A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 28
Corrida contra o tempo: um antiqüíssimo amigo




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Corrida contra o tempo: um antiqüíssimo amigo

    _ Tem muito mais – disse Angeline, enquanto tentava acompanhar os nossos passos apressados em direção à torre. Paramos junto a escada, esperando Sammael aparecer com a chave, contar a ele e tentarmos detê-lo.
    _ Não temos tempo, Angeline – falou Brian.
    _ Não me diga que não tem tempo. Eu sou o Oráculo – ela disse – posso ter apenas quinze anos, ser cega em um corpo de garota. Mas, acredite posso derrubá-lo, e você nem vai ver de onde veio o soco.
    Brian encarou-a e, dessa vez, decidiu ficar calado. Provavelmente Oráculos guardavam poderes que eu desconhecia.
    _ O que mais importante pode haver, Angeline? – eu perguntei.
    _ Se Sammael descobrir o que eu fiz, minha profecia cairá em descrédito. Veja bem, eu usei um coração petrificado porque sou muito jovem e, bem, ainda estou cega. Isso sempre interfere na interpretação da profecia.
    _ Então... Você pode estar errada? – perguntou Abi.
    _ Pode ser que sim, mas pode ser que não. Por isso eu mostrei ao Matthew. ele é sensitivo. Matthew, você pode nos responder.
    _ Eu?
    _ Claro. Use sua sensitividade.
    _ Como eu faço isso? Quer dizer, não tem um botão de liga e desliga, acontece, as vezes não.
    _ Pense um pouco. – pediu Angeline – se eu estiver certa, tudo mudou.
    _ Até quando? – perguntou Brian.
    _ Eu tenho essas imagens, e essas vozes me dizendo. Jericho não era para ser o inimigo, e sim Matthew.
    _ O que? – eu retorqui – eu não admito...
    _ É a verdade, Matthew – ela disse – eu vi. Ouça bem com atenção, até que você possa me dizer o que pensa a respeito. Quando eu estava no meu devaneio, eu vi você. Você foi abordado por Alucates na sua floresta, eles pediram a chave, te prometeram poder, você ficou curioso. Não parecia nada de mais a princípio. Mas a curiosidade se tornou ganância, e você foi consumido. Enquanto isso, Jericho vivia em um outro lugar, longe de todos, entre os humanos, até ser encontrado por Sammael.
    _ E o que mudou? – perguntou Brian.
    _ Você. Você e Abi. Quando entraram na vida de Matthew, vocês o salvaram desse destino. Vocês explicaram tudo o que ele precisava saber, assim ele poderia saber qual o lado certo, escolher um deles e ceder à proposta. Mas, antes disso, Jericho já estava do lado de um Alucate. Eu não sei qual, Alucates quase nunca são descritos em profecias, é como se eles possuíssem um bloqueio especial, como se fossem imunes ao rastreamento da linha do tempo.
    _ Então... Matthew poderia ter sido o cara mau... E Jericho o cara do bem? – perguntou Abi, atônita – mas Matt...
    _ Está seguro agora. É confiável, porque vocês o ajudaram a se colocar no lugar, a conhecer a própria natureza. Quando se vive em segredos, fica muito fácil partilhar dos mesmos sentimentos de alguém diferente como você. Matthew encontrou isso em vocês primeiro.
    _ Então nó o salvamos. Genial! – Brian sorriu, vitorioso – ouviu essa, Matthew... Você nos deve...
    _ Ela está certa, eu disse, enfim – eu não sei como. Você está certa, Angeline. De alguma forma eu sei que está.
    _ Isso é a sua sensitividade – falou Angeline, aliviada – significa que minha profecia, embora prematura, é certeira.
    _ Não, mas tem algo que não está completamente certo – eu disse – eu não sei, me sinto como se estivéssemos esquecendo alguma coisa. Angeline, o que estamos nos esquecendo? Alguma coisa passou batido.
    _ Eu não sei – Angeline mordeu os lábios – mas, seja o que for, precisamos impedir que Jericho Barclay pegue a chave.
    _ Eu posso fazê-lo – eu disse – eu e Charlie. Certo, Charlie?
    _ Eu posso apagar a mente de Jericho – falou Charlie – fazê-lo se esquecer do dia em que conheceu os Alucate.
    _ Acha possível? – perguntou Angeline.
    _ Pode funcionar – eu disse, esperançoso – precisamos tentar.
