A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 39
Durante esses dois anos, eu...




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Durante esses dois anos, eu...

    Desde a minha fuga da base dos patriotas e o aparecimento do meu ChAngel, que permanecia em segredo, passei a maior parte do tempo fazendo atividades que, normalmente, Homúnculos mais experientes faria. Mas eu era o mais indicado. Não, na verdade, o único capaz.
    A pedido de Sammael, e compreendendo a importância do trabalho, organizei algumas pessoas para me acompanharem nessa missão: Abigail, Brian, Richard, Dominique, Charlie e Camille. Por outro lado, Archy e os gêmeos Gifford preferiram ficar na Célula e treinas suas habilidades. Estavam enferrujados, não participavam de um duelo há muito tempo. Estevan pediu para nos acompanhar e sua parceira, Sophie, depois de insistir bastante, acabou entrando na nossa equipe. Estávamos em nove, e desejei ser o suficiente para realizar o objetivo com êxito.
    As informações coletadas por Estevan nos serviram para compreender uma coisa: Jericho e Papah estavam se empenhando em reunir Haunters de todas as partes dos mundos. Pelo que pude perceber, essa habilidade não estava mais limitada apenas à Homúnculos, o que explicava o fato de Barclay, filho de humanos normais, ser um Haunter e, levando em conta o que Jericho dissera, as gerações mais recentes eram as afetadas por essa manifestação misteriosa de poderes. Seria como procurar uma agulha em um palheiro.
    Nas primeiras semanas pratiquei minha nova habilidade, o “radar”. Comecei com treinamentos fáceis, menos complexos. Charlie, Camille e Abi se escondiam nos arredores da Célula e, com os meus sentidos ampliados, tinha que encontrá-las. Um jogo de pique-esconde irritante e nenhum pouco divertido.
    Com o tempo, comecei a diferenciar os sons mais específicos, a visualizar melhor os traços azuis. Eu estava elevando minha habilidade a um nível sensivelmente maior, mas eu sentia que havia muito o que fazer.
    Enquanto isso, passávamos grande parte da nossa folga discutindo planos de ataque, criando mapas de territórios e analisando as informações que tínhamos em mãos com a ajuda de Estevan. Estávamos trabalhando como formigas operárias, pontuais, atividades regulares, nos esforçando como se o inverno rigoroso estivesse por vir e cobrir nosso “formigueiro”.
    _ Você tem que se esforçar mais – falava tio Bradley, sempre me apoiando.
    _ Não acho que consiga em pouco tempo – minha mãe falou.
    Incrível como aquele período de tempo a transformou. Era doce, gentil, minha mãe. Agora, depois de tanto tempo, eu simplesmente não a reconhecia. Era uma mulher completamente estranha. Parte disso foi minha culpa, eu a deixei se afastar e, lamentavelmente, me senti bem com isso. Queria poder voltar atrás. Depois que todo o conflito terminasse, minha prioridade seria reatar nosso antigo relacionamento mãe-filho.
    _ Eu já ti fazer muitas coisas Matt – falou Abi – isso aí não é nada.
    _ Mas é difícil – eu disse, enxugando o nariz ensangüentado – isso está me desgastando.
    Era preciso uma concentração cruciante para ampliar aquela visão em linhas azuis. Eu sentia que estava sendo promissor os treinamentos, mas os esforços afetavam meu condicionamento físico, provocando sangramentos nos ouvidos, nariz, e aparições de cortes em minhas têmporas.
    _ Isso pode ser perigoso – avisou Charlie – é melhor ir com calma.
    Charlie era sempre muito cautelosa, principalmente quando tratava de mim. Lembrei-me da forma sincera e inocente quando ela me beijou, e como me senti mal por não poder corresponder a altura. Era uma grande amiga. Mais um motivo para me esforçar ainda mais.
    O dia em que Sammael anunciou a guerra foi um dia marcante, por isso foi nomeada como o dia da Declaração. É assim que irei me referir àquele dia. Porque foi exatamente isso. O dia em que as máscaras caíram, o dia em que os traidores foram revelados, expulsos, eliminados e, alguns com um pouco de sorte, acabaram fugindo. Era estranho pensar nisso. A verdade veio como um aviso de morte.
