One and Only escrita por Nina Spim


Capítulo 2
Chapter Two


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! ;)



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Dia 05 – Rachel Berry.

Acabei de abrir os olhos e o dia já parece horrível.

É claro que fico ansiosa para as aulas, elas são sempre boas e instrutivas. Mas só de pensar que à tarde tenho de me enfurnar novamente na redação, para ser tratada como apenas mais uma – uma pessoa do tipo inútil, é preciso adicionar – não me apetece muito.

Minha colega de quarto ainda está desmaiada na cama ao lado.

O nosso quarto é ótimo, não é parecido com uma caixa de fósforo. Não há odor de mofo, nem é calorento demais. É muito bom, na verdade. Gosto daqui – gostaria mais, se a minha colega de quarto fosse mais legal comigo. Quinn, ao invés disso, é do tipo que não fala muito e convida o cara do moicano todas as noites para vir aqui. De vez em quando ela me expulsa daqui – e eu sei o que eles ficam fazendo enquanto estou fora. Isso já aconteceu três vezes. No sábado, domingo e ontem. Ontem ela simplesmente virou para mim e disse:

– Novata, preciso que você dê uma caminhada longa pelo campus. Divirta-se, porque pode apostar que eu me divertirei.

Era quase dez da noite, eu estava realmente cansada de não fazer nada a tarde inteira, além de apenas observar o monitor do computador de Quinn. Mas mesmo assim eu me propus a “dar uma caminhada”. Os bistrôs já estavam fechados, mas caminhei pelas alamedas, observando a noite. No fim, fiquei conversando com Kurt e Finn, meu namorado, pelo whatsapp. É incrível como esse whatsapp tem o poder de me manipular a perder o tempo. Contei aos dois um pouco do meu dia, sem mencionar as partes ruins. Eles não precisavam saber que eu sou um zero à esquerda aqui dentro. Fazia apenas quatro dias que eu estava ali, longe de Lima, minha cidade natal, e eu já estava com saudades de Finn. Nós éramos inseparáveis no ensino médio e estar aqui sem ele parece esquisito demais. É ruim demais ficar sozinha, quando a sua colega de quarto está transando com um amigo, ou assim parece.

Levantei da cama e passei entre o vão das nossas camas. O banheiro fica bem no meio delas, de modo que é bastante apropriado. A minha toalha está pendurada na maçaneta, bem onde eu a tinha deixado. Enfio-me no box; a água tem pouca pressão, mas é satisfatório. Ainda estou me lavando quando Quinn abre a porta e entra. Ela está do modo que a conheci: de calcinha e de baby look. Seu cabelo parece meio revolto. Não consigo ver seu rosto com clareza, por conta do vapor que embaçou a porta do box. Ela não parece carregar vergonha nenhuma por sempre estar seminua pelo quarto. Quer dizer, não que haja um problema: somos duas meninas. E eu já vi muita menina pelada na minha vida na época do ensino médio, por conta do banho após a Educação Física.

– Hey – ela diz do outro lado do vidro embaçado – Não demore.

– Tudo bem – meio que grito para ser ouvida.

Ela escova os dentes e lava o rosto, depois sai.

Termino meu banho e, quando estou procurando por roupas limpas na minha mala, noto que Quinn não está mais no quarto. Que Deus não tenha permitido que ela tenha saído daqui daquele jeito. Acho que deve estar no regulamento não andar seminua pelos corredores do alojamento.

Estou de calcinha e sutiã quando a porta se abre.

Eu meio que solto um gritinho sufocado, porque quem está parado diante de mim é Puck.

– Relaxa, novata – Quinn diz, entrando em seguida – Não tem nada aí que Puck não saiba, a menos que você tenha um terceiro mamilo.

Ainda estou chocada quando estou carregando o meu vestido para dentro do banheiro correndo.

– Não liga – ouço Quinn dizer para Puck.

– NÃO FAÇA MAIS ISSO! EXISTE UMA COISA CHAMADA “BATER NA PORTA” – grito lá de dentro do banheiro.

– Foi mal, novata – Puck diz do quarto.

– MEU NOME NÃO É “NOVATA”!

– Ela disse isso para mim ontem – minha colega de quarto ri para Puck. Aposto como estão na cama dela. Isso é um nojo, sério. Por que eles têm de fazer isso justamente na minha frente?

