A Lua escrita por Pedro_Almada


Capítulo 15
Revelações




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Revelações

 

            O céu estava incrível. Depois de um longo dia na escola, longos períodos de reflexão e algum tempo entretido nos deveres, sentar no parapeito da janela e admirar o tom branco-pérola da lua me trazia um pouco mais de calma, uma sensação tranqüilizadora inexplicável. Bem, eu estava acostumado com questões sem resposta.

            Brian estaria me esperando na floresta dentro de uma hora para ver a coisa e tentar solucionar algumas das minhas dúvidas. Enquanto eu esperava, tentei me libertar de todas aquelas lembranças, tentei esquecer de uma natureza da qual eu jamais conseguiria fugir. Pela primeira vez, em muito tempo, eu me sentia melhor. A lua minguante devia ter esse efeito sobre mim. Não era bem calma, ou alegria. Era mais um tipo de aceitação, um calor cálido e consolador, como se fortalecesse minha mente, dando um pouco mais de sentido à minha vida pouco normal. Quando mais eu imaginava minha vida em Seattle, mais eu desejava não ser um Vance. Era um nome pesado demais.

 

            ******************FLASHBACK************************

 

            Meu avô acabara de chegar em Seattle e, depois de uma estafante viagem de avião, minha mãe pediu para dar um tempo para o velho. Que nada, era ele quem não me dava tempo. Ele tinha a energia de um adolescente.

            Era natal, estava muito frio, a neve estava granulando o chão com flocos miúdos de gelo. Vovô sempre me trazia algo novo, algo que prometia mudar a minha vida. Naquele dia ele me entregou um livro, o melhor que eu havia lido. “Frankenstein”. Com apenas oito anos eu conhecia a história do cientista que tentou transformar morte em vida, tentou dar sentido ao que não se podia compreender. Ele conseguiu produzir um ser, mas não era humano. Não importa do que era feito, sua essência havia se perdido durante o percurso, agora não restava nada, a não ser um monstro. Ele nunca mais seria o mesmo. Não minha opinião, Dr. Frankenstein era um sádico.

            Vovô gostava de me contar histórias pouco conhecidas e, as vezes, quando ele as narrava, tão convicto e seguro, eu chegava a acreditar em cada palavra.

            Ele me contou da história do grande Murdock, um ogro que se apaixonou por uma bela sereia. Ele me explicou que sereias não são como mostram nas histórias, metade mulher, metade peixe. Sereias são mulheres que caminham nuas nas profundezas do oceano, controlam as correntes dos mares e possuem o semblante lindo, perfeito. As sereias emergiam apenas quando a face da lua cheia tocava o mar, quando os portões dos mares profundos ligavam os dois mundos. Vovô me contou que, na história de Murdock, o ogro se apaixonou por uma sereia em especial, Madeleine. Madeleine, diferente de todas as outras sereias, não podia cantar, ela era muda, e não conseguia encantar o coração de nenhum homem. Murdock, por outro lado, apaixonou-se mesmo não estando sob o efeito do encanto, era um sentimento verdadeiro que nasceu naturalmente, e jurou seu amor, mas ela só queria uma coisa dele: o seu talento. Murdock talhava instrumentos de madeira usando suas unhas compridas. Ele, então, talhou uma flauta para Madeleine. Ela assoprou e, de repente, foi como se pudesse cantar como todas as outras sereias. Ela seduziu Murdock para as profundezas do oceano, e morreu afogado. Madeleine, arrependida, passou o resto da noite tocando sua flauta sobre um rochedo, até que a lua cheia se foi. Ela não conseguiu voltar antes do nascer do sol. Ela sabia que iria se tornar parte do mundo onde estava no instante em que o sol tocasse sua pele. Então, antes de se tornar um monte de pedras, arrancou o próprio coração e o jogou no mar. Era a forma de manter a paixão que tinha por Murdock viva. Era o único jeito de provar a si mesma que não tinha um coração de pedra. Assim que o sol nasceu e os primeiros raios de sol tocaram sua pele fria, Madeleine ficou imóvel, petrificada. Ela passou a ser parte do rochedo, e nunca mais poderia voltar para casa. Mas seu coração estava em algum lugar, ainda vivo, feito de carne e sentimentos, onde o sol não poderia aquecer, mas jamais conseguiria endurecê-lo.