    Dois meses após o dia da Declaração, meu radar me mostrou algo que me deixou receoso, então tomei uma atitude pouco inteligente, mas que me pareceu razoável no momento. Sozinho na antiga Sala Octogonal, onde apenas Orestes dava acesso, levei Brock e, a sós, pedi que ela se revelasse.
    _ O que? – ela disse, tomando a forma de “mulher”.
    _ Preciso da sua ajuda – pedi – Essa noite eu tive uma visão estranha. Durante o sono, acho que meu radar foi ativado involuntariamente. Encontrei quatro traços dourados a alguns quilômetros daqui.
    _ Alguns quilômetros... Quanto seria isso? – ela perguntou.
    _ Hã... Se eu dissesse Muralha da China...
    _ Eu diria que você é doido – ela interrompeu – isso não é “alguns quilômetros”, e sim “algumas vidas” de distância.
    _ Ok, mas você pode me levar lá, certo?
    _ Não – ela interveio – acha que eu vou te levar até quatro Haunters reunidos? Eu tenho que te proteger, esqueceu?
    _ Eu sei disso, mas eu preciso ir.
    _ Conte para os outros. – ela pediu, em uma exigência camuflada – Você não pode ir até lá sozinho. Sabe que Jericho está recrutando Haunters também. Não é comum quatro deles, em atividade, reunidos em um só lugar. Com certeza estão trabalhando para Barclay.
    _ Eu só quero dar uma olhada – pedi – Cary... É a primeira vez que a minha visão vai tão longe assim. Não posso perder essa chance. Além do mais, você não quer ser descoberta, quer ser mantida em segredo. Você não sabe quantas desculpas estou inventando para te manter aqui na forma de cachorro. Você me deve.
    Ela me encarou, analisando as opções, levemente frustrada. De uma forma ou de outra, eu sempre conseguia persuadi-la. Acho que era um dom meu sobre ela. Por fim, ela suspirou, desistente.
    _ Ok. Mas você vai ficar do meu lado. Se qualquer sinal de perigo surgir, sumimos de lá... Sem discussão.
    _ Feito.
    Ela estendeu a mão e eu a segurei bem firme.
    _ Vou nos colocar o mais próximo possível. Em que lugar eles estavam? – ela perguntou.
    Eu me esforcei para lembrar.
    _ Acho que próximo a Mutianyu – respondi – não tenho certeza.
    Nem terminei de responder, e já havíamos desaparecido da antiga Sala Octogonal. A luz envolvente de Caryenane cobriu o meu corpo por inteiro. Quando ela cessou, a cor branca ainda predominava no cenário.
    O chão estava coberto de neve. O céu nublado, as nuvens acinzentadas e carregadas, os flocos brancos caindo como plumas e o vento gélido compunham a cena. O céu oriental trazia uma sensação diferente, como se fosse um mundo completamente novo. Olhei para ambos os lados. Ao meu lado esquerdo, uma construção de tijolos e pedras, uma espécie de torre de vigilância, uma guarita bem projetada. Ao meu lado direito, toda a extensão de um caminho de tijolos cobertos por neve, uma muralha serpenteante a perder de vista. Minha respiração ficou pesada, não por causa do frio, pois meu corpo já havia se acostumado com o clima subitamente modificado. Era a tensão, o nervosismo. Não sabia o que iria encontrar. 

 

 


    _ O que eles estariam fazendo aqui? – perguntou Cary, atenta – não vejo nada.
    _ Fique de olhos e ouvidos abertos – aconselhei – se forem realmente inimigos, como você diz...
    _ Hei! – ela sibilou – olhe.
    Cary apontou para um amontoado de neve no parapeito da muralha. Uma enorme mancha de sangue manchava de vermelho o cenário branco e pacífico, um sinal de mau agouro. Apurei os meus sentidos. Não havia nenhum sinal de perigo. Por mais que aquela mancha me deixasse receoso, parecia ser uma preocupação desnecessária.
    _ Gotas de sangue – falei – elas vão abaixo da muralha.
    Fechei os olhos por um breve segundo, rastreando uns dois quilômetros a minha direita e a minha esquerda, no caminho da muralha. 
    _ Fique aqui – ela pediu – eu vou até lá e...
