A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 33
Um Plano Solitário de Uma Mente Suicida – Parte II




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Um Plano Solitário de Uma Mente Suicida – Parte II

    Eu não sabia onde eu estava mas, fosse qualquer lugar, com certeza era mais seguro do que estar na garganta da Algueora com um homúnculo espião a espreita. Estava apertado, as paredes carnosas eram viscosas e tinha uma textura horrível. Percebi que Algueoras não eram tão graciosas por dentro como do lado de fora. Eu parecia estar dentro de uma bolsa, ou algo do tipo.
    Minha audição continuou a mil, atenta a qualquer movimento. Ainda que as paredes do corpo de Faith parecessem quase intransponíveis, não era difícil ouvir os passos discretos de Estevan acima de mim. Ele parecia um pouco ansioso, com os passos inconstantes, ora rápidos, ora lentos demais. Eu, por outro lado, estava me saindo bem tentando esconder o nervosismo e o medo de ser descoberto.
    O buraco abaixo da língua era bem desconfortável, mas me mantinha vivo. Depois de uma viagem longa e estafante, senti a pressão aumentar aos poucos, meu estômago subiu com o impulso. Estávamos pousando em algum lugar. Fechei os olhos mais uma vez. Estava me concentrando em qualquer som, qualquer ruído, ignorando o fato de estar dentro de uma baleia voadora a mais de cinco horas.
    Havia o vento. Era cortante, um assobio agourento. O vento ricocheteava em algum lugar. A principio vi um deslumbre de luzes azuladas, mesmo estando com os olhos fechados. Esfreguei os olhos, assustado. Como era possível enxergar estando com os olhos fechados? Tentei mais uma vez. Apurei todos os sentidos. Um estalo no meu crânio me incomodou, mas não me limitei a ele. Deixei minha mente expandir. Os sons, o cheiro, tudo estava crescendo dentro de mim. De repente, de uma forma inexplicável, minhas terminações nervosas transmitiram um choque de baixa freqüência em todo o meu corpo. O que estava acontecendo? Eu estava eufórico, eu tinha uma vaga noção do que estava acontecendo. Toquei as paredes do interior da Algueora, fechei os olhos uma última vez e expandi meus sentidos.
    Foi como se um novo mundo se abrisse. Não era como um raio-x, mas era bem parecido. Eu podia ver o vento, literalmente, através do corpo da Algueora. Era um campo raso, deserto, com algumas árvores. Não era uma imagem nítida, real. Eu enxergava apenas silhuetas, traços azuis prateados, vestígios de aura que se incorporavam em corpos, árvores, e no próprio vento, me dando um sentido completamente novo, ilimitado à visão, olfato, tato, paladar ou audição. Na verdade, era uma combinação de tudo. Consegui visualizar a silhueta azulada de Estevan acima de mim. Era como um pano de fundo preto desenhado por uma tinta azul incandescente.
    Quando abri os olhos, as imagens completamente inusitadas sumiram, e minha visão natural voltou. Sorri, eufórico, mas tentando manter a calma. Nada parecia impossível para mim. Usei meu “sexto sentido” mais uma vez, e o novo mundo se abriu novamente. Os traços reinaram no meu campo de visão, tomando formas de árvores, linhas inconstantes, contornando corpos, pedras e outras formas que haviam no campo.
    Usando esse novo sentido, me virei para frente, na direção a favor do vôo da Algueora. Estávamos de frente a uma montanha coberta de árvores, rochas sedimentadas e outras formas difíceis de serem identificadas com a minha nova visão inconstante. Mas ainda assim eu sabia onde estava. A boca de Faith se abriu e Estevan saltou para fora, pousando levemente no chão. Uma poeira luminosa subiu quando seus pés bateram no chão gramado.
