A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 38
Mentes em Conflito




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Mentes em Conflito

Matthew Vance

    Então, basicamente, minha vida se resumia a isso. Amigos improváveis, uma protetora que tomava a forma de um cão, um pedaço de um instrumento de sopro que poderia abrir a “porta do inferno”, uma família complexa e um monte de habilidades confusas. O tempo, cruel demais, na minha opinião, não estava sendo generoso com nenhum de nós.
    Há pouco mais de seis meses atrás, meu nome era Matthew Chambers, meu pai trabalhava na empresa do meu avô, minha mãe era uma dona de casa exemplar, meu irmão estava ingressando na faculdade e minha irmã, tão doce, era sinônimo de “normal”. Eu era um humano comum, com tarefas comuns, desejos quase comuns e uma sensação nada comum.
    Depois de tudo isso, eu mudei. Meu nome se transformou como o resto da minha vida. Matthew Vance,Mestiço de Alucate com Homúnculo Haunter, filho de um Alucate Abolido, uma Homúnculo Conselheira, um irmão Rubro e uma irmã mestiça, assim como eu: meio Alucate, meio Homúnculo. Tarefas como salvar o mundo, proteger a humanidade, e uma sensação que, com o tempo, se tornou parte de mim. Eu passei a considerar o meu lar um lugar onde, antes, eu nem era capaz de imaginar.
    Criaturas místicas, poderes estranhos, raças alternativas de humanos. Um caos total, e eu bem no centro dessa guerra, com o objeto em mãos, o que todos queriam. A chave para se chegar à máscara de Agammêmnon. E, para deixar a minha vida ainda mais tempestuosa e turbulenta, Papah, um dinossauro velho e decrépito do Submundo, queria me incorporar em seu exército de Haunters.
    Estava apostando minhas fichas em minhas habilidades. Naquele mesmo dia em que Sammael anunciou o início de uma guerra durante os Duelos, ele apareceu no dormitório me enquadrando em uma nova liderança: guerrear. Eu, acompanhado dos meus amigos Estranhos, Abi, Brian e Richard, iríamos passar por treinamentos intensivos, exigindo o limite de nossos poderes, e algo mais.
    Discuti com Abi alguns minutos, explicando toda a situação, mantendo sempre em segredo o porque de Brock estar ali. Eu estava prestes a contar sobre meu ChAngel, quando ele me lançou um olhar reprovador. Decidi manter essa informação apenas para mim.
    Depois de um longo e demorado discurso de desculpas, Brian e eu apertamos as mãos e, minutos depois, ele já estava falando em revanche durante os treinamentos. Ele não tinha receio pelo meu instinto haunter, e isso me deixava melhor, mais aceito.
    Mas eu ainda tinha um temor crescente, que inflava e enrijecia os meus nervos. As conseqüências da guerra. Não queria perder nada, mas era inevitável. Quantos morreriam? Quem morreria? Eu seria capaz de resistir ao meu instinto assassino e salvar o máximo de vidas? E se perdêssemos? As perguntas eram quase sólidas, tijolos formando uma imensa muralha. Eu precisava transpô-la, e sabia como seria difícil. Não importava como, nem que isso custasse minha vida. Nada seria mais gratificante do que perdê-la por amor aos meus amigos. Eu estava disposto a usar meu corpo como escudo humano, se fosse preciso. Desejei que Abi e Emilliene não estivessem nessa guerra. Eram tão frágeis, tão importantes! Eu precisaria me empenhar mais do que os outros. Afinal, eu tinha um pouco de inimigo em mim.
    Abi... A minha vida nova, diferente e drasticamente transformada, ficou mais suportável com a sua presença. A principio era como um apoio, uma linha que me ligava a minha natureza. Mas então ela se tornou algo mais. Ela passou a ocupar prioridades em minha vida, em vários aspectos. Será que era amor, ou um sentimento ainda não descrito? Talvez fosse o fato de ser a única garota Homúnculo. Ou talvez fosse o fato dela sorrir tão docemente e me olhar tão expressivamente como se pudesse falar com os olhos claros e verdadeiros. Esse sentimento me traria problemas. Talvez, um dia, pudéssemos ser algo mais. Mas, enquanto essa guerra estivesse a espreita, esperando para nos devorar, eu não queria ser mais do que um grande amigo e fiel protetor daquela vida fundamental.
    Mais tarde Sammael pediu minha ajuda, alegando ser essa a única forma de ajudar efetivamente. Ele queria que eu fizesse uma pequena busca, e encontrasse alguns aliados. Eu já sabia o que esperar dessa “missão”. 
   