Olho-me no espelho, e percebo que ainda estou em brasa. Sério, por que eu mereço tudo isso? O que eu fiz para merecer toda essa incompreensão e todo esse desacato? Deveria existir uma lei interna sobre meninas e meninos não poderem se misturar dentro dos quartos! E se eu estivesse sem roupa alguma? Eu iria morrer de vergonha mais do que já estou...

Parece que essa gente não é nada coerente, se quer saber. Eles não ligam para nada, além de dar ordens ou algo assim.

Seco meu cabelo e tento fazê-lo ficar o mais apresentável possível sem os frizzes que sempre aparecem. Ainda estou mal-humorada quando saio do banheiro.

Vejo Puck em cima da Quinn. Embora eles não estejam transando e estejam pelo menos de roupas íntimas – Quinn ainda está de calcinha e posso visualizar daqui a boxer preta de Puck; uma visão que preferia não ter –, isso ainda parece um nojo. Por que precisam demonstrar tanto amor logo às sete e quinze da manhã? Eu ainda nem tomei o meu café da manhã! É muita informação para mim! Não quero saber como é que as pernas dele se encaixam nas dela, ou a forma feroz que estão se beijando entre as risadas.

– Argh – eu digo para eles – Estou indo tomar café da manhã.

Eles continuam a se beijar como se não tivessem transado na noite anterior. É completamente nojento, estou falando. Por que tive de cair justamente nesse quarto? Se pelo menos eles fizessem isso no quarto dele...

“Não que vocês estejam se importando”, acabo pensando quando estou fechando a porta.

Droga, como vou entrar de volta? Esqueci-me de pedir a cópia da chave para a minha colega de novo... Por que eu sempre faço isso? Ah, que se dane! Posso ir à Central fingir que perdi minha chave e preciso de uma reposição; aposto que vou ter que pagar por isso, mas tanto faz. Apenas preciso chegar ao meu bistrô preferido e arrancar da minha memória a minha colega de quarto aos amassos com um cara que me vi nua – ou quase isso.

Encontro meu bistrô preferido e peço um cappuccino, a minha bebida dos deuses, e um pedaço de torta vegetariana. Depois que acabo com a torta, abro meu livro, O Diário de Anne Frank, e o fico lendo enquanto beberico o café, que vai ficando cada vez mais frio à medida que os minutos se esvaem. Uma coisa sobre mim é que eu posso ler em qualquer lugar, mesmo aqui, num bistrô movimentado e barulhento, às sete e quarenta e cinco da manhã. Minha primeira aula apenas começa às oito e meia e espero que esse tempinho lendo me acalme o bastante para eu esquecer tudo o que aconteceu no quarto nessa manhã.

Minha colega de quarto parece meio irritante. Ela está sempre irritada ou impaciente comigo, mas não conversa comigo, prefere me mandar embora do quarto para ficar transando com o cara do moicano. É realmente muito chato morar naquele quarto. Será que eu posso requisitar outra colega de quarto? Precisarei mesmo ficar convivendo com Quinn, suas calcinhas e Puck todos os meus dias, até o final da faculdade? Vai ser terrível. Não que eu me importe com as calcinhas dela, de vez em quando elas são engraçadinhas com suas mensagens bobas. Mas se ao menos Quinn fosse um pouco mais receptiva, ou se me incluísse em alguma conversa... E Puck? Como suportá-lo? Ele é outro que não tem interesse algum por mim, apenas diz oi e fica se pegando com a Quinn, bem na minha frente. Assim não dá nem mesmo para suportar passar a noite lá!

Alguém senta na minha mesa, e levo um susto.

É a minha colega de quarto.

– Você precisava vir num bistrô tão longe dos quartos? – ela responde, meio arfando. Está me olhando com um pouco de raiva, e não entendo isso. Faço menção de me pronunciar, mas ela retira da bolsa um objeto que tintila e o estende para mim – Sua chave, sua idiota. Por que nunca a pediu? Eu não posso fazer tudo por você, novata! Dá pra entender que eu tenho a minha vida? Procure uma para você também!