    Acompanhei Estevan, do lado de fora da criatura, caminhar até uma rocha solitária no meio do campo, exatamente a frente da enorme montanha. Ele parecia meio apreensivo, mas estava fazendo uma considerável força para ocultar. Eu subi até a parte superior da Algueora, ainda como os olhos fechados, visualizando a realidade com a minha nova habilidade. A boca de Faith ainda estava aberta. Aproveitei a distração de Estevan para saltar, corri para traz do animal e me esquivei do campo de visão de Estevan, me embrenhando nos arbustos mais distantes, o que não era mais nenhum empecilho para minha nova “visão”. A Algueora parecia agir com indiferença diante de minha presença. Eu comecei a sentir certa simpatia com o animal.
    _ Alô – a voz de Estevan ecoou.
    Ele coçou a cabeça, confuso. Imaginei que ele não tinha idéia de como chegar até Jericho Barclay. Éramos dois.
    Dei um “zoom” com o meu “sexto sentido”. Foi como se as linhas se aproximassem e tomassem formas mais nítidas. Era como se eu estivesse a menos de dois metros de um Estevan desenhado com traços azuis cintilantes. Percebi que, desde o momento em que descobrira esse poder, um sorriso enorme permanecia estampado em meu rosto. “Foco, Matthew”, pensei comigo mesmo “Concentre-se no que veio fazer”.
    Estevan ficou imóvel por um longo período. Finalmente, um movimento nada convencional chamou a minha atenção. A pedra estremeceu. Estevan se afastou, também surpreso. A pedra começou a sofrer várias rachaduras, torrões de terra caindo. Uma estremecida definitiva e não havia nenhuma rocha, apenas um amontoado de pedregulhos. Estevan manteve distância, encarando a cena com certa desconfiança.
    As pedras se moveram para os lados, formando um círculo perfeito em volta de Estevan. Alguma coisa começou a sair do buraco onde estava a pedra. Era um homem.
    Tinha pouco mais de vinte anos, os cabelos castanhos claros, os olhos azuis e um rosto arredondado davam a ele uma expressão divertida, parecia quase inofensivo, se não fosse os músculos exageradamente definidos.
    _ Oi, Anthony – cumprimentou Estevan.
    _ Fiquei sabendo de sua, hã, promoção – ele disse, sorrindo ironicamente. Sua habilidade te dá algumas vantagens.
    _ Você sabe que isso não funciona com Barclay. – ele disse prontamente – vim trazer uma informação importante.
    _ Ah, claro – ele deu de ombros – entre.
    Anthony afastou-se do buraco, dando espaço para Estevan. Ele saltou, desaparecendo do meu campo de visão. Anthony mirou as pedras com um olhar sinistro. O amontoado de pedras começou a rastejar em sua direção, como se fossem puxados por cabos invisíveis. Como eu iria entrar?
    Anthony saltou para dentro do buraco, deixando as pedras se arrastarem e formar a rocha novamente. Eu fui rápido. Corri até o rochedo em formação, Procurando algo que pudesse me dar passagem, mas a rocha já estava quase formada. Ia ser difícil. Ainda do lado de fora, usei meu “sexto sentido” e visualizei o buraco. Segui, com a minha nova habilidade, um túnel subterrâneo que dava até a montanha, Estevan e Anthony caminhando lado a lado, conversando animadamente. Abri os olhos e a visão voltou. Eu não sabia como entrar. Mas eu não iria ficar ali esperando.
    Com as mãos estendidas, acumulei uma pequena energia na ponta dos dedos, formando uma esfera de luz. Eu estava aprendendo como lidar com essa habilidade Alucate. Assim que reuni energia o suficiente, repeli a esfera em minhas mãos na direção da pedra. Saltei para traz caso o impacto fosse grande.
    A energia explodiu a esfera em vários pedaços graúdos, que voaram para todos os lados. Eu não sabia se seria descoberto com isso. Mas eu tinha uma certeza: Jericho Barclay estava ali e eu precisava da chave a todo custo.
