A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 16
O inimigo... A verdade não pode mais ser ocultada




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O inimigo... A verdade não pode mais ser ocultada

 

            Era muito mais difícil agora que eu sabia tantas verdades. Uma coisa estava certa: minha mãe era descendente de um Vance, assim como eu. Ou ela sabia de algo, ou havia muito mais história para ser contada. Mas eu tive medo, pela primeira vez, de ouvir a verdade. Eu não queria imaginar nenhum tipo de bizarrice em torno da minha família. Imaginar minha mãe andando por aí, caçando quimeras e outras sandices era perturbador. Eu sabia que, se não fosse mais forte, eu acabaria surtando, e essa não era a melhor opção.

            Eu ainda podia sentir a textura fria e metálica da peça presa ao um pescoço, o bocal do trompete. Eu estava tentando me concentrar no nome impresso na superfície: “Barnaby Adams – Concerto de Charlotte”. De repente aquele nome pareceu extremamente chamativo, eu não sabia se era mais uma das minhas intuições malucas ou se era um desculpa do subconsciente para fugir da MINHA realidade. De qualquer forma, fugindo ou não, Barnaby Adams não era só um nome comum. Havia algo por traz dele.

Só havia uma forma de conseguir me livra de todos aqueles problemas. Dormindo. Depois de tanta turbulência, dormir não seria difícil, embora soubesse que os pesadelos me visitariam durante o sono. Bem, eu não tinha escolha e meu corpo implorava por um merecido descanso. Eu iria a escola no dia seguinte, conversaria com Brian e, depois de me contar o resto, iríamos resolver o meu problema.

 

A manhã estava cinzenta, uma droga para se admirar, e tudo o que eu queria era tomar uma ducha fria e demorada. Liguei o chuveiro, deixando a água me lavar por completo. Uma coisa meu avô estava certa, não há nada que a água não possa limpar, ou quase nada. Minha preocupação desceu pelo ralo. Eu ano estava de todo tranquilo, mas a tensão estava muito menor.

Desci para o café da manhã. Todos estavam lá embaixo, inclusive meu tio Brad. Parei na porta da cozinha, admirando a cena com olhos completamente diferentes. Há algum tempo eu via minha mãe como uma mulher batalhadora que deixou o seu emprego de advogada para cuidar dos três filhos. Ela fez uma escolha difícil, mas não se arrependeu. Mas, olhando-a de outro modo, era como se, o tempo todo, ela tivesse um segredo, e só agora eu havia percebido. Meu tio era um Vance, irmão da minha mãe. Como eu poderia vê-lo diferente? Já não era o mesmo tio jovem que agia como um irmão mais velho, brincalhão e, ás vezes, irritante. Os olhos dele escondiam alguma coisa do resto do mundo, ou era apenas paranóia minha?

Foi quando me dei conta. Eu não era o único filho. Havia Emilliene e Richard. Eu não era o único com potencial para ser um Homúnculo. Droga! Era mais uma dúvida para ocupar a minha cabeça! Mas eu não poderia fazer nada, querendo ou não. O que me restava, a não ser apreciar uma manhã horrível com a melhor família do mundo?

            _ Oi, família – eu cumprimentei, acenando para todos.

            _ Ah, aí está o grande Matt! – meu tio veio até mim, me cumprimentando com um abraço de urso.

            _ Hei, Brad! – eu retribuí o cumprimento contente – Acho que mamãe está acostumando você mal. Aqui não é pensão.

            _ Não diga isso, filho. – meu pai fez uma cara de falsa preocupação – ele é meu patrão.

            _ Ah, eu havia me esquecido – eu brinquei, sentando-me ao lado de Rich.

            _ E aí, brow! – meu irmão me abraçou ombro-a-ombro – o que andou fazendo?

            _ Ah, apenas curtindo minha vida normal.

            Meu pai sorriu gentilmente, e voltou sua atenção ao café. Engraçado como todos estavam me tratando melhor desde o dia em que Abi não apareceu mais. Eles deviam estar se sentindo culpados, afinal, graças a eles (era o que pensavam) Abi não andava mais comigo.

            _ O que temos para o café?

            _ Bacon e ovos benedict. – minha mãe respondeu, colocando uma travessa sobre a mesa – me desculpem não preparar nada melhor, rapazes.

