A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 4
Aromas e mistério... Uma despedida silenciosa




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Aromas e mistério... Uma despedida silenciosa

 

            Um dia você se esquece do pouco que lhe ensinaram. O que, para uns, era apenas algo lamentável, para você pode ser algo destrutivo. Algo que o torne um monstro. As mesmas palavras de consolo se tornam obsoletas, as companhias se tornam tão vazias quanto o desejo de respirar. Por um momento, você se vê de frente a um abismo. A cabeça pesa, e todos os sonhos se dissipam com as nuvens carregadas de chuva. Os banhos quentes não ajudam a por as idéias no lugar. E a dor te faz chorar. Lágrimas de veneno que intoxicam seus sonhos, suas vontades, seu mundo banham sua alma. E não tem nada que faça isso passar. Por que, ao contrário do que dizem, o tempo não cura nada, absolutamente nada. Nem mesmo as águas são capazes de secar as úlceras abertas na alma.

            Seattle nunca foi tão fria, tão silenciosa. O ar nunca foi tão esmagador. Camille e Kyle não conseguiam atravessar a muralha que eu ergui com o sangue dos meus sonhos destruídos. Eu atirava pedras em cada tentativa deles em se aproximar. Eu estava lamentável. O funeral não era do meu avô, afinal. Era meu.

           

            O tempo se passou como a correnteza. Estávamos na mesa de jantar. O cheiro de ensopado de frango me dava náuseas. Como eles conseguiam comer aquilo sem não se lembrar do velho Vincent? Oito meses depois, eu supus que, talvez, eu fosse o único a sentir as mesmas dores. Por mais estranho que parecesse, minha mãe era a que parecia mais tranqüila. Como ela conseguia? Uma raiva desnecessária subia até as extremidades da minha orelha. Como ela conseguia? 

            Então mamãe sorria para mim. Aqueles lábios se moldando em um sorriso torto, terno, afago. A calma vinha instantaneamente. Como ela conseguia? Talvez ela se sentisse bem depois de tanta dor. Talvez eu fosse fraco demais para aceitar uma perda. Eu era patético.

            _ Me passa as batatas, Matt. – Richard pediu, estendendo sua mão à espera da travessa.

            Meus olhos se dirigiram á ele. Eu estava olhando, mas não estava vendo.

            _ Matt... As batatas.

            Um estalo na minha mente. Oh, estávamos jantando. Peguei a travessa e entreguei a ele. Aparentemente, sua dor não era tão insuportável quanto a minha, mas eu sabia que ele chorava a noite.

            _ Então, eu estive pensando... – meu pai começou a falar – Talvez devêssemos fazer algumas mudanças.

            Meus pais trocaram olhares furtivos. Eles já haviam discutido o assunto, fosse o que fosse, sem a nossa presença. Pelo tom de vez, eles pareciam estar nos preparando para dar alguma notícia. Seria mais alguma morte? Provavelmente seria a minha. Eu estava morto, mas havia me esquecido de parar de respirar.

            _ Elisabeth e eu discutimos o assunto essa semana, sabem... – papai consultou os olhos de minha mãe novamente. Eles pareciam dizer “sim, continue”. – E achamos que a perda que tivemos nos afetou bastante.

            Emilliene fungou, sentada ao meu lado na mesa. Ela estava com uma expressão triste. Ela também amava o vovô.

            _ Não é, Lisa? – aquele tom de voz foi mais do tipo “me ajude, Lisa”.

            _ O que o pai de vocês está querendo dizer. – minha mãe continuou – é que, talvez devêssemos nos mudar de Seattle.

            Richard, que estava prestes a engolir uma lingüiça inteira, deixou-a cair sobre o ensopado, e algumas gotas sujaram o forro da mesa. Emilliene parecia não ter entendido.

            _ Ir embora de Seattle? – eu fui o primeiro a dizer.

            Os quatro à mesa olharam para mim, surpresos. Desde a morte do meu avô, eu jantava silenciosamente e subia para o meu quarto. Mas, naquele instante, as palavras sentiram a necessidade de se manifestar.

            Como assim, ir embora de Seattle? Aquele era o meu lar. Embora eu os evitasse, meus amigos estavam ali, os poucos que eu tinha, os que me ligaram no aniversário, os que me davam presentes que eu recusava, e ainda assim me achavam fascinante.

             _ Nós pensamos muito, Matthew. – minha mãe falou, sorrindo. Era quase como mágica. Seu sorriso me fazia relaxar os músculos e tranqüilizar a mente – Seattle tem se tornado um lugar muito movimentado. Isso está nos atrapalhando a ordenar os pensamentos, refletir... Passar mais algum tempo em família. Ford seria uma boa opção... Acho que isso pode ser o melhor.