    Assim que a pedra deu espaço a um enorme buraco, eu saltei. Mas não fui rápido. Algo maciço e cinzento me acertou na boca do estômago e me jogou a uns cinco metros de distância do buraco. Levantei, atordoado, e vi o que me atacara. Os fragmentos da rocha estavam pairando no ar em uma sincronia perfeita, girando violentamente em volta do buraco. A julgar pela dor no estômago, não era uma pedra comum.
    Esfreguei a barriga freneticamente, enquanto as pedras tomavam a forma de rocha outra vez. Acumulando mais energia, acertei o rochedo outra vez, que explodiu em pedaços ainda menores. Então eu corri. Usei a velocidade sobre-humana de sempre. Mas não funcionou. As pedras pareciam voar com a mesma agilidade. Fui atingido por vários pedaços, me acertando como se fossem munições de um fuzil.
    Fui arremessado a uns cinco, talvez mais, metros de distância. Assim que levantei, senti o gosto de sangue na boca. As pedras minúsculas haviam me perfurado como se fosse bala de revolver em um humano normal. Assim que a rocha voltou a se formar, os pedaços saíram das minhas feridas fundas e tomaram seus lugares na rocha-guardiã-do-mal. Era um nome apropriado.
    Sentei-me no chão, ofegante, deixando os ferimentos se reconstituírem. Definitivamente, não era uma rocha comum. Tentei o óbvio, levanta-la. Mas parecia ter uns milhões de quilos. Nem mesmo minha força Homúnculo era capaz de erguer aquela pedra. A frustração me dominou. Eu sei o quão estúpido estava sendo tentando invadir o lugar sozinho, mas eu tinha uma chance de conseguir. Bem, não mais com aquela pedra. Fiquei me perguntando por que não tínhamos uma proteção daquelas na Célula de Sonora. Ah, claro. É comum até no Submundo: criminosos sempre estão a frente dos mocinhos.
    Precisei bolar uma nova tática, e não foi difícil pensar em algo. Se aquela pedra podia lançar vários ataques simultâneos, eu também podia. Mais uma vez, acumulei energia nas mãos, e disparei contra o rochedo. Ele se fragmentou em pedaços relativamente grandes, do tamanho de um punho fechado. Assim ficava muito mais fácil visualizá-lo e, também, eu reduzia a quantidade de munições. Disparei com velocidade na direção do buraco. Umas oito pedras menores vieram em minha direção. Acumulei energia nas mãos e disparei, simultaneamente, oito esferas de aura, derrubando o ataque adversário. Uma pedra maior voou em minha direção. Eu saltei, bati as palmas da mão em cima, dela, pulei por cima dela e, assim que visualizei outras cinco pedras em minha direção, usei minha energia de uma forma inovadora. Reuni minha aura em volta de todo o meu corpo e, estendendo os braços, uma enorme onda de luz atingiu tudo a um raio de seis metros. Nenhuma pedra maligna conseguiu me tocar, conseguiu saltar para dentro do buraco e cair dentro do túnel.
    Caí sentado, ofegando, sentindo meu corpo trêmulo e exausto. Tinha gastado muita aura no último ataque. Era quase como se eu sentisse a vida escapando dos meus dedos. Meus olhos pesaram, cansados, e acabei adormecendo.

    Quando, finalmente, abri os olhos, estava completamente escuro. Levei alguns segundos para me dar conta de onde estava. O corredor subterrâneo era frio e escuro, mas meu corpo se adaptou, aquecendo-se, e meus olhos se acostumaram, e logo eu estava vendo tudo em cores reais. A pedra, bem acima de mim, estava imóvel, sua aparência pacata sempre a enganar os invasores. Eu ri sozinho, sentindo-me orgulhoso. As proteções deles não eram tão intransponíveis quanto pensei que fosse.