Abigail Blair

    Um caos total! Achei que minha vida pacata como Homúnculo da jurisdição em Ford fosse me matar. Cidade pacata, gente desinteressante, principalmente quando se vive rodeada de gente sem limitações. Não que eu desprezasse humanos, mas aquele não era o meu lugar. Foi quando conheci o Matt. A partir daí, foi como se uma espécie de corrente ligasse fortemente a mim, Brian e Matt. Nos tornamos um trio bem irreverente. Mas estava bom assim.
    Quando Matthew chegou ao dormitório depois de ter a idéia idiota de buscar a chave sozinho, senti um imenso alívio. Não apenas por mim, mas por todos nós. Estávamos, realmente, preocupados. Ele sempre foi um grande amigo e, embora fosse cheio de altos e baixos, era impossível não gostar dessa montanha-russa Homúnculo.
    Agora Sammael Vance resolvera criar uma espécie de centro de treinamento intensivo, preparar um exército, lutar contra Alucates e Patriotas. Seria uma luta difícil, mas era impossível não se dedicar a isso quando se leva em conta as vidas em jogo. Não estava fazendo isso apenas por mim, mas pelos meus amigos.
    Brian ficou um bom tempo furioso com Matt, não pela briga em si, mas por ter sido nocauteado. Orgulhoso que só ele mesmo. Por sorte Camille foi irritante o suficiente para manter Brian distraído até a poeira baixar.
    Matthew permaneceu em meus pensamentos. Eu não entendo, como é possível gostar de alguém dessa forma? Precisar sentir o cheiro, o toque, o olhar ora preocupado, ora descontraído... Era inconfundível. Não imaginei que Homúnculos pudessem se apaixonar dessa forma. É, eu havia subestimado minha natureza.
    Nossa! Eu nem notei o tempo se passando! Meu coração ficava sempre apertado, se segurando nas lembranças, desejando desesperadamente não perder nada disso. Treinamos durante um longo período. Os inimigos, de repente, não eram mais vistos, Jericho não fava mais nenhum sinal de vida, as coisas pareciam calmas, embora soubéssemos que se tratava de um falso sentimento.
    Os Patriotas se mantiveram ás escondidas, e o sistema de segurança das Células estava muito melhor. Ficamos decepcionados e surpresos com a quantidade de Homúnculos que se voltaram contra a nossa missão original. Mas eu não os culpava. Muitos sofriam mais do que outros com essa “escravidão”. Tudo o que muitos deles queriam era se ver livres desse fardo de proteger humanos. Se fossem mortos, e suas auras aprisionadas em máscaras, os pilares poderiam ser restaurados, e, logo, Homúnculos não precisariam viver às escondidas, agindo como cães de guarda.
    Por outro lado, muitos estavam decididos. Sammael ficou contente com o senso de justiça de muitos Homúnculos, dispostos a lutar em prol da raça humana. Pode soar meio clichê, essa coisa de “salvem a humanidade”, “fim da raça humana”, mas o que fazer quando o clichê é um perigo real e tão próximo? Iríamos combater com unhas e dentes. Ao lado dos meus amigos, com certeza seria mais fácil.