    _ Sem chance – interrompi – não sei se você percebeu mas, se há sangue, houve, provavelmente, uma luta.
    _ E daí?
    _ Com certeza quem está sangrando não está apto a uma luta. O agressor pode estar por perto.
    Cary me encarou, compreendendo o que eu dissera.
    _ Ótimo – ela decidiu – você segue a trilha de sangue, eu confiro o caminho aqui em cima.
    _ Perfeitamente.
    Virei-me, satisfeito. Eu havia sondado o caminho da muralha, não havia nenhuma alma viva, estava completamente deserto. Ela ficaria distraída procurando alguma coisa onde, eu tinha certeza, não havia nada. Decidi protegê-la dessa vez. Se eu estivesse em perigo, afinal, ela saberia. E eu também.
    Saltei a muralha, caindo sem nenhum barulho sobre o chão coberto de neve.
    A muralha era construída sobre montanhas, campinas cobertas por uma espessa camada de neve, como um tapete branco. Não era difícil seguir um rastro vermelho e nítido do sangue. Alguém parecia estar ferido.
    Olhei para o alto, seguindo com os olhos o andar cauteloso de Caryenane. A muralha devia ter uns sete, talvez oito metros naquele trecho. Ao longo do percurso, vi os finos filetes de luz prateada de Cary sumirem na névoa. Caminhei vagarosamente, atento, sentindo a grama úmida e congelada molhar as pontas do meu sapato.
    O sopro do vento era o som mais alto que se podia ouvir. Apurei meus ouvidos, deixando os sons invadirem minha mente. Ouvi um crepitar, um barulho de madeira sendo consumida por fogo. Não queria arriscar usar minha visão outra vez. Se fosse haunters inimigos, eles iriam me captar, e quatro contra um não seria uma luta lá muito otimista.
    Segui o som com cautela, até atingir a parte intermediária da colina. Ao longe, meus olhos captaram, havia quatro pessoas em volta de uma lareira, agachadas perto da chama, deixando o calor lamber cada extensão dos músculos. Pareciam pacíficos. Uma mulher jovem e dois homens.
    Caminhei lentamente, me aproximando. Não pareciam perceber minha presença, mas eu sabia que, assim como eu, poderiam facilmente ouvir os meus passos. Sentidos ampliados era um dom Haunter. Eles estavam cobertos com casacos de neve, um capuz largo e grosso cobrindo seus rostos.
    A mulher fez um movimento sutil com a cabeça, se inclinando para trás, como se percebesse minha aproximação. Não me detive em suas feições e expressões, estava mais preocupado em não sofrer nenhum ataque.
    _ Alguém – a mulher disse. Era uma voz jovial, quase infantil – tem alguém aqui.
    _ Mais um? – disse o homem ao lado dela, seu corpo e voz demonstrando clara irritação – só pode ser brincadeira.
    O outro homem ao lado parecia indiferente ao diálogo. A jovem foi até ele, tocou-o no braço e ele se virou, num salto, como se acabasse de despertar.
    Ela fez um gesto estranho com a mão.
    _ Ah, com licença – eu disse, minha voz baixa como o assobio do vento. Eles me ouviram mesmo a quase trezentos metros de distância.
    _ O quer de nós? – o homem perguntou, esganiçado.
    _ Vocês são Haunters? – eu perguntei.
    Péssima escolha de palavras. Num segundo, o homem irritado estava a menos de dois metros de mim, suas mãos agressivas e assassinas sedentas por uma briga. ele estava sujo de sangue, foi o que pude perceber, antes do estampido e o clarão de luz ofuscar a minha visão.
    _ AREEEEEEEEEEEH!
    Cary surgiu entre nós. O homem, assustado, caiu sentado na neve. Cary ergueu a mão e, com uma ordem sobrenatural, uma enorme mão composta por neve segurou o homem pelos calcanhares e o arremessou de volta ao grupo.
    A jovem se aproximou sem ser notada, investindo um ataque surpresa contra Cary. Projetei-me na frente da minha protetora, bloqueei o golpe, mas ela era forte. Caí na neve, sentindo uma porção dela caindo em meu rosto. Uma mão segurou o meu pescoço, violentamente. Outro par de mãos seguraram minhas pernas, como se quisessem me partir em dois, fazendo força para os lados opostos.
