Kokoro escrita por Claire
— Rin você acha que o Kaito vai vir pra festa de aniversário das meninas?
May estava terminando de recortar a última letra do “Parabéns meninas” enquanto Rin recortava o letreiro de “15 primaveras” na mesa da cozinha. Bianca e Laura estavam no colégio e elas aproveitavam o tempo sozinhas para adiantar os preparativos da festa, mas May tinha mais preocupações em mente do que o baile que daria no fim de semana. Kaito não saía mais do laboratório e ela realmente queria que ele estivesse presente naquela noite; ficar o tempo inteiro na frente de uma tela não era saudável… Rin terminou de cortar uma letra S e se virou para ela.
— Não posso garantir, ele me pediu para fazer dois litros de café hoje. A linha de progressão sugere que eu tenha que fazer dois litros e 600ml no sábado.
— Hã? Ah eu não entendo nada do que você fala as vezes sabia?
— Disse que não sei se ele vai querer sair de lá.
— Ah… Mas… Já faz anos…
Rin concordou. Exatos vinte e quatro anos. Em breve May faria quarenta e Rin continuava com a aparência de quatorze. As pessoas achavam que ela era uma das filhas de May quando andavam juntas e isso incomodava-a bastante, mas não havia o que fazer quanto a isso. Rin se tornara a única que lhe lembrava dos tempos de escola e May gostava de tê-la por perto. As meninas também gostavam da tia Rin e contavam seus segredos para ela sabendo que ela jamais contaria para a mãe se assim pedissem. A casa de Rin estava se tornando quase como a casa dela própria àquela altura.
Quando voltou para casa, Kaito estava deitado no sofá da sala dormindo. Era a primeira vez que ela o via dormir deitado e não sentado na cadeira do escritório como sempre, e por falta de certeza se o veria fazer aquilo novamente, ela parou e apenas ficou ali observando-o. O dia escureceu e ela não havia se movido, apenas ficou ali observando o modo como sua camisa subia e descia com o ritmo da respiração profunda dele, e o jeito como seu rosto mudava de expressão as vezes. Kaito acordou assustado olhando para os lados e quando percebeu a presença da robozinha sua expressão suavizou e ele sorriu.
— Bom dia…
— Boa noite Kaito. Quer algo para comer?
— Hmm… Não… Vou tirar a noite de folga, então quer ir ao cinema?
— Se for o que você quer fico feliz em acompanhar.
Kaito sorriu de forma cansada enquanto olhava para ela. Já não era mais um menino… Haviam cabelos brancos em sua cabeça e rugas em seu rosto. Ele não era assim tão velho mas anos encurvado em frente a um computador afetaram sua coluna, e seu rosto pálido denunciava a falta de sol. Ele se arrumou rapidamente e logo estavam tomando o caminho de um antigo parque de diversões. Kaito não quis ir ao cinema então resolveu levá-la para andar na montanha russa, mas ao chegar lá os brinquedos estavam desativados e nenhuma alma viva era vista. Ele ficou ali parado por alguns poucos minutos até que começou a andar de novo.
— Eu não entendo… Este parque era o mais movimentado da cidade…
— Ele foi desativado dez anos atrás, Kaito, quando uma menina morreu ao cair da montanha russa.
Kaito concordou com a cabeça mas não conseguia entender como ele perdera algo assim. Pensando bem, ele não sabia nada do mundo exterior a anos… Era um milagre que ainda se lembrasse onde ficava a pizzaria que mais gostava. Eles pediram uma pizza pequena e começaram a conversar, no que Rin deixou-o inteirado dos eventos das últimas duas décadas. Para ele não foi surpresa saber que as últimas árvores do Japão haviam sido derrubadas e que agora havia uma taxa para o uso de chaminés de oxigênio. Surpreendeu-o saber da idade das gêmeas, afinal lembrava-se delas bem pequenas e não percebera que já tinha passado tanto tempo. Rin lhe falou do aniversário delas e perguntou se ele iria, mas ele não planejava descansar de novo por mais alguns meses e recusou o convite. Estava muito perto de terminar o programa… Era uma realidade agora, ele não podia parar. Rin disse que avisaria May e a conversa passou para coisas variadas enquanto a pizza esfriava intocada na mesa.
(…)
— Fiquem ali para as fotos! Não, ali perto do arco primeiro!
May segurava a câmera com uma mão e apontava para um arco enorme de balões furta-cor perto da entrada. Laura desfilou seu vestido azul estilo princesa até lá e parou fazendo poses enquanto Bianca ajeitava o vestido tubinho verde que vestia. Bianca era mais parecida com a mãe quando se tratava de personalidade: animada, exibida, tinha orgulho de seu corpo e adorava valorizá-lo com peças coladas exatamente como a mãe quando tinha a idade dela, já Laura era mais menininha e preferia estudar a ir para as festas com a irmã, embora fosse igualmente animada. Eram uma figura as duas juntas… Sempre animavam as pessoas a sua volta e eram muito queridas. A festa estava lotada, visto que elas eram muito populares no colégio, e vários adolescentes arrumados zanzavam por ali. Rin estava linda com o cabelo preso para trás e um vestido solto marrom. A maioria das pessoas trouxeram presentes para as aniversariantes e elas até mesmo tinham pares para dançar a tradicional valsa da meia noite, algo que embora estivesse fora de moda a séculos ambas quiseram reviver ao menos por uma noite.
Não era muito mais do que três da manhã quando os convidados começaram a voltar para casa e Rin decidiu ir junto apesar do convite para dormir ali que recebera. Era de praxe que as aniversariantes passassem a noite fora e um grupo bem grande iria com elas para uma boate em breve, e Rin preferiu deixar May e seu marido sozinhos um pouco. Ela chegou em casa às quatro e meia e encontrou Kaito ainda acordado em frente ao computador, porém ele não trabalhava mais vigorosamente como antes. Ela estranhou o fato e foi verificar, encontrando-o lendo o código de mais de 2 mil páginas que escrevera.
— Algo errado Kaito?
— Hã? Não, nada… Só estou revisando o código de novo. Falta menos de uma página agora mas creio que este programa seja muito pesado para você rodar, pode ser que isso lhe cause uma sobrecarga de sistema e você deixe de funcionar… Preciso descobrir se tenho como mudar isso.
Ela não falou nada, apenas foi para a cozinha e preparou café. Embora não compreendesse exatamente o que aquele programa faria, imaginava todos os prós e os contras de tentar rodá-lo. Certamente Kaito a concertaria se o programa queimasse seu processador, mas não iria tentar fazer isso a menos que Kaito estivesse certo de que ela poderia. É. Assim era melhor.
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