A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 22
Duelo – Parte II




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Duelo – Parte II

    Dominique parecia muito confiante. Ele estava sorrindo discretamente, como se tentasse provar alguma coisa para o resto da multidão, as mãos enfiadas no bolso e uma posição meio largada.
    Desde o primeiro momento em que vi aquele Homúnculo, sabia que ele era o tipo de pessoa que procurava problemas, um Brian na versão mestiça, ou algo do tipo. A multidão parecia não entender e alguns até riam, duvidando da capacidade do garoto mestiço. Intimamente eu também não confiava na vitória de Dominique, mas alguma coisa me dizia que ele também não tinha esperanças de vencer.
    _ Dominique! – Charlie gritou – Saia logo daí!
    _ Não seja estúpido, cara! – falou Archy – você vai se machucar feio!
    Dominique nos fitou sem nenhuma expressão decifrável, e voltou sua atenção ao conselheiro.
    _ Ah, pro inferno com esse idiota! – Archy falou bravo, mas mudou de atitude – que seja... Vai lá, Dominique!
    _ Homens são tão idiotas – murmurou Charlie.
    _ Muito obrigado – eu murmurei de volta, em tom de brincadeira.
    _ Não, ah, eu não quis dizer... Você me entendeu.
    _ Eu entendi, sim.
    Ela sorriu e eu retribuí. Estranho como ela era gentil e como me trazia uma boa sensação. Talvez fosse uma das minhas habilidades sensitivas, mas o fato era que eu sentia como se pudesse confiar minha vida a ela.
    Minha mãe se retirou do círculo e se misturou a multidão. Eu não me preocupei em segui-la com os olhos, na verdade, eu não sentia preocupação alguma. De alguma forma, em algum momento, eu não sabia qual, nossa relação se estreitou, ela se tornou indiferente a mim, e eu a ela. Era como se não nos conhecêssemos mais, como se eu nunca tivesse feito parte da sua vida. Eu sentia exatamente o mesmo. Uma pena, eu não queria que fosse assim. Talvez pudéssemos nos entender quando tudo acabasse.
    _ Será que Sammael Vance vai dar uma colher de chá para o jovem mestiço? – a voz do narrador ecoou no ar.
    _ Eu duvido – respondeu Charlie em voz baixa de modo que apenas eu e Archy ouvíssemos – Sammael é um bom homem, mas clemência não é o seu forte.
    _ Pessoas morrem nessas lutas? – eu perguntei, preocupado, não com Dominique, mas com as cenas que eu estava prestes a presenciar.
    _ Na verdade não. Mas existem casos em que pessoas se machucam gravemente. É uma luta, Matthew – informou Charlie. Que bom, ela estava começando a entender que éramos todos amigos e não havia nenhuma relação de sangue que pudesse atrapalhar isso.
    Sammael caminhou até o centro do círculo, ficando frente a frente com Dominique. Ele não parecia preocupado, nenhum dos dois. Mas havia algo nos olhos de Dominique, uma urgência, uma hesitação quase imperceptível.
    _ Então, jovem Chadwick – falou Sammael. Eu consegui ouvir a conversa como da última vez – eu sei que sente necessidade em provar o seu valor. Você o tem. Mas não faça isso consigo mesmo. Você sabe muito bem que duelos não são brincadeiras.
    _ Com todo o respeito, Sr. Vance – embora as palavras de Dominique fossem formais não havia nenhum respeito nelas – Eu não tenho que provar meu valo a ninguém, tampouco ao senhor. Vou provar isso a mim mesmo.
    _ O que pretende com essa luta? Sabe que vai perder, certo?
    _ Sim. – Dominique sorriu – um único corte. Se eu puder feri-lo de alguma forma, um único corte que seja, eu me sentirei realizado.
    _ Espero que consiga, jovem. Sinceramente – Sammael sorriu calorosamente e, dando as costas ao jovem, desapareceu, reaparecendo em seguida na extremidade do círculo.