Pego a chave – afinal, não precisa de uma chave para a portaria, já que utilizamos nossos cartões; era de se pensar que pudéssemos usá-los também nas portas dos quartos, como nos hotéis e tal. Olho para ela meio magoada. Por que ela nunca tem nada legal para me dizer?

– Eu esqueci, desculpe – digo a verdade – Eu quase não a vi muito, desde que me instalei. E ontem nós saímos juntas do estágio e fomos direto para o quarto...

– Sei, sei, novata – ela me corta, rolando os olhos, parecendo mais irritada ainda; é como se não suportasse a minha voz, ou algo assim – Você é a minha sombra, agora. Eu já entendi. Mas pode parando por aí. Não sou sua babá. Vê se agora para de achar que vou ficar correndo atrás de você pelo campus para te salvar toda hora, ok? Tenho mais o que fazer, tá legal?

– Eu nunca... – tentei rebater, mas minha voz está baixa. Estou me sentindo uma idiota aqui, levando uma bronca de uma menina de mechas pink, uma menina, inclusive, que eu já vi quase sem roupa muitas vezes desde que cheguei aqui.

– Não, nem tente falar nada. Meus ouvidos agradecem. Agora eu preciso cuidar da minha vida, vê se cuida da sua – ela me diz e se levanta da cadeira.

Olho para o pessoal que está rindo na mesa à minha frente. São quatro amigos que dividem uma porção de batata frita. Acho que nunca vou arranjar um amigo aqui. Não quando...

Ok, é melhor eu calar a boca mesmo.

Não quero ficar falando dessa monstra que é a minha colega de quarto. Ela é insuportável, meu Deus!

Mesmo carregando uma espécie de frustração no peito, me forço a voltar à leitura.

Não sei se estou gostando desse lugar. É sempre muito ruim ser desprezada desse modo, como se você não fizesse diferença.

Talvez eu não faça mesmo diferença para essa gente.

Especialmente para Quinn, que mais parece que quer me ver longe dela.

Cinco minutos antes de a sineta tocar, eu devolvo o livro à bolsa, preparada para seguir para as minhas aulas. É uma pena que hoje tenha Laboratório, porque desse modo verei Quinn antes do estágio. Não queria que isso acontecesse, mas é o que há para a manhã. Tenho Inglês Aplicado e Laboratório. Dois períodos de Laboratório. Minha vida é mesmo um saco.

Inglês Aplicado é legal, apesar de a professora ser meio louca. Nunca sei quando ela está falando a sério, ou não. Mas tanto faz. Isso não é importante. Ela nos passa uma bateria de exercícios para finalizarmos durante a aula, e eu me junto com um casal de orientais. A menina não fala muito, mas o menino me ajuda na maior parte das questões.

Não compro nada para comer no intervalo, porque não estou mesmo com fome. Encontro Santana no corredor, mas ela não diz nada. Segue em frente. Estou sozinha aqui no corredor, esperando o professor chegar. Abro a página do Facebook para me distrair enquanto espero. Logo mais, um pouco de gente se junta a mim. Quinn, Santana, Puck, uma menina loira e um menino com muito gel no cabelo também. Vejo-os num canto, conversando. Quinn parece feliz com eles – parece que não é ácida, ou mal-educada como é comigo. Pergunto-me qual é o meu problema. O que ela tem contra mim.

O que é?

Eu não sei, pois desde que cheguei aqui sou legal com ela. Ela que não é comigo.

Não me aproximo deles, pois acho que não querem mesmo a minha companhia, caso contrário já teriam se juntado a mim.

Quando enfim está na hora de entrar, procuro uma mesa com um computador mais afastado. O Laboratório de Jornalismo é muito legal: há vários computadores de última geração e parece ser uma matéria muito tranquila de se levar.

Fico sozinha no meu computador, apesar de ter um monte de gente aqui – mais que o normal. Não vejo Quinn, mas afasto isso da mente. Não preciso dela.

O professor entra e faz a chamada.

Em seguida começa a dizer as boas vindas.

– Essa cadeira, vocês vão perceber, é a melhor e a mais tranquila de todas, vocês apenas precisam frequentá-la e fazer os boletins futuros – o professor começa a discorrer na frente da sala – Ela é dividida em três módulos: impresso, rádio e TV. É a cadeira que chega mais perto da prática que todas as outras. Aqui, diferente das outras, vocês viverão um pouco o que é o Jornalismo.