 

*********************FLASHBACK OVER**********************

 

            Durante a noite, fiquei pensando naquele natal com o meu avô a história de Frankenstein e, principalmente, no romance entre um ogro e uma sereia. Murdock se mostrou tão mais amoroso, tão mais humano, mesmo sendo monstruoso e feio, enquanto Madeleine só pensava em si mesmo, deixando seu desejo falar mais alto.

            Era uma boa forma de me manter longe dos outros problemas, embora fosse preciso muito mais para me fazer esquecer por completo. Olhei o relógio de mesa. Estava quase na hora. A julgar pelo silêncio todos estavam dormindo. Minha maior preocupação agora era conseguir confiar em Brian Brown.

            Abri a porta do meu quarto sem fazer o menor ruído, olhei para o corredor, agucei minha audição, tentei observar qualquer sinal de movimento. Estava tudo certo, todos estavam cerrados no sono, exceto eu ainda “aceso” e sob o efeito já habitual da insônia. Com a prática e costume, saltei da janela e caí em pé no chão, sem fazer um único ruído. Nem mesmo uma nuvem de poeira subiu com o meu movimento sorrateiro. Brock estava na varanda. Ele me encarava com aqueles olhos castanhos tão vivos e cheios de sentimento. Ele ergueu as orelhas, o rabo abanando levemente.

            _ Não se preocupe, “grandão” – eu murmurei – Não vou demorar.

            Ele choramingou de leve, as orelhas baixaram novamente e ele se encolheu entre as patas, mas sempre me fitando com aqueles olhos de quem pede alguma coisa. O bom e velho Brock, o maior cão e mais preguiçoso que já passara por aquelas terras.

           

            Brian já estava na orla da floresta, aparentemente impaciente. Estava de braços cruzados, olhos fechados, sentindo a luz da lua atravessar o corpo. Eu sabia como ele se sentia, era uma sensação incrível.

            _ Você demorou – ele disse assim que me viu.

            _ Meus pais não podiam me ver saindo – eu respondi.

            _ Bem... Mostre-me a coisa.

            Eu o conduzi até a clareira, onde os galhos e as pedras ainda protegiam a cova. A noite fria já não me incomodava, apenas o fato de ter que ver o rosto da criatura outra vez poderia ser perturbador.

            _ Eu a deixei ali.

            _ Vamos desenterrá-la, então.

            Levamos mais ou menos dois minutos para fazer o serviço silêncio e discretamente, tomando o cuidado para colocar os galhos e pedras com cautela no chão. Assim que removemos toda a areia, Brian puxou a coisa pelos pés, deixando-a sob os feixes de luz da lua que invadiam a clareira por através das copas das árvores.

            Diferente de mim, Brian não parecia estar incomodado com a aparência daquela coisa, mas ele estava bem atento. Indiferentemente, ele pegou um galho e começou a cutucar o abdômen da fera, depois a cabeça desfigurada e a mão protuberante acima da cabeça.

            _ É uma coisa bem feia – ele disse – Você fez um belo estrago aqui.

            _ Eu não tinha escolha.

            Brian me olhou, sério.

            _ Escuta, Matthew. Você não precisa falar como se sentisse culpa. Você já deve ter percebido que essas coisas são... Bem, possuem uma parte humana. Mas eles NÂO são mais humanos. Não hesite quando outra coisa assim te atacar, porque elas não terão piedade de ninguém.

            Eu balancei a cabeça, tentando dizer que estava tudo bem. Mas agora, ali, na escuridão com a coisa ao meu lado, eu não me sentia nada bem.

            _ Isso não é mais um ser humano – Brian continuou – é uma quimera.

            _ Uma... Quimera – eu repeti.

            _ Quimeras são criaturas fabricadas artificialmente a partir de pedaços de outros seres. Nesse caso, eles são produzidos a partir de um embrião.     

            _ Peraí! – eu apontei para a quimera, perplexo – você quer me dizer que essa coisa... Nasceu?

            _ Sim... A partir de genes humanos combinados com genes de outros animais. Isso é mais um prodígio dos nossos... Bem, dos nossos inimigos. Eles são geneticistas, acho que podemos dizer dessa forma. Eles criam essas... Essas feras mestiças.

            _ Ok, então essa é a sua deixa para me explicar tudo o que eu tenho que saber.

