Kokoro escrita por Claire


Capítulo 14
Capítulo Final - Kokoro


Notas iniciais do capítulo

Então... Tive VÁRIOS problemas essa semana e mal pude ficar no computador, então não deu para reescrever tudo de novo (eu já tinha escrito antes mas meu pendrive formatou do nada). Consegui hoje e resolvi postar logo antes que desse algo errado.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/468954/chapter/14

A separação de May não foi surpresa para seus familiares, o fato de ela ter decidido se mudar para um condomínio em expansão do outro lado do país é que foi. Rin recebeu a notícia com sua característica falta emoção enquanto as meninas choravam e a abraçavam. Era estranho para May deixar o bairro onde cresceu mas ao mesmo tempo era necessário… A cada dia que passava o governo fechava uma chaminé de oxigênio na região e abria uma nova em uma área nobre, era como se estivesse mandando os pobres enriquecerem e se mudarem ou morrerem sem oxigênio suficiente. May queria as meninas crescendo bem e com qualidade de vida, então a opção mais óbvia era sim se mudar. É claro que ela odiava ter que deixar Rin para trás mas não teria como levá-la… Kaito precisaria dela por perto. As gêmeas se despediram de Rin com muitas lágrimas e promessas de um dia voltar para visitá-la, mas Rin já calculara as chances disto acontecer e sabia que eram mínimas. Estavam se mudando para muito longe para voltarem mesmo que ocasionalmente.

 

E assim Rin se viu sozinha pela primeira vez desde que fora iniciada. Seus amigos sumiram, até mesmo os humanos do bairro se mudavam com frequência e o local estava cada vez mais parecido com um bairro para robôs já que eram os únicos que ela via andando por aí. Kaito respirava com dificuldade cada vez maior a cada dia, suas rugas se aprofundavam e sua pele enchia de manchas com a idade, até que um dia enfim ele a chamou no laboratório com um uma expressão estranha.

 

Eu consegui Rin… Enfim eu consegui, o programa está completo. Mas infelizmente não consegui torná-lo mais leve então se você tentar rodá-lo vai queimar seu HD… A obra de minha vida… E nunca vou poder usá-la

 

Kaito deixou o CD na gaveta e olhou a tela do computador por algum tempo. Aquele velho computador que lhe servira durante toda a sua vida, agora era hora de aposentá-lo. Uma lágrima solitária rolou por seu rosto envelhecido e ele fechou os olhos, sentindo-os arder pelo tempo olhando para a tela brilhante. Ele então se levantou e começou a subir as escadas com Rin logo atrás e pela primeira vez em anos ele se sentou na mesa do jantar para comer uma refeição. Rin fez purê de batatas com carne cozida para ele e preparou-lhe uma jarra de suco, então os dois conversaram até as duas da manhã e Kaito resolveu que já era tarde demais para manter uma conversa decente.

 

Ele olhou bem para o rostinho angelical de Rin e sentiu uma pontada profunda de amor em seu peito. De fato ele amava muito sua criação, e era grato a ela por estar sempre ali para ele. Sentia enormemente por não ter como entregar a ela o que ele mais queria na vida, mas também sentia por ter desperdiçado sua vida em busca de algo sem sentido. Ele foi se deitar naquela noite com uma mistura de leveza e peso na consciência e sonhou com Rin em seu vestido branco e coroa de flores amarelas como no dia em que ela fora ao baile.

 

(…)

 

Mil e trezentos anos depois os ossos de Kaito permaneciam na cama, perfeitamente cobertos pelo cobertor de seda que agora era apenas um trapo comido por insetos. A casa ainda estava arrumada pois Rin continuava a limpá-la todos os dias, mas a energia e a água já haviam sido cortadas a muitos e muitos anos. Ela ainda caminhava na praça e cantava de vez em quando, mas àquela altura não havia ninguém para ouvir. Os humanos abandonaram o Japão quando os níveis de radiação ficaram altos demais, e os que não tinham dinheiro para sair das ilhas acabaram morrendo por falta de oxigênio quando o governo fechou os dutos. Para Rin tudo isso era indiferente: ela viu mil anos de história humana passar diante dos olhos através de sua conexão com a intranet, viu impérios serem erguidos e desfeitos, viu homens bons e homens maus governarem o mundo. E durante tudo isso ela nunca, jamais recorreu às memórias gravadas dos tempos distantes.

 

Foi quando as cidades bombardeadas com radiação começaram a ser habitáveis novamente que ela desceu ao laboratório, agora em ruínas e dominado pelos roedores, e pegou o CD com o programa de Kaito pela primeira vez. Ela não tinha uma curiosidade verdadeira mas por algum motivo pareceu querer experimentar o que aquele homem gastara a vida fazendo e assim talvez compreender melhor esta estranha humanidade que já se modificara mais vezes do que ela poderia contar. Ela pegou o CD e o inseriu no leitor, então deu a autorização via senha para que o programa fosse executado enquanto lia as letras escritas com marcador permanente na capa de plástico onde Kaito o guardara:

 

Projeto K O K O R O

 