    _ Vamos falar com ele.
    _ Tenham cuidado com ele – pediu Angeline – Jericho Barclay é um homúnculo livre do compromisso de proteger o mundo. Por ser um inocente, o poder dele é muito forte. 
    Corremos escada acima, deixando Angeline pra traz. Eu não a queria metida na confusão, eu não me sentia bem envolvendo uma garota cega, mesmo ela sendo forte e tão capacitada quanto qualquer um, ou até mais. O fato dela saber por onde andava, ou onde me encontrar, me assustava.
    _ Ele deve estar dormindo – falou Brian – Charlie, eu e Matt seguramos o cara, e você apaga ele. Abi, você fica preparada, caso o plano saia de forma inesperada.
    _ Ok.
    A escada parecia crescer a cada segundo, como se nenhum dos nossos passos fossem efetivos. Estávamos muito ansiosos, e estava demorando muito. Finalmente, depois do que pareceu séculos, conseguimos alcançar o andar dos Estranhos.
    _ Eu entro primeiro – falou Abi.
    Ela fez o que sabia muito bem. Seu corpo encolheu até tomar a forma de uma cobra coral, habilidosa e sutil, quase imperceptível.
    _ Boa sorte – murmurei para o animal que rastejou por baixo da porta.
    Esperamos alguns segundos e nada. Eu estava ficando preocupado, quando, de repente, uma sensação terrível me engolfou. Era dolorido, fedia e tinha um gosto de cobre. Era sangue. Era morte. O cheiro veio seguido de um BUM que estremeceu a porta.
    Sem pensar duas vezes, meti o pé na porta e me precipitei pra dentro do salão. A cena não era agradável. Nenhum pouco. Olhei para a parede onde Abi estava encostada, sua boca sangrava e parecia desacordada. Ao lado dela, Dominique tentava protegê-la de alguma coisa. eram luzes vermelhas, incandescentes. Eram auras materializadas. Dominique estava usando suas asas para proteger Abi dos golpes, mas isso lhe custou feridas dolorosas na plumagem manchada do próprio sangue.
    No chão, os gêmeos Ethan e Ephraim estavam ensangüentados, com vários cortes e ferimentos graves. Uma enorme poça de sangue inundava o chão. Amanda estava debruçada embaixo da mesa, segurando o braço fraturado, com o osso exposto. Não consegui encontrar Archibald e Kristin.
    Lá estava ele, Jericho Barclay, ele chegou ali conquistando a todos e, agora, estavam todos feridos. Jericho tinha uma coisa na mão. Quando foi que Sammael entregou a chave pra ele? O bocal estava preso ao seu pulso, com a corrente do colar enrolada algumas vezes.
    _ Ah, oi Matthew – Jericho sorriu radiante ao me ver – Sammael disse que você estava a caminho.
    _ Ah, droga, nos esquecemos! – falou Brian – Sammael é um teleportador.
    Corremos até Abi, ainda desacordada, mas ela parecia bem. Brian permaneceu em posição de ataque, esperando qualquer movimento ofensivo de Barclay.
    _ Ora, pessoal, vocês não podem me culpar por essa chacina – ele falou, rindo – se eles fossem mais fortes, poderiam ter me segurado. Mas são tão moles!
    _ Brian – eu sibilei – fique com eles. Eu vou tirar essa chave agora, na marra.
    _ Você pode tentar, não pode? – Barclay falou – é claro que, no fim das contas, eu posso te machucar... Ou até te matar, como eu fiz com aquela garota.
    _ Garota... – Dominique virou-se pra ele.
    _ Ah, ela está no buraco dela, aquilo que vocês chamam de quarto. Acho que acabei decepando a cabeça dela... A Blair, sabem? Acho que é Cristine... Cristie, alguma coisa assim.
    _ Kristin! – gritou Dominique.
    As coisas estavam fugindo do controle, e não havia ninguém que pudesse nos ajudar. Se Jericho tinha feito tudo àquilo com tantos Homúnculos, as minhas chances lutando sozinhas não eram boas.
    _ Por que está fazendo isso? – Charlie perguntou – você não devia...
    _ Eu estou lutando por algo maior – ele disse – mas vocês simplesmente não percebem. Estou tentando tornar a droga desse mundo um lugar digno para nós, Homúnculos. Tem um monte de humanos mesquinhos lá fora, eu vivi nesse mundo por muito tempo, ele é patético. Não é certo vivermos para lutar a favor deles.
