A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 17
Assassino Patético




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Assassino Patético

 

            Vez ou outra, nos últimos dias, eu me perguntei como havia chegado ali, o que havia feito para merecer essa vida, por que as respostas pareciam fugir de mim e por que era tão difícil ser eu mesmo. Era quase impossível imaginar o velho Matthew de Seattle quando, na verdade, o verdadeiro Matthew Chambers nunca se encaixou naquele lugar. Agora, depois de tantas complicações, eu estava de frente para o que parecia ser a morte.

            Cinco vultos. Eles eram a fonte do cheiro de morte, eu não sabia como, mas era exatamente assim que a morte fedia. Meu corpo continuava imóvel, paralisado por um medo que crescia descontroladamente dentro de mim. Estava claro que Brian também sentia medo e, embora tentasse não transparecer, não conseguia desprender os olhos dos cinco misteriosos seres que surgiram no terreno da minha casa.

            Eles caminharam mais a frente, deixando a luz amarelada que emanava da casa iluminar o campo de visão. Eles estavam nítidos agora. Cinco pessoas trajadas com um sobre-tudo vermelho-sangue, mas o resto do corpo era ocultado pela penumbra. Seus rostos, no entanto, eram visíveis, e mortiços.

            . O vento ondulava por baixo do grande sobre-tudo vermelho, criando uma imagem fantasmagórica. O primeiro do grupo, mais a frente, tinha os cabelos âmbares e emaranhados, voltados pra cima, os olhos amarelos e um cavanhaque da cor dos cabelos, sua expressão era fria e exibia um sorriso sombrio. Os dois a sua volta eram idênticos, com o mesmo corte de cabelo, em forma de cuia, negros e os olhos tão amarelos quanto os do primeiro alucate, a pele morena e os braços muito musculosos. Eles não estavam sorrindo, mas pareciam estar se divertindo com a cena. O quarto e o quinto alucates, na verdade, eram mulheres. A mulher do lado esquerdo parecia mais jovem, com os cabelos até os joelhos, amarrados em um rabo de cavalo, um emaranhado de fios dourados, os olhos eram cinza. A outra mulher à extrema direita era mais velha, mas tão bonita quanto a primeira, tinha o cabelo cacheado negro, os olhos eram orientais, mas sua íris era tão verde que pareciam dois vaga-lumes.

            _ Vejam, meus meninos – a voz do alucate mais a frente soou como uma marcha fúnebre, com os tons mais graves, mas tão afinado, como se cantasse para a própria morte – Se não são os vermezinhos que nos fizeram de bobos.

            _ Quem... – minha voz lutava contra o medo que me fazia engolir em seco – quem são...

            _ Tsc tsc – o alucate a frente falou com desdém – você quer mesmo me interromper, verme? Eu não posso garantir uma morte indolor se você me deixar impaciente.

            _ Esse é... – a voz de Brian falhou – Esse é... Blaine Grant. O Alucate mais...

            _ Temido? – Blaine completou – encantador, talvez? Ora, bajulações nunca salvaram ninguém da morte.

            _ Ele é perigoso, Matthew – Brian sussurrou – ele e o seu bando.

            _ Hei, Filho de Renwick – falou o alucate com aspereza – o que está cochichando?

            Minha mente não deixou nada passar em branco naquela situação. Grant acabara de chamar Brian de “Filho de Renwick”. Isso só poderia significar que Brian era descendente direto de uma das famílias, embora não fosse uma informação importante naquele momento.

            _ Entreguem-nos a chave – pediu Blaine com falsa delicadeza – Por favor, não queremos demorar.

            _ N.. Não – eu tentei responder a altura, mas minha voz parecia mais um gemido.

            Blaine Grant me fitou com seus dois olhos amarelos ameaçadores, e já não ria mais. Era cruel, sua expressão causava pânico e seus olhos eram a representação concreta da morte .

            _ Eu sempre odiei os Vance – Grant falou – sempre tentando lutar pela restauração da ordem, “oh, precisamos limpar o nome que nossos descendentes sujaram” – Grant fingiu uma voz fina e cuspiu no chão – Vincent era um velho idiota, acreditava que o mundo estava em perfeita ordem.

            _ Cale... Cale-se – minha voz soou como uma súplica. Eu ainda não conseguia lutar. Os meus sentidos estavam me confundindo, ainda não havia perigo, mas as sensações me seguravam, deixavam o meu corpo petrificado.

