O Misterioso Mundo de Julia escrita por Perugia


Capítulo 11
Perguntas e Respostas: A verdadeira Identidade do Homem Sem Rosto


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos, mais um capítulo para vocês, ficou meio grandinho esse, mas vale muito a pena, boa leitura.



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É incrível como o tempo parece parar em situações de perigo, um segundo pode durar uma eternidade, e um movimento errado pode lhe custar a vida. Julia estava nessa situação, assustada, em um lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas e proporcionalmente assustadoras.

Não sabia ao certo onde estava, o que teria de fazer, para onde teria de ir, ou que a velha quis lhe dizer em suas charadas malucas, mas de uma coisa estava certa, ali poderia encontrar todas as respostas que estava buscando e não iria fugir da verdade novamente.

Após o desfecho da fala do homem sem rosto, Julia pôs-se a fita-lo, assustada é verdade, mas não a ponto de não raciocinar. Observou cada leve movimento do indivíduo, observou cada uma das pessoas ali presente, e depois de muito articular em sua mente, a coragem lhe percorreu as veias e finalmente perguntou.

– Homem sem rosto, pode falar de que jogo se trata, não fugirei eu lhe dou minha palavra, pelo contrário, estou ansiosa para jogar com você.

O homem sem rosto explodiu em uma gargalhada insana enquanto batia palmas, o restante do salão lhe acompanhou. Após se recompor, desceu lentamente ao encontro de Julia, inclinou-se e se pôs face a face com ela mostrando-lhe seu rosto medonho sem olhos, nariz ou orelha.

– Sinceramente garotinha, você é muito engraçada, fugir, nem com superpoderes você fugiria de mim, tolinha – disse-lhe afagando os cabelos – agora voltemos ao assunto principal, eu e você vamos jogar um jogo, eu já lhe disse isso, mas não custa reforçar. O jogo é simples, eu proponho um jogo de perguntas e respostas, você sabe o que isso significa pequenina?

– E-eu tenho uma vaga ideia, pode explicar melhor as regras – perguntou Julia sentindo o hálito inebriante daquele ser.

– Ora é simples garotinha – respondeu o homem sem rosto virando-lhe as costas – vamos nos propor charadas até que um de nós erre, não há nenhum segredo nisso, ou é demais para sua cabecinha?

– E o que acontece se seu errar? – perguntou Julia temerosa.

– Ora garotinha, para o seu bem é melhor não errar, mas já que insiste em uma resposta – disse o homem sem rosto virando-se novamente para Julia – caso erre, esse mundo, toda a verdade e memórias que você tanto busca serão perdidas, você irá acordar e viverá para sempre sem eu universo de penumbra – terminou a fala com um sorriso maléfico.

– E se eu ganhar?

– Bem se você ganhar, o que sinceramente eu duvido muito, eu irei desaparecer, e você irá recuperar uma parte das memórias que tanto busca. E então o que me diz garotinha, está pronta para perder?

– Eu nunca me senti tão preparada e em contrapartida, eu não irei perder aberração!

– Ótimo – balbuciou o homem sem rosto – sendo assim, que o jogo comece! – Disse por fim abrindo e estendendo os dois braços ao ar, enquanto caia em uma gargalhada diabólica.

Após todo esse teatro, alguns criados entraram no salão, sabe-se lá de onde, e acomodaram uma pequena mesa no centro do salão. A mesa estava decorada com uma linda toalha vermelha, castiçais, flores, taças, frutas e um pequeno jantar. Após terminada a arrumação, o homem sem rosto lhe convidou.

– Vamos mocinha, sente-se, e sirva-se se assim desejar, não quero que diga que está de barriga vazia e não consegue pensar direito.

O homem sem rosto sentou-se em uma ponta da mesa, enquanto Julia dirigiu-se a ponta oposta. Ao sentar-se na cadeira, Julia pode perceber o quão confortável a mesma era, e isso a deixou menos tensa. Do mesmo modo o cãozinho lhe seguiu e alojou-se aos seus pés em baixo da mesa. O homem sem rosto voltou a falar de seu assento.

– Vamos garotinha, sirva-se, não há veneno eu lhe garanto, aceita um pouco de vinho? – disse enquanto se servia de uma taça – como eu sou estúpido, esqueci que você é uma garotinha e não bebe essas coisas, quer um pouco de leite? – disse em tom de deboche.

– Cale-se aberração, eu não sou nenhuma garotinha e ficaria feliz se me servisse suco – respondeu Julia carrancuda.

– Como desejar senhorita – disse o homem batendo palmas enquanto um servo entrava com uma jarra de suco em mãos – e aliás garotinha, meu nome não é aberração, como já lhe disse eu sou um fruto de sua mente, e mesmo que eu for uma aberração, isso faz de você o que?

– É verdade – disse Julia contrariada – então se você não se chama aberração, qual o seu verdadeiro nome?

– Nada disso garotinha – respondeu o homem sem rosto bebericando um gole de sua taça de vinho – isso você mesmo terá de responder, e como minha primeira pergunta eu quero que você responda, qual o meu verdadeiro nome garotinha?

Julia sentiu-se intimidada, sabia que não seria fácil, sabia das possíveis dificuldades, mas aquilo a assombrou, como poderia saber o nome de alguém que sequer conhecia, essa pergunta lhe parecia desonesta e resolveu contesta-la.

– Espera um pouco aí, como eu poderei saber o seu nome se nem ao menos o conheço?

– Meu jogo, minhas regras! E quem disse que você não me conhece? Eu tenho absoluta certeza que mencionei o meu nome anteriormente, ó coitadinha já se esqueceu? Que pena.

Julia bebericou um gole de sua taça com suco de laranja enquanto encarava a estranha criatura.

– Ah, antes que me esqueça você tem cinco minutos para responder, nem mais nem menos, e marcarei neste cronômetro para que não tente me enganar – disse o homem sem rosto retirando um antigo cronômetro do bolso de seu terno.

Por um momento Julia teve medo, como se não bastasse a dificuldade da pergunta, ainda teria um tempo cronometrado para responder, era demais para sua cabeça, sentiu o medo tomando conta