Isso me deixa animada.

Se isso me permitirá ter um pouco mais de vivência com outras pessoas e experiências além das que já tive, eu sei que vou gostar muito do Laboratório.

– Neste primeiro momento, passarei a vocês um trabalho que perdurará pelo semestre inteiro, sua entrega é somente na última semana de aulas. Vocês criarão um blog a respeito da cadeira e tudo que engloba o Jornalismo – todo mundo meio que se agita em suas cadeiras, cochichando e fazendo comentários altos – As postagens não precisam apenas falar de um tópico, ou abordar um só tema e, é claro, haverá algumas obrigatórias, sobre os textos que iremos ler durante o semestre. Para dar andamento ao blog, vocês precisarão de um parceiro. Já houve muitas confusões sobre grupos muito grandes, por isso peço-lhes que arranjem apenas um companheiro ou companheira para o blog. Novatos, caso seus padrinhos ou madrinhas estejam aqui, sugiro que os procurem.

Ah, não.

NÃO, NÃO, NÃO!

Porque a Quinn é a minha madrinha! É por isso que sou a novata dela!

Mas eu nem sei onde ela está. E tenho muita certeza de que ela não irá concordar com isso, de manter um blog justamente comigo, a pessoa que ela mais detesta nesse campo – pelo menos, é assim que vejo tudo acontecer: ela me odeia.

Fico estática, esperando alguém vir até mim.

Entrevejo algumas mechas cor de rosa despontarem acima de um monitor em outra mesa. Não vou chamá-la, não vou fazer nada. Vou esperar. Alguém vai ficar sem par e vai perceber que também estou sozinha, então iremos nos juntar como dupla, e meu problema estará resolvido. É isso. Vou ficar quietinha aqui, apenas isso. Vejo todo mundo se movimentando, sorrindo e conversando uns com os outros. Enxergo Santana sentar ao lado da menina loira que vi com o seu grupo mais cedo. Tento, agora, prestar atenção em Quinn. Cadê ela?

Alguém se larga no banquinho ao meu lado. É Quinn. Ela ajeita o cabelo olhando-se no reflexo da tela do computador.

– E aí – ela diz.

– Você não prec...

– Você vai se dar mal nesse treco se eu não me dispor a te ajudar, não quero ser responsável por isso. Guarde suas palavras para depois – Quinn diz, sem olhar para mim. Ela parece não se importar nem um pouco por sempre ser fria comigo.

– E a Santana? Eu não vou me importar se voc...

– Eu disse: guarde suas palavras para depois – ela fala num tom rude e enfático, me olhando com uma expressão irritada – A Santana está indo bem com a Brittany. Entramos num acordo de ajudar nossos novatos. Depois desse dez, é melhor fazer tudo o que eu mandar, inclusive parar de se humilhar desse jeito. Não consigo conviver com gente que não tem amor próprio. Você pode começar a pensar num nome para o blog. Deixa que eu faço o layout, porque já fiz esse curso de informática no segundo período.

Fico olhando para ela. Concordo com a cabeça. Ela está falando rápido, mas num tom desprovido de compaixão. Ela está falando com displicência e arrogância. É isso, essa garota é meio arrogante por demais. Não combina nada a ver com o meu gênio. Ela não tem nada a ver comigo. Somos meio imiscíveis.

Somos liberados no segundo período, porque não há muito que fazer.

Quinn se despede:

– A gente se vê depois.

Ela vai embora com Santana e os outros.

Sinto-me mais uma vez rejeitada. Dou uma passada no banheiro. Por um acaso, acabo entrando no mesmo box da tarde anterior. Há mais coisas escritas abaixo da minha carinha. Ainda não sei se é um poema, uma canção, ou meramente um manifesto contra o mundo. Procuro a minha caneta mais uma vez e escrevo abaixo:

Eu me sinto tão sozinha no mundo.

~*~

Dia 05Quinn Fabray

Não vejo a novata durante o almoço. Volto para o quarto depois, e ela não está lá. Passo de lá para apanhar as folhas com os entrevistados que eu e Santana fizemos antes das aulas.

A novata não está em lugar algum.

É bizarro.

Finalmente aprendeu que precisa desaparecer um pouco. Levou um pouco de tempo, mas ela enfim está entendendo que não pode ficar me seguindo, ou sei lá. Porque isso é a maior chatice.

