Kokoro escrita por Claire


Capítulo 4
Normalidade




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Os pais de Lia Noelle Farris foram transferidos para o Japão no início da sétima série da menina, que não gostou nem um pouco de mudar de país e deixar todas as suas amizades para trás. Desde então ela não teve muito contato com sua antiga vida e de tão frustrada acabou odiando com todas as suas forças tudo o que dizia respeito ao novo país: sua língua, sua cultura, os malditos robôs que pareciam brotar do chão… Tudo. Ela passou a ser uma encrenqueira na escola e sempre dava um jeito de bater em tudo e todos. O problema era que seus pais eram extremamente rígidos e não aceitariam que ela fosse expulsa de mais uma escola… Não depois de todo o esforço que foi para fazer o diretor aceitá-la. A menina estava na corda bamba: mais uma briga e estaria fora. Mas não era apenas isso que a preocupava.

 

Alguns meses antes ela se interessou terrivelmente por um rapaz que estudava em seu colégio. Ela sabia que era difícil que ele a notasse, mas o que podia fazer? A menina passou a se arrumar, alisar seu cabelo naturalmente cacheado e até aprendera a se maquiar. Nada parecia chamar a atenção dele… Nada, até que aquela geniazinha entrou no colégio.

 

….

 

Quando Kaito acordou, Rin já havia feito o café da manhã, limpado a cozinha e saído para a escola. Ele olhou em volta e suspirou tentando imaginar quando enfim poderia dar algo para tornar a existência de sua filha robótica significativa. Não havia muito tempo para pensar sobre isso apesar de tudo, ele tinha trabalho a fazer. Tomou seu café bem rápido – não sem antes se impressionar com o quanto Rin cozinhava bem – e partiu novamente para sua toca que chamava de laboratório. Ele tinha feito cálculos até desmaiar no dia anterior e finalmente uma pequena parte de seu trabalho já podia ser construída. Ele determinara o molde e as fórmulas que usaria, e podia começar a gravação do CD. Não que isso fosse um grande avanço… Ele já trabalhava nisso muito antes de montar Rin e não se orgulhava de estar demorando tanto. Começou seu trabalho com os cálculos primeiro para quem sabe adiantar algumas coisas, mas sua mente não saía da menininha loira que estava na escola e decidiu dar um tempo e ir buscá-la naquele dia. Talvez levá-la para dar uma volta… Comprar sorvete… Kaito riu de si mesmo ao perceber o quão idiota estava sendo. Ela não podia comer e não apreciaria uma ida ao parque. Era melhor terminar o que estava fazendo.

 

….

 

O que está desenhando, Rin?

 

Minha casa. A senhora pediu para desenhar nossa casa, correto?

 

S… Sim… Correto

 

A velha professora não soube muito bem o que dizer, mas aquilo não era um desenho com o qual ela estivesse acostumada. Era capaz de descobrir casos de abuso infantil mediante desenhos como ninguém, mas não sabia o que pensar do desenho de Rin… Bom, não era exatamente um quadro de abuso, mas não parecia um desenho de criança comum também. Havia uma riqueza de detalhes excepcional naquele papel: o telhado, o jardim, o homem de jaleco e óculos que parecia olhar diretamente para ela… Rin até mesmo se desenhou ali, com suas roupas de escola, ao lado do professor. E ela adicionava outras pessoas também. Quem eram? May… Shiro… Oliver… Lia? A professora estranhou que o grupo estivesse no desenho mas não a inibiu. E Rin continuou desenhando rostos conhecidos enquanto ainda havia papel. Quando terminou havia um resumo de praticamente todos os seus vizinhos, colegas de classe e professores ali.

 

Nooossa você desenha bem, heim bee bo… digo… Rin!— Comentou Shiro enquanto olhava o desenho dela.

 

Não é nada, tenho habilidades de desenho. E de canto. E de escrita, pintura, instrumentos

 

É, é, muito perfeita você. - Uma voz vinda de trás dos dois assustou Shiro, que se virou rápido enquanto Lia se inclinava para olhar. - Hey você me desenhou? Quem te deu esse direito?

 

A professora pediu para desenhar nossa casa e as pessoas que gostamos.

 

E você gosta de mim?

 

Não sei o que é gostar. Assumi que devia desenhar a todos.