            _ Se acostume aos seus poderes, Matthew – Brian sussurrou – você precisa lutar, se isso for nos manter vivos.

            _ Faça pelo Submundo o que seu avo não foi capaz de fazer, garoto. Pelo menos uma única vez prove que os Vance não são patéticos!

            _ Você podem... – eu gaguejei. Aos poucos senti a tensão em meu corpo esvair, tente controlar o turbilhão de sentimentos que confundiam minha mente. Brian estava certo, meus poderes jamais se acostumariam comigo. Eu precisava me acostumar com eles – Vocês podem nos matar, mas a honra da minha família e a chave continuarão intactas... Não importa o que façam.

            Blaine me encarou novamente. Mas voltou a sorrir.

            _ É uma pena... Minhas crianças – Blaine estava, claramente, falando para os outros alucates – me esperem aqui, não vou demorar.

            Num segundo o vulto de Blaine Grant havia sumido na escuridão. No segundo seguinte ele havia sido arremessado contra o grupo de alucates, que saltaram sobre Blaine para segurá-lo e reduzir o impacto.

            Eu não pude perceber quem, mas estava claro que alguém havia abatido Blaine Grant para nos salvar.

            _ Desapareça daqui, Grant! – a voz tão familiar do meu irmão ecoou atrás de mim – não tem nada aqui que interesse a vocês.

            Olhei para traz ao ouvir a voz imponente do meu irmão. Meus pais, Richard e Bradley estavam logo atrás de mim, caminhando furiosamente em minha direção. Eles passaram por Brian e eu sem cerimônia e se posicionaram a nossa frente, como uma barreira. Eles estavam ali nos protegendo.

            _ Meu filho não pode se defender, Blaine – meu pai impôs. Nunca havia visto sua expressão tão furiosa.

            _ Ora... – a voz de Blaine vacilou, mas ele não perdeu sua pose, mesmo caído. Os outros alucates o levantaram e, em segundos, ele já estava de pé, em uma pose agressiva e, logo atrás os outros quatro seguidores exibido punhos cerrados e violentos – não seja tolo, George. Sua criança morreria como um homúnculo guerreiro. Não apodreça ainda mais a árvore genealógica do garoto.

            _ Ele não pode se defender, Blaine – meu pai repetiu, irritado – não há nada que ele possa fazer contra você. Ele é um Desertado.

            As palavras do meu pai atravessaram minha mente como uma navalha. Estava tão obvio, tão claro, que, por um minuto, era como se eu não estivesse ali, como se estivesse vendo tudo de cima. Minha família guardou um segredo de mim por muito tempo, minha vida foi uma completa mentira. E, agora, meu pai acreditava que eu era um Desertado, um homúnculo sem poderes, uma falha na genealogia dos Vance.

            _ O... O que? – Grant segurou o riso, batendo a palma da mão sobre os joelhos, como se acabasse de ouvir uma piada – não me diga? Um Vance, um Desertado? Isso é maravilhoso! Existe justiça!

            _ Pai! – eu tentei ir até meu pai – o que...

            _ Vá para o seu quarto, filho. – meu pai pediu, mas soou como uma ordem – Podemos resolver isso.

            _ “Podemos”, George Chambers? – Blaine caçoou – Você não pode fazer nada. Você desonrou sua raça, agora não pode se defender.

            Eu encarei meu pai, ainda confuso. Estava claro que as respostas estavam ocultas por traz de olhares inimigos.

            _ Para o quarto, Matthew – meu irmão falou dessa vez – entraremos logo. Sobrou um pouco de sobremesa, se quiser.

            _ Ah, o típico humor Vance – caçoou Blaine – o filho mais velho é um Rubro, o mais novo um Desertado.

            Rubro? Meu irmão era um Homúnculo Rubro!

            _ Eu não vou – eu avisei – e não vou entregar a chave.

            Todos os olhares se voltaram para mim, inclusive Brian.

            _ Idiota, por que não ficou calado? – sibilou Brian – agora eles têm certeza que está conosco!

            _ O que está dizendo, Matthew? - meu tio perguntou, surpreso – você tem o que eles querem?

            _ Eles querem a chave – eu disse – mas ela está bem escondida.

            Eu disse, realmente querendo acreditar nisso. Estava enterrada em algum lugar na floresta no ventre de uma quimera, numa cova malfeita, sob pedras e galhos. Diante daquela situação, o esconderijo parecia ser uma idéia patética.

