Ellie.

Caímos. Olhos fechados (eu, pelo menos). Ele não soltou minha mão. Não achei ruim, mas ainda suspeitava dele. Ainda sem abrir os olhos senti meu corpo congelar. Escutei o rapaz gritando algumas palavras, mas eu não entendi nenhuma. Eu estava afundando.

É claro que se ali fosse simplesmente o chão, ele não pularia. O pequeno rio era nossa única salvação. A correnteza era fraca, mas ele era bem fundo. Eu afundei e não encontrei seu fim. E para piorar: eu ainda não sabia nadar. Desde o acidente do ônibus submerso com Joel, eu evitei entrar em águas mais profundas que a altura da minha perna.

Só me lembro do frio e de sentir algo (um braço, eu acho) ao redor da minha cintura.

Então tudo escurece.

Então o frio se torna um calor insuportável. Abro os olhos e vejo fogo por toda parte. Meu corpo dói. Minha cabeça girava.Eu estava tentando fugir de algo. Alguém. Eu não conseguia me mexer. Um facão se materializou a centímetros do meu rosto. Ouvi uma risada. Era de David.

– Joel!!- Gritei me sentando em um colchão velho. Foi só um pesadelo. Eu estava sem meu casaco, com as roupas úmidas.

– Você me assustou garota! - Ouvi uma voz. Olhei para o lado e lá estava um rapaz com seus olhos cinzentos arregalados. Uma das mãos sobre o peito.

A fogueira no meio do barraco velho estalou.

– Que lugar é esse? - Perguntei, sem baixar a guarda.

– Sei lá - Respondeu dando de ombros - Entrei no primeiro abrigo que encontrei. Você apagou depois que caiu no rio.

Senti meu rosto esquentar. 19 anos nesse mundo apocalíptico e ainda sem saber nadar. Senti mais vergonha ainda por te-lo assustado gritando Joel em busca de ajuda. Deve ter percebido que eu não passava de uma garota assustada.

– Ah, esquece, já passou - Disse ele como se estivesse lendo meus pensamentos - Aliás, meu nome é Aiden. - Ele estendeu a mão.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ouvi um barulho do lado de fora da cabana. Algo se aproximando. Mas não consegui distinguir o que.

– O que é isso?

– Ah, me desculpe... Esqueci de dizer que eu não estou sozinho.

Ótimo. Era só o que faltava. Mais uma dupla de canibais. Levei minha mão á minha cintura, mas me lembrei que a faca estava no meu casaco. "Droga, foram mais espertos" pensei.

Eu estava elaborando um plano de fuga quando vi a companhia de Aiden entrar. Um cachorro. Mais especificamente da raça beagle. Ele tinha um pássaro morto na boca. Aiden ignorou meu estado de alerta e chamou o cão de Duque e fez um carinho. O animal veio na minha direção abanando o rabo.

– Calma, ele não vai te atacar. - Ele ficou sério - E nem eu vou.

Eu me abaixei e fiz um carinho embaixo das longas orelhas de Duque. Não queria ter suspeitado dele, mas não posso confiar em todo mundo. Percebi que Aiden ainda olhava para mim. Eu não disse nenhuma palavra. Continuei olhando para o cachorro.

– Ei - O rapaz quebrou o silêncio, me obrigando a olhar para ele, ainda sério. - Não me confunda com um desses idiotas! Se fosse pra eu fazer algo ruim pra você, eu já teria feito. Já passou da hora e eu tive um monte de chances pra isso. - Deu um suspiro - E eu nunca faria isso, ok? Tô tranquilo.

Ele parecia preocupado com o caso de eu não acreditar nele. Mas eu vi sinceridade nos seus olhos.

– Eu acredito em você. Sou a Ellie. - Estendi a mão. Ele a apertou.

Nossos casacos estavam quase secos, então me dei conta de quanto tempo eu podia estar ali.

– Merda! Faz quanto tempo que eu tô aqui?

– Não sei... Algumas horas eu acho. Umas 5.

– Ah droga! Joel vai me matar!

– O tal Joel do seu grito? Ele é tão bravo assim pra você ter pesadelos por causa dele? - Perguntou Aiden tirando sarro.

– Ha ha. - Respondi com uma risada sem graça - Ele é meio que... Um "pai adotivo super-protetor" ou algo do tipo. Hoje foi a primeira vez que ele me liberou pra caçar sozinha...

– Olha no que deu, hahah.

– Foi sua culpa! Ah esquece, tenho que voltar para a zona de quarentena...

– Ta legal. - Disse levantando pronto para sair.

– Onde você vai?

– Vou com você, ué. Não tenho nada pra fazer, e ainda fiz você perder sua caça.

Ele me acompanhou e eu não protestei. Nuvens cobriam o sol mas eu podia ver sua localização. Perto do meio dia, com certeza muitas horas se passaram desde quando tinha saído. Joel ja devia ter acordado, e devia estar preocupado. Muito.

Continuamos andando em silêncio até chegarmos no rio em que eu me afoguei. Ele era extremamente calmo para alguém se afogar tão facilmente. Droga. Aiden pareceu perceber a decepção em meu rosto.

– Bem... A gente tem que dar a volta nesse rio. Não quero me congelar e nem escalar esse penhasco...

– É, vamos achar um caminho. - Disse tentando disfarçar minha felicidade por não ter que me afogar de novo.

Duque parou. Aiden o chamou mas ele apenas deu um gemido e sentou no mesmo lugar. Puxei ele pela coleira e nada.

– Preguiçoso... - Disse o seu dono pegando ele no colo.

Continuamos andando em silêncio. Sem fazer barulho. Comecei a sentir um cheiro ruim. Talvez fosse um animal morto. O vento começou a ficar mais forte. Com ele veio a neve e logo nossa visibilidade estava péssima. Percebemos que estávamos em um pequeno conjunto de casas apenas quando quase batemos de cara em um trailer coberto de neve. Aiden quebrou o silêncio.

– Então... Quando você acertou aquele gordo prestes a me matar... Você tava querendo me salvar, ou... Salvar seu veado?

Demorei demais para responder. Quando abri a boca para pronunciar algo, o som que ouvimos não foi a minha voz.

"plec, plec, plec"

– Merda... Estaladores! - Aiden disse lutando para manter o cachorro nos braços.

No começo, o som vinha da nossa frente. Depois do lado esquerdo. E então estávamos cercados. Paralisados.