    _ Não determinamos isso – eu disse – apenas fazemos o que é preciso. E eu preciso pegar a chave de volta.
    _ Tente.
    Então eu precisava tentar. Bem, seria uma longa luta. E eu temia não voltar vivo dela, mas eu precisava me esforçar e afastar o perigo dos meus amigos. Logo eles saberiam que eu não estava errado.
    Num impulso selvagem eu me lancei contra o meu inimigo, as mãos estendidas como se pudesse agarrá-lo, mas ele era rápido. Conseguiu desviar e, segurando o meu braço, me atirou contra a parede. A estrutura estremeceu e, com o impacto, um enorme buraco brotou na parede.
    _ Você não pode continuar com isso, Vance – falou ele – fique do lado certo. Nós somos iguais. Diferentes do resto deles.
    _ Eu não sou igual a você – eu chiei – eu nunca mataria uma pessoa.
    _ Mas está disposto a me matar, certo? – ele riu.
    _ Você não é uma pessoa – eu me levantei, ainda sentindo a dor do impacto em meus ombros – você é um monstro.
    Investi em um outro ataque, dessa vez mais rápido. Ali nossos poderes eram limitados, mas Jericho parecia não ser afetado por nada disso. Consegui alcançá-lo e segurar em seu pescoço, mas era como segurar uma barra de ferro. Ele segurou o meu pulso e, num giro rápido e frio, ele me atirou outra vez contra a parede.
    Eu me sentei no chão, guinchando de dor. Meu pulso estava deslocado, minha mão estava suspensa, presa apenas à minha pele. Levaria um tempo para reconstituir, enquanto isso Jericho poderia fugir.
    _ Eu gostaria de ficar para matá-los – ele disse – mas vocês são apenas vermes.
    Então Charlie fez a maior besteira. Saltou sobre Jericho, provavelmente ela acreditou que poderia mudar as lembranças daquele monstro. Imbecil! Ela não era forte o suficiente, era doce e gentil demais para enfrentar alguém como ele. Barclay foi muito mais rápido. Seu punho fechado atravessou o estômago dela, transpassando-a. A mão reapareceu nas suas costas, abrindo um enorme buraco em suas vísceras. Ele a jogou no chão, com um enorme buraco na barriga, sangrando impiedosamente.
    Jericho correu para a janela. Tentei impedi-lo, mas ele usou sua aura e me repeliu com uma luz vermelha, que queimou o meu corpo. Caí no chão, deixando Jericho sumir de vista na noite nebulosa. Quando caí no chão, olhando para a minha mão, percebi que ela não estava mais ali. Tinha sido incinerada.

    A noite foi se intensificando, até que a lua se tornasse nitidamente visível. Estávamos todos feridos, ninguém tinha ouvido o confronto bem ali, não haviam sentindo o impacto. Passara-se mais de três horas desde o desaparecimento de Jericho Barclay.
    Abi estava acordada e ativa, tentando ajudar o máximo de pessoas possíveis. Louise fora chamada para ajudar, curando as feridas mais graves. Os Gêmeos estavam bem, Amanda já tinha se recuperado da fratura exposta e Archibald estava passando por um processo delicado, enquanto Louise tentava colocar de volta o nariz e o braço direito do rapaz. Eu estava sentado no chão, Charlie tentava me acalmar, mas eu não conseguia. Por algum motivo, minha habilidade era surpreendentemente misteriosa, até pra mim. Ossos brotavam da minha carne viva. Minha mão estava sendo reconstituída.
    _ Isso é impossível – falou Brian – Homúnculos não podem repor partes do corpo. Quer dizer, eu posso, mas é uma habilidade. Como você...?
    _ Não me pergunte – eu disse – e Kristin?
    Brian olhou para Abi, no fim do salão, que tentava enxugar o sangue de Ethan com uma toalha úmida.
    _ Acho que ela... Está mesmo morta – falou Brian – Louise tentou ajuda-la. A cabeça estava deformada. Acho que ele usou aquele poder nela. Louise reconstituiu o rosto dela, mas se o cérebro foi destruído, ela não pode voltar. Louise cura, mas não pode devolver a vida.
    Eu senti uma fisgada no peito. Eu estive tão preocupado com minha própria situação, temendo ser taxado como o inimigo da profecia, que nem me dei conta do perigo que cercava meus amigos.
    _ Charlie está melhor? – perguntei.