    _ Miseráveis! – ouvi Cary gritar.
    No segundo seguinte, não havia nenhuma mão me segurando. Levantei-me num salto, levemente frustrado, e encarei a jovem e o outro rapaz caídos na neve, ao lado do homem agressivo, rosnando como um cão.
    _ Não queremos ir com vocês! – ele chiou – Não somos como vocês!
    O homem investiu outro ataque. Cary ergueu a palma da mão aberta e, como mágica, o homem paralisou no ar, em uma posição de ataque. ele enrijeceu os músculos, tentou escapar, mas era inútil. Era como estar preso a correntes invisíveis, congelado no ar.
    _ Maldição! – ele bradou – Cadence! Will! Ataquem a luz.
    A princípio eu não havia compreendido o que o homem quisera dizer com isso. Então me lembrei que, para o resto do mundo, Cary era apenas um espectro de luz indefinido.
    A garota e o jovem investiram, não contra ela, mas contra mim. Foi a minha vez. Saltei sobre eles também. Deixei o meu instinto Haunter aflorar uma parcela considerável, o suficiente para me dar a habilidade para imobilizá-los.
Os dois cravaram as mãos na neve, me perdendo de vista. Me projetei logo atrás deles. Cada um dos meus braços se prenderam ao pescoço de cada um dos meus agressores, como uma serpente segurando sua presa. Eu os ergui alguns centímetros do chão. Estavam imobilizados.
    _ Eu... Prefiro... Morrer – a jovem disse, sem ar – a me juntar a vocês... Seu assassino nojento...
    Eu a encarei confuso. Eu não era assassino. Eles sim! Não?
    O jovem não conseguia pronunciar uma palavra, apenas gemer em protesto.
    _ Não os machuque! – o homem agressivo, suspenso no ar, implorou, de repente submisso e temeroso – Por favor, deixe eles partirem. São apenas garotos.
    Eu o fitei, ainda mais perdido. Ele dizia como se eu fosse o bandido e eles o mocinho... Seria isso mesmo?
    _ Vocês me atacaram primeiro – eu resmunguei – estou me defendendo.
    _ Você disse esse nome... Haunter – ele falou, ainda fazendo força para se libertar da habilidade de Cary, seus olhos pousados sobre os dois parceiros, com uma expressão cheia de súplica – Não queremos isso...
    _ Vocês... Não estão do lado do Jericho? – perguntei.
    _ Quem?
    Minha mente estava uma confusão. Analisei as condições dos três, vendo-os lutarem, não contra nós, mas para sobreviverem. Não pareciam perigosos.
    Ainda hesitante, afrouxei os braços, e senti o pulmão dos jovens imobilizados se inflarem com mais facilidade. não eram perigosos. Eu os soltei, e eles caíram de quatro sobre a neve.
    O capuz foi removido com o vento, e pude ver a expressão deles. Ela era linda, como qualquer Homúnculo poderia ser. Os cabelos eram louros, ondulados, até as costas, o rosto rosado, os lábios finos e rosados. Seus olhos eram chamativos, um azul cintilante, que brilhava como dois faróis. Devia ter seus vinte anos. Ela me encarava como se esperasse o pior de mim.
    O jovem ao seu lado, pouco maior, tinha o rosto jovem, mais ou menos quinze anos, os cabelos castanhos, com olhos assustados em cor de avelã. Embora parecesse um adolescente, seu maxilar era quadrado e seu porte era de um camponês, com ombros largos. Mas estava com o medo estampado em seu rosto pálido e infantil.
    _ Eu não vim lhes fazer mal – eu disse, enfim, percebendo que eles não tentariam um novo ataque.
    _ Não é o que parece – falou o homem, ainda suspenso no ar.
    _ Ah, opa, desculpa – ainda hesitante, Cary soltou o homem.
    Ele caiu sobre a neve, como um lobo selvagem, ainda encarando Caryenane com uma expressão de repulsa e indignação.
    _ Um ChAngel – ele murmurou – nunca vi um pessoalmente.
    _ Se não parar de me olhar assim, duvido que tenha a chance de ver outro – ela sibilou.