Mas quando chego à redação, ela já está lá. Sentada, aguardando. O computador ainda está desligado, e ela está grudada em seu celular, acho que está no whatsapp. Ela não olha para mim, ou diz algo. Melhor assim.

Não me importo.

Sigo para a minha cadeira habitual e ligo o meu monitor. Ainda faltam dez minutos para o sinal bater e nenhum coordenador chegou. É claro que há outros alunos aqui dentro, mas cada um está no seu próprio mundinho, tal como a novata.

Pego-me pensando de destiná-la a trabalhar em cima do buffet foi algo meio cruel. Ninguém liga para o cardápio, desde que ele esteja ótimo. Eu sei que estou sendo meio idiota com ela, mas ei, ninguém disse que o mundo real não é cruel.

Ele é.

Quando cheguei aqui, eu também sofri. Quis abandonar o estágio e não dar ouvidos às pessoas. Mas depois melhora, é sério. Melhora mesmo. Quando vê, de repórter-quase-inútil você se torna editora-chefe e, bam: você tem mais responsabilidade que todo mundo, mas ainda pode pregar peças nos novatos.

Pigarreio e olho para a novata, que continua alheia.

– Hmmm, novata? – chamo-a – Novata, estou falando com você! – digo com mais clareza, quando ela não me responde. Ela ergue a cabeça e olha em volta. Pisca para mim por um segundo e faz uma cara surpresa.

– Oi. Desculpe. O que foi?

Ela é meio gentil.

Mesmo quando sou uma vaca com ela, a novata é legal comigo.

Isso é estranho. É claro que não estou acostumada com esse tipo de gente. Ela parece ser uma raridade por aqui.

Não fico envergonhada por trata-la com pouco esmero, porque não sou esse tipo de pessoa. Não tenho pena dos outros. Especialmente de alguém que precisa aprender um pouco mais sobre sobreviver no mundo real, fora da casa da mamãe e do papai.

– Sabe o negócio do buffet? – pergunto; ela assente – Então. Não precisa fazer. Vá ao evento para me acompanhar, tá legal?

– Mas e o buffet? – ela quer saber.

Rolo os olhos.

– Era somente uma brincadeira – eu digo – Ninguém vai entrevistar o pessoal do buffet, eles não têm importância alguma.

Ela fica me olhando.

– Por quê? Por que você quis que eu entrasse nessa brincadeira? – ela parece estar incomodada.

Acabo rindo e rolando os olhos.

– Ah, qual é! Não foi tão ruim. Você nem vai fazer a matéria, está vendo? – respondo.

– E se eu fizesse? Você iria chegar para mim e dizer: “vamos descartar a sua parte, porque foi tudo uma brincadeira”?

É, parece chato vendo desse ângulo. Mas hey, eu parei a tempo.

– Bem, mais ou menos.

Ela se levanta, repentinamente. E vem até mim. Senta ao meu lado com segurança, uma segurança que nunca vi antes. Fico meio apreensiva.

Ai, meu Deus!

Socorro!

A novata vai dar na minha cara!

– Você pode simplesmente falar se não gosta de mim, entendeu? Eu não vou ligar. Mas não precisa fazer um trote para me magoar, porque ao contrário do que vejo em você, eu sinto alguma coisa. Estou meio cansada de ser pisada desse jeito. Você não tinha o direito de fingir uma coisa dessas. Você é completamente uma filha da mãe.

Ouço tudo bem calada. Parece que ela está extravasando.

Ela não me bate.

Ela não me bate!

Somente fala umas coisas.

Covarde.

Mas tudo bem. Eu reconheço que foi bastante bobo da minha parte forjar o negócio do buffet. Na verdade, a culpa é da Santana. Mas tanto faz. Porque eu aceitei continuar com aquilo.

Entretanto, ela parece meio magoada. Seu rosto está expressando isso: um pouco de mágoa misturada com raiva e sentimentos que mal posso reconhecer.

– Foi uma brincadeira! – eu alego – Você não vai ser forçada a escrever sobre buffet nenhum!