    _ Ela ainda está cuspindo muito sangue, mas é normal – ele respondeu – todos estão bem, Matthew. Concentre-se em sua mão, isso a faz recuperar mais rápido. Pelo menos é assim que funciona comigo.
    _ Valeu.
    Como eu poderia me concentrar na minha mão estúpida enquanto o chão era coberto de sangue dos meus amigos? Um deles estava morto, e eu sabia como iria afetar a todos. Jericho estava com a chave e, logo estaria com a máscara. E ainda não tínhamos encontrado a pessoa da profecia destinada a vencê-lo.
    _ Como ninguém nos ouviu? – eu disse, irritado – a luta foi tão barulhenta.
    _ Não foi luta, Matthew. foi massacre. Ele é mais forte do que nós juntos – falou Brian – de qualquer forma, acho que as paredes devem ser a prova de som. As janelas abertas, ainda por cima, não ajudam em nada.
    _ Precisamos alcançar Jericho – eu falei em tom de urgência – vamos falar com Sammael.
    _ Agora ele vai acreditar em nós – falou Abi de longe, enquanto enrolava a toalha no braço de Ethan – ele vai ter que acreditar.
    Não deu outra. Sammael, Claus e tio Bradley precipitaram-se pela porta, aos tropeços, em completo desespero. Logo atrás vinha Angeline, lívida.
    _ Onde está Jericho? – falou Sammael, furioso – vocês não podem acreditar numa baboseira tamanha como essa prof...
    Ele se calou, pasmo. A cena era perturbadora para qualquer um que olhasse. Muitos feridos, muito sangue, minha mão em carne viva, um caos completo. Sammael queria dizer alguma coisa, mas as palavras simplesmente fugiram. Estava muito claro que o discurso que ele preparara enquanto subia as escadas, não fazia nenhum sentido.
    _ Ele... Fez isso? – murmurou Sammael.
    _ Ele está com a chave – eu respondi, me levantando, ainda sentindo uma terrível dor na mão em formação – ele nos derrubou e simplesmente sumiu.
    _ Não pode...
    _ Pode sim! – eu chiei – o que é tão difícil acreditar? A profecia mudou!
    _ Matthew, sua mão! – meu tio veio até mim, preocupado – céus, o que...
    _ Ela foi desintegrada – falou Brian – mas está nascendo. É impressionante.
    _ Como... Como é possível?
    _ Não me pergunte – eu respondi – apenas cresceu. Veja, tenho dedos outra vez.
    _ Precisamos encontrar – falou Abi – o outro Homúnculo com a marca da Lua. Não sei como mas, de alguma forma, existem dois.
    _ Eu sei – falou Sammael – eu vi na mente de Angeline White. Existem dois. Mas estava muito vago.
    _ Tem alguma coisa faltando – eu completei – eu não sei por que, mas tem. É minha sensitividade – eu respondi ao olhar inquisidor do meu tio.
    _ Com certeza ele está indo para a Sala Octogonal – falou meu tio – ele vai pegar a máscara.
    _ E onde fica a Sala Octogonal? – eu perguntei – vocês, pelo menos, sabem onde fica?
    _ Não – Sammael confessou – mas tem um jeito de saber. Só existe um lugar com essa informação.
    _ Onde seria?
    _ Na Masmorra – falou Sammael – o portão dos Aurupos.
   
    Não perdemos tempo. Apenas eu, Sammael e tio Bradley descemos até o portão, enquanto os outros ajudavam os feridos. Enrolei minha mão em uma camisa velha, esperando regenerar por completo.
    Os aurupos estavam protegendo a porta, completamente alertas, seus olhos rubi vigiando cada passo. A nossa aproximação foi o suficiente para deixá-los ensandecidos. Sammael adiantou-se, decidido, encarando as criaturas com um olhar penetrante. As feras ganiram baixo, encolheram suas orelhas pontudas e encolheram no canto da parede.
    _ O que você fez? – eu perguntei.
    _ Deixou-as em transe – falou meu tio – Sammael tem habilidades psíquicas e, com isso, ele ganha algumas habilidades extra... Assim como você.
    _ O que eu posso dizer? Somos aberrações – riu Sammael.
    Pela primeira vez eu notei uma vaga semelhança entre ele e meu avô, embora fosse muito discreta.
    _ Não temos tempo para pegar a chave – falou Sammael – Matthew, pode abrir a porta?
    _ Como?
    _ Com sua habilidade Alucate – ele falou.