            _ Melhor? – eu retorqui, embora meu tom ainda fosse frio e inexpressivo – melhor para quem?

            _ E o emprego do papai? – Richard tentou argumentar – Pai, você não pode simplesmente sair.

            _ Na verdade, posso. – ele respondeu tranqüilo, mas com um tom levemente preocupado – Vocês sabem, dinheiro para o avô de vocês não era problema. A casa dele ficou para sua mãe. Seu tio ficou com a maior parte, claro. Ele ficou com a colheita inteira e a exportadora.

            Minha mãe interrompeu.

            _ Bradley disse... – esse era o nome do meu tio – que seu pai poderia trabalhar como gerente da exportadora. Ele conhece a capacidade do George e sabe que ele é competente para isso.

            Meu pai sorriu para mãe e segurou sua mão, agradecido pelo elogio. Isso era uma verdade, meu pai sempre foi bom em tudo o que fazia, mas eu tinha conhecimento de sua repulsa por aquela colheita e a cidadezinha onde meu avô morava.

            _ É um lugar tão atrasado! – Richard exclamou – eu não quero ir!

            _ Será só por algum tempo. – meu pai tomou as rédeas da discussão – Um ano. Dois no máximo.

            _ Eu quero ficar aqui em casa. – Emilliene murmurou.

            _ Eu temo que talvez, a opinião de vocês não tenha tanto peso nessa discussão. – minha mãe disse – não estamos fazendo votação. Estamos informando a vocês os nossos planos. Acostumem-se.

            Richard bufou, jogando o garfo no canto do prato e arrastando a cadeira com uma fúria que eu nunca tinha visto. Pude ver o rosto da minha mãe se contorcer com a atitude do meu irmão.

            _ Ótimo! – bradou ele, levantando-se da mesa – Somos bagagens que vocês levam para onde bem entendem agora, não é? Tenho novidades. Sou de maior, não preciso obedecer nenhuma ordem de vocês!

            Minha mãe se levantou, um traço severo em seu rosto.

            _ Enquanto estiver embaixo do meu teto, rapazinho, a minha voz é a sua consciência!

            _ Ótimo, esse teto já está desabando mesmo!

            Richard marchou até a escada. O chão parecia tremer com seus passos violentos. Nunca havia visto meu irmão com aquela expressão de fúria. Meu corpo se contorceu. Eu estava com medo dele, pela primeira vez. O que poderia ter causado isso? Não era apenas a mudança. Era algo mais. Algo que eu temi jamais saber.      

            _ Esse assunto acaba aqui. – Disse meu pai, autoritário.

            Nós nos sentamos e, silenciosamente, terminamos o jantar. Minha mãe parecia decididamente preocupada com a cena ocorrida há pouco. Emilliene, por outro lado, parecia tranqüila, quase sorridente. Que bom que alguém estava feliz. Eu ainda não conseguia dizer uma palavra sequer. “Adeus Seattle” era o pensamento que rondava minha mente. “Eu vou, e talvez não volte”.

 

            Eu estava preso em um quarto escuro, sem janelas. As paredes estavam pintadas de preto. Bem na minha frente havia uma mancha vermelha em uma das paredes. A princípio, achei que fosse sangue. Não era. O vermelho era intenso. Ele brilhava. Raios vermelhos luminosos brotavam da sólida parede negra. Então eu pude notar, com nitidez, uma lua vermelha. Não era comum, mas ela estava ali, escarlate, imponente.  Ao olhar para trás, havia uma porta. Ela se abriu e Richard saiu por ela, se aproximando da esfera vermelha assustadora. Alguma coisa ali não estava certa. Richard estava tocando a lua? Era isso mesmo. Um grito ensurdecedor agride meus ouvidos.

            Algo sólido e frio apertou minhas bochechas. Ao abrir os olhos, eu me vi no chão do meu quarto, o cobertor jogado ao meu lado, o travesseiro a alguns centímetros do chão. Foi um sonho. Um sonho sinistro. Eu suava frio, minhas mãos ainda tremiam. Por que o grito? Quem havia gritado?

A janela estava semi-aberta em meu quarto. Me levantei, ainda sonolento, e tirei as cortinas do campo de visão. O céu estava negro. Exceto por uma hemorragia no céu centro. A lua vermelha brilhava escarlate onde, outrora, uma tranqüila lua prateada reinava silenciosa. Eu pude ouvir o grito ecoar nos meus ouvidos. Não era real, era uma lembrança distorcida do meu sonho recente. A lua era um mal presságio. Naquela noite, eu senti falta da palidez do céu negro.

