Ellie.

Eram os primeiros dias de inverno. Tinha nevado na noite passada. O sol começava a subir, e eu já havia passado pela saída clandestina da zona. Joel a usava muito. A neve estava derretendo, e eu sabia que teria que tirar meu casaco pesado quando o sol ficasse mais alto. Não havia nevado muito.

"Devia ter vindo com botas impermeáveis" pensei enquanto a neve derretida congelava meus pés. Tirei o casaco e amarrei na cintura. Passei um bom tempo andando e nada. Nem um barulho. Apenas nuvens surgiram para cobrir o sol e me fazendo colocar o casaco de volta. Mas parei no meio do movimento. Um veado estava tranquilo a trinta metros de distância. "Acho que consigo" pensei. Todos esses dias treinando arco e flecha com Trent tinham que servir para alguma coisa.

Mirei e acertei. Mas não foi um tiro fatal. Meu alvo saiu correndo.

– Droga! - Corri atrás dele.

Infelizmente aquele animal era muito rápido. Já estava muito longe da área que eu conhecia e p vento me impedia de ouvir o barulho dele. Mas não me impediu de ouvir um homem gritando palavras que eu não entendia muito bem. Me aproximei e percebi que ele estava ameaçando alguém. Logo consegui enxergar a situação.

– Idiota! Você sabe que essa área é nossa! - Dois homens estavam ameaçando um rapaz que estava entre eles e um penhasco. Um dos ameaçadores, o mais gordo era o dono da voz.

O outro, também não muito magro, se manifestou dando um passo a frente.

– E como a área é NOSSA, toda caça daqui também é nossa! Só nós caçamos aqui! - Disse com um dos polegares apontando o próprio peito. Só então percebi um outro veado caído no chão. Não, não era outro... Ele estava com duas flechas no corpo. E uma delas era igual as outras em minha aljava. Era a MINHA carne.

– Olhando pelo físico de vocês - Disse o ameaçado a poucos passos do penhasco apontando para a barriga sobressalente de um deles - Não parecem que caçam muito.

– O QUE?! - Berraram os dois em uníssono.

– É... Vocês parecem mais do tipo que rouba a caça dos outros como estão fazendo agora... Pelo jeito foram muitas...

Quase não consegui conter o riso. Mas podia prever o que iria acontecer. Nenhum desses ousados sobrevivem. Afinal, estava na cara que aqueles dois eram caçadores.

– Vamos ver se vai achar isso aqui engraçado, cretino! - O mais gordo deu um passo a frente, chutou o peito do rapaz que caiu no chão e sacou o revólver.

Num movimento quase involuntário, atirei uma flecha que atravessou as têmporas do homem. Pelo menos esse tiro foi fatal. Não que aquele gordo fosse minha caça. Nunca faria isso. Não tenho boas lembranças de canibais. Antes de cair ele puxou o gatilho mas errou o alvo. A neve foi manchada de vermelho.

O cara caído no chão direcionou seu olhar para mim. Ficou assim por um segundo e logo percebeu que o outro estava se aproximando. Ele jogou uma pedra que encontrou no meio da neve e ainda deitado derrubou-o com uma rasteira. Então percebi que ele estava segurando uma besta, então se levantou e atirou antes que o caçador se levantasse.

– Ei! Quem está aí? - O rapaz gritou.

Eu não movi um músculo

– Eu não vou fazer nada! Olhe - Jogou sua besta para o lado - Viu?

Eu saí de trás de uma árvore. Me aproximei apontando o arco e flecha para ele. Reparei em sua aparência. Cabelos castanhos lisos e desgrenhados, a barba rala por fazer. Os olhos cinzentos-claros fitados em mim. Talvez não esperasse que a pessoa que salvou sua vida fosse como eu. Direcionou o olhar para a ponta da minha flecha.

– Eu disse que não vou fazer nada contra você - Levantou as mãos para cima.

– O veado. Eu acertei primeiro. É meu. - Ainda mirando nele.

Se lembra de quando eu disse que nunca tive dificuldade para me socializar? Bem, depois disso, esqueça.

– O tiro veio dessa direção! - Ouvimos ao longe. Nos entreolhamos. E depois olhamos a única saída: O penhasco.

– Vamos nessa, senhorita "dona-do-veado" - Disse o cara dos olhos cinzentos, agarrando minha mão e me puxando penhasco abaixo.