    Levantei-me, sentindo o corpo energizado, como Louise havia dito. Diferente te todo o tipo de criatura do Submundo, eu era o único capaz de restaurar minha aura. Fiquei feliz por não ter trazido ninguém. Não sabia se poderia ter passado com algum dos meus amigos aos meus calcanhares. Para um garoto de dezessete anos que acabara de conhecer o Submundo, aquilo parecia muito fácil. Mas eu estava com minha sensitividade a mil, esperando qualquer sinal. Estava fácil demais. Imaginei como se fosse uma espécie de “sentido-aranha”, e ri da piada particular.
    _ Peter Parker – murmurei baixo em meio ao riso contido.
    Caminhei, cauteloso, analisando qualquer traço suspeito, arranhões na parede, buracos, piso, tudo o que pudesse gritar “armadilha”. Mas não parecia haver nada. Talvez os Patriotas fossem orgulhosos demais para aceitar que alguém poderia passar pela Pedra Assassina. Bem, eu havia conseguido.
    Um passo a frente do outro. Foi assim que caminhei durante quase uma hora dentro de um túnel, me sentindo cada vez mais apreensivo e receoso. Não sabia o que esperar, estava em território inimigo, e comecei a me perguntar se eu estava louco. Talvez fosse apenas loucura mesmo. E eu iria acabar morrendo por causa dela.
    Finalmente, depois da caminhada, cheguei até um buraco enorme em uma parede rebocada com barro e alguma coisa viscosa preta. Parecia petróleo. Não havia portas, nem mesmo uma campainha. Comecei a me convencer de que a rocha era a única proteção deles. Apurei minha audição, que não tardou a ouvir passos muito próximos.
    Lembrei-me da entrada da Célula de Sonora, uma primeira sala antes de entrar nos domínios do Submundo. Foi aonde cheguei. Uma sala mal iluminada, no fim do corredor, onde havia uma outra porta, enorme, de madeira. Minha habilidade ia me dar uma boa vantagem. Fechei os olhos novamente e deixei meus sentidos vagarem novamente e projetarem imagens alternativas do que havia do outro lado. Era uma outra sala gigantesca. Havia ruídos estranhos, sons estridentes de correntes se chocando contra a parede, uivos e guinchos estranhos. Minha visão não era perfeita pois não podia me passar a idéia exata do que havia, mas a silhueta que eu via eram monstruosa. Várias, gigantescas, presas a fios que pareciam correntes. Alguns se pareciam com a quimera que eu matara em Ford.
    _ Droga... – murmurei.
    Não seria fácil passar por aquelas coisas. Eram grandes e monstruosas. Eu estava prestes a arriscar um ataque, quando uma mão segurou o meu ombro, firme e autoritário.
    _ Não faça isso – a voz era conhecida.
    Olhei para traz, e lá estava Estevan. Num movimento rápido e pouco pensado, alcancei o pescoço de Estevan.
    _ Seu traidor! – eu murmurei.
    Ele arregalou os olhos, não esperava minha ação rápida. Ele não era tão forte quanto eu, supus, quando ele segurou meu braço, mas não conseguiu me mover. Eu o lancei contra a parede, e, por sorte, a superfície terrosa abafou o som.
    _ Miserável – eu guinchei, furioso.
    _ Não seja idiota, pivete! – ele gritou em minha direção.
    Mas não o deixei agir por muito tempo. Antes que ele se levantasse, eu o havia imobilizado. Segurei sua cabeça com as duas mãos e, com um golpe único, como fizera com Brian, joguei-o corredor adentro. Ele afundou na terra, o impacto o deixou inconsciente.
    _ Ótimo... – eu murmurei – vai ser uma questão de tempo até me descobrirem.
    Quando ele acordasse, com certeza iria me dedurar, mas eu não estava disposto a matar. Não ainda. Deixei-o pregado na parede e voltei minha atenção à porta. Estevan ainda estava respirando, eu pude perceber, e fiquei aliviado de não tê-lo matado.