 

            Acordei depois de uma hora tentando dormir novamente. Ao abrir a janela, senti um grande alívio em contemplar o sol morno, sereno, aconchegante. Não era lua, e muito menos vermelho. Era apenas o sol. Algo não tão comum em Seattle, mas que se fez urgente aquele dia.

            Eu não estava com a menor pressa em chegar à minha escola. O sonho da noite passada ainda me atormentava quando eu deixava minha mente vazia. Comecei a ocupar minha mente com outros pensamentos. Pensamentos felizes, o que foi difícil. Tive que desenterrar qualquer pensamento bom que não envolvesse a imagem do velho Vincent.

            Vesti minhas roupas, me concentrando nas cores e nos detalhes do jeans, peguei minha mochila, me preocupando em abotoar meticulosamente os bolsos traseiros. Qualquer distração era bem-vinda. Desci as escadas, contando os degraus, observando o sol entrar pela janela da sala. Vez ou outra, o sonho vinha à tona, me fazendo gemer baixo.

            Assim que entrei na cozinha, meus pais já estavam quase terminando a refeição. Emilliene já estava calçando seus sapatos no degrau da porta dos fundos, que dava para o quintal. Richard não estava na mesa.

            _ Bom dia. – murmurei. Os olhos se viraram para mim, atentos. Apenas Emilliene parecia absorta em seus cadarços cor-de-rosa.

            Eles responderam com um “bom dia” forçado, como se estivessem escondendo alguma verdade por trás daquele véu de palavras. Eu os estudei por alguns segundos, e me assentei ao lado de minha mãe. Eles pareciam muito concentrados no bacon.

            _ Mãe, onde está o Rich? – perguntei, tentando parecer casual.

            _ Ele não pretende tomar café conosco hoje. – ela respondeu, séria – É melhor deixá-lo se livrar de toda aquela raiva.

            Ah, claro. Provavelmente aquela falta de respeito da noite passada não ficaria impune. Eu olhei para o chão, melancólico. Se ele estava de castigo naquela sexta, ele não poderia me levar até a saída da cidade para que eu pudesse dirigir o Mercedes.

            _ Ele está de castigo, não é? – perguntei desanimado.

            Meu pai torceu o lábio e, quando ia responder, as palavras de minha mãe saíram mais rapidamente.

            _ Menos perguntas, mais ação. – ela ainda sorria – Você acordou tarde hoje. Algum pesadelo?

            _ Mais ou menos isso.

            Pesadelos durante a noite não era comum para mim. Sonhos ruins eram mais freqüentes comigo do que na maioria das pessoas. Sonhando ou não, isso não mudava o fato de que estar em cima da hora. Ou eu corria, ou me atrasava. Beijei a testa da minha mãe, abracei meu pai e fiz cafuné na pequena Emi.

            _ Tchau, gente.

            _ Boa aula. – ouvi os três em uníssono. Senti falta da voz do meu irmão mais velho. Eu precisava ouvi-lo antes de ir à escola. Ver se ele estava bem.

            Assim que comecei a subir as escadas, um gosto familiar veio à boca. Não era suco de laranja que eu bebera a pouco, muito menos bacon. Era um gosto ácido, nauseante. Parecia álcool.

            _ Rich. – murmurei pelo lado de fora do seu quarto. A porta estava fechada.

            Ninguém me respondeu. Ele devia estar dormindo. Arrisquei mais uma vez.

            _ Richard. – Me calei por cinco segundos – Sou eu. Matt. Abre a porta.

            Silêncio frustrante.

            _ Pelo menos diga se está tudo bem com você, cara. – minha voz saiu mais alta do que eu pretendia.

            O silêncio reinou em absoluto. Ou ele estava me ignorando, ou alienígenas haviam abduzido meu irmão durante o sono. A primeira opção era mais lógica. Abri a porta vagarosamente, esperando ouvir um “cai-fora” audível.

            O quarto estava completamente vazio. Pelo estado da cama, ninguém havia se deitado nela na última noite. Sua mochila estava jogada sobre a escrivaninha, seus livros intactos embaixo da estante de livros. Na faculdade ele não estava e, pelo que eu conhecia do meu irmão, ele não acordaria tão cedo para sair com algum amigo. A janela estava fechada, descartando a possibilidade de uma fuga noturna. Eu estava convencido. Ele não havia passado a noite em casa.