    O homem se levantou, ainda com os olhos fixos em Cary, e abaixou seu capuz.
    Tinha uma aparência rude, os cabelos negros muito espessos, molhados pela neve, os olhos castanhos e, no rosto quadrado, uma cicatriz rosada que se estendia desde a sua sobrancelha até a ponta do queixo, passando pelo olho direito, que tinha um leve tom avermelhado. Parecia ter sofrido um terrível ataque.
    _ O que querem conosco – falou ele – não queremos guerrear. Não queremos ouvir essas histórias...
    _ Não – eu intervim – não estou aqui para obrigá-los a nada. Eu vim em paz. Prometo.
    _ Como podemos confiar? – a garota falou, ainda de joelhos no chão, abraçando o rapaz. Percebi que os dois jovens tinham traços parecidos – É o terceiro ataque que sofremos essa semana.
    _ Terceiro? – eu exclamei – quem os atacou.
    _ Homens... Vestidos como você... Sobretudos pretos, botas, força bruta... – a voz dela sumiu.
    _ Patriotas – falou o homem arrogante – alguns Haunters. Estão querendo recrutar pessoas... Como Cadence e Will.
    Olhei para os dois jovens. Então esses eram os seus nomes.
    _ E você? Não é um Haunter? – perguntei.
    _ Não – ele respondeu, ainda hesitante. Obviamente não sabia se era seguro me dar tanta informação – meu nome é Aaron Turner, mas, no Submundo, eu sou Aaron Renwick. Estou tentando proteger esses garotos há um bom tempo.
    _ Alguém se feriu? – eu perguntei, interrompendo-o – vi manchas de sangue. Eles estão...
    _ Não estão feridos – ele me fitou, duvidando de minha preocupação – aquele sangue não é nosso. Fomos abordados por dois Haunter e um Rubro Patriota... Tivemos de lutar.
    _ Vocês... Os mataram? – eu arrisquei.
    _ Não tínhamos outra escolha – Cadence interrompeu, ofendida – eram nós ou eles. Mas um dos... Haunters... Um deles conseguiu escapar.
    _ Fizeram uma boa escolha – garantiu Aaron – Eles estão assutados – o homem voltou à atenção a mim – não podem lutar sozinhos. Precisam de alguém experiente. O haunter que fugiu sabe onde estamos. Logo estará de volta com reforços.
    Eu fitei o grupo, sentindo pena. Estavam abandonados, sem nenhum apoio.
    _ Vocês não podem ir a uma Célula? – perguntei.
    _ Não podemos arriscar – Aaron explicou – Um... Um de nós não é... Homúnculo.
    _ Perdão? – foi a vez de Cary questionar – Quem aqui não é Homúnculo?
    _ Will – Aaron apontou com um movimento de cabeça o garoto alarmado no chão, olhando de um rosto para o outro, confuso – ele é meio-irmão de Cadence. Ela é mestiça, filha de humana com Homúnculo. A mãe dela se casou com um humano e tiveram Will. Ele nasceu com habilidades Haunter... Por quê? – ele falou em tom choroso – Por que essa criança foi amaldiçoada desse jeito? É só um humano...
    _ Então é verdade... – eu falei, mais para mim mesmo do que para o grupo – humanos estão nascendo com habilidades Haunter.
    _ O que sabe sobre isso? – Aaron murmurou, em tom de exigência.
    _ Não muito... – eu confessei - mas as pessoas que estão atrás de vocês sabem o suficiente. Elas querem criar um exército com o máximo de Haunters que puderem.
    _ Um exército? – perguntou ele, alarmado. De repente, ele parecia ter envelhecido uns vinte anos – Por quê?
    _ Uma guerra está se aproximando – eu avisei – por isso eu estou aqui. Precisamos...
    _ Ah, eu sabia! – ele apontou para mim, novamente agressivo – vocês nos querem como soldados, como o resto deles.
    _ Não. Não queremos soldados... Queremos ajudar. – eu ignorei o acesso de nervosismo dele – estou a procura dos novos Haunters. Eles precisam saber do perigo que correm... E do bem que podem fazer...
    _ E se não formos com você, hein? – ele perguntou, desafiadoramente.