    Ah, claro. Como da primeira vez. Com certeza funcionaria.
    Ergui minha mão saudável e, concentrando mais do que o normal, consegui produzir uma pequena luz brilhante, azul e muito intensa, que cresceu aos poucos até tomar a forma de uma bola de boliche.
    _ Se afastem – eu pedi, tentando segurar a energia entre os dedos – não sei se posso controlá-la.
    Sammael e meu tio se afastaram o suficiente. Eles seguraram os Aurupos pela corrente e os afastaram do alvo. Abri as mãos por completo e, com um empurrão no ar, lancei a bola de luz em direção à porta. O impacto explodiu a porta em vários e minúsculos pedaços de metal, prata e ouro, uma chuva de luzes no corredor, os Aurupos uivaram e ganiram com o ruído ensurdecedor.
    _ Shhh... – fez Sammael, tentando acalmar os animais.
    Impressionante como ele tinha controle sobre os animais, tão furiosos e enfurecidos.
    _ Vamos entrar. – falou Brad.
    Estava tão escuro que mal se podia ver. deixei meus olhos se acostumarem com o breu total e, como mágica, comecei a enxergar cada centímetro do lugar. Um corredor muito amplo, cheio de quadros com rostos desconhecidos, mas ao mesmo tempo tão familiares, lustres de prata, tijolos escuros e uma aparência bastante fúnebre.
    _ Que legal – eu murmurei.
    _ Espere ver com as luzes acesas, Matt – caçoou meu tio.
    _ Acredite, eu não preciso disso.
    Brad abriu uma pequena caixa de metal chumbada na parede, onde, dentro, havia uma pequena vela com um vogo escarlate. Ele cedeu um pouco do fogo ao primeiro candelabro e, instantaneamente, todas as velas se acenderam com o mesmo fogo vermelho-vivo.
    _ Hum... – não era diferente do que eu já tinha visto.
    _ Esse é o salão dos Vance – falou Sammael – é guardado pelo mais velho descendente da família, no caso eu.
    _ Você não é o mais velho, tio Sammael – falou Brad.
    _ Mas para o resto do Submundo eu sou.
    _ O que querem dizer? – eu perguntei.
    _ Ahn, espere quando a gente chegar. Só não se assuste. – avisou meu tio.
    Seguimos o corredor até uma outra porta de madeira, grande, mas não estava trancada. Sammael empurrou-a e com um rangido estridente, ela nos deu passagem. O lugar era gigantesco, quase tão grande quanto o pátio central.
    _ Essa foi a última Sala Octogonal, há cento e vinte e oito anos atrás – ele disse – foi selada no dia em que Vincent tinha apenas oito anos.
    _ Como? – eu exclamei – meu avô...
    _ Ele morreu com cento e trinta e seis anos. – avisou Sammael – mais jovem do que realmente parecia.
    Enquanto tentava absorver a informação, eu fitava com curiosidade o enorme salão. Era em forma octogonal, obviamente, as paredes eram adornadas com escrituras e desenhos bem elaborados, um gigantesco arco de fogo no teto, que estava a quase vinte metros de distância do chão.
    _ Waw! – eu exclamei. Não havia muito que dizer.
    _ É sim – tio Brad riu.
    _ Não podemos perder tempo – falou Sammael – vamos rápido com isso. Eles não podem encontrar a Sala Octogonal por conta própria, mas nós podemos.
    Sammael caminhou até o centro da sala vazia. Ele olhou para os lados, mas não havia nada. Era apenas um formato octogonal com belíssimas paredes, mas sem nenhuma escultura sequer.
    _ Tio Ory – falou Sammael – onde está você, tio Ory. Não se faça de bobo, eu sei que só poderia estar aqui.
    _ Desculpe os meus modos – era uma voz rouca, velha, mas muito bem humorada, embora eu não soubesse de onde vinha – não recebo visitas há alguns anos.
    _ Me desculpe por isso, tio – falou Sammael – mas precisamos de sua ajuda. Queremos o livro.
    _ Ora, ainda não é hora – falou a voz – eu saberia se fosse.
    _ Surgiu um problema – apressou-se Sammael – roubaram a chave.
    _ Você já foi mais cauteloso, Sammy – a voz falou, rouca – quem são?
    _ O filho de Vincent? Lembra-se?
    _ Ah, o garoto Bradley. E o moleque.
    _ Neto de Vincent. Matthew Vance.
