O Misterioso Mundo de Julia escrita por Perugia


Capítulo 9
Mergulhando em Águas Profundas


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez aqui, um belo capítulo, as coisas começam a tomar rumos inimagináveis, espero que aproveitem a leitura.



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Destino, uma palavra interessante, alguns acreditam que ele molda nossas vidas ao acaso, outros que nós construímos nosso próprio caminho, mas e você? Em que acredita? Somos apenas uma gota d’água fluindo em um enorme rio? Ou uma nuvem no céu que pode mudar de direção a cada corrente de ar e visitar lugares nunca antes imaginados?

Em todo caso esse não era o futuro que Julia desejava. Ela não queria que o pai tivesse se matado, que a mãe estivesse deprimida, que as pessoas fingissem se importar com ela, e principalmente, não queria ser portadora de um “transtorno mental”. Mas a vida é repleta de possibilidades, e mesmo que sejamos nuvens no céu voando livremente entre as correntes de ar, existem coisas nesse fluxo que não controlamos, que nos pegam desprevenidos e que fazem nos sentir como uma gota d’água fluindo em um grande rio, sem nunca mudar de direção, sem nunca conhecer lugares diferentes, ter emoções diferentes. Mas mesmo uma gota d’água entre bilhões de outras pode moldar seu destino, evaporar, ir para as nuvens, tornar-se um só com elas, voar mais alto do que qualquer um já voou, e quem sabe um dia chover no lugar mais lindo já visto, quem sabe.

Após ser sedada, Julia não se lembrara mais de nada, seu corpo estava pesado como uma rocha, perdeu a noção do tempo, perdeu os sentidos, sequer pensava, sua mente era um enorme branco vazio contrastando com a respiração lenta e com o coração que trabalhava sem pressa de bater. Por algum tempo seu cérebro pareceu estar desligado, os neurônios pareceram hibernar, tudo que via em mente era o enorme vazio tomar conta de tudo, não sabia se isso era bom ou ruim, mas em ponto ela havia de concordar, estava segura ali.

Julia não sabe dizer quanto tempo permaneceu no vazio, alguns minutos pareceram anos, mas quando ela finalmente conseguiu abrir os olhos, uma grande surpresa tomou conta de si, o lugar em que ela estava não era exatamente o hospital, longe disso, o lugar que ela estava era um cemitério, e para deixar tudo pior era noite.

Lá estava ela, um pequena garotinha com seu vestido rosa de laço borboleta em um cemitério assustador. Lápides e cruzes amontoavam-se aos montes por todos os lados, velas cintilavam na escuridão, uma espessa neblina encobria boa parte de sua visão, a lua brilhava discretamente no céu enquanto corujas piavam de lugares desconhecidos. Julia estava assustada, não sabia sequer onde estava, ou se aquilo era real ou fruto de sua imaginação, sentiu-se frágil, queria sair dali, mas sabia que não conseguiria devido a neblina, qualquer tombo ou topada poderia lhe custar caro. Vendo que não teria outra escolha, apenas esperou um tempo pensando tratar-se apenas de um sonho, e que logo iria acordar. O tempo passou e nada aconteceu, tentou até beliscar-se, mas sem êxito resolveu gritar.

– Por favor! Alguém me ajude! Qualquer um! – gritou com a voz estremecida, mas obteve apenas o eco como resposta.

Estando sozinha e assustada em um cemitério desconhecido, e sem outra opção, resolveu andar com cautela pela trilha em que estava, esperando encontrar alguma saída daquele lugar macabro. Enquanto caminhava, Julia observava os túmulos ao seu redor, alguns simples, outros imponentes e decorados com flores e velas, alguns recentes, outros mais antigos de pessoas poderosas que partiram há muitos anos, e ver tantos túmulos deixou-lhe triste, pensou no túmulo do pai, no seu enterro e amaldiçoou a morte por existir, mas a tristeza não lhe ajudaria agora e tratou logo de aprisionar esse sentimento enquanto seguia seu caminho.

Após um tempo de caminhada, e de achar que não chegaria a lugar nenhum, Julia pode avistar por entre a neblina um imenso portão gradeado no fim da trilha, aquilo lhe reacendeu a esperança, queria sair logo dali, começou a correr em direção ao portão, cada vez mais rápido, podia vê-lo a poucos metros, sentia seu coração pulsar com força, só mais um pouco e estaria livre, só mais um pouco, mais três passos e liber...

– Olá garotinha, há quanto tempo!

Julia não podia acreditar, ali do seu lado estava a velha que tanto lhe atormentara, sentada em cima de uma lápide negra com as pernas cruzadas, meio sorriso no rosto e mãos repousadas sobre as pernas. Ela quase não podia acreditar, qual o significado disso, por que estava acontecendo com ela? Quem era essa idosa? Eram perguntas que Julia não sabia explicar.

O medo foi tomando conta de si, sua mão estava a poucos centímetros do portão, começou a tremer de forma vigorosa, sentia-se como se algo a estivesse lhe devorando por dentro, pensou em empurrar o portão e fugir dali, mas foi advertida.

– Não pense em fazer isso garotinha, você não quer descobrir a verdade? – falou a velha com a voz rouca e fraca.

Era verdade, Julia se recordava, em seu sonho a misteriosa mulher lhe prometeu revelar a verdade por trás da morte de seu pai, falando-lhe que a fizeram acreditar em uma mentira, uma grande mentira. Julia não via opção, teria de encarar a velha para descobrir a verdade, ou jamais poderia dormir em paz novamente. Tentou controlar seu medo, respirar lentamente, retomar o controle do seu corpo, quando finalmente se sentiu segura perguntou.