            Brian suspirou, sem tirar os olhos da coisa. estava muito claro que a história seria longa, mas eu queria saber de tudo, eu queria conhecer a minha natureza e tentar conviver com isso. Eu estava cansado de não me encaixar em lugar nenhum.

            _ Ok, sente-se. Essa vai ser uma longa história.

            Nos sentamos ao lado da fera mestiça, eu não me atrevi olhar para ela outra vez, mas Brian, vez ou outra, encarava a coisa com indiferença.

            _ Bem, vou começar do início. – Brian encarou a quimera mais uma vez e continuou – Bem, há muito tempo atrás, coisa de milênios, existiu três seres muito poderosos. Seus nomes era Blair, Renwick e Vance. Esses três guerreiros possuíam poderes inimagináveis. Eles eram responsáveis por proteger os doze pilares.

            _ Doze pilares?

            _ Sim. Esses pilares eram banhados com uma energia muito forte, e era essa energia que mantinha a ordem do planeta: sua órbita em perfeito estado, o ciclo da água, a camada de ozônio, tudo.

            _ Então, esses pilares eram fundamentais à vida.

            _ Sim, bem... naquela época. Mas veja. Os três conheciam os poderes inigualáveis armazenados em cada pilar. Então um dia, eles percebendo que haviam doze pilares, acreditavam que se tirasse uma não faria mal. Vance, Renwick e Vance pensaram a mesma coisa, entende? Bem, cada um tomou um pilar para si.

            _ Vance também?

            _ Eu sinto muito desmanchar sua idealização da família, Matthew. Mas os Vance sempre foram os mais problemáticos.

            _ Ótimo, isso é uma coisa que eu não gostaria de saber.

            _ Eu sinto muito, mas você pediu que eu contasse tudo.

            _ Ok... – eu murmurei. De fato, aquela não era a imagem que eu esperava da minha família – continue.

            _ Cada um pegou uma para si, e isso abalou a normalidade. A energia guardada pelos pilares começou a ser disseminada no próprio espaço, seria o fim do mundo naquele momento. Mas, então, uma coisa que ninguém esperava aconteceu. A lua começou a absorver essa energia. De alguma forma, ainda ninguém consegue explicar, a lua absorveu toda a energia dos pilares. A partir daí, surgiu a nova raça de humanos: os Homúnculos. Os três guerreiros responsáveis pela proteção dessa energia foram severamente castigados pelo destino. Sua descendência viveria para manter essa energia longe de mãos erradas.

            _ Então, se estamos vivendo isso hoje...

            _ É culpa deles. A ganância deles nos trouxe aqui e, com isso, criou muitos outros problemas.

            _ Que tipo de problemas?

            _ Está vendo essa coisa que você matou? – Brian apontou para a quimera – ela foi fabricada pelas mãos de uma vertente de nossa espécie. Os Alucates.

            _ Alucates?

            _ Exato. Esse nome significa, na língua de nossos antepassados, “Inimigos da Lua”. Veja bem, antes de explicar isso, vou dizer o que aconteceu com a energia absorvida pela lua. Com o passar do tempo, a luz da lua passou a banhar toda a humanidade com essa energia, que passou a ser incorporada na aura dos humanos. Assim, eles se tornaram pilares de carne e osso, sem saberem do fardo que carregam.

            _ Isso é...

            _ Triste? Acredite, não é hora para ter piedade. Você ainda não ouviu nada. Bem, toda vez que um humano, ou qualquer outro ser retentor dessa aura morre, a lua capta essa energia novamente, passando-a para um ser de um novo nascimento. Os descendentes dos três guerreiros recebem uma energia ainda maior, porque precisam dela para ajudar a manter a ordem.

            _ Ok, mas... Onde os Alucates entram na história?

            _ Havia um guerreiro, o quarto guerreiro, de nome Grant. Ele tinha poder assim como os outros três, mas se recusou a proteger os pilares.

            _ Só uma pergunta: Por que precisavam proteger os pilares? O que poderia ameaçá-los?

            Brian me encarou, surpreso.

            _ Sabe, essa questão foi levantada por muito tempo. Não se sabe quem chamou os quatro guerreiros para proteger os pilares, de quem deveriam proteger... A nossa história não revela isso. Muitas coisas do nosso passado são um mistério, Matthew. e não sabemos se, um dia teremos a resposta.