    Dominique posicionou-se na extremidade oposta, cerrando os punhos em posição de ataque, suas asas erguidas como uma naja preparando o ataque. Entoa era isso, Dominique queria provar ser capaz de ferir o Conselheiro, eu sabia que isso seria difícil. Ele derrubou minha mãe com uma habilidade incrível, sem nem mesmo transpirar. Mas eu estava ansioso para ver o desfecho. Parte de mim queria ver Dominique sendo massacrado, mas havia uma parte que queria saber se alguém era capaz de ferir Sammael Vance. Isso iria me dar uma vaga idéia do quão forte Vincent Vance fora.
    _ EEEEEE... Comecem! – o locutor gritou, saltando pra fora do círculo.
    Sammael não se moveu, apenas olhava para Dominique com um sorriso displicente e maroto, como se fossem duas crianças em uma guerra de lama. Dominique, por outro lado, enxergava Sammael como um inimigo mortal.
    O primeiro movimento foi de Dominique. Ele removeu as luvas, jogou-as no chão e, com um sorriso malicioso, abriu as mãos, exibindo os dedos para o inimigo.
    _ Vamos ver se consegue me tocar – Sammael sorriu.
    Dominique não esperou, apenas impulsionou as enormes asas que investiram contra o ar. Uma rajada de vento levantou a poeira do chão, e Dominique ganhou altitude, subindo no ar e, em seguida, mergulhando como uma águia em direção à presa. Era fascinante ter asas, em supus, a destreza e agilidade de Dominique no ar poderia ser uma vantagem. Ou não.
    Dominique tocou o chão sólido e frio. Ele ficou aparvalhado, procurando o inimigo. Ninguém parecia ser capaz de ver, mas eu consegui. Todos estavam em câmera lenta, eu olhava para Dominique e ele parecia congelado. Tudo parecia petrificado. Havia um rastro azul florescente no chão, que ia do ponto onde Sammael estivera até a outra extremidade do círculo, onde uma enorme luz azul parecia se materializar aos poucos. Então o tempo tomou sua velocidade normal. Sammael estava na outra extremidade, onde antes havia a luz. Naquele momento eu percebi. Pasmo e atônito, eu descobri uma capacidade que eu desconhecia. Eu conseguia prever o movimento de Sammael. Eu não sabia como controlar, nem como acontecia, mas no momento em que ele se teleportava, eu conseguia ver o rastro da sua aura, onde ele iria aparecer.
    E lá estava Dominique, frustrado, as mãos nuas cravadas no chão, enquanto Sammael permanecia em sua pose tranquilamente.
    _ Você não é tão rápido – comentou Sammael – você treina a sua força e a resistência de suas asas, mas não consegue treinar a velocidade.
    _ Não fale como se me conhecesse! – bradou Dominique – você não se importa!
    _ Use a velocidade dos pés para dar força às asas – continuou Sammael – isso pode te dar alguma vantagem.
    _ Seu... Miserável.
    Dominique impulsionou as asas novamente, eu pude sentir o deslocamento de ar alvoroçando meus cabelos. A força das asas dele era impressionante, mas estava muito claro. Ele nunca conseguiria tocar Sammael.
    Dominique tentou atacar novamente e, outra vez, vi com perfeição o movimento de Sammael. Ele sumiu, deixando seu rastro de luz, Dominique estava imóvel no ar, o tempo estava lento outra vez. Sammael surgiu atrás do inimigo e, com apenas o dedo indicador, pressionou-o nas costas de Dominique, impulsionando-o pra baixo. As asas de Dominique não foram capazes de levantá-lo, a força de apenas um dedo de Sammael foi capaz de jogar o adversário no chão, fazendo-o deslizar metros no chão.
    As asas se ergueram no ar e, como a ponta de uma flecha, cravaram o chão. Era realmente incrível a força de suas asas. Dominique foi capaz de reduzir a velocidade e impedir de sair do círculo com apenas as pontas de suas asas. Ele poderia não vencer, mas era obvio a sua força.