            _ Hei! – Emi protestou.

            _ Ah, você também, Emi.

            _ Tudo bem, o cheiro está ótimo – eu falei.

            Nos servimos e conversamos normalmente, como uma família geralmente faz. A única coisa que permanecia a mesma era a forma como minha mãe me tratava nos últimos tempos. Depois que comecei a chegar tarde demais em casa, e fazer amizade com “garotas delinqüentes”, ela começou a me ver diferente. Era como se eu tivesse fracassado em algum momento.

            _ Vou indo – avisei, levantando-me da mesa. Evitei os olhares da minha mãe a manhã inteira – não quero me atrasar.

            Como de costume, deixei minha bicicleta atrás dos arbustos, no caminho de ipês. Correr, sentir o vento matinal e me sentir mais leve, esse seria o meu remédio mais eficiente. Flexionei as pernas e corri. Eu estava mais rápido que o normal, eu podia sentir, a cada dia, meu corpo mais forte, mais resistente, respondendo às minhas vontades com muito mais eficiência. Aos poucos, eu estava aceitando e abraçando minha verdadeira natureza.

            Chegando na entrada da cidade, terminei o trajeto até a escola a pé. Eu tinha certeza, a partir daquele dia, nada seria igual. Eu não seria.

 

            Me encontrei com Brian durante o intervalo das aulas. Ele estava no refeitório fechado em sua concha inquebrável, indiferente a qualquer tentativa de alguém tentando se aproximar.

            _ Você é tão empolgante – eu caçoei, sentando-me de frente pra ele.

            _ Eu não procuro ser.

            _ Não entendo. Você não quer se relacionar com... pessoas normais, se fecha para o mundo, mas frequenta uma escola.

            _ Não é tão simples. Eu e Abi... – Brian pigarreou, e continuou – estamos aqui para completar o ciclo de aprendizagem.

            _ Que vem a ser...

            _ É como uma escola. Nós recebemos treinamento, estudamos física, química, biologia e tudo o mais. Mas somos treinados para nos misturarmos sem sermos percebidos... Bem, depois de você aparecer, acho que vou ser reprovado. Enfim, é parte do teste. Estamos aqui como uma espécie de sentinelas na cidade. Ultimamente Ford tem passado por situações nada convencionais.

            _ A propósito. Podemos continuar nossa conversa – eu pedi.

            _ Não aqui. Nos encontramos na sua casa. Vou jantar lá, então...

            _ Como é? – eu o encarei, cético – você está se convidando para jantar na minha casa? Você é mesmo um folgado, cara.

            _ Você enche minha barriga, eu sacio sua fome por respostas.

            _ Hum... Justo.

            Brian mudou sua expressão. Não era séria, ou amistosa. Era fria.

            _ Preciso te contar uma coisa – ele murmurou.

            _ O que é?

            Brian olhou para os lados e, percebendo que era seguro falar, começou.

            _ Vou ser breve. Mas, antes, preciso te dizer para não se sentir culpado.

            _ Ok, você está me assustando. O que houve?

            _ Lembra-se de Augustus? O dono da loja?

            _ O que tem ele?

            Senti um frio no estômago, eu já esperava uma notícia bem ruim.

            _ Bem, ele foi encontrado... Em alguns lugares.

_ Que... Como?

            _ Os Alucates não gostaram do desaparecimento da chave. Essa manhã um grupo patrulha de Homúnculos encontrou Augustus em três lugares.

            _ Como é possível?

            _ É uma espécie de brincadeira para eles. Separam o corpo de suas vítimas em três: ossos, sangue e gordura. A pele eles utilizam para fazer remendos em suas quimeras.

            Por um momento eu senti o refeitório girar, ou talvez eu estivesse girando. Ouvir as palavras saírem naturalmente da boca de Brian era ainda mais assustador.

            _ Descobrimos o que eles queriam... Parece que Augustus foi morto porque... Deixou a chave sumir... Ah, além de deixar morrer “uma das criaturas mais perfeitas”, como disse Parshes.

            _ Por que...?

            _ Como?

            _ Por que? – eu repeti, cerrando os punhos. Não era culpa. Era ódio, fúria – Por que eles fazem isso?