    _ Eu e Cary vamos embora – respondi prontamente – vocês são livres para tomar suas decisões. Mas, se eu for, e vocês ficarem, eu peço apenas uma coisa... Se escondam. Não deixem que Jericho Barclay os adicionem em seu exército... Ou vamos acabar nos enfrentando em um campo de batalha dentro de algum tempo.
    Aaron continuou me olhando, um pouco assustado, um pouco furioso, um turbilhão de sentimentos confusos. Eu não o culpava. Ele parecia alheio a qualquer novidade do Submundo.
    Ele fez uma longa pausa e, por fim, deixando seus ombros caírem, murmurou.
    _ Está sendo difícil proteger esses garotos.
    Eu voltei minha atenção para os dois jovens, que permaneciam no chão. Aproximei-me deles, com um sorriso leve e uma expressão de solidariedade. Eu precisava mostrar o quão confiável éramos. Estendi a mão, calorosamente, para eles.
    Cadence hesitou mas, por fim, se apoiou em minha mão, e me permitiu ajudá-los. Eles se levantaram e, vagarosamente, se dirigiram ao seu protetor.
    _ Eu os protejo desde o dia em que nasceram – Aaron começou a dizer – Cadence é filha de um grande amigo meu. Ele morreu em combate, e me pediu que cuidasse dela. Quando descobri que seu meio-irmão, Will, era... Diferente... Eu os adotei.
    _ Fugimos de casa – corrigiu Cadence – e não nos arrependemos disso.
    _ Foi o único jeito – explicou Aaron.
    _ Will precisa de mim – Cadence beijou a mão do irmão, agora mais calmo. Era estranho, ele era maior do que ela e, por muito pouco, maior do que Aaron, mas era o que parecia mais apavorado – Will é surdo, não consegue ouvir nada. Isso influencia seu “radar”... Aaron nos explicou tudo sobre Haunters. Sem a audição, todos os sentidos de Will ficam comprometidos. Ele não pode usar o radar. Apenas sua força e agilidade são suas armas.
    _ E isso no seu rosto? – perguntei para Aaron, apontando para o corte em seu rosto – foram eles?
    _ Não, eu tenho essa cicatriz há alguns anos... Sofri um ataque surpresa de Alucates.
    _ E por que não cicatrizou? – perguntei – Fui cortado por uma adaga feita dos ossos de Algueora. Esse tipo de arma, quando fere um Homúnculo, provoca feridas que não se curam com rapidez. Levam anos, ou mesmo nunca curam. Dói até hoje.
    Após uma pequena conversa, uma troca de olhares apreensivos e um pouco de compreensão, nos sentamos ao lado da fogueira. Cary tomou a forma de cão novamente, deixando-os mais a vontade. Expliquei tudo a eles, sobre o plano de pegar a máscara, a guerra iminente, o perigo a vista. A cada explicação, Cadence apertava ainda mais forte as mãos do irmão, incapaz de entender minhas palavras. Nunca imaginei um Haunter surdo. Era triste.

    Ao cair da noite, eles me acompanharam até a Célula. Levei-os até Sammael, que recebeu o grupo de braços abertos. Cadence, Will e Aaron estavam dispostos a nos ajudar, mas, por hora, tudo o que eu queria era que se sentissem protegidos. O amor daqueles dois irmãos me provocou um pouco de inveja. Lembrei-me da minha mãe e me perguntei onde foi que erramos quando deixamos esse tipo de amor devoto morrer.
   
    Assim o tempo foi passando. Com a ajuda de Cadence, vasculhamos perímetros extensos de diversos continentes, Cary, mantida agora em segredo entre mim, Cadence, Will e Aaron, nos transportava para os mais diversos lugares, a procura de Haunters.
    Encontramos alguns. Oito, para ser exato. Mas dois deles já estavam aliados a Jericho. Foi uma luta difícil e, com um grande pesar e temor, me vi tirando a vida deles. Mas era uma guerra, eu não podia me dar ao luxo de ser piedoso. Agora, com aquele novo grupo integrado à Célula, minha obrigação par proteger as pessoas aumentou.
    Dois Seis Haunters restantes, um não quis se envolver, e disse que se manteria escondido, sem jamais usar sua habilidade, mesmo porque ele não sabia como fazer. Não podíamos confiar, então, durante muitos meses, um grupo enviado por Sammael passou a vigiar o Haunter que se intitulou como neutro.