    _ Um bom momento – comentou Sammael – mas não vai ajudá-lo.
    Dominique levantou-se, irritado. Suas asas erguidas no ar em posição de ataque, ele avançou novamente, suas mãos estendidas na direção do inimigo, esperando tocá-lo e fazê-lo sentir a dor da própria morte.
    Sammael sumiu outra vez. Novamente eu fui capaz de acompanhar seu movimento travesso no ar, desviando do ataque e, mais uma vez, jogando Dominique contra o chão, fazendo-o deslizar.
    Quando Dominique se levantou, sua camisa estava rasgada e havia algumas escoriações em seu peito. O queixo estava esfolado e, quando ele cuspiu no chão, uma longa linha vermelho-sangue sujou o campo de duelo.
    _ Você quer mesmo continuar, rapaz? – falou Sammael. Ele não sorria mais. Estava sério, como se não quisesse continuar – se você não desistir, eu irei.
    As pessoas a volta não pareciam mais gostar da luta. Todos estavam vendo como Dominique lutava com suas forças ao máximo, mas era humilhado a cada tentativa frustrada de ataque.
    _ Não continue, Dominique! – pediu Charlie – você se saiu bem, mas não pode resistir!
    _ Não! – Dominique urrou – eu vou acertá-lo!
    Dominique curvou as pernas e, ajustando as asas em posição horizontal, correu em direção ao inimigo. Dessa vez ele não levantou vôo, mas continuou no chão, decidido. Quando estava muito próximo, Sammael sumiu outra vez. Consegui ver o traço de luz e, em seguida, Sammael reapareceu atrás de Dominique. Era o fim, Dominique receberia outro golpe e não conseguiria se levantar mais.
    Mas ninguém esperava o movimento de Dominique. No instante em que Sammael reapareceu para golpear o garoto mais uma vez, Dominique eriçou as penas e, balançando as asas freneticamente no ar, como um ventilador, conseguiu repelir o golpe do inimigo, que saltou para o lado. Dominique seguiu o movimento de Sammael e, virando-se cento e oitenta graus, impulsionou as pernas contra Sammael mais uma vez, que estava completamente desprevenido. Dominique tentou acerta-lo. Estava muito perto, iria conseguir... Sammael sumiu outra vez, e Dominique socou o ar.
    _ Já chega – Sammael estava atrás de Dominique outra vez.
    Sammael agarrou as asas do inimigo e, puxando-o com decisão, arrastou-o até fora do círculo. Dominique caiu fora do círculo, irritado. Seu rosto estava banhado em suor, seus olhos marejados, as lágrimas revoltadas escorrendo discretamente. Ele ofegava como se lhe faltasse o ar, seus punhos estavam cerrados, apoiados no chão. Ele estava de joelhos, trêmulo e irado.
    _ Miserável! – gritou Dominique.
    Sammael não sorriu dessa vez. Segurou o garoto pelos ombros e ajudou-o a levantar. Ele estendeu uma das mãos até o chão, onde uma asa estava estava espetada no ladrilho como uma espada.
    _ Eu gostaria de ficar com isso – pediu Sammael. Ele passou a pena sobre a palma da mão fazendo um pequeno corte, de onde saiu um filete de sangue – uma lembrança de um guerreiro. Você será grande, rapaz. Não duvide disso.
    Dominique continuou encarando Sammael, o rosto sujo de poeira, a trilha escura deixada pela lágrima em suas bochechas, mas o ar parecia voltar aos poucos em seu pulmão. ele não contrapôs, não pediu a pena de volta. Apenas assistiu Sammael desaparecer na multidão, segurando uma pena na mão ensangüentada.