    _ Hum... Filho de Brad?
    _ Não. De Elisabeth... Com George Grant.
    _ Absurdo, absurdo... A voz murmurou – mestiço até o maldito sangue... Sinto muito, criança.
    Ele parecia realmente ter pena de mim.
    _ Obrigado, mas estou bem – retorqui.
    _ Precisamos do livro, tio. O senhor pode vir até nós?
    Ele grunhiu como um lobo esfomeado. Então, fosse quem fosse, saiu do chão. Não era do tipo pular de um buraco, porque não haviam buracos. Ele, literalmente, atravessou o chão, como uma espécie de fantasma, mas bem visível. Sua aparência era pavorosa.
    O rosto idoso, os lábios rachados e secos, os músculos protuberantes, mas cheios de veias arroxeadas e frágeis, um casaco preto cobrindo o rosto. Haviam várias seringas e agulhas perfurando seu corpo, ligando suas veias a tubos finos, cheios de sangue, que desapareciam no chão.
    _ Não se preocupe com minha aparência – ele falou – Estou bastante conservado.
    _ Ah, claro – eu disse – na flor idade.
    Sammael me lançou um olhar de repreensão, e voltou sua atenção ao tio.
    _ Tio Ory, preciso do livro.
    _ Ok, mas você sabe que é arriscado invadir a Sala Octogonal antes do tempo. O coração de pedra que alimenta aquela sala ainda está bastante forte, o suficiente para matá-los na primeira armadilha.
    _ Precisamos tentar – Sammael disse – A profecia está se cumprindo.
    Ory pareceu arquear o que deveria ser sobrancelhas.
    _ Hum... Curioso.
    _ Mas ela mudou. O Oráculo descobriu uma coisa nova. O curso do futuro mudou.
    _ E nunca confiei em previsão do tempo – murmurou Ory – o que acha que eu penso desses Oráculos?
    _ O livro, tio...
    _ Ah, claro – Ary ergueu a mão e, obedecendo ao gesto, o arco de fogo se desprendeu do chão, caindo com estrondo.
    As fagulhas subiram ardendo em brasa, iluminando com sua luz vermelha. Vários filetes de fogo cresciam por entres as chamas, dançando no ar, seguindo os dedos velhos de Ory. As chamas se reagruparam, tomando uma forma quadrada que, aos poucos, tomou forma mais específica. O fogo se tornara um livro velho e antigo.
    _ Aqui está – falou ele – mas não posso deixá-lo ler. Não todo.
    _ Precisamos apenas saber sobre a próxima Sala. – explicou Sammael.
    _ Tudo bem... – Ory atiçou as chamas e uma fagulha tomou a forma de uma única folha – aqui está. Pode ficar, é apenas uma cópia.
    _ Um scanner humano – eu murmurei.
    _ Como? – Ory me encarou.
    _ Deixa pra lá.
    Sammael pegou a folha que pairava no ar e, numa reverência respeitosa, agradeceu ao tio.
    _ Prometo lhe fazer mais visitas – falou Sammael – trago a família em breve.
    _ Você não vai voltar – falou Ory, pesaroso – talvez nenhum de vocês volte... Deve ser uma luta difícil. Mas, garoto – ele se virou pra mim – sobreviva, ok? Quero conhecê-lo. E não deixe que digam o contrário. Você é um Vance.
    _ Não – eu disse, decidido, lembrando-me do meu pai que sempre foi incrível cuidando de mim – eu sou um Grant também. Convivam com isso.
    Ory assentiu com um sorriso.
    _ Uma resposta digna  de um Vance.
   
    Saímos da sala, deixando o velho Ory de lado. Eu não tinha idéia de quem era, e isso me matava.
    _ Tio Brad... Quem é aquele homem? Algum tataravô? – eu perguntei,
    _ Não... Ele é muito velho. – falou Bradley – não é um Vance.
    _ Então o que ele faz lá.
    _ Bem... – tio Brad pos a mão em meu ombro, enquanto esperávamos Sammael prender os Aurupos na parede – Sabe a história de Agammêmnon? Os filhos dele não foram muito afortunados. Também foram condenados a viver uma vida resultado da ganância por poder.
_ Quem é aquele?
_ Orestes, filho de Agammêmnon. Hoje ele deve ter uns, o que, dois mil e quinhentos anos?
    _ Waw! – essa palavra estava começando a se tornar comum em meu vocabulário.
     
     
 
     
 


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