            _ Alucates são sádicos, gostam de deixar um rastro, mostrar que estiveram ali e não têm piedade. Matthew, de forma alguma pense em ir atrás de algum deles, descobrir onde estão, nada disso. Continue em segredo, se encontrar com Parshes, suma de vista. Ela é perigosa.

            _ Parshes... Ela é Alucate? – minha cabeça ainda girava, mas eu estava me esforçando para manter a mente no lugar. Mas havia algo muito mais forte dentro de mim, uma vontade que tomava consciência e racionalidade, como se quisesse machucar. Meu ódio estava transparecendo.

            _ Não. É um Homúnculo. Alvo. Mas é pior do que muitos Rubros.

            _ Ela... – fechei os olhos, tentando manter a raiva, mas era impossível. Meu peito estava prestes a explodir – Ela fez isso? Com Augustus?

            _ Duvido. Ela não é do tipo que suja as mãos.

            Por um breve momento eu senti o ar pesar em meus pulmões. Lembrei-me do dono da loja suplicando por piedade, Parshes ria e mostrava algo a ele.

            _ Ela cria ilusões. Aparentemente não te afeta – Brian parecia compreender o que se passava na minha mente – acho que faz parte de sua habilidade especial. Você disse que tem intuições, às vezes. Parece que sua mente e instinto não podem ser enganados.

            _ Eu... Augustus tinha uma família Brian.

            _ Já era, cara. Não adianta...

            _ ELE TINHA UMA FAMÍLIA!

            O segundo seguinte foi um caos. As janelas tremeram, as mesas ergueram centímetros do chão, os azulejos arrancaram do piso e paredes, estourando no ar. Os vidros das janelas espatifaram e milhares de cacos foram arremessados.

            Todos se abaixaram para se protegerem das munições cortantes, enquanto Brian e eu olhávamos a cena, aparvalhados. Eu sabia, não entendia como, mas sabia. Eu havia feito aquilo.

            _ Rápido! – Brian me puxou pelo braço e me conduziu até debaixo da mesa.

            _ O que está fazendo? – eu sibilei – você sabe que fui eu...

            _ Shhh! Aja naturalmente, imbecil! – ele sussurrou em resposta.

            Os gritos de espanto dos alunos cessaram, mas depois que parecia seguro se levantar, os murmúrios continuaram. Todos olhavam de um lado para o outro, perplexos. Ninguém poderia entender o que havia acontecido.

            _ Como você fez isso? – Brian perguntou – eu não sabia que você podia fazer isso.

            _ Eu não sabia. – eu confessei, ainda confuso – eu apenas... Senti raiva. Quando dei por mim, tudo estava um caos.

            Brian olhou para todos os cantos, o resultado da alteração do meu humor. Ele esfregou as têmporas, nervoso.

            _ Cara, você vê o que está acontecendo? Você precisa de treino, orientação. Isso pode sair do seu controle, Matthew. Precisamos...

            _ Precisamos manter mais esse segredo – eu falei, decidido – Não quero que ninguém saiba... De mim. Você sabe que o resultado pode não ser bom.

            _ O que? Pior do que isso? – Brian ergueu os braços, indicando a destruição.

            _ Eu não duvidaria.

            _ Tudo bem. Eu quero ver a chave hoje.

            _ Depois da aula.

            _ Vou jantar na sua casa, lembra?

            _ Ah, claro. Me espere depois das aulas.

            _ Seu pai vem nos buscar?

            _ Não. Nós vamos a pé.

 

            Estávamos correndo o campo de ipês.

            _ Hei, espere – eu avisei – preciso pegar minha bicicleta.

            Nós paramos perto do arbusto, peguei minha bicicleta e montei nela.

            _ Nós podemos continuar correndo – avisou Brian.

            _ E dizer o que? Que voltamos da escola a pé? Eu moro na saída da cidade, Brian. Não é como ir do outro lado da esquina.

            _ Pra mim é.

            Eu revirei os olhos, desistindo da discussão.

            _ Apenas suba na garupa.

            Chegamos em casa, onde Brock, como de costume, estava me esperando na escada de mármore, com a língua de fora e as orelhas caídas.