            _ Como você sabe disso, Matthew? – meu tio perguntou. Minha mãe apenas me encarava, tão confusa quanto qualquer um.

            _ Isso não importa – interveio Grant – vamos tirar ela de vocês. Septima! – Blaine murmurou para a mulher mais jovem, loura dos olhos acinzentados – cuide da Sra. Vance ali.

            Ele apontou para minha mãe. Septima se lançou no ar com a expressão agressiva, assassina. Suas mãos erguidas no ar como garras iam em direção à minha mãe. Eu estava pronto para defendê-la se fosse preciso, mas não foi. Num segundo minha mãe estava ali, parada. No segundo seguinte, a única coisa que havia no chão era uma Septima zangada com os dedos longos e finos cravados na terra.

            _ Vocês acabaram de chegar – era a voz da minha mãe. Ela estava atrás da inimiga – não venha com toda essa arrogância.

            Elisabeth Vance Chambers, a mulher que me criou, tão cuidadosa e dedicadamente, era forte como ninguém. Segurou os longos fios de cabelos de Septima e a arremessou metros de distância contra o pasto engolido pela noite, a perder de vista.

            _ Cuide dos outros – minha mãe ordenou – eu dou um jeito em Septima.

            Ela correu em direção à noite e sumiu do meu campo de visão. Eu sabia que, naquele momento, minha mãe e Septima estavam travando uma luta que meus olhos relutavam em ver.

            _ Eu fico os gêmeos Carter – meu tio falou em tom de riso – vai ser divertido.

            Eu nem pisquei, Meu tio e os dois alucates idênticos simplesmente desapareceram.

            _ Eles possuem uma agilidade fora do comum, até mesmo para nós – avisou Brian em um sussurro, tentando não chamar a atenção de Blaine para nós.

            _ Eu acho que posso dar um jeito em vocês dois – meu irmão falou, mas não parecia tão divertido o seu tom de voz.

            _ Não, Richard. Blaine é um oponente para se lutar sozinho.

            _ Ora, George, você me conhece. Eu não sou um homem tão mal – ele riu e, em seguida, virou-se para a outra mulher atrás dele, a oriental de olhos verdes – Zandra, pegue o garoto Vance.

            _ Vai ser divertido – a voz da Alucate era doce e sensível, um contraste extremo com seu rosto avassalador e pavorosamente irritado.

            Naquele mesmo segundo, Richard e Zandra sumiram na noite. Vez ou outra eu conseguia ver vultos, a grama levantando centímetros do chão, barulhos ensurdecedores de impactos contra o chão.

            _ Pai! – eu gritei – e Emilliene?

            _ Vá ver a sua irmã, Matthew – falou Brian – eu posso segurar Blaine algum tempo.

            Ouvir Brian mencionar o nome de Grant vez meu pai se virar para traz, confuso. Ele não sabia o quanto estávamos envolvidos na história.

            _ Mas, você vai sozinho? – eu perguntei.

            _ Não. Ela vai me ajudar.

            _ Ela...

            Eu não tive minha reposta de imediato. Apenas quando ouvi um silvo de uma ave ecoar no céu negro, percebi um vulto pequeno de olhos amarelos sobrevoar minha cabeça. Brian avançou contra Blaine e, antes que eu pudesse fazer qualquer outra pergunta, o vulto se revelou uma coruja de olhos amarelos, que investiu contra Blaine. Logo, a luta entre Brian e Blaine mudou com a aparição de Abigail. A coruja tomara forma humana, a perfeita e incrível forma da garota que, por muito tempo, esperei notícias. Era Abigail Williams.

            Meu pai olhou dois garotos aparentemente normais erguerem Blaine alguns metros acima do chão e lança-lo contra as cercas, que arrebentaram e voaram outros metros de distância. Em questão de segundos o caos havia se instalado nos terrenos na mansão Vance. Meu pai correu em minha direção, atônito.

            _ Eu não sei o que está havendo – ele segurou no braço como se tentasse me proteger de algo muito ruim – precisamos sair daqui.

            _ Mas a mamãe está lá sozinha, pai! – eu reclamei – e todo o resto. Não podemos...

            _ Não podemos fazer nada... Somos incapazes de ajudar nessa luta!