 

Estranho. Lia não deixou aquele comentário passar e logo começou a se perguntar o motivo de Rin ser tão estranha, mas Shiro mudou o foco da conversa e mais rápido do que ele gostaria haviam vários alunos em torno do desenho de Rin tentando se encontrar no retrato. A aula de desenho continuou estranhamente normal enquanto Shiro tentava descobrir uma forma de fazer Rin entender que certas coisas não deveriam ser ditas. May estava calada no fundo da classe desenhando algo que não deixava ninguém ver até que estivesse terminado, e quando enfim ela terminou o último traço um sorriso enorme surgiu em seu rosto e ela guardou seu desenho na mochila.

 

Durante toda a tarde aulas se foram e vieram, novas informações foram gravadas no disco rígido de Rin e novas formas de interação ficaram mais claras. Ela não podia dizer que estava ficando mais “humana”, mas estava perdendo a rigidez aos poucos. Seus amigos – por que era assim que a relação entre ela e os adolescentes estava sendo classificada no momento – a ajudavam em várias coisas, de modo que não houve muito com o que se preocupar por semanas. Além de Shiro, Oliver e May, logo Rin arrumou outros amigos em sua turma e tudo parecia estar indo bem para a robozinha. Kaito não poderia estar mais feliz, é claro, pois nem mesmo Lia a incomodava muito… E então veio a época de fim de ano, com suas festas familiares.

 

No começo foi tudo muito lento, com rumores de uma festa e pesquisas sobre se os alunos iriam ou não querer isso, mas logo tomou força e proporção. Formaram um comitê de preparativos, formaram grupos de compras para a festa, as meninas estavam comprando vestidos, os meninos alugaram ternos, e enfim formalizaram a situação anunciando uma festa de natal. May estava extremamente feliz com o tema e já tinha mil ideias para os enfeites – ela era do comitê de preparativos – e durante uma semana Rin mal teve contato com ela. Shiro e Oliver estavam na cantina quando Rin chegou com uma caixinha de leite em uma mão e uma maçã em outra.

 

O que vai fazer com isso? Você não come, guria.— Shiro cutucou Oliver e este levantou o olhar sem muito interesse.

 

Bom, Oliver ressaltou a importância de parecer uma menina normal e meninas normais comem.

 

Você pode dizer que é anoréxica.— Disse Oliver enquanto enfiava outra porção de torta salgada na boca.

 

Anorexia é uma doença, prefiro dar a entender que sou saudável. Você quer minha fruta?

 

Hmhm..

 

Oliver pegou a fruta da mão de Rin e deixou na bandeja enquanto Shiro abria a caixa de leite e começava a tomar. Ela se sentou na mesa e começou a conversar com Shiro. Oliver se manteve bem quieto o tempo todo e mal olhava para a robô, concentrando-se em sua comida pelo tempo que pôde e dando o mínimo de opinião possível quando solicitado. Rin achou a atitude estranha já que ele costumava ser mais comunicativo, mas não disse nada. E então May chegou.

 

Gente! A festa está ficando liiiinda, mas ainda não sabemos se serão as meninas que convidam ou os meninos, o que acham?

 

Tanto faz, não vou mesmo.— Oliver falou rápido e deu uma mordida na maçã que Rin lhe deu.

 

Mas por que não, Oliver? Não vá dizer que não tem ninguém para levar, as meninas da sua turma só faltam se jogar no seu colo! - Shiro parecia chateado, afinal queria ir na festa e não teria graça sem seu melhor amigo.

 

É, pois é, mas não quero levar nenhuma delas. Prefiro ficar em casa, dizer não é difícil

 

Bom… Você pode levar a Rin. Isso, eu e Shiro vamos juntos, e você e Rin também. Assim não precisa dizer mentira por que já vai ter um par, e podemos nos divertir! - May deu duas palminhas animadamente mas Oliver não parecia ter gostado nada da ideia – Ah vamos Oliver! Vai ser legal

 

— … Ok. Então vamos juntos Rin.

 

Rin concordou apaticamente enquanto mexia no cabelo – um gesto que ela imitava de algumas meninas que vira na sala de aula. Oliver revirou os olhos… Não suportava a ideia de sair com uma robô. Não era natural… Mas comparado com a ideia de ter que levar alguma das meninas de sua classe essa até que não era lá uma coisa tão ruim.


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Notas finais do capítulo

Estou ficando sem idéias como sempre...



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