   
No fim de dois anos, conseguimos complementar nosso grupo com oito haunters.
    Eu, é claro.
Os irmãos Flanders, Cadence e Will, que passaram a compor meu círculo de amigos de forma efetiva.
    Joshua Langdon, dezesseis anos, hiperativo, humano, da Alemanha. Louro, olhos verdes e levemente tortos, sarnento e com um sorriso cheio de dentes tortos, se mostrou pronto para nos ajudar. Ele era a prova de que, em alguns lugares no mundo, haunters não eram obrigados a ser bonitos. Nós o havíamos conhecido durante uma “viagem” para a Europa, quando ele, dentro de um ônibus escolar, teve um acesso de raiva e destruiu a traseira do veículo. Ele fugiu conosco, e, no dia seguinte, seu rosto estava estampado em vários jornais pelo mundo. “Jovem com força sobre-humana desaparecido. Tenham muito cuidado”.
    Sarah Goldenberg, dezoito anos, escocesa, com os cabelos ruivos, um lindo sorriso avermelhado e olhos alaranjados, era uma mestiça, Vance por parte de mãe e humana por parte de pai natural de Nova Orleans, vivia em um Célula ao lado do pai, até insistirmos para ser transferida para Sonora. Tinha a habilidade de criar escudos com a sua própria aura. Nós a conhecemos quando a detectei dentro do cinema em sua cidade. Ela usava sua habilidade de rastreamento constantemente para evitar um namorado pegajoso. Seu radar havia avançado para um nível impressionante, nem eu o havia alcançado. Ela era capaz de visualizar, com clareza, qualquer lugar a um raio de dois quilômetros de distância. Ficou surpresa quando me viu em seu radar, iluminado por uma cortina dourada.
    Kurt Steven. Canadense, da cidade de Napanee, humano. Vinte anos, estudava direito, alto, olhos negros, cabelos avermelhados, era um lutador em potencial. Não tinha idéia do que era até os seus seis anos, quando arremessou sua bicicleta por cima da casa. Era eficiente com a força bruta, mas era um desastre quando tentava usar o radar, nunca tinha conseguido ver mais do que alguns traços disformes e não conseguir coordenar os seus sentidos.
    Alexandra Goulart, do Distrito Federal brasileiro, humana, melhor aluna no seu curso de Relações Internacionais, com um inglês fluente. Dezenove anos, alta, morena, olhos verdes, cabelos lisos e escuros que escorriam pelo ombro. Tinha um porte atlético, um ar sedutor, comunicativa e bastante inteligente. Uma das mais eficientes do grupo. Encontramos Alex quando ela estava, coincidentemente, em uma viagem da faculdade em Seattle, onde haveria uma conferência sobre alguma coisa. Ela já tinha plena consciência dos seus poderes, embora não fosse tão ágil quanto a maioria. Se colocou para nos ajudar sem espanto.
    Loui Campbell, natural de Nova Jersey, residindo a cidade do México. Homúnculo Desertado, não possuía as habilidades esperadas por sua família, até descobrir que era um Haunter. Fugiu de casa, desenvolvendo seu radar de forma impressionante. Sempre quando algum grupo de Homúnculos se aproximava, ele sabia, e logo já estava fugindo. Foi quando percebeu, em sua visão, que eu também era um Haunter. Ele se propôs a nos ajudar e pôde reaver os pais, que o receberam com um longe e demorado abraço de saudade. Foi o caso mais interessante. Um Homúnculo Desertado com habilidades de Haunter.
    Percebi, então, como a natureza poderia ser complexa, com tantos segredos, tantas formas desconhecidas de vida. Imagine quantas espécies de criaturas viviam às escondidas em todo o mundo... E Submundo! Seria fascinante, se não estivéssemos nos preparando para uma guerra.

    Dois anos depois do dia da Declaração, estávamos reunidos, com um exército formado, esperando, cautelosos, o primeiro movimento do inimigo, que permaneceu às escondidas durante todo esse tempo.


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Notas finais do capítulo





COMENTEM!!! Ah, recomendem tbm!
Sem moderação, blz?? xD



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