– Por que você não diz logo que não mereço estar aqui, ou que não posso ser boa o suficiente como você? O que é, você pode me maltratar toda hora, mas não tem pode dizer o porquê me maltrata? – o tom dela está baixo, mas meio esquisito. Está espelhando um pouco de desespero.

É aí que vejo que, caramba, a novata parece que vai chorar na minha frente.

É a pressão desse inferno de mundo. Bem vinda, novata!

– Novata, que chilique todo é esse? – eu acabo rindo, porque estou meio nervosa. Eu sei que não é um chilique, ela está chegando ao limite em menos de dois dias de trabalho. E a culpa é minha.

A culpa é minha, eu fiz isso com ela.

– Você não tem o direito de me tratar como um nada – ela me diz, a voz meio tremendo –, porque nós somos iguais, estamos aqui dentro lutando pelo mesmo objetivo! Nós dividimos um quarto e vamos dividir a nossa vida pelos próximos quatro anos! – eu pretendo abrir a minha boca para retrucar alguma coisa, mas o que vejo nos olhos dela me faz retroceder. Fico calada, e ela adiciona – E o meu nome não é “novata”! – ela exclama com um pouco de fúria e mágoa e tudo que está represado nela.

Quando faço menção de dizer seu nome, ou de amenizar a situação, ela já está indo embora. Ela se levanta da cadeira, apanha sua bolsa e sai porta afora.

Fico piscando para a porta até eu ver alguém se adentrando por ela. Não é a novat... Rachel. Rachel. Esforço-me para pensar nisso: o nome da novata é Rachel. É a Santana.

Ela logo se larga na cadeira que antes Rachel ocupou por alguns instantes, liga o computador e manda:

– Caramba, o que aconteceu com você?

Não digo nada por alguns segundos. Abro a minha boca, mas volto a fechá-la. Estou meio chocada.

Eu causei aquele ataque todo na novata!

Esse tipo de coisa nunca aconteceu antes.

– Quinn? – não respondo de novo, e ela olha em volta – A novata está atrasada de novo, vai acabar sentando-se aqui. Isso é uma droga completa. Por que ela fica te seguindo daquele modo?

– Você sabe, ela é novata – respondo mecanicamente.

E daí? Eu já fui novata um dia e não agia daquele modo. Ela realmente precisa aprender um pouco a sobreviver nesse mundo. E, caramba, você viu as roupas dela? Ela estava andando feito uma caipira com aqueles saltos! – Santana desata a rir – É de impressionar que não tenha um vestido de vaqueira e faça trancinhas nos cabelos! – ela ri de novo.

– Santana – eu digo – Isso não tem graça. Aquilo que fizemos com ela sobre o buffet não foi legal.

– E daí? Ela é novata! Ela não vai descobrir nada, até que estejamos rindo da cara dela! Vai ser um momento marcante na minha vida!

Algo obstrui minha garganta, o ar é rarefeito.

– Ela já sabe.

Santana olha para mim, os olhos esquadrinhados.

– Ela já sabe de quê?

– Do nosso trote – respondo.

O quê?!

– Eu tive de dizer a ela, ok? Não pareceu... Justo.

Justo? Desde quando você liga para isso? – Santana está rindo em meio ao seu tom levemente aborrecido.

– Não me pareceu legal, ok?! Ela está se adaptando, não parece legal fazer esse tipo de brincadeira com que não sabe nada sobre esse mundo.

– É justamente essa a razão da brincadeira! – Santana exclama.

– Olha, se o Schue chegar, diga que já venho.

Santana me olha como se não estivesse entendendo nada.

– Preciso ir ao banheiro, é rapidinho.

Não vou ao banheiro. Fico parada no saguão do prédio, olhando todo mundo, sentindo-me a pior pessoa do mundo.

Cadê a novata?

Cadê a Rachel?

Sento-me em uma das cadeiras dispostas ali e aguardo. Sr. Schue passa por mim com um copo de café.

– A reunião começa em quinze minutos! – ele me diz. Assinto, porque não tenho condições de dizer-lhe uma desculpa.

O bistrô!

Acabo de me lembrar daquele bistrô do prédio 8, aquele que encontrei a novata mais cedo! Ah, a salvação existe!

Ando meio apressada pela alameda entre os prédios a fim de chegar a tempo no bistrô. E se ela acabou de sair pelo outro lado? E se eu não conseguir falar com ela?