            _ Somos... – senti o ar se deslocar bem acima da minha cabeça e, por uma fração de segundo, enxerguei meu irmão e os gêmeos em um duelo corpo a corpo. Para meu alívio, meu irmão parecia estar ganhando – Você é? O que? Não pode... Lutar como eles?

            _ Não sou como eles, exatamente – meu pai respondeu, sem ter plena consciência do que estava dizendo – sou apenas um Alucate Abolido! Agora precisamos cuidar da sua irmã!

            Meu pai me puxou pelo braço, me arrastando para dentro de casa.

            Enquanto subíamos as escadas, fiquei me perguntando se havia escutado bem. Meu pai se intitulara “Alucate Abolido”. EU não sabia exatamente o que queria dizer, mas o fato do meu pai ser um Alucate já estava bastante claro.

            _ Você... Um Alucate? – eu perguntei, enquanto os nossos passos na escada eram abafados pelo som do conflito do lado de fora da casa.

            _ Não sei como você sabe tudo isso – meu pai ofegou – mas é melhor esquecer tudo. As coisas podem piorar.

            _ Mais?

            Entramos no quarto de Emilliene. Ela olhava para a janela, atônita. Alguma coisa estava muito confusa. Meu pai a pegou no colo, beijando sua testa e acariciando seus cabelos, tentando acalmar os ânimos da minha irmã apavorada.

            _ Pai, quem são aqueles? – eu perguntei – quem é Blaine?

            _ São Alucates. Blaine Grant é o líder da unidade 7. Os gêmeos Barry e Adley Carter, Zandra Yang e Seotmia Rhiannon. Eles são os piores elementos do Sub... Bem, de qualquer for...

            Meu pai me fitou, enfim, aparvalhado.

            _ Não! – ele exclamou. Deixou minha irmã sobre a cama por alguns minutos e veio em minha direção.

            Ele segurou minhas mãos, confuso e, então segurou meu rosto com violência, mas não com agressividade. Ele estava surpreso, assustado, ou algo assim.

            _ Você... Você não é um Desertado! – meu pai exclamou. Provavelmente ele havia percebido no momento em que pôde falar abertamente comigo sobre Homúnculos e Submundo.

            _ Não, eu não sou. – eu confirmei.

            _ Como... Não entendo. – meu pai passou as mãos sobre os próprios cabelos, um gesto de pânico que eu nunca havia visto. Ele era outra pessoa. Finalmente, eu estava conhecendo minha família.

            _ Eu e sua mãe... Ficamos assistindo a lua durante o seu aniversário nos últimos dezessete anos... E nada! – ele me olhou, confuso e atônito – como é possível?

            Lá fora, os sons de destruição continuavam reinando em absoluto na noite sombria.

            _ Pai... Eu preciso saber de tudo. – eu falei, decidido.

            _ Agora? Você não tem que se preocupar com isso agora! Uma briga está acontecendo no quintal e você aqui, com todos esses poderes! Você... Sabe usá-los?

            _ Perfeitamente. – eu afirmei.

            _ Então vá! – ele me empurrou para fora do quarto – eles precisam de reforço!

            Era a ordem do meu pai. Agora o estrago estava feito, ele sabia o que eu era. Era a minha primeira luta oficial como Homúnculo.

 

            Eu não esperei para saber quem estava ganhando. Apenas saltei contra Blaine instintivamente. Com o peso do meu corpo consegui derrubá-lo. Começara a chover e as lutas estavam cada vez mais intensas. Vários buracos decoravam o novo quintal, mas eu não tinha tempo para avaliar os decoradores. Eu estava ocupado demais tentando matá-los.

            Blaine conseguiu me segurar pelo pescoço. Era evidente, ele era mais forte do que eu e, a julgar pela forma como apertava minha garganta, poderia me matar sem muito esforço. Mas Brian e Abigail estavam ali. Os dois investiram ataques simultâneos contra Grant, que se viu obrigado a me deixar de lado. Agora ele tria três oponentes para abater.

            _ Ora, vejam só... – Blaine se erguia do chão, enquanto nós nos afastávamos – Que cena linda. Os últimos representantes das três famílias mais poderosas. O Filho de Vance, o Filho de Renwick e a doce filha de Blair. Eu, como o último filho dos Grant, preciso dizer, esse encontro me deixa comovido.

            _ Pode começar a chorar, então – Abi retorquiu – estamos aqui pra isso.