            _ Então que destino levou os Grant.

            _ Protegendo ou não, os Grant pagariam como os outros três. Mas a eles foi guardado um destino diferente. Eles foram egoístas, indiferentes com o resto da humanidade. Isso concedeu a eles o pior dos castigos: eles viveriam para domar as feras do Submundo, mantê-las longe do mundo que você conhece como “normal”.

            _ Feras do Submundo?

            _ Criaturas que, para o resto do mundo, só existe em lendas e faz-de-conta. Lobisomens, vampiros, monstros do lago Ness, tudo isso nasceu a partir de criaturas reais, criaturas do NOSSO mundo. Embora essas lendas não existam.

            _ Isso está começando a ficar confuso.

            _ Não, Matthew, não está ficando confuso. Está ficando difícil de acreditar. Apenas abra a sua mente, você já viu de quase tudo mesmo.

            _ OK, enfim. Os Grant...

            _ Ah, sim. Os Grant se revoltaram com essa tarefa, e começaram a conspirar contra o resto do mundo. Eles eram insubordinados, revoltados, começaram a se revoltar. E outro castigo caiu sobre eles. Veja bem, força, velocidade e regeneração padrão são características naturais desses seres, tanto alucates quanto homúnculos. Mas a energia concedida pela lua nos dá uma característica diferente, típica para cada um de nós. Os Alucates perderam esse privilégio, mas em compensação aprenderam tudo sobre genética, hábitos dessas feras, e aprenderam, melhor do que ninguém, manipular a aura em um nível diferente do nosso.

            _ E que nível seria esse?

            _ A aura é invisível, uma energia substancial que nos envolve. Mas os Alucates aprenderam a materializar essa aura, extrair a energia e usa-la como arma. Eles podem lançar essa energia como uma munição.

            _ E isso nós, homúnculos, não somos capazes.

            _ Exato. Como você pode deduzir, os Alucates guardam um rancor muito grande do resto do mundo. Eles decidiram que, se conseguissem tomar dos humanos essa energia, poderiam habitar em um mundo onde não precisariam se esconder, não precisariam ser submetidos como carcereiros de feras irracionais, e não precisariam viver abaixo dos homúnculos.

            _ Então eles se rebelaram.

            _ Sim. Hoje eles se escondem de nós, e nós nos escondemos deles. Mas, de tempos em tempos, essas duas espécies se cruzam, e um conflito tenso começa. Nós homúnculos, tentamos proteger os pilares, eles tentam drená-lo.

            _ Então homúnculos e alucates são, tipo, piores inimigos.

            _ Ah, eu queria que fosse simples assim – anunciou Brian, desanimado – infelizmente, nos últimos anos, Homúnculos têm se mostrado excelentes traidores. Ao que parece, alguns de nós acreditam ser humilhante se esconder do resto do mundo e proteger humanos mesquinhos e egoístas, mesmo nós sendo muito mais fortes.

            _ Isso parece até uma fábula.

            _ Pode soar como uma, mas os detalhes são uma droga. Matthew, pessoas morrem todos os dias misteriosamente. Sabe o que aconteceu com elas? Alucates. Existem bandos deles, baderneiros. São aqueles que não querem saber de que lado vão lutar, querem apenas desfrutar das habilidades. É muito sangue derramado, Matthew. o Submundo está inundado de sangue humano e inocente e, a cada dia, a FourFace tem conseguido evitar os ataques menos ainda.

            _ O que... FourFace?

            _ É assim que administram o Submundo. Existe um conselho composto por três integrantes de cada família. No conselho, existe apenas um Grant, e é Alucate. O único confiável. Eles são responsáveis por punições, leis e tudo o mais.

            _ E onde é o Submundo.

            _ Existem colônias em muitos lugares. Mas gostamos de ilhas. Muitas são particulares, evitando a entrada de pessoas normais. Habitamos em montanhas. Nada de cavernas, não gostamos muito disso. Geralmente, mansões e castelos em ruínas.

            _ É muita coisa para digerir – eu comentei, olhando para a quimera.

            _ Eu sei. Mas ainda tem outra coisa que precisa saber. Existem dois tipos de homúnculos.

            _ Dois tipos... – vez ou outra eu repetia o que ele dizia, na tentativa de memorizar tudo sem deixar passar nenhum detalhe.