Brian Renwick

    Ok. Acho que tenho que admitir. Abi e Matthew entraram em minha vida. Mais do que eu queria. Quando dei por mim, éramos amigos. Não estou acostumado a me preocupar com outras pessoas que não sejam minha própria família. Principalmente um Mestiço bizarro como Matt. Mas, às vezes, esses malditos laços de amizade nos prendem a essa fraternização diferente. Mas valeu a pena. Alguma coisa em mim se completou, como um quebra-cabeça antes incompleto. Eu só não podia deixar que soubessem como eu me sinto. Não faz bem pra minha reputação.
    Amigos, tudo bem, mas a atitude de Matthew naquele dia foi quase imperdoável. Como ele ousa? Se não fosse aquela coisa de Haunter, eu poderia acabar com ele, eu teria quebrado cada grama de osso mestiço nojento, e aquele rostinho feliz? Ah, estaria comendo terra... É, nos tornamos amigos novamente. Estava bem claro o quão diferente eu me tornei com a influência desses novos amigos. Normalmente eu seria, digamos, menos misericordioso. Mas deixei minha fúria passar. Estava esperando um momento propício para provar que eu era capaz de vencê-lo em uma luta “diplomática”.
    Minhas preocupações, no entanto, não eram apenas essas. Sabe qual é o grande problema em se fazer amigos? Um dia eles correm perigo e, involuntariamente, você sente a necessidade de protegê-los. É o maldito elo. Talvez Matthew pudesse se cuidar. Mas e enquanto a Abi, ou Charlie, ou Emilliene? É, aquela garotinha Vance tinha lá o seu estilo, e, confesso, que habilidade! Eu queria ser capaz de criar aquelas imagens do passado. Não que eu me sentisse um recalcado... Mas minha habilidade não era capaz de salvar ninguém, a não ser a mim mesmo. Eu não sou egoísta! Então eu tomei uma decisão importante. Iria usar o meu próprio sangue se fosse necessário. Eu não iria deixar nenhum amigo meu morrer na minha frente.
    Matthew veio com milhares de pedidos de desculpas. Eu odiava essa minha nova personalidade. Corações de manteiga costumam derreter em uma batalha, e isso custa vidas. Depois de conceder o perdão, decidi cultivar um pouco a minha impiedade, minha frieza. Eram as armas mais eficientes... Matt e Abi estavam tirando essas armas de mim. Eu estava me tornando um cara gentil. Não!
    Mais tarde, naquele mesmo dia, precisei me enfurecer com alguma coisa. Eu sei como pode parecer ignorante e sem propósito, mas eu estava confuso, perdendo minha essência. Acabei me envolvendo em uma briga com Dominique. Nós já não nos batíamos muito bem, mas naquele dia... Ah, eu fiz bonito! Ele saiu bem mais esfolado do que eu, e teria feito muito mais se não fosse a bondade de Charlie e aquela voz irritante de Camille, aquela Rubro asquerosa. Um dia eu ainda chuto aquele traseiro!
    Eu tenho um pouco de humanidade dentro de mim, sim. Mas não é algo que me torne mais forte. E tem outro problema? Por que Abi tem que ser tão... Não sei, incrível? Acho que estava gostando dela. Mas não era o que eu queria. Jamais fugiria da minha obrigação particular em protegê-la, salvar até o seu último fio de cabelo. Mas amar? Isso não. Minha vida não tinha espaço para um romance idiota. Sinto muito Abi, mas não iria ficar entre você e Matthew. Talvez eu me mate de ciúmes... Talvez eu o mate primeiro. Mas o fato é que não quero continuar com isso. Amigos, todos nós já somos. Mas eu vesti minha armadura de soldado quando descobri minha natureza. É isso que eu sou, um Homúnculo. Uma arma para importa a ordem e a paz. Nada mais do que isso.

_Hei! – Emi gritou, batendo a mão na mesa. Eu, Abi e Brian demos um salto de espanto – estou falando com vocês!
    _ O que... Ah! Emilliene! – eu chiei – qual o seu problema?
    Ela estava muito maior. Dois anos mudavam a fisionomia de uma criança.
    _ Tio Sammy está te chamando. Agora.
    _ Ah, claro. Vejo vocês por aí, pessoal.
    _ Tudo bem – sorriu Abi.
    _ Não demora, hein? – falou Brian – ainda temos muito o que fazer com aqueles guerreiros pernas-de-pau.
    _ Tudo bem – respondi com um sorriso sarcástico – não podem ser piores do que você.
    Ele retribuiu o sorriso desafiadoramente. Era a forma que encontramos de demonstrar essa amizade improvável.
   


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Notas finais do capítulo

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