O Misterioso Mundo de Julia escrita por Perugia


Capítulo 8
Lembranças de um Passado Doloroso


Notas iniciais do capítulo

Novo capítulo, novas revelações, novas emoções, deliciem-se, apreciem com moderação ^^.



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Noite escura, noite sombria, noite amargurada. 19 de julho realmente era um dia amaldiçoado para Ana, cinco anos atrás o marido se fora, e cinco anos depois, exatamente no mesmo dia, a vida lhe joga um balde de agua fria. Agora sua pobre filha, que já havia sofrido tanto em sua curta vida, sucumbia ao mesmo destino do pai. Ana sentia-se ferida, sentia-se fraca e principalmente, sentia-se revoltada com tudo e com todos. Queria sumir, desaparecer, destruir tudo que lhe fizesse sofrer, mas a vida não era tão simples assim e lá estava ela no consultório do doutor Magalhães esperando descobrir o motivo da conversa que estava por vir.

Logo após da saída de Julia e os outros, doutor Magalhães se jogou em sua poltrona sentindo-se levemente aliviado, afundando lentamente na acolchoada espuma, enquanto apenas sua cabeça calva e seu bigode branco ainda podiam ser vistos por cima da mesa. Mais do que de pressa ele se apressou em dizer.

– Vamos senhora Brandenburg, sente-se, a conversa será longa – disse apontando para uma cadeira em frente a sua escrivaninha.

– Com licença – respondeu Ana seca, sentando-se.

– Bem senhora Brandenburg eu não sei exatamente por onde começar, essa conversa não será fácil pra mim, muito menos para a senhora, mas é algo que tem de ser feito – disse friamente se inclinando sobre a escrivaninha.

– Bem, acho que não tenho escolha, eu preciso saber a verdade, vamos logo por as cartas na mesa – respondeu Ana pressentindo que algo ruim estava por vir.

– Antes do veredito final, eu gostaria de expor alguns fatos do passado do seu marido que podem machuca-la ainda mais. Gostaria que você me desse sua sincera opinião, você está pronta para ouvir a verdade?

Ana congelou por um momento, mergulhou em seus pensamentos, ficou fora de ar por alguns segundos, pareceu perdida, afogada em memórias, mas depois de longos segundos conseguiu responder.

– A essa altura do campeonato, o que é uma ferida a mais para quem já está mutilada? Conte-me tudo – disse com convicção.

Doutor Magalhães sentiu-se assustado com a convicção de Ana, não estava esperando essa reação de alguém que aparentava estar tão fragilizada momentos antes, mas não havia tempo para rodeios, decidiu então iniciar a conversa da melhor maneira que encontrou.

– Há 12 anos atrás, você esteve aqui com seu marido pela primeira vez. Lembro-me como se fosse hoje, ele estava bem agitado não é mesmo? Lembro-me também que uma semana antes você me ligou assustada pedindo ajuda, relatando que seu marido passava horas pintando e pintando porque um amigo curador de um famoso museu estava interessado em suas obras e queria fazer uma exposição em seu nome. Lembro-me também que você mencionou que ele andava falando sozinho e divagando constantemente, não é verdade?

– Sim, foram tempos difíceis, e até agora seu relato coincide com a realidade, prossiga por favor.

– Lembro-me também de como foi difícil a primeira consulta, lembro-me que ele não gostou nem um pouco de ser trago a um médico de “loucos”, e foi com muita dificuldade que consegui extrair informações dele. Ao longo de quase seis meses de acompanhamento descobri que o nome de seu amigo curador era Jacques Girard, e que ele era responsável pelo Museu Nacional de Artes Modernas, situado em São Paulo. Mais um tempo de investigação passado e descobri que minhas previsões estavam certas – o olhar do médico estremeceu – não existe e nem nunca existiu um Museu Nacional de Artes Modernas em São Paulo, e o pior, Jacques Girard nunca existiu.

– Onde você quer chegar com essa conversa? – perguntou Ana nervosa.

– Em breve chegaremos lá, agora continuemos. Depois de fechar essas etapas não foi difícil concluir que seu marido era esquizofrênico. Pessoas com esse distúrbio podem achar que seu comportamento é normal, aceitável, e dessa forma a doença pode ficar sem tratamento por mais tempo do que deveria. Esta é uma doença triste, é verdade, pessoas com esse transtorno podem fugir da realidade, ter alucinações com pessoas ou lugares que nunca existiram. Ouvir vozes que lhe dão ordens, conversar come elas, ter delírios de perseguição ou distorções da realidade, estes são alguns dos sintomas mais comuns da doença.