            _ Sim. Nós somos os Alvos. Alvos são aqueles que nasceram na lua prateada. E existem aqueles que nasceram durante a lua vermelha, esses são os Rubros.

            _ Ok. Mas... Qual a diferença.

            _ No passado esses dois grupos foram divididos em tarefas. Os Alvos eram pacificadores, mantedores da ordem. Os Rubros entravam em ação quando a paz deixava de ser uma opção. Em outras palavras, as habilidades típicas dos Alvos são de natureza pacífica. Os Rubros... Bem, eles têm uma tendência para carnificina. Nesse aspecto eles são bastante parecidos com alucates. Se algum dia você se encontrar com um Rubro, não lute, Matthew. Fuga. As habilidades deles são única e especificamente usadas para ferir.

            _ Como conseguem manter a ordem? – eu perguntei atônito – como o mundo pode viver em paz se coisas ruins como essas acontecem...

            _ Existe uma forma de resolver tudo isso – Brian falou calmamente – Existe uma pedra chamada Secto Selum. Essa pedra foi usada, por anos, para selar os poderes de Homúnculos e Alucates. É dessa forma que o Submundo tenta se manter em ordem. Privando da própria natureza aqueles que não sabem administrá-la. Não é uma coisa boa, mas não temos outras opções.

            _ Secto Selum... – eu repeti – e que tipo de pedra seria?

            _ Na verdade, não é bem uma pedra. Veja bem. Durante o rompimento dos pilares, houve um grande conflito para tentar restaurar a ordem. Houve uma guerra, Grant versus Vance. Bem, acredite ou não, Vance perdeu. Ele foi lacerado pelo inimigo. Grant cremou o corpo de Vance. Apenas um órgão não foi queimado. O coração. Não porque resolveram poupar o coração, nada disso. O fogo simplesmente não foi capaz de consumi-lo.

            _ Um Vance foi derrubado, então.

            _ Correto. O coração foi petrificado. Segundo nossa cultura, quando um líder é morto em batalha, seu coração deve ser petrificado. Isso torna o órgão apto a selar a energia que banha a aura.

            _ Um líder homúnculo?

            _ Não. Qualquer pessoa com o talento natural de liderança é digno de tomar esse tipo de decisão. Mas apenas o coração de Vance se mostrou poderoso o suficiente. O problema é que, atualmente, ninguém sabe onde pode estar o Secto Selum original.

            _ Certo, acho que a aula sobre o Submundo foi bastante confusa hoje – eu admiti – não sei se vou entender, ou acreditar em outra coisa.

            _ Tudo bem. Acho que, por hoje, é o suficiente. Apenas relaxe, não se preocupe... Ah, e não saia por aí quebrando lojas e arremessando quimeras na rua.

            _ Ah, ok. Vou me lembrar disso.

            _ Hei, Matthew. Isso me lembra... A chave, onde ela está?

            Brian me fitou com uma falsa indiferença. Obviamente ele queria a chave, mas eu não poderia entregá-la. Se Brian levasse essa chave para onde quer que fosse, haveria muitas perguntas, e as respostas poderiam levá-los a mim. Esse não era um risco que eu queria correr.

            _ A chave, Matthew. Eu quero vê-la.

            _ Desculpe, eu não confio em você. Não ainda.

            _ Deveria.

_ Eu... Eu não sei o que fazer. Esse é o problema – eu comecei a dizer, me encostando de costas da grade do patamar superior da escada – Um dia eu acordo e sou assim. Como eu posso saber em quem confiar?

            _ Talvez pudesse tentar confiar em mim – ele falou, frio porém não tão hostil quanto antes – Você confiou em Abi.

            _ Com ela é diferente.

            _ É. Eu sei. – ele estreitou os olhos – vocês têm alguma coisa, não tem?

            _ Eu não sei. Não aconteceu nada. Foi tudo rápido demais, aí você estragou tudo.

            Brian encostou-se no tronco de uma árvore, cruzando os braços sobre o peito.

            _ Eu a conheço desde muito tempo. – ele começou dizendo – desde quando fazíamos parte da mesma Célula em Charlotte.

            _ E o que tem isso? – eu perguntei.

            _ Ela foi uma das poucas pessoas com quem tive algum contato. Eu não tenho nada contra você, Matthew. Os pais dela confiam em mim, gostam de mim. Eu faço o que posso para cuidar dela.