            _ Hei, Brock! – eu gritei de longe.

            Ele veio em nossa direção, arfando com a baba pingando no chão. O seu tamanho grotesco era tão desproporcional a sua personalidade, dócil e adorável.

            _ Odeio cachorros – resmungou Brian.

            _ Você pode ir pra casa, se quiser.

            _ Não, obrigado. Posso aturar um saco de pulgas pela chave.

            _ Você quem sabe.

            Assim que descemos da bicicleta, Brock saltou sobre mim, lambendo meu rosto como se eu fosse um pedaço de osso. Era bom saber que alguém sentia falta de mim naquela casa.

            A reação de Brock, no entanto, mudo de repente. Ele não olhava mais pra mim, estava fixo no olhar de Brian, rosnando e exibindo dentes afiados que eu nunca havia notado.

            _ Ele deve saber que você não gosta dele – falei.

            _ Se ele chegar mais perto, eu acabo com ele.

            _ Você não ousaria.

            Brian e eu entramos pela porta da frente, Brock ainda na escada, rosnando de uma forma que eu não me lembrava. Brock sabia que ele era diferente, talvez fosse uma espécie de habilidade animal. Dizem que cães podem ver fantasmas, talvez fosse algo parecido.

            _ Cachorro esquisito – Brian murmurou.

            Assim que entramos, fomos tomados por um cheiro delicioso. Aquele, sim era o aroma da comida que minha mãe se dedicava a fazer. Há tempos eu não a via cozinhando tão bem. Talvez as coisas voltassem ao normal.

            _ Oh, alô, filho. – meu pai estava descendo as escadas quando nos viu – que bom vê-lo.

            _ Oi, pai. Olha, trouxe um amigo para jantar aqui em casa hoje, tudo bem?

            _ Ok. Vão se lavar, o jantar estará pronto logo.

            Brian se adiantou, em direção ao meu pai, com um sorriso estampado no rosto que, definitivamente, não pertencia à sua personalidade.

            _ Prazer em conhece-lo Sr. Chambers. – ele estendeu a mão amigavelmente.

            _ É um prazer tê-lo conosco...

            _ Brian. – ele completou.

            _ Vamos, Brian – eu interrompi – vamos nos lavar.

            Assim que subimos as escadas, já longe da visão dos outros, eu segurei Brian pelo ombro.

            _ Hei, cara. O que pensa que está fazendo?

            _ O que quer dizer? – a cara dele estava séria outra vez.

            _ Agindo como se fosse meu grande amigo.

            _ Atuar é uma coisa que se aprende quando se tem um segredo.

            _ Sério? Bem, eu não quero que você venha na minha casa e tente conquistar minha família. Seja o mesmo cara idiota que você é.

            _ Qual o problema?

            _ Qual o problema? A melhor pessoa que eles poderiam conhecer não pode mais me ver, e meus pais pensam que ela é uma drogada.

            _ Ah,você está falando da Abi.

            _ É, eu estou falando da Abi. Ela é muito melhor do que você. Não quero que minha família comece a gostar de uma pessoa que não existe.

            _ Escuta, Brian. Eu só quero ver a chave, depois disso, eu desapareço e não volto mais.

            _ Vamos descer, então. E acabar logo com isso.

            Assim que descemos, todos estavam a mesa, já nos esperando. Emilliene sorriu radiante quando me viu e apontou para a cadeira vazia ao seu lado. Eu me sentei entre ela e meu pai. Minha mãe sentou-se do outro lado, perto do meu pai, e Brian ao lado dela. Richard sentou-se na outra ponta da mesa.

            Eles se cumprimentaram, Brian se apresentou com aquele jeitinho de mentiroso ordinário. Eu ainda estava cogitando a hipótese de não entregar a chave. Meu irmão parecia ter agradado dele, mas minha mãe foi totalmente indiferente.

             

           

 

 

                

             

           


_ Sra. Chambers, se a comida for melhor que o cheiro, então vou ter que pedir para me adotarem.

            Meu pai soltou uma risada, minha mãe apenas sorriu, indiferente.

            _ É só lavar a louça – Rich brincou – que a gente pode pensar no caso.

            _ Não, Brian já está feliz em sua casa – eu retorqui – com todos os estranhos.