            Desci a escada, às pressas. Meu coração um pouco mais acelerado. Aquilo significava problemas para ele e, pelo menos, uns cinco finais de semana sem direção na Mercedes. Senti o sangue subir à cabeça. Provavelmente eu estava corando.

            _ Mãe! – gritei do corredor, antes mesmo de chegar á cozinha. Parei no portal da escada, me segurando com as duas mãos – Richard não está em casa!

            Meus pais me olharam pálidos. Emilliene parecia não ter ouvido. Eu repeti o “Rich não está em casa”, mas eles continuaram me encarando.

            _ Achei que você deveria estar na escola, rapaz. – minha mãe falou, ainda branca feito papel.

            _ Mas o Rich...

            _ Ele não está em casa por motivos conhecidos por mim e seu pai. – ela disse, passando certa tranqüilidade na voz – não precisa ficar alarmado.

            _ Mas, onde ele está?

            _ Por hora, preocupe-se em ir para a escola e trazer bons resultados em seu boletim. – ela respondeu secamente. Ela tinha a habilidade de ser doce e fria ao mesmo tempo – Seu irmão fará o mesmo assim que estiver disposto a ir à faculdade... Nada que deva se preocupar.

            _ Mas eu quero saber o que...

            _ Você quer, mas não pode. – meu pai disse dessa vez – Vá para a escola, faça-me o favor.

            Aquele tom de voz significava “fim de discussão”. Eu não tinha um temperamento estourado, não sabia discutir, embora soubesse melhor do que ninguém lançar olhares de desaprovação. Eu usei eles muito bem naquele momento, e me virei. Abri a porta da sala e sumi do campo de visão deles. Aquilo me cheirou muito mal. Literalmente. Fedia.

 

            Não consegui entender uma palavra que os professores diziam. Mal pude acompanhar os exercícios no quadro, e fui um desastre na prova de inglês. Geralmente eu me saía bem, mas minha cabeça estava a mil. Por que eu sentia um ar tão denso e frio pairando em minha casa? Por que eu sentia cheiros tão distintos, tão desconhecidos. Que relação havia com o gosto de uísque, ou com... Vincent.

            Percebi que Kyle tentou conversar comigo durante a aula. Ele queria se despedir... Claro! Como pude me esquecer. Aquele seria meu último dia em Seattle. Iríamos para a mansão de meu avô.

            Meu avô sempre gostou de cidades pequenas, pacatas. Iríamos para Ford City, uma cidadezinha no condado de Kern, Califórnia. 3,500 mil habitantes. Tudo o que eu não precisava agora era de um lugar onde a pessoas levassem uma semana para conhecer toda a minha vida. E, para piorar, Kyle e Camille pareciam desapontados com a minha indiferença. Eles não tinham culpa, ninguém tinha. Eu apenas queria saber onde estava Richard. Teria ele ido antes de nós, para Ford? Talvez ele não gostasse de despedidas. Não, não poderia ser. Isso não era motivo para segredos entre meu pai e minha mãe. Havia algo mais nisso, eu podia sentir no ar. Eu podia sentir...

            Kyle me alcançou no final da aula. Ele estava nitidamente irritado e tremendamente chateado. Ele me segurou pelo braço e se virarou para mim.

            _ Matthew! – Kylls mantinha uma voz uniforme, mas pude sentir uma certa hostilidade naquele tom neutro – Afinal, o que você tem na cabeça?

            _ O que...

            _ Olha, cara! Olha... Cara... Cala a boca! – ele parecia estar procurando as palavras corretas para descrever a sua frustração – Se você está pensando que pode simplesmente ignorar seus amigos assim e desaparecer do estado, então tudo bem! Mas isso não vai acontecer antes de você ouvir poucas e boas!

            _ Kylls, eu realmente não quero falar sobre isso...

            _ O escambal! – ele bradou – Eu ainda não acabei de falar! Olha, Camille ficou furiosa com a sua atitude. E não é pra menos. Nós éramos amigos!

            Kyle fez questão de enfatizar o verbo no passado. Claro que sua fúria era momentânea, mas nem por isso eu ousei aumentar o tom da voz.

            _ Kyle. Deixa eu te explicar. Minha cabeça ta um caos, eu não sei o que ta havendo lá em casa, então eu preciso de espaço.

            _ Não, Matthew. Você não quer espaço... – ele disse, seus olhos transbordando de indignação – Você quer se afastar. Essa é a verdade, pura e simples.

            Ele se virou. Antes que eu o deixasse ir, eu precisava saber.

