A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 26
Morrendo




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Morrendo

    Estávamos ao lado de um Aururpo grotesco e desacordado. Abi segurou o meu braço com força, como se, a qualquer momento, eu pudesse desaparecer. Charlie, assustada, estava logo mais atrás, enquanto Dominique e Brian permaneciam ao meu lado, sérios. Todos estávamos apavorados, mas tentávamos não demonstrar.
    Sammael estava bem a nossa frente, sua atenção estava voltada para o Aurupo caído no chão, próximo a nós. O animal se moveu, tentou se levantar, mas caiu novamente, fraco e ensangüentado. As feras estavam machucadas e, agora, não tínhamos cães de guarda.
    _ Então... – finalmente Sammael nos encarou. Não parecia bravo, nem enfurecido. Na verdade, eu não sabia o que pensar, estava mais preocupado em conseguir tirar todos nós dali – Claus me disse que teve uma luta divertida.
    Ninguém ousou responder. Continuamos analisando os movimentos de Sammael com os dedos, brincando no ar com gestos engraçados. Era como se ele tentasse nos manter distraídos.
    _ Claus disse que você tem o que precisamos, rapaz – ele apontou para mim – quem...
    Ele fechou a cara, suas mãos se aquietaram e ele as colocou no bolso, parecendo frustrado.
    _ Interessante. Você é um garoto curioso, rapaz – ele murmurou – Como consegue?
    _ O que? – eu tentei sorrir, mas não fui tão bem sucedido – te manter longe dos meus pensamentos? O que eu posso dizer, faz parte da minha natureza.
    Ele sorriu, impaciente.
    _ Quem é você?
    _ Eu sei o que vocês pretendem. Quer dizer, eu não sei ainda – Brian interveio – mas Claus é seu amigo, e ele matou Parshes por falhar na missão.
    Sammael fitou Brian com curiosidade.
    _ Hum, eu sei quem é você. Brian Renwick, filho de Paul e Selene Renwick. Sua mente pode me repelir? Hum, acho que não.
    A medida em que Sammael estudava a expressão de Brian, seus olhos se contraíam. Ele pareceu terminar e, voltando sua atenção a mim, falou:
    _ Neto do meu irmão – ele falou. Não sorria, mas havia certa satisfação em seus olhos – um mestiço inusitado. Vocês furam muito longe, sabiam? Descobriram bastante coisa.
    _ Vocês não terão a chave! – eu apertei o bocal entre meus dedos.
    _ Você não pode ficar com ela – ele respondeu – vocês seguiram as pistas certas, mas interpretaram tudo errado. É muito mais complexo do que “bem e mau”.
    _ Não, na verdade é bem simples! Você é só mais um Vance que pretende sujar o nome da nossa família!
    _ Eu zelo do nosso nome há cento e doze anos, rapaz! – ele bradou – não venha me dizer que estou fazendo um mau trabalho! Entreguem a chave.
    Eu estava prestes a responder. Mas o outro vulto que surgiu das sombras me distraiu. Claus Yakov surgiu do corredor e parou no portal, encostado na parede, olhando para nós.
    _ O jovem está com a chave. – ele disse.
    _ Eu sei – respondeu Sammael – ele é meu sobrinho.
    Claus entortou o rosto como um cão curioso.
    _ Sério? Pensando bem, ele se parece mesmo com o filho de Vincent.
    _ Onde ele está? – eu falei, preocupado. Já estava há algum tempo sem vê-los, e comecei a temer por eles.
    _ Ora, onde mais? No dormitório? – Sammael deu de ombros – acha que eu... O mataria? Não sejam idiotas! Bradley é como um filho! Um dia todo o meu império será dele!
    _ E minha mãe?
    _ Eu não sei, sinceramente. Depois que lutamos no duelo, não a vi mais. Que filho displicente! Enfim, me dê a chave e voltem para os seus quartos.
    _ Nem a pau! Dominique bradou.
    Suas asas sacudiram com violência e, engolindo uma rajada de ar, ergueu o seu corpo. Dominique investiu contra Sammael, decidido. Mas seu acesso de raiva lhe custou caro. Uma lâmina escura atravessou suas asas, arremessando-o contra a parede.
    _ AgrH!!
    Dominique ficou preso na parede, com estacas de metal presas as suas asas, de onde escorria muito sangue.
    _ Claus! – guinchou Sammael – o que pensa que está fazendo?
    _ Alguém precisa colocar essas crianças em seus lugares, Sammael. – ele disse.
    _ Abi – eu murmurei – vai ajudar Dominique. Brian, dê cobertura a ela... Lembram-se da minha carta na manga? Acho que vou usá-la.
    _ Hein? – Sammael falou de longe – Ah, as habilidades Alucate.
    Inferno! Ele não podia ler minha mente, mas todo o resto era como um aquário transparente e puro aos olhos de Sammael. Provavelmente ele sabia TUDO o que descobrimos. Ele não era tão ético quanto disseram.
    _ Eu tenho um presente bem aqui pra você, titio – eu disse, sorrindo. Minha confiança voltara.
    _ Não sejam idiotas – falou Claus – precisamos dessa chave.
    _ Não, não precisam.
    Sammael fechou os olhos por um minuto muito breve, suas pálpebras tremeram levemente e, passado alguns segundos, ele abriu os olhos, agora vermelhos.
    _ A profecia... – os olhos dele se estreitaram em minha direção – você se encaixa perfeitamente.
    _ Mas eu não sou! – eu gritei.
    _ Não agora! – Sammael agora parecia transtornado – mas logo você será movido pelo desejo de ser mais forte! Rapaz, você está alcançando poderes com uma rapidez incrível! Você não pode continuar com isso!
    _ Matthew não é assim! – Charlie gritou em minha defesa.
    _ Ele está com a chave! Logo ele colocará as mãos na máscara! Se isso acontecer...
    _ Sammael – Claus caminhou até o amigo – deixe-me tirar a chave do garoto.
    _ Tudo bem – Sammael tomou distância – mate, se for preciso.
    Claus, num movimento rápido, desapareceu de vista.
    _ SAIAM DO CAMINHO! – eu fritei.
    Consegui segurar Charlie e puxá-la para perto de mim, por muito pouco a lâmina não nos acertou. O metal rasgou o chão como papel, destruiu a estátua e, sem nenhuma cerimônia, decapitou o Aurupo desacordado. Brian e Abi conseguiram escapar, mas Brian acabou sendo atingido.
    O grito agonizante de Brian ecoou pelo salão. Suas pernas caíram como peso de papel no chão, Abi puxou Brian para um canto e tentou acalma-lo. A dor era quase visível.
    _ Claus! – Sammael gritou.
    _ Droga! – Claus grunhiu – Não era minha intenção...
    Uma jorro de luz azul-prateado acertou Claus no peito, lançando-o contra a parede. Não conseguiu reunir energia o suficiente, mas foi forte o bastante para afastá-lo. Corri com Charlie até Abi e Brian.
    _ Ele vai ficar bem?
    _ Vou... Sim... Agh! – Brian se contorcia enquanto novos ossos brotavam da sua carne nua, o sangue escorria pelo chão como uma cascata escarlate.
    _ Abi, tente...
    Não consegui terminar a frase. Bem a minha frente estavam Abi, Brian e Charlie, que me olhavam, perplexos. Havia algo errado. Minha voz não saía, eu não conseguia me mexer, o ar parecia me faltar os pulmões.
    Havia um gosto estranho na boca. Não, não era uma sensação. Literalmente, era gosto de sangue. Era o meu sangue. Consegui deslocar meus olhos para baixo, embora minha cabeça continuasse imóvel. Havia uma barra de metal afiada atravessando o meu pescoço, meu sangue derramou como uma torneira aberta. Minhas mãos se encheram de um vermelho viscoso, e eu simplesmente não conseguia fazer nada.
    Olhei para Abi outra vez. A última coisa que vi antes de ser puxado pela barra de metal foram os olhos marejados de Abi.