            _ Matthew! – meu pai me repreendeu – que modos são esses?

            _ Não liga, sr. Chambers – Brian deu uma risada – não se preocupa, ele só está brincando. Matt é um brincalhão.

            _ Minha mãe trancou a cara, colocando os pratos sobre a mesa. O comentário de Brian não a agradara.

            _ Matt? Um brincalhão? – Rich murmurou, incrédulo – não o meu irmão Matt.

            _ Caramba, Matt. Sua família não te conhece. – quando Brian falou, ele engasgou, e então sorriu novamente, tentando se recompor – desculpem, foi só um teste. Acho que falhei.

            _ Teste? – Rich perguntou.

            _ Deixa pra lá, piada entre Matt e eu.

            Brian me olhou, sorrindo. Eu tentei ler sua expressão, mas ela estava superficial demais, havia algo em sua atitude. Ele pareceu levemente decepcionado ao notar que eu não havia entendido o que ele queria dizer. Eu dei de ombros, indiferente. Minha mãe começou a nos servir.

            Brian fez um sinal com os olhos e voltou a falar com toda a minha família.

            _ Sabe, o Matt sabe fazer muitas coisas... – outra vez ele engasgou.

            A princípio, eu o fitei alarmado. Por um momento, eu achei que ele iria contar o que eu realmente era capaz de fazer, com todos aqueles poderes. Então eu entendi. De fato, ele tentou dizer o que eu era, tentou dizer sobre os homúnculos, mas então engasgou, quase como se as palavras não pudessem sair, como se ele não pudesse contar nada. Logo compreendi o que ele quisera dizer com “teste”. Ele estava testando minha família, vendo se eram homúnculos. Se fossem, ele poderia revelar o segredo, mas o juramento havia impedido.

            _ Por exemplo? – meu pai perguntou, tão excitado quanto curioso.

            _ Boas notas, popularidade, as garotas não param de olhar pra ele. Ele gostada de uma garota, mas ela foi embora por algum tempo, eu acho.

            _ Ah, nós sabemos sobre a garota – Rich riu .

            Brian agora falava sobre a escola, dizia vez ou outra as façanhas que eu “fazia”, e como eu era um bom amigo, e eu me segurei para não acertar Brian com a molheira. Richard estava extremamente irritante, me fazendo ficar vermelho de raiva a cada comentário. Minha mãe o olhava nitidamente insatisfeita com a atitude de Rich.

            _ Matt não é bem o tipo de filho que a gente esperava, sabe – Rich falou, gargalhando. Brian estava adorando isso – Ele é todo às avessas, calado. Pelo menos na sua escola ele mudou.

            _ Rich – minha mãe murmurou.

            _ Ah, mãe, deixa. Matt não liga pra isso, não é, maninho? – ele se virou pra mim.

            _ Se você não calar a boca, Rich, eu vou fazê-lo – eu o ameacei.

            _ Você? – Rich deu uma gargalhada – o que foi? Se achou o máximo só porque quebrou o braço de um cara e desafiou três?

            _ Ah, então ele contou? – Brian sorriu – Foi legal, hein, Matt? Você, Abi e eu demos um jeito neles.

            _ O trio detona-tudo – meu irmão caçoou – agora é só uma dupla.

            _ Richard! – minha mãe repreendeu rudemente – controle seu temperamento.

            _ Foi mal, mãe – Rich resmungou.

            _ Quer saber. Eu estou satisfeito – eu disse me levantando da mesa – vamos Brian, você já comeu bastante.

            _ Eu ainda nem comi a sobremesa – ele resmungou.

            _ Uma pena – eu o encarei – vamos.

            Brian se levantou, rendido, levantando as mãos pra cima.

            _ Eu aprendi que é falta de educação sair da mesa quando se tem outras pessoas. – Brian avisou – Sr. e Sra. Chambers, me desculpem por isso. Castiguem sem filho depois.

            Meu pai deu uma risada, falando:

            _ Tudo bem, rapazes. Estão dispensados.

            _ Lá fora, Brian – eu falei, apontando para a porta dos fundos.

            _ Ok.

 

            _ Qual o seu problema? – eu esganicei, ainda sentindo a comida tentando descer pela garganta, assim que chegamos à varanda - o que estava tentando provar lá dentro?