            _ Hey, Kylls... Onde está Camille.

            _ Eu não sei. – ele disse. Pareceu sincero – liguei para ela ontem, mas ela não estava em casa. Sua mãe disse que ela teve alguns acessos, ou coisa do tipo. Espero que tenha se despedido dela...

            Ele se virou e sumiu na selva de alunos. Eu queria correr atrás dele, enfiar umas bolachas naquela cara redonda e dizer pra ele que a vida é uma droga. Mas minha prioridade era Rich. Alguma coisa havia acontecido. Foi, justamente nesse momento, que eu me dei conta? O que poderia ter acontecido de tão mal com ele? Afinal, meus pais estavam preocupados em me esconder algo, mas não pareciam preocupados ou aflitos com a situação de Rich. Eu comecei a me sentir patético, como se uma luz estúpida de repente desanuviasse a nevoa que desnorteava meus pensamentos. Richard estava bem em algum lugar, e eu estava dando uma de estúpido com meus amigos.

            Corri na direção de Kyle. Eu precisava consertar a merda que eu havia feito. E lá estava ele, subindo a rua. Pude distingui-lo pela jaqueta vermelha e a cabeça careca iluminando o sol dourado.

            _ Hei, Kyle! – eu gritei, inflando meus pulmões – Espera aí!

            Por mais que ele fosse meu amigo, eu não conseguia me sentir culpado, ou incomodado. Mas eu me forcei a corrigir um erro que, na minha cabeça, não existia. Por que eu era assim, tão necessitado em ficar sozinho?

            Kyle se virou e me encarou. Éramos amigos, ele não ia me deixar gritando na rua sozinho. Assim que eu o alcancei ele deu um leve sorriso.

            _ Você não é tão estúpido assim.

            _ Eu sei que não. – respondi. Minha voz soou um pouco fria.

            _ O que você quer? – ele perguntou.

            Vasculhei na minha mente as melhores palavras do meu vocabulário que pudessem expressar o que eu queria dizer. Na verdade, eu só queria dizer “Sinto muito” e virar as coisas. Mas eu precisava fazer algo por aquela amizade, se eu ia mesmo embora por tempo indeterminado. Era mais uma obrigação.

            _ O que me diz de irmos até a casa de Camille ver se ela está bem? Eu ainda tenho algumas horas, meu pai tem um hábito estranho de viajar a noite. A gente pode ver um filme, o que vocês quiserem.

            O rosto de Kyle ficou radiante. Como ele conseguia se sentir bem tão facilmente? Eu quase senti inveja, se não fosse uma reação tão patética.

            _ O que estamos esperando, então? – ele exclamou, eufórico.

            _ Você dizer que está tudo bem.

            _ está tudo bem, chapa! Vamos nessa!

            Ele passou o braço por cima do meu ombro e me conduziu rua acima. Eu estava mais interessado em saber o que havia acontecido com Camille. Depois disso, eu iria embora, provavelmente com alguma desculpa do tipo meus-pais-ligaram-tenho-que-ir.

            Quando chegamos na casa de Camille, quem nos recebeu foi sua mãe. Ela tinha as mesmas expressões da filha, mas não se pareciam em nada. Eu sorri, tentando parecer convincente em estar feliz.  

            _ Olá, Sra. Takamoto. – eu falei – Camille está?

            Então eu percebi. A Sra Takamoto não estava sorrindo. Definitivamente, aquilo era um olhar repelente. Ela endureceu o rosto, suas mãos apertavam a maçaneta. A porta estava entreaberta.

            _ Sim, mas ela não pode receber visitas. – sua voz soou fria como um cubo de gelo. Eu quase pude sentir o ar gélido nas narinas.

            _ Mas... Eu vou embora e eu preciso...

            _ Não, Matthew. Vocês precisam ir. Ela não pode falar com vocês, e não quer falar. Por favor, não venham mais aqui.

            Eu me virei para Kyle, pasmo. Ele estava pálido, seus olhos arregalados como duas bolas de pingue-pongue. Trocamos os mesmo olhares assustados e confusos. Normalmente a Sra. Takamoto era educada e adorava nossas visitas. Mas, naquele dia, decididamente não era a mesma mulher.

            _ Sra. Takamoto... – começou Kyle.

            Mas ele foi interrompido.

            _ Por favor, não me façam chamar a polícia.

            Ela bateu a porta na nossa cara. Do caminho até minha casa, não trocamos uma palavra sequer. Quando cheguei, todas as nossas coisas estavam no carro.

 


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