    Dominique não saiu do seu quarto-buraco o resto do dia. Ficamos no salão esperando o rapaz descer para jantar, mas ele não deu sinal de vida. Vez ou outra eu conseguia ouvir um suspiro, um soluço de choro contido. Seu orgulho estava ferido e, pior, ele não tinha motivos para ter raiva de Sammael Vance. Ele agiu como um nobre de espírito, mostrou dignidade e compaixão ao adversário, e não o reduziu à lixo. Pelo contrário, Sammael disse que Dominique seria grande. Eu não duvidava nenhum pouco.
    _ Ele está mal – falou Abi – ele apanhou muito?
    _ Não – respondeu Archibald – ele foi incrível. Como sempre.
    Abi sorriu para Archibald, que retribuiu o gesto. Era estranho. Archy era o tipo de pessoa que deixava os outros se aproximarem fácil, fazia piada de tudo e levava a vida sem seriedade. Mesmo quando Dominique estava fazendo besteira, Archy apoiou o amigo. Ele era uma boa pessoa e isso era mais do que motivo para me sentir ameaçado. Abigail parecia estar se interessando por ele.
    Eu estava prestes a interromper a troca de olhares, quando a porta escancarando o fez. Brian e Richard entraram no salão, rindo e conversando animadamente. Tinham se tornado bons amigos, ao que parecia.
    _ E aí, maninho – Richard bateu no meu ombro – ouvi dizer que um dos caras dessa ala apanhou feio.
    Brian sentou-se ao lado de Abi. Era bem engraçado agora. Eu, Brian e Archy seriamos rivais. Eu estava decidido. Iria conquistar o coração de Abi.
    Entrementes, Richard achava legal julgar os Mestiços como o resto da linhagem pura.
    _ Que tipo de mestiço tenta lutar contra um Vance? Sammael, ainda por cima!
    _ Isso não é muito amigável de se dizer – Archy bateu a mão na mesa – não entre aqui para nos criticar, Rubro nojento.
    _ Do – Que – Você – Me – Chamou? – Richard apontou para Archibald irritadiço – Você é só um mestiço!
    _ Eu adoraria ver a sua cara amassada no campo de duelo sabia? – riu Archibald – mas você é covarde demais para desafiar alguém.
    _ Hei, pessoal – eu me levantei, ficando entre os dois. Brian parecia atento à briga – Richard, não procura confusão, ok?
    _ Eu não posso deixar um panaca desses me tratar feito lixo! – retrucou Richard.
    _ Tem razão, acho que estou supervalorizando você – riu Archibald.
    Aquilo foi o suficiente. Richard me empurrou e lançou-se sobre Archy. Todos se afastaram da mesa, que se partiu em vários pedaços quanto Archy e Rich caíram com estrondo. Archy fechou o punho e acertou Richard com fúria, que foi arremessado contra a parede. O salão estremeceu com o impacto.
    Richard se recompôs. Algumas gotas de sangue escorreram dos seus lábios. Archy também era muito forte.
    _ Richard, você começou! – Abi interpôs – é melhor você sair.
    _ Sair? – Richard falou como se a opção fosse inviável – vamos ver se esse mestiço é duro na queda.
    Richard era muito rápido, o suficiente para se aproximar de Archy, desviar de alguns golpes e segura-lo pelo pescoço. Meu irmão ergueu Archibald no ar e arremessou-o contra o teto. Ele caiu gemendo de dor. Richard correu para acertar ele mais uma vez, mas ele foi impedido por Ethan, o gêmeo de cabelos lisos.
    _ Sai fora, Rubro!
    Ethan o arremessou na parede, mas Richard não era fácil de ser derrotado. Ele investiu contra o garoto.
    Eu fiz sem pensar. Farto da briga, investi contra os dois em uma velocidade que nem mesmo eu sabia ter. Investi contra os dois com os punhos cerrados. Quando dei por mim, Richard estava caído de um lado do salão, sentindo uma dor terrível no braço, enquanto Ethan estava guinchando de dor do outro lado da sala. Sua perna parecia estar quebrada. Todos estavam me encarando perplexos.
    Eu havia imobilizado Ethan e Richard sem fazer nenhum esforço.   


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