E ele se iniciou com um zumbido baixo. Algo dentro dela pulsou com os impulsos elétricos que se espalharam e sua pupila dilatou. Era algo tão intenso, como uma corrente elétrica muito forte percorrendo seus circuitos, e ela não conseguiu compreender direito no começo. Ela viu Shiro e seu sorriso que aquecia o coração de qualquer um, e sentiu a falta dele. Se sentiu mal e traída por seu súbito desaparecimento assim que ele começou a namorar, mas também gargalhou lembrando das piadas sem graça que ele fazia; e sorriu novamente ouvindo sua voz, nítida como se ele estivesse ali, dizendo “Oi Bee-bop!” na praça em um dia ensolarado. E seu interior se aqueceu com uma sensação de carinho e consideração por May e seu jeito determinado de lhe defender na cantina quando Lia a confrontou pela primeira vez. Lembrou do dia do casamento dela e de como ela estava linda de branco e sorriu de novo; pensou nas gêmeas com cinco anos contando sobre o dia na escolinha, e com sete falando sobre seus filmes de princesa preferidos, e com quinze dançando com seus vestidos lindos na festa, e com dezessete chorando e se despedindo com os corações partidos. Teve vontade de voltar no tempo e dizer a elas que sentiria a falta delas, mas já era tarde…

 

Ela viu Oliver de terno buscando-a na porta de casa com a limusine para o baile, e as conversas que tiveram sobre tudo e sobre nada, e a forma como ele não se importou que todos soubessem sobre ela. E o viu na porta da casa dele com uma expressão sofrida lhe sussurrando que a amava, e soube naquele momento que também o amara e sua falta deixou-a com o peito pesado e doendo tanto que ela mal conseguiu ficar de pé. Viu seu cabelo loiro ao vento no dia em que se conheceram, e seu jeito calado na cantina quando as coisas começaram a ficar estranhas entre eles, e quis lhe dizer para ficar. Quis que ele ficasse ali com ela, para sempre, por mil anos, e que não obedecesse sua mãe quando ela quis se mudar para tirá-lo de perto dela. O amor que sentiu foi tão grande que a deixou de joelhos com o estômago revirando com tantas borboletas se agitando ali dentro. Ela quis que aquilo parasse… Quis deixar de sentir tudo com tanta clareza e com tanta urgência, tudo de uma vez daquele jeito, mas acima de tudo ela queria sentir tudo. Queria ter dito coisas, ter feito coisas, mas agora todas as pessoas que lhe eram queridas estavam mortas.

 

Kaito… Por favor… Por favor

 

As lágrimas desciam por seu rosto e molhavam sua camisa branca de tal forma que agora ela sentia frio. Desde a primeira pontada ao lembrar de Shiro ela não conseguia parar de chorar e de sorrir, mas agora só havia choro e sofrimento e pesar. Ela sentiu com clareza o luto, a falta, a saudade e o amor por seus amigos. E quando achou que não poderia chorar mais, ela se lembrou de Kaito e de tudo o que ele passou para lhe dar um coração. Sentiu o peito ainda mais pesado com a saudade que sentiu por ele, e se lembrou do dia em que fora iniciada e o sorriso bobo e impressionado que enfeitou o rosto dele. Ela quis tê-lo abraçado e chamado de pai, e dizer que o amava e que era grata por tê-la trago ao mundo. Agora as lágrimas escorriam por seu rosto e caíam no chão enquanto ela permanecia em posição fetal apertando o estômago que doía, mas ela se sentia muito bem naquele instante… E agradeceu por tudo: por ter ficado ao lado de Kaito todos esses anos, pelo amor que ele lhe dera incondicionalmente mesmo que ela não pudesse retribuir na época, pelos vestidos, sapatos, blusas e ursos de pelúcia que ele lhe dera de presente, e ela quis muito poder dizer a ele que acima de tudo ela sentia sua falta.

 

Ela se levantou com o corpo tremendo muito e correu escada acima sentindo que seus circuitos se desfaziam, e ao chegar no quarto de Kaito ela se ajoelhou ao lado da cama e deixou que as lágrimas continuassem a descer enquanto cantava a música preferida dele. Sua voz falhava com a emoção que sentia e ela colocou seu coração naquela música, e qualquer um que passasse na frente da casa poderia sentir sua alma nas notas que saíam de sua boca. Mas tudo isso durou apenas alguns minutos e o programa queimou seu disco rígido. De fato era muito pesado para que ela conseguisse aguentar. Ela pensou novamente no rosto sorridente de Kaito e em sua forma gentil de tratá-la e desatou a chorar e sorrir e tremer e tudo ao mesmo tempo enquanto ela se deitava ao lado dos ossos de Kaito e sentia seu corpo paralisar a medida que as ligações entre suas memórias e os fios que conectavam suas partes queimavam. Ela piscou algumas vezes para tirar as lágrimas dos olhos. O rosto de Kaito foi o último que ela conseguiu ver enquanto suas memórias entravam em curto e ela enfim deixava de funcionar.

 

E mesmo naqueles segundos finais, seu rosto estava tranquilo e ela exibia um sorriso. Ela inegavelmente parecia um anjo.

 

Obrigada… Papai...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então... É isso. Segui o final da música original mesmo... Caso queiram ouvir, é essa daqui https://www.youtube.com/watch?v=tRwbhMDRv24 ^_^ Espero que não tenha decepcionado muita gente ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kokoro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.