            _ Você sabe o que eu tentei fazer.

            _ É... Mas, e se eles fossem... Homúnculos?

            _ Você estaria sabendo a essa altura do campeonato, e não haveria segredos.

            Estava certo. Mas não era isso que me incomodava. Eu não sabia o que, exatamente, estava me deixando inquieto. Mas, quanto mais tempo se passava, mais essa estranha sensação me tomava e me apavorava. Era como se algo muito ruim estivesse prestes a acontecer.

            _ Vamos logo terminar com isso. – eu avisei – vamos para a floresta.

           

            Estávamos na floresta, sobre as pedras que escondiam a cova funda da quimera. Brian estava segurando o trompete com cautela analisando cada centímetro de metal dourado, como se tentasse encontrar qualquer coisa pouco normal.

            Quanto mais seus olhos se aproximavam da extremidade do instrumento, mais o pingente de metal pesava em meu pescoço. Eu não tinha contado sobre o bocal quebrado, ou sobre o nome impresso nele. Algo como aquilo era importante demais, eu estava preparado para contar apenas para Abi.

            _ Hei – Brian murmurou. Havia percebido que um pedaço estava faltando – onde está o bocal disso aqui?

            _ Ah... Eu não sei – eu menti – talvez eu tenha quebrado durante a luta. Eu não estava raciocinando bem.

            _ Você tem certeza que isso é a chave? – ele perguntou.

            _ Bem... Não, mas se não for, está relacionado.

            _ Ela disse que era a chave.

            _ Amanda Parshes queria que Augustus descobrisse algo sobre a chave, e entregou o trompete a ele. Não é difícil deduzir.

            _ Matthew, não podemos continuar com isso sozinhos.

            _ Não me venha com essa, Brown! – eu retorqui – não é negociável, nem questionável. Enquanto eu não tiver certeza que é seguro revelar minha identidade para o resto do mundo, ou melhor, Submundo, vamos continuar assim.

            _ Você é quem sabe. Mas a chave não pode ficar aqui. – ele avisou – Muita gente perigosa deve estar procurando por ela e, sendo uma chave ou não, está claro que é fundamental para o que querem fazer.

            _ E o que querem fazer? – eu perguntei.

            _ Bem... Não é certo ainda, é apenas uma hipótese. – ele disse, pensativo.

            _ Eu quero saber.

            Brian suspirou, e eu sabia que seria um alonga história.

            _ Tudo bem. Mas vou avisando, é tediosa... Tem certeza? Ok.

            Bem, tudo começou há mais ou menos três mil e quinhentos anos atrás. Havia um guerreiro, muito conhecido na história que estudamos na escola sobre Grécia, Esparta e essas coisas. Já ouviu falar em Agamemon?

            _ Agammêmnon. – eu corrigi.

            _ É, isso também – ele não gostou da intervenção, mas continuou – bem, ele era filho de Atreu, rei de Mecenas, e de Aerope, e tinha um irmão. Menelau. Durante muitos anos, Agammêmnon passou por muitos conflitos, ganhou muitos deles e, cada vez mais, se tornava forte. Eu digo forte, literalmente.

            _ O que isso quer dizer?

            _ Calma, vou chegar lá. Atreu foi assassinado por Egisto, que tomou o reino de Argos e acabou governando com o pai Tiestes. Agammêmnon e Menelau acabaram buscando refúgio em Esparta. Lá eles se casaram com espartanas, Menelau herdou o trono de Esparta e, Agammêmnon, após se casar com Clitemnestra, espartana, conseguiu recuperar o trono de Argos, expulsando Egisto e Tiestes do império. Agammêmnon teve três filhas, Ifigênia, Electra, Crisotêmis e um filho, Orestes. Contudo, a história da família de Agamêmnon tinha sido manchada por violação, assassínio, incesto, e traição. Os gregos acreditavam que este passado violento lançou infortúnios sobre a inteira Casa de Atreu. Eles acreditavam que o rapto de Helena, esposa de Menelau, era uma espécie de castigo. Mas Agammêmnon não quis saber de conversa, reuniu tropas e decidiu invadir Tróia.

