As cinzas de um julgamento escrita por Rebeca Paixão


Capítulo 1
Inferno


Notas iniciais do capítulo

Uma nova-iorquina independente. Uma vítima de leucemia pragmática. Uma modelo fracassada. Um advogado recém-formado. Um grupo incomum, atirado no meio do caos. Não há governo. O nome do jogo é sobreviver.



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-Oi. Você ligou para o Griff. Não posso atender no momento, mas deixe sua mensagem que retornarei assim que possível. -Bip.

-Oi, Griff. É a Chris, lembra? A garota com quem você sai há quatro anos... A mesma que você largou no restaurante do hotel The Península. Está tudo bem comigo. Só estou encharcada... E tem a humilhação também. Ah, e tem os meus sapatos Donna Karan que eu nunca mais vou poder usar. Mas está tudo bem. Eu só liguei mesmo para mandar você ir se foder. Adeus. —E desligou.

Chris jogou os poderosos sapatos vermelhos na lata de lixo na cozinha. Encarou derrotada a sua imagem no espelho grande, do corredor. O vestido de veludo negro estava agora colado no corpo. O rímel escorrera a ponto de transformar seu rosto numa máscara de filme de terror, e o batom vermelho havia abandonado seus lábios na sexta taça de vinho solitário. A gota d´água, contudo, era o cabelo, cuidadosamente alisado no salão, que agora voltara a ser a massa de cachos volumosos, pingando no carpete. A verdade era que Chris já havia chorado, no caminho de volta, já havia aceitado a piedade do garçom, do taxista e do traficante menor de idade que rondava seu prédio. Chris não queria ouvir que era jovem, bonita e inteligente, e Griff era um idiota. Sim, ele era. Rihanna escolheu o Chris Brown. Nem ela própria sabia o que via em Griff. Bonito? Talvez. Suas amigas frequentemente o comparavam a um ator pornô desempregado, por conta de seu cabelo ruivo e dos músculos pouco exercitados. Não era brilhante, tinha um MBA em Comunicação Social, em Sorbonne, mas trabalhava numa oficina mecânica no Queens. Seus amigos eram apenas os poucos que restaram de sua infância no East Upper Side. E Chris não sabia nada sobre sua família. Griff era profissionalmente frustrado, sexualmente mesquinho e tinha a profundidade emocional de uma colher de chá. O fato é que ela não se via com mais ninguém, apesar de sentir falta das coisas bobas, como tomar uma cerveja na praia, ir ao Smithsonian de mãos dadas ou talvez ver um jogo dos Lakers. Mas isso não importava agora, porque, a menos que Griff estivesse morto, Chris nunca mais queria vê-lo. Ela pensou em tudo isso enquanto tomava um banho. Se enfiou em seu roupão felpudo e se sentou em sua cama, fumando um cigarro de maconha. Ao olhar a paisagem da janela, notou que, a oeste, tudo estava ás escuras. Apagou o cigarro no chão e simplesmente dormiu.

Chris acordou ás três e quarenta e oito, sem saber exatamente o porquê. Estava suando, e seus ouvidos registraram uma gritaria incomum. Não que Manhattan de madrugada fosse o lugar mais sossegado do mundo, mas... Tiros? Chris se levantou depressa, e espiou pela janela. Havia uma pilha de pneus em chamas em dois pontos da rua, e tanta, tanta gente correndo, que, a princípio, ela achou que fosse um blackout. Os tiros pipocavam de um lado para o outro. Forçando a vista, percebeu que grande parte dos garotos que corriam desabalados pelas ruas carregavam sacolas, bolsas e caixas. Um arrastão. Chris tentou acender as luzes, mas não havia energia. Ela colocou a cabeça para fora da janela, e seu coração falhou uma batida. Ela só teve tempo de voltar para dentro antes que um colchão em chamas caísse com um característico ´´uulsh``, do andar superior.

Chris começou a suar. Olhando em volta, ela identificou sua mochila de acampamento, no fim de uma pilha de objetos a serem descartados. Enfiou dentro dela todas as roupas recém-lavadas, do cesto, a carteira, o dinheiro de debaixo do colchão, o carregador do celular, um par de coturnos, a bolsa de maquiagem jogada na pia do banheiro, e uma caixa de bolinhos. Vestiu como um foguete um jeans qualquer, o moletom da Universidade de Columbia e o All Star desbotado que também estava na pilha de objetos a serem descartados. E saiu. Esbarrou em sua vizinha gorda, em seu vizinho gay, e no segundo andar, tropeçou em um gato e rolou quatro degraus. Levantando-se o mais depressa que pôde, Chris correu até o caos, deixando que o pânico lentamente se infiltrasse em suas articulações. O ar da rua cheirava à borracha queimada, vômito e urina. Ela não sabia para quem ligar, para onde ir, o que fazer. Simples e automaticamente, ela tapou a boca com a gola do moletom e correu junto à multidão de desesperados e loucos. E assim, correndo, com a boca tapada, com as pernas formigando e pequenas lágrimas se formando em seus olhos, Christabel Jones lentamente percebeu que não, aquilo não era um blackout.


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Notas finais do capítulo

Agradeço quem se dispôs a ler, e, desde já, aos que comentaram com críticas construtivas. *--*



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