            _ Você... – as palavras dele fizeram um sentido maior pra mim – Você gosta da Abi?

            _ Eu... Quê? – ele gaguejou. Sinal de fraqueza, era verdade, então.

            _ Você gosta dela! – eu sussurrei, segurando para não falar mais alto – por isso você contou sobre mim. Não tinha nada a ver com submundo e toda essa baboseira. Era ciúmes!

            Ele me encarou, mas não respondeu. Seu rosto se contorceu de leve, deixando escapar a confirmação da minha acusação. É, eu tinha um rival.

            _ Ela está em ascensão – Brian continuou – uma guerreira incrível. Os poderes dela lhe dão a capacidade de conhecer a natureza de todos.

            _ O que, exatamente ela faz? – eu perguntei, seguindo a idéia de Brian. Assim como eu, ele também não queria discutir nossa rivalidade.

            _ Ela é uma animorfa. Ela toma a forma de qualquer animal que tenha visto. Isso inclui qualquer animal, inclusive quimeras. Ela acredita que possa se transmutar em outra pessoa algum dia. Teve uma vez que ela conseguiu transmutar o nariz.

            _ É difícil acreditar que algo assim exista. É... Surreal.

            _ Não seja tão limitado.  – Brian expeliu ar com o nariz – o mundo não é, nem de perto, o que parece. Lobisomens, zumbis, todas as histórias de terror... Tudo existe um fundamento. De onde você acha que as pessoas tiram tanta imaginação para inventar lendas?

            _ Você disse que lobisomens não existem. – eu o lembrei.

            _ E não existem, mas existiram outros animorfos nos séculos passados. Se você visse um homem se transformar em lobo, com certeza começaria a imaginar coisas.

            _ Eu vi Abi virar uma coruja.

            Brian deu uma risada baixa.

            _ Ela adora aqueles olhos âmbar, a forma como elas ficam imóveis. É o bicho preferido dela. Isso não é nem metade do que ela pode fazer.

            _ E você? O que você consegue fazer?

            _ Eu tenho capacidade de regeneração ampliada e, bem, outras coisas.

            _ Regeneração? – eu repeti, lembrando-me da luta com a quimera – eu acho que posso fazer isso também. Minhas mãos se quebraram na luta contra a quimera, mas se regeneraram.

            _ Não, isso é um dom comum entre os homúnculos – Brian continuou – mas você com certeza não iria conseguir regenerar um braço amputado.

            _ E... Você consegue? – eu perguntei, atônito.

            _ Facilmente – ele se gabou – No último confronto com homúnculos inimigos, eu perdi os meus braços e parte do meu tórax. Levou uns dois minutos para regenerar tudo.

            _ Isso é incrível. Faz minha intuição parecer coisa de mágica barata. – eu fiz uma careta.

            _ Você pode evitar situações que precise se regenerar.

            _ Não foi o que aconteceu noite passada.

            _ Ora, o que você queria? Você acha que seu corpo e suas habilidades vão se adaptar às suas vontades? Não mesmo. Você precisa se adaptar às suas habilidades. Não é nada fácil, mas, quando resolvermos tudo isso, você pode ir para uma das Células aqui na Califórnia.

            _ Não. – eu avisei – Eu já disse, não quero que ninguém saiba.

            _ Ótimo, como você quiser. Mas você já se perguntou o que irá fazer se seus pais forem homúnculos também?

            _ Bem, isso é algo que eu prefiro não pensar agora.

            _ Como quiser.

            O silêncio continuou entre nós por alguns minutos. Então, finalmente, eu falei.

            _ É o seguinte. Eu lhe mostro a chave se você entregar uma carta para Abi e me trazer a resposta.

            _ Tudo bem. Onde está a chave?

            _ Hã-hã. Depois que eu tiver a carta delas em minhas mãos.

            Brian suspirou, conformado.

            _ Ok, Vance. Você venceu.


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Notas finais do capítulo

Oi, amigos leitores.
Acabei percebendo que os comentários acabavam no terceiro capítulo e, depois disso, era como se o pessoal desistisse de ler =(
se alguem ainda estiver lendo, por favor, avisa, manda um sinal de fumaça, sms, email... xD
vlw!!

PS: desculpem a ansiedade, mas comentários são o combustível da mente



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