            A partir dali, meu camarada, as coisas começaram a ficar feia. Eles estavam em uma embarcação, onde um homem viajava entre eles, o adivinho Calcas. O que a história não revela é que ele era um homúnculo. Seu nome não era Calcas. Era Vance. Exatamente, é mais alguém do seu passado, Matthew. E, acredite, não era uma boa pessoa. Naquela noite, de lua cheia, Vance podia usar seus poderes com perfeição, e o fez. Contou uma grande mentira para Agammêmnon. Se Agammêmnon entregasse a filha Ifigênia ao mar, a grande tempestade que se aproximava cessaria, e eles poderiam seguir viagem sem mortes trágicas. Agammêmnon acaba cedendo.

            _ Ele entregou a própria filha? – eu exclamei indignado – ele matou a...

            _ Ela não morreu, Matthew. Era tudo um plano de Vance. Ele tinha um dom, único, que deu início ao destaque do nome Vance. Graças a isso o nome de sua família é o mais temido em todo o Submundo. Ele era capaz de manipular auras, e ele fez exatamente isso.

            _ De que forma? – eu perguntei.

            _ Durante a guerra, Agammêmnon matou muitas pessoas, populações dizimadas, a destruição foi em massa. Vance, com isso, conseguiu conter toda a aura perdida pelos mortos. Essa energia não era retida pela lua.

            _ Onde essa energia estava se concentrando? – eu perguntei.

            _ No próprio Agammêmnon. – ele respondeu, sombrio – Vance sabia que o guerreiro morreria. Bem, Agammêmnon morreu.

            _ Então o poder retornou à lua, certo?

            _ Não. Matthew, você já ouviu falar na máscara de Agammêmnon?

            _ Bem, sim. É uma máscara funerária, certo?

            _ Exatamente. Ela foi forjada pelo próprio Vance. Tanta energia no corpo de uma pessoa não seria dispersa com tanta facilidade. isso concedeu tempo ao Vance de colocar a máscara no corpo de Agammêmnon durante o funeral. Você sabe, quando guerreiros importantes morriam, eram enterrados com máscaras feitas de ouro.

            _ Eu sei disso. Mas historiadores comprovaram que a máscara não pertenceu a Agammêmnon. – eu corrigi.

            _ Cara, você é tão nerd. – ele retorquiu, revirando os olhos – de qualquer forma, realmente é isso que a história diz. Mas essas provas foram colocadas de propósito, pelo nosso povo, os homúnculos. Assim qualquer pista seria afastada da máscara.

            _ Então, de fato, a máscara pertenceu à Agammêmnon. – eu deduzi.

            _ Exato. E não é só. A aura de milhares de pessoas estão aprisionadas naquela máscara. Vance forjou a máscara para conter toda essa aura e usá-la a seu favor. É claro, ele foi morto, e a máscara está segura.

            _ Ah, acho que não – eu comecei outra vez – ela está em um museu no...

            _ Aquela não é a máscara verdadeira, Matthew. A máscara de Agammêmnon está escondida em um lugar bastante seguro, escolhido por nossos antepassados. E, pelo que parece, a chave que eles procuram é capaz de encontrar a máscara.

            _ Mas como isso é possível? – eu quis saber.

            _ A cada duzentos anos, a máscara é removida para um novo lugar, dessa forma seria mais fácil desviar a atenção dos caçadores, entende. A chave é a única forma de encontrar o lugar e, em seguida transportá-la. Mas não é tão fácil. Dizem que guerreiros do Submundo estão treinando para conseguir encontrar a máscara, pois ela é protegida por muitos perigos. Homúnculos morrem apenas para encontra-la e transportá-la. Não é fácil.

            _ Está tudo muito fantasioso. – eu reclamei – parece uma daquelas histórias.

            _ Mas não é só uma história. Gostando ou não, é a verdade. E pouco importa o que aconteceu no passado. O importante é manter a chave escondida, assim eles não encontram a máscara, não usam toda aquela energia contida e continuamos vivos. Me parece ser bem real, se me perguntar.

            _ Tudo bem. Mas acho que, por hoje, chega de nostalgia.

            _ Ok, você é quem sabe... Bem, acho que vou tomar o meu rumo.

            _ Hã-hã. Não se esqueça – eu disse.