    A respiração das quimeras era pesada, eram capazes até de bloquear parcialmente minha audição sobre-humana. Com as mãos na porta, ainda hesitante, movi-a para frente. Se algo ruim fosse acontecer, eu iria saber, tinha meu “sensor-aranha”. A porta se abriu por completo. A sala estava escura, mas as criaturas ouviram meu movimento e suas cabeças, cabeçorras e cabecinhas se viraram em minha direção. Esperei o primeiro ataque. Ele não veio.
    Eu era o único ali capaz de enxergar no escuro, as quimeras sabiam que havia alguém, mas não sabiam onde. Estavam confusas. Analisei uma por uma, para avaliar o nível de perigo de cada uma.
    A mais próxima a mim parecia um cão gigantesco, exceto pelas patas, que pareciam cascos de cavalo. A mandíbula era grande e viscosa, e os olhos miúdos e acinzentados fixavam um ponto único na parede, mas seu nariz se dilatava e contraía freneticamente. Estava me captando pelo cheiro. Não estava tendo sucesso.
    Ao lado do cão bizarro, havia uma quimera que me assustava mais do que qualquer outra. Uma garotinha. Magra, pouco maior que Emilliene, os cabelos louros acinzentados compridos até a cintura, olhos azuis vagos e um rostinho de anjo. Exceto por uma coisa. Os dentes não eram humanos. Definitivamente. Seu queixo estava distorcido, alargado por dentes quadrados e graúdos, uma mandíbula que esticava seus lábios de forma espantosa. Ela sorriu. Um sorriso de cavalo. A única coisa capaz de comprovar que não era uma humana. Seu pescoço, mãos e pernas estavam presos a correntes grossas e resistentes. De repente, ela me pareceu a mais perigosa, com aquele sorrisinho macabro.
    As outras quimeras eram inteiramente animais, híbridas de cavalos com ursos, leões com peixes-boi. Um deles parecia um Aurupo combinado com o que parecia ser um polvo. Passei por eles, sem nem me notarem. Eu estava invisível pra eles.
    Caminhei até o fim da sala. Saí em um corredor longo. Estava ficando impaciente. Corri o mais que pude, até chegar a uma porta iluminada, entreaberta. Passei por ela sem me importar com o que viria. Se fosse perigoso, bem, eu saberia. Mas não era.
    O lugar era uma enorme caverna, o teto distava bem uns vinte metros entre o chão. Mesas redondas, quadradas, de ferro ou madeira, armários velhos, pratos e talheres no chão. Parecia mais uma espécie de abrigo para sem tetos. Embora, é claro, as pessoas que transitavam por ali não pareciam mendigas. Usavam túnicas vermelhas ou pretas, botas longas, calças de couro ou de cetim pretas, uma grife do Submundo.
    Os Homúnculos me encaravam com indiferença, como se fosse perfeitamente normal eu estar ali. Uma mão me segurou pelo ombro, e me virei, pronto para a luta.
    _ Hei, moleque – era um homem completamente estranho. Careca, os olhos muito negros e um piercing gigantesco no queixo e outro menor na sobrancelha – sabe que a sala das quimeras é proibida para pivetes, certo?
    _ Ah... – eu gaguejei. Ele não parecia querer me matar – foi mal...
    _ Não peça desculpas. Apenas se afaste de lá. Não queremos diminuir nosso exército.
    Dizendo isso, ele se afastou. Achei que a barra estava limpa mas, ele parou abruptamente. Virou-se para mim outra vez, com olhar inquisidor.
    _ Qual o seu nome? – ele perguntou.
    Eu tinha que ser rápido.
    _ Edmund Davis – respondi. Quem diria que o imbecil do meu arquiinimigo do colegial viria a ser útil.
    _ O seu nome de verdade, garoto – ele disse, impaciente.
    Ah, claro.
    _ Edmund... Vance – arrisquei.