Puck vem na minha direção, sorrindo. Não tenho tempo para ele!

– E aí, Dancing Queen? – ele diz.

– Puck, agora não – afasto-o de mim – Você viu a minha novata por aí?

– Aquela que eu vi quase pelada hoje de manhã? – ele solta uma risadinha sacana. Concordo sem paciência. – Não. Por quê? Perdeu ela, foi?

– Eu fiz uma coisa chata com ela.

– Ah, não me diga que você transou com ela, dispensou a garota e agora ela está magoada! Você tem mesmo o dom!

Balanço a cabeça. O Puck realmente precisa de um psiquiatra, sério mesmo.

– Foi no Editorial.

– Você transou com ela no Editorial? Uau, suponho que esteja muito ferrada!

– Puckerman! – exclamou, porque às vezes penso que ele merece uns tapas – Cale a boca, ok? Fiz uma coisa chata com ela no Editorial, eu fingi que tinha uma pauta para ela, mas era apenas um trote!

– Achei que tinha filmado tudo, você sabe como eu gostaria d... AI! TÁ BOM, EU JÁ PAREI! – ele grita quando eu lhe dou um beliscão doloroso – Eu não sei de nada! Não a vi! Está satisfeita?! – ele me olha feio, esfregando o local que eu belisquei.

– Não!

– O trote vai acontecer?

– É claro que não. É por isso que estou procurando por ela. Eu disse a ela sobre a brincadeira e... Bem, é justo dizer que ela não gostou muito.

– Vocês não dormem juntas? Juntas em camas separadas, eu sei – ele logo conserta – No mesmo quarto. Vocês dividem um quarto, certo? Ela vai aparecer. Para onde poderia ter ido?

– E-eu não sei! – retruco – Acho que ela está no bistrô do 8 e, se você sair da minha frente, eu vou poder conferir isso.

– Hey, não me culpe não! Foi você quem começou com o negócio do trote. É uma pena que... – observando a minha expressão, ele para – Ok, ok. Não vou mais abrir a boca.

– Obrigada – agradeço de mau-humor – Agora dá licença...

– Está mesmo correndo atrás dela por isso? Para pedir desculpas? Desde quando você é assim?

– Não vou pedir desculpas – alego, sentindo a minha boca amarga. Pedir desculpas não é comigo – Apenas quero esclarecer umas coisas. E você sabia que ela falou um monte de coisas para mim? Disse que eu sou uma filha da mãe!

– Você é uma filha da mãe – Puck confirma na mesma hora.

– PUCKERMAN, VOCÊ NÃO ESTÁ ME AJUDANDO!

– Vá atrás dela então, oras! – ele diz – Boa sorte – ele me lança uma piscadela. Rolo os olhos. Não sei por que perco meu tempo com ele, sinceramente...

Ela não está mais lá. No bistrô, quero dizer.

O bistrô está quase vazio e nem sinal da novata. Rachel. Nem um sinal dela.

Eu estraguei tudo.

Ela me odeia.

É bem feito para mim, é claro. Por que fui inventar de continuar com aquela brincadeira? Pareceu imoral demais até mesmo para mim!

E daí se ela não tem amigos por aqui? Qual é o problema se ela quer ser minha amiga? Eu deveria consentir isso, não deveria?

Eu sou tão filha da mãe mesmo. Ela tem razão: eu sou.

Meu estômago está gelado e estou tão nervosa que todo o meu corpo parece que está num estado de estupor crítico.

Retrocedo até o prédio. Não há nada que eu possa fazer agora.

Não sei onde ela está, e duvido muito que vá falar comigo outra vez.

A tarde se passa, e Rachel não volta para a redação. Não importa o que eu esteja fazendo, mas eu sempre dou uma olhadela para a cadeira onde ela estava antes de eu chegar ali.

– Quem está procurando? – Santana me pergunta antes do intervalo.

– Ninguém – digo.

Mas ela sabe quem eu procuro.

Não a vejo durante o restante do dia. As horas parecem chatas demais para eu suportá-las. Se ao menos eu estivesse discutindo com a novata, mandando-a manter a boca fechada, ou qualquer coisa assim...