O médico deu uma pausa para recuperar o fôlego e novamente voltou a falar.

– Mas isso ainda não é o pior, o mais triste é que muitas pessoas portadoras do transtorno mesclam tanto realidade com imaginação, que quando finalmente descobrem a doença sofrem um choque tão grande, que muitos acabam suicidando-se, cedo ou tarde. Imagine que lembranças, passagens importantes e lugares do qual gostasse não tivessem desaparecido de um dia para o outro, mas sequer chegaram a existir. Imagine Tudo o que você é, tudo o que sonhou e tudo o que ainda sonhará tivesse sido construído sobre pilares de areia, um dia eles irão desmoronar, mais cedo ou mais tarde.

A expressão do médico mudou, seu rosto tornou-se mais frio, Ana já estava a espera da punhalada final. A chuva ainda escorria lá fora, como se o céu não quisesse parar de chorar. Ana com a voz abalada resolve antecipar o golpe de misericórdia.

– O que o senhor quer dizer com isso doutor?

– O que eu quero dizer é que – sua voz tornou-se fria – Julia pode ser... esquizofrênica.

Aquela palavra cortou o coração de Ana em dois, mas já não conseguiu chorar, estava machucada demais, já havia chorado tanto e não havia mais lágrimas a derramar. Mesmo abalada começou a proferir com o olhar baixo.

– Eu sabia, lá no fundo eu sabia, só não queria admitir, não queria encarar a realidade, como a vida é cruel não é mesmo?

– Calma Ana, não podemos tirar conclusões precipitadas, é preciso tempo para se fechar um diagnóstico desses, e também há a probabilidade da doença ser genética, mesmo que ainda não seja nada comprovado cientificamente, no entanto tenha calma, no momento estamos apenas trabalhando com hipóteses.

– Hipóteses, teorias ou diagnósticos confirmados, não importa, no fim das contas minha garotinha sucumbiu ao mesmo destino do pai – disse com ela com a voz morta – por favor! Não deixe minha garotinha morrer! – gritou em desespero enquanto uma lágrima escorria pela face.

– Acalme-se Ana, quanto a isso não precisa ficar preocupada, não irei cometer o mesmo erro que cometi com seu marido, e isso é uma promessa – disse levantando-se da poltrona e caminhando em direção a Ana pousando a mão em seu ombro.

– Agora acalma-se, vá para a enfermaria ver sua filha, fale com Cecília, ela lhe dará um calmante, você precisa descansar, já sofreu demais por hoje.

– Pode deixar que eu irei, só não sei se conseguirei descansar – respondeu Ana enxugando o rosto.

(...)

Após saírem do consultório do doutor Magalhães, Jorge e Cecília levaram Júlia de volta a enfermaria três. Ao entrarem na enfermaria, o leito que Julia ocupara anteriormente estava uma bagunça, e Cecília rapidamente se prontificou para arrumar.

– Espere um minuto, enquanto eu dou um jeito nesse leito – disse retirando os lençóis bagunçados e pegando um limpo no armário.

– Deixa que eu te ajudo a arrumar – respondeu Jorge tentando ser cordial.

– Hum, que educado, normalmente os homens que conheço não fazem esse tipo de coisa – retrucou Cecília com um suave sorriso.

– Olha, então você deve ter conhecido os caras errados – emendou Jorge tentando quebrar o frio.

– talvez seja verdade.

Ao arrumarem o leito a mão de Jorge acidentalmente pousou sobre a de Cecília, seus olhares se cruzaram por um segundo, Jorge retirou a mão rapidamente e Cecília corou.

– Me desculpe por isso, foi sem querer!

– Não, não há por que se desculpar – emendou Cecília tentando consertar a situação – agora ajude-me acomoda-la no leito.

Julia então foi acomodada no leito. Jorge sentou-se na poltrona a seu lado, enquanto Cecília retirou-se desejando-lhe um doce boa noite. Julia estava sedada e não acordaria tão cedo, Ana ainda não havia aparecido, o relógio batia três e quarenta e quatro da madrugada, então tudo que ele se pode fazer foi observar a sobrinha e torcer para que esse pesadelo acabasse.


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