    Ele sorriu.
    _ Seja bem-vindo, Vance. Sua família é a mais fiel à nossa raça do que qualquer outra.
    Ele me deu as costas e se afastou. Eu não tinha tempo para questionamentos. Precisava encontrar Barclay e pegar a chave o quanto antes.
    Agi com bastante discrição, sem encarar ninguém nos olhos. Haviam várias portas, escadas, e um amontoado de gente desocupada. Parei por um minuto, analisando minhas chances. Comecei a ouvir meu coração, e vários outros que batiam a minha volta. Minha respiração era a mais ofegante. Uma onda de pânico acabou me atingindo. O que, diabos, eu tinha na cabeça quando resolvi fazer isso sozinho? Eu devia estar querendo morrer mesmo! Mas eu não tinha escolhas. O sonho da noite anterior tinha sido muito revelador, e estava mais do que claro que a chave... Ora, era a chave! Minhas terminações nervosas me eletrizaram com uma carga um pouco maior que o normal. Era como se minhas emoções, o nervosismo, todo o meu corpo, estivesse tentando, não sei bem, se acostumar com aquela pressão. De repente, tudo o que eu conseguia sentir era medo, pânico, mas uma forte curiosidade e ansiedade, como se tudo isso fosse parte natural de mim. Meu corpo estava se adaptando à situação. Essa era uma boa habilidade, eu conseguia pensar claramente agora, mesmo diante de tanta adrenalina.
    Fechei os olhos, mais uma vez, ouvindo apenas as palpitações do meu coração. Deixei, novamente, meus sentidos se ampliarem, e o novo mundo se abriu novamente em meu “sexto sentido”. Eu via tudo a um raio de, não sei, talvez oitocentos metros. Portas, escadas, salas, tudo parecia transparente, desenhando em azul num quadro negro. A pessoas se movimentavam a minha volta, suas vozes rápidas e discretas eram facilmente captadas pelos meus tímpanos. Então uma voz me chamou a atenção.
    _ Estevan já deveria estar aqui – era Jericho. Mesmo com a fúria crescente em meus músculos e nervos, consegui manter a calma e me concentrar apenas na sala onde ele estava.
    Acabei captando. Jericho Barclay estava em um quarto dois andares acima, bastava passar por um corredor estreito, uma porta de um salão que parecia uma sala de jantar e, subindo as escadas, estaria frente a frente com ele. Mas não fiz o movimento de imediato, ouvi claramente o que ele estava falando, e com quem.
    _ Eu sei, mas tenha paciência – era uma voz completamente nova. Nunca havia ouvido nada parecido – Estevan é um Mestiço, mas tem descendência Vance, um dos poucos Mestiços meio-Vance. confio inteiramente na lealdade dos Vance.
    _ Ele não estaria usando a habilidade dele no senhor? – perguntou Jericho.
    _ Tenho total confiança nele, Jericho – disse a voz masculina em tom de repreensão – ele não usou em você, usou, minha criança?
    _ O senhor sabe que isso não funciona em mim, papah – ele disse, em tom quase de submissão.
    _ Eu sei – o homem deu uma gargalhada maliciosa – é por isso que te amo tanto.
    _ Obrigado – havia um tom de satisfação em sua resposta.
    Então Jericho era subordinado de outra pessoa, alguém que eu não conhecia, dono de uma voz macabra e o gênio tranquilo e ameno. Eram as características idéias para alguém que buscava o fim do mundo. Embora eles pretendessem deixar intacto o Submundo.
    _ Hei... – ouvi a voz de Jericho oscilar – tem alguma coisa... Tem algo errado.
    _ O que foi, minha criança?
    _ Alguém... – consegui ver a silhueta de Jericho se virar. Ele parecia estar olhando para baixo, exatamente... Na minha direção – Tem alguém nos ouvindo... E nos vendo! Papah, Matthew Vance está aqui!


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