Às oito, quando saio com Sr. Schue, tudo que quero fazer é tomar um banho e me jogar na cama. Ainda não há nada importante nas aulas, nada de provas ou trabalhos, e isso me consola. Posso dormir o quanto quiser sem dar atenção a essas coisas. Sigo para os dormitórios, esperando encontrar a novata.

É claro que a encontro. Ela está deitada em sua cama de solteiro, lendo o mesmo livro que a vi nas mãos pela manhã. Tento saber qual é o título, mas não enxergo daqui.

– Oi – eu digo, a minha voz mais baixa que o normal – Você foi embora do Editorial? Eu quero dizer para sempre. Você foi?

A novata – Rachel! O nome dela é RACHEL – não me olha, ou para de ler.

– Não. Estou lendo, dá licença? – ela pede com uma secura anormal para quem eu ouvi me tratar com tanta gentileza por todos esses dias.

– Olha, eu...

– Essa é a minha última noite aqui e eu apreciaria se eu tivesse um pouco de sossego – Rachel me atropela e diz.

Fico piscando para ela.

O quê?

– Como assim sua última noite?

– Consegui um quarto individual na ala D. Parece que alguém pulou fora da faculdade ontem e o quarto vagou.

Não consigo respirar.

Eu ferrei com tudo mesmo!

– Não... Não precisa. Eu vim aqui justamente para...

– Não precisa achar que me deve algo. Não quero nada seu. Vou ficar bem sozinha, já estou acostumada.

Mas ela não deveria estar acostumada.

Ficar sozinho é horrível!

Ela não pode estar falando sério...

– Rachel... – eu sussurro, porque é a primeira coisa que me aparece na minha mente: seu nome.

Ela levanta a cabeça, completamente surpresa. É a primeira vez que digo seu nome por conta própria. Mas então ela logo volta sua atenção ao seu livro.

– Obrigada pela estadia, apenas isso. Agora, eu agradeceria se você me deixasse terminar de ler – ela me responde.

Fico ali parada, sem dizer nada.

Estou com a minha garganta esquisita. Ela está meio que pinicando, parece que há um monte de algodão nela. Viro as costas e saio do quarto.

A noite está quente e sou recebida com uma amostra disso. Não me importo. Corro pelo campus, atravessando as vielas escuras sem me importar com qualquer coisa – com alunos psicopatas, com o gambá que vive por aqui, com o grito dos grilos. Não importa, eu apenas preciso chegar ao meu refúgio.

Quando chego ao prédio, a porta ainda não está trancada, há alguém no andar de cima limpando o chão: posso ouvir a enceradeira. Lágrimas despontam nos meus olhos, porque não suporto mais o que estou sentindo.

Eu fiz com que Rachel se sentisse um nada, mas na verdade o nada sou eu. Eu não valho nada. Não quando quase fiz uma coisa imbecil com uma das poucas pessoas que me trataram bem durante todo esse tempo aqui dentro. E ela nem me deve isso: ela acabou de chegar. Ela é gentil porque faz parte da natureza dela, ao contrário da minha: eu sou uma filha da mãe.

Passo o cartão na roleta e corro até o meu banheiro preferido. Entro no meu box e me sento na privada. Coloco as mãos na cabeça e deixo que o choro lave a minha alma. Não é de grande auxílio, pois mesmo depois de ficar fungando por uns dez minutos a sensação de sufocação não cedeu. Limpo os olhos e olho para a porta.

Pego a minha piloto e escrevo uma coisa bem lá em cima, em letras garrafais:

QUINN FABRAY É UMA FILHA DA MÃE.

Eu mereço essas palavras. Eu sei que mereço.

Miro o segundo verso que escrevi e vejo que a pessoa da caneta vermelha adicionou algo: Eu me sinto tão sozinha no mundo.

Eu me sinto igual. Por isso, mais lágrimas escapam.

Eu não sou de chorar com frequência. Eu represo a mágoa e tudo mais, porque acho que chorar é uma forma de dizer que você está desistindo de lutar contra o mundo. E eu não posso me dar ao luxo de parar de lutar.

Recupero-me a tempo de conseguir escrever abaixo da pessoa da caneta vermelha:

Ninguém se sente sozinha com uma música dessas, ouça: Planet Earth, Barrie Gledden. Espero que tudo fique melhor para você! Não desista! ;)


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Notas finais do capítulo

Reviews?
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