperada – Você está louco! O que deu em você?

            _ Pare com isso! – eu bradei – saia da minha cabeça! Tira essa coisa de mim!

            _ Você é doente! ARGH! – ela gritou.

            Senti o nariz dela trincar com o soco que eu desferi contra seu rosto. Então eu parei. Ela estava chorando, gemendo, pedindo por socorro. Seu tenro estava amarrotado, eu estava sobre ela, com vários arranhões no rosto provocado por suas unhas compridas.

            _ Hei, rapaz! – um homem gritou em minha direção – O que está fazendo?

            Eu me virei. Era Sammael. Com certeza. Ele estava diferente. Usava roupas diferentes. Uma farda. Um policial.

            _ O que... – eu o fitei, incrédulo.

            _ Socorro! – ela gemeu, cobrindo o nariz ensangüentado com as mãos – ele ficou louco...

            Sammael se lançou sobre mim, num movimento rápido, mas tão humano, que, por um momento, parecia ser um policial de verdade. Seria mesmo um policial?

            _ Você está preso rapaz! – ele bradou, Me imobilizando no chão – céus, Srta. Parshes! Vocês está bem?

            _ Tire-o daqui... – ela gemeu – tire-o daqui...

            _ Vamos moleque – ele me puxou violentamente, me colocando de pé, me batendo com força nas costas com o que parecia ser a coronha do revólver – você está preso, seu delinqüente miserável.

              


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