    Claus me puxou como se eu fosse um boneco de fantoche. De fato, eu poderia ser comparado a um. Eu estava morrendo, não havia dúvida. Senti a mão pesada de Claus me segurando pelo ombro e, com a outra, puxar o colar coberto de sangue do meu pescoço. Ele me jogou no chão como um boneco surrado. Claus puxou a barra de metal, lacerando o meu pescoço.
    O grito de Abi era pavoroso. Eu conseguia vê-los muito longe, mas os sons ainda eram muito vivos em minha mente. Eu devia estar horrível, não conseguia sentir resto do meu corpo. Não havia nada que eu pudesse fazer.
    _ Claus, me dê a chave e tire o garoto com asas da parede – Sammael me olhou de forma estranha. Era como se... Como se sentisse à minha perda.
    _ Voltem para os seus quartos – falou Claus – não há mais nada a ser feito aqui.
    Abi avançou contra Claus num movimento desesperado. Seu corpo inflou como um balão. Foi a transformação mais incrível que ela já fizera. Eu ainda não tinha morrido, conseguia ver muito bem o corpo pequeno de Abi se metamorfosear em uma Algueora gigantesca. Suas barbatanas brotaram das laterais, acertando as paredes com ímpeto, abalando as estruturas das torres.
    _ Acabem logo com isso!
    Era uma voz bastante familiar. Tio Bradley estava surgiu não sei de onde. Com apenas um toque, ele segurou Abi, que tomou sua forma normal. Ela caiu imóvel no chão. Correu em direção a Claus e, tocando o seu ombro, derrubou o grandalhão, inconsciente. Com apenas um toque! Era incrível, mesmo a beira da morte, saber que tio Brad tinha uma força tremenda.
    _ O que está fazendo, Bradley! – gritou Sammael – não deixe isso se tornar pessoal!
    _ A profecia não é sobre Matthew! Eu tenho certeza! – Brad correu até mim, atônito – Ele nunca faria mal a ninguém! Céus, Matthew!
    Tio Brad se ajoelhou bem a minha frente. Ele queria me tocar, isso era óbvio, mas não sabia como. Eu imaginei que, a julgar pela minha posição no chão, minha cabeça estava presa ao corpo por alguns pedaços de carne viva.
    _ Ele não vai conseguir se recuperar disso! – falou Sammael – você não entende! A profecia!
    Bradley levantou-se, furioso!
    _ Se ele morrer! – Tio Brad apontou para Sammael com violência – nós nos veremos aqui, nesse pátio! Vou acabar com você!
    “Não”, era o que eu queria dizer, “Eu não quero morrer, não desse jeito”. Mas não era decisão minha! Eu só pude sentir o toque preocupado e desesperado do meu tio em meu rosto, antes de fechar os olhos. 
     
   
   
   
     


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