            Enfiei a mão no bolso da calça jeans, tirando uma carta.

            _ Você prometeu que entregaria a Abi.

            _ Ah, claro. Bem, não sei se posso.

            _ Eu mostrei a chave, você deve cumprir sua palavra.

            _ Tudo bem, mas a chave fica comigo. – ele impôs.

            _ Não, você leva a carta e fica feliz. Você me traz a resposta e eu fico com a chave.

            _ Você acha mesmo...

            _ Eu lutei pela chave, Brian. Posso lutar mais uma vez por ela.

            Brian pareceu relutante. Ele não parecia incomodado em lutar, mas não parecia querer lutar comigo. Não que eu quisesse admitir, mas estávamos nos tornando amigos em razão das circunstâncias.

            _ Tudo bem, a chave fica, eu levo a carta. Mas você não pode deixar a chave na sua casa. – ele avisou – não sabemos se eles podem encontrá-la. Enterre-a junto com a quimera.

 

            Brian e eu abrimos a cova mais uma vez. A quimera ainda estava intacta, sem nenhuma putrefação, nem o cheiro era tão mal quanto se esperava. Apenas seu rosto continuava deformado.

            Brian, sem cerimônia, pegou a criatura pelas minúsculas orelhas e puxou na direção contrária ao corpo. A cabeça arrancou e uma quantidade de sangue enorme escorreu. Era impressionante como a coisa tinha tanto sangue depois de dormir tanto tempo dentro do solo.

            _ Hei, o que está...

            _ Não reclame – ele disse – é um bom lugar.

            Brian tomou a chave das minhas mãos e abaixando-se ao lado do corpo decapitado, pegou as extremidades do enorme buraco onde, antes estava uma cabeça feia e desproporcional.

            _ É um bom esconderijo.

            Brian enfiou o trompete dentro do pescoço da quimera, empurrando-a até chegar ao tórax.

            _ Vamos ter que fazer uma cova mais funda – ele anunciou, indiferente com a mancha de sangue que crescia da ponta dos seus dedos até os cotovelos.

            _ Isso, um dia, foi um humano? – eu perguntei, imaginando como eu me sentiria se me enfiassem um trompete goela abaixo.

            _ Humanos. Músculos, pele, olhos e cabelos, a estética é feita por restos humanos. O resto é produzido pelos Alucates. Não conhecemos as técnicas, mas sabemos que é horrível o suficiente para não precisarmos estudar nada disso. Apenas matamos essas coisas e, se possível, quem as criou.

            _ Então... Aí a chave estará segura – eu perguntei.

            _ Se essa for a chave, sim. Se não for, pelo menos vai atrasá-los.

            _ Então acho que podemos ir embora.

            _ Está com medo? – ele caçoou.

            _ Não... É só uma impressão ruim. Acho que eu deveria estar em casa.

            _ Tudo bem. Aproveito e lavo minhas mãos.

            Estávamos correndo até minha casa, sentindo nossos pés deslizarem sobre a grama úmida, o reflexo da lua, escondida por entre as nuvens, quase imperceptível agora. Ainda assim, eu sentia meu corpo forte o suficiente para resistir àquela sensação ruim.

            _ Ta bom, é oficial – eu falei – algo muito ruim vai acontecer.

            Chegamos na varanda da minha casa. Brock ainda esperava, silencioso, deitado sobre suas patas dianteiras, me olhando com os olhos castanhos redondos e marejados, como se estivesse feliz em me ver.

            _ Alô, Brock. Tudo bem aqui em casa? – a sensação não me deixava, eu ainda estava preocupado.

            Brian, de repente, segurou meu braço, trêmulo.

            _ Matthew...

            _ O que foi? – eu perguntei. Mas, eu sabia, a sensação estava densa. Estava para acontecer.

            _ Alucates... – ele murmurou.

            Brian estava olhando para a densa escuridão. Eu me virei para a mesma direção, sentindo o ar ficar mais pesado, o suor escorrer do meu corpo desorientadamente.

            Cinco vultos surgiram das sombras. Eu senti o cheiro. Era sangue, gosto de cobre na minha garganta, um frio imensurável. O pior estava ali, bem a nossa frente.

              

 

 

 

 


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