– Que-quem é você?

– Ora, ora garotinha, essa é uma pergunta um tanto complexa de se responder, você realmente deseja saber?

– Si-sim por favor conte-me – respondeu Julia ainda gaguejando.

– Bem já que insiste – replicou a velha adotando uma postura menos assustadora - Eu sou tudo e não sou nada. Eu sou seus desejos e também sou o seu tempo. Eu sou humana e também posso ser Deus quando me convém. Eu também sou a tênue linha que separa a imaginação da realidade, loucura de sanidade, e eu sou você – terminou a velha em um sorriso maquiavélico.

Julia sentiu-se confusa, na verdade não havia entendido nada, havia ficado na mesma, só que um pouco pior.

– Como é? Não entendi nada, pode explicar de forma mais clara?

– Não é preciso, um dia você irá entender. Tem mais alguma coisa que deseja perguntar menininha?

– Que lugar é esse, onde eu estou?

– Bem, outra pergunta complicada, mas vou tentar responde-la de forma clara. Estamos em águas profundas garotinha, estamos em um universo criado pela sua mente fragilizada, aqui se encontram seus desejos, memórias, e seus maiores medos... e também memórias a muito tempo seladas, e sim, aqui você poderá encontrar as memórias perdidas sobre seu pai, mas a pergunta é, você terá coragem para isso?

Julia estremeceu, então era verdade, a velha realmente lhe contaria tudo, mas Julia não estava certa se realmente queria descobrir isso. Pensou no pai, o quanto ele a machucara, o quanto ele a fez sofrer, sua falta de atenção e carinho fizeram com que ela se torna-se uma garota fria e triste. Mas se por um lado ela lhe repudiava, uma parte de seu coração queria descobrir a verdade a todo custo, mesmo que isso significasse mais dor, mesmo que descobrisse apenas mais tragédia, mais lágrimas, mais sofrimento, ela iria saber a verdade, de uma maneira ou de outra.

– Escuta aqui senhora das charadas, eu irei descobrir a verdade, não importa o quão fundo eu tenha de mergulhar, não importa o tamanho da dor que eu tenha de aguentar ou tanto de lágrimas que eu venha a derramar, eu descobrirei a verdade, e essa é uma promessa que eu faço aqui em sua presença – Respondeu Julia em uma explosão de fúria e lágrimas.

– Ótimo, ótimo – disse a velha aplaudindo – não imaginei que você fosse tão enérgica garotinha.

– Agora desembucha velha, pode me contar tudo, eu estou preparada, fale sobre a verdade por trás da morte de meu pai.

– Nada disso – respondeu a velha fazendo um sinal de negativo para Julia – não é assim tão fácil quanto você imagina, garotinha tola.

– Como não? Você disse que iria me contar a verdade, não se lembra?

– Sim, eu acho que lembro-me de ter mencionado algo a respeito, mas eu também mencionei que não seria fácil, ou você tem a memória curta, he he he, e olha que a velha sou eu.

– Então, diga-me, o que eu tenho de fazer? – respondeu Julia em um tom desesperado.

– Pobre garotinha, tão jovem, e com um fardo tão grande – comentou a velha com pena – o caminho será longo, mas a recompensa deverá valer o sofrimento. Agora, escute-me com atenção garotinha, se você quer descobrir a verdade, você deve crescer, mas não em tamanho mas sim mentalmente, abra sua mente, livre-se de seus fardos, culpas, sentimentos desnecessários e a verdade irá desabrochar.

– Como assim? Pode ser mais clara? – retrucou Julia apreensiva.

– Para sua memória recuperar sete selos deve quebrar...

– Que selos? Do que você está falando? – disse Julia enquanto o desespero se apoderava de sua voz.

– Ausência, medo, ódio, rejeição, solidão, inocência e consciência...

– O que isso quer dizer?

– Os cinco primeiros representam sentimentos negativos que você nutriu por seu pai por muitos anos, os dois últimos representam um sentimento que você deve abandonar e um que você deve libertar. Cada selo rompido fará com que as memórias perdidas retornem aos poucos, e assim a verdade irá surgir.

– Mas como eu faço para romper estes selos? Por favor senhora explique-me.

– Você descobrirá em breve garotinha, um mundo fascinante e perigoso lhe espera fora destes portões, agora vá, a verdade está a sua espera, só depende de você alcança-la – disse a velha apontando para o portão.

– Não! Explique-me melhor, por favor, explique-me – disse Julia desesperada correndo em direção à velha, mas essa desapareceu em um passe de mágica deixando-a sozinha, no lugar onde suas pernas repousavam sobre a lápide apareceu uma inscrição em branco na lápide negra.

“Romeu Fernandez Brandenburg, 1967/2000, O caráter de um homem não é medido por honras acumuladas em vida, mas pelos seus atos que continuam a ecoar após as luzes se apagarem”.

Uma lágrima escorreu pela bochecha de Julia, não estava esperando por aquilo, mas de certa forma agradeceu por isso, deu meia volta e dirigiu-se ao portão, um sorriso surgiu em seu rosto, e enquanto o empurrava levemente pensou.

“Isso é por você pai, aguente só mais um pouco, eu descobrirei tudo, mesmo que tenha de pagar um preço muito alto, eu descobrirei”.


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