            _ Sua mãe também falava muito, Abigail Blair – ele riu maliciosamente, deslizando a língua sobre os lábios – eu mesmo precisei silenciá-la. Eu só não sabia que era genético...

            Abi não lhe deu tempo para terminar a frase. Ela se lançou sobre ele com o corpo rígido cortando o ar com violência. Acho que fui o único que percebi. Tudo voltou a ficar em câmera lenta, como da última vez, quando lutei com a quimera. Abi estava no ar, Brian estava bem do meu lado e, Blaine, sorridente, tinha a mão direita aberta, encostada na própria coxa. Eu pude ver, nitidamente, um ponto de luz no centro de sua mão. Ela se estendeu e tomou a forma redonda, do tamanho de uma bola de boliche. Avermelhada, a luz emanava feixes escarlates. Eu consegui sentir o calor da esfera luminosa mesmo a alguns metros de distância. Eu sabia o que era. Blaine era um Alucate e, como tal, era capaz de materializar a própria aura e descarrega-la em forma de energia destrutiva.

            Blaine ergueu a mão e disparou. Uma rajada de luz escarlate iluminou todo o terreno como um relâmpago gigantesco. Eu não tive tempo para reagir, mas Brian teve. Ele se jogou contra Abi e, num impulso, tirou-a da direção do relâmpago luminoso, mas ele não conseguiu desviar. Abi caiu no chão, mas não pude ver Brian, que tinha sido envolvido pela luz.

            _ BRIAN! – Abigail gritou desesperada.

            Blaine baixou a mão, seu sorriso ainda estava estampado, mas era assassino, frio e doentio.

            A luz vermelha sumiu. Corri em direção a Abi, abraçando-a como se isso fosse o suficiente para escondê-la do olhar macabro de Grant, que insistia em sorrir. Eu não queria, não estava pronto para olhar pra traz. Eu pude sentir a energia descarregada por Blaine, a intensidade e a fúria com que ele conjurara aquela luz. Eu não queria olhar para traz e enxergar o corpo desintegrado de Brian.

            Mas eu não me contive. Eu precisava saber o que havia acontecido. Olhei para traz em um ato de desespero, desejando desesperadamente que ele estivesse inteiro, vivo. Eu me enganei.

            O rosto de Brian estava imóvel, pálido e petrificado, em uma expressão ilegível, como um boneco de cera, caído no chão como uma bola de basquete esquecida no meio da quadra. Mas seus braços não estavam ali. Seu tronco estava lacerado e não havia nenhum sinal das suas pernas. Havia sangue por toda a parte, órgãos deformados e todo o tipo de atrocidade que poderia acontecer com um corpo deformado.

            Blaine sorriu, triunfante logo a minha frente, mas estava exausto, suando como um porco velho. Uma parte fria e controlada da minha mente sabia que Blaine poderia morrer se realizasse outro ataque daquele que, provavelmente, gastara muita aura. Mas a parte predominante do meu cérebro estava em choque diante da cena. Brian Brown, um descendente de Renwick, tinha sido reduzido à carcaça por um assassino frio, patético, um homem capaz de matar sem nenhuma misericórdia, pena, ou qualquer sentimento que pudesse torná-lo humano. Não, Blaine Grant não era um humano. Era um monstro. Eu não via nenhum problema em matar monstros.

            Cerrei meus punhos furiosamente, ou talvez fosse puro pânico, vendo um provável amigo morto. Brian não era uma pessoa ruim, só não sabia lidar com amizades. Mas, agora, não havia nada, a não ser o sinal, a prova mais evidente e nobre, de um guerreiro que se sacrificou para salvar alguém que lhe era importante.

            _ MALDITO! – minha voz ecoou pela noite, como um grunhido selvagem, grave e violenta. “Maldito”, era a única coisa que eu conseguia pensar.

            Blaine tentou rir, gargalhar, mas o esforço lhe custou uma tossida banhada em sangue.

            _ O último dos Renwick está morto... – ele murmurou, ainda exibindo sua felicidade – só faltam dois... Dois vermes fracos e inúteis.

            Aquilo era o suficiente para me deixar entorpecido. Eu não senti meus pés se movimentarem, assim como não senti meu corpo deslizar em direção ao líder Grant. Havia um novo cheiro no ar. Era a morte, mas não era contra mim. O cheiro vinha de mim. Eu era a morte. Eu estava disposto a isso.

            Minhas mãos seguraram o rosto de Blaine Grant, que parecia não ter forças para lutar. Havia uma risada no ar. Não, não era Grant. A risada era minha. Eu não entendia o que era engraçado, talvez fosse todo aquele poder tecendo cada fibra do meu corpo, me dando a confiança que nunca sentira.

            _ Você gosta de sorrir, Grant – minha voz ainda era fria e áspera. Mas ainda era eu, eram as minhas decisões, eram as minhas vontades ali, expressadas com a minha força – eu vou cuidar para que você nunca mais sorria.

            Segurei o seu lábio inferior com a ponta dos dedos e, antes que ele pudesse se mostrar surpreso, seu lábio já estava suspenso livremente no ar, pendurado na minha mão, enquanto seu rosto era banhado no próprio sangue. Ele gritou desesperadamente, um grito de dor que Brian não pôde expressar. “Blaine Grant só está tendo o que merece, ele é um sádico” era o que uma voz murmurava em minha mente.

            Eu queria fazer um pouco mais, queria machuca-lo e faze-lo gritar mais alto. Mas um turbilhão de braços me seguraram pelos ombros e fui arremessado para traz. Senti o impacto das minhas costas com o chão e, só depois disso, percebi que ainda estava segurando o lábio inferior de Grant. Surpreso, deixei-o cair na grama e desaparecer na escuridão que rastejava pelos nossos pés.

            Grant estava encolhido no chão com as mãos cobrindo a boca. Os quatro alucates estava posicionados ao redor do líder. Minha família havia se posicionado em um semi-círculo em volta do grupo, provavelmente não deixariam os homúnculos fugirem.

            _ Vance sujo! – Septima bradou contra mim, apontando seus dedos finos e compridos em minha direção.

            “Isso não foi legal”, uma mente sussurrou na minha mente, “Apontar pra você com esse dedinho sujo? Ora, faça ela pagar! Ensine a essa mulher bons modos! Não deixe que ela se esqueça de você”. A voz era convincente, não era minha consciência ou qualquer outra coisa. Era apenas eu, meus pensamentos tomando forma e vida dentro de mim.

            Septima ainda estava apontando para mim quando senti meus pés deslizarem novamente na grama da noite. Em menos de um segundo eu estava segurando a mão dela na minha, enquanto ela se ajoelhava e se contorcia bem na minha frente. Eu senti os ossos dela quebrarem por entre meus dedos, e parecia cada vez mais divertido.

            _ Não faça mais isso... – minha voz saiu como um sussurro – Não perturbe minha família... Nunca mais!

            Septima se curvou no chão, segurando o braço mole e imóvel, os ossos dos dedos, mão e braço quebrados, fragmentados dentro da própria carne. Ela não gritava de dor, mas seus olhos estavam apavorados agora.

            Meu punho se abriu e, bem na palma da minha mão, um ponto de luz azul-prateado parecia crescer a cada minuto. Os alucates me encararam, apavorados, como se eu fosse uma espécie de monstro ou coisa do tipo. Eu não sabia como mas, de alguma forma, quando deixei minha raiva fluir, comecei a dispersar minha aura, e agora ela estava tomando formas irregulares. Todo o meu corpo brilhava agora, uma luz azul intensa que dizimou a escuridão num raio de cem metros de distância. Então a luz sumiu. Simplesmente, ela se reteve em meu corpo novamente, e a escuridão voltou a reinar.

            Os gêmeos Carter e Zandra Yang tomaram o líder e a outra mulher nos braços. Eles sabiam que seria perigoso continuarem ali. Eles se deixaram ser engolidos pela noite, desaparecendo de vista. Diferente do que eu pensava, ninguém havia se movido para impedi-los. Todos os olhares estavam voltados para mim, perplexos. Ninguém se aventurou em uma aproximação. Minha única preocupação, no entanto, era como iriam lidar com a perda de Brian. Olhei para traz, onde os restos de um possível amigo jaziam sem vida. Mas não estava ali.

            No lugar dos restos sem vida, estava Brian, deitado com as mãos nos rostos, agonizante, enquanto ossos pareciam brotar dos seu tronco, tomando a forma de um esqueleto humano normal. As veias começaram a se estender, o sangue a tomar forma e a pele a consistência de um corpo humano inteiro e saudável. Brian estava ofegando. Havia sobrevivido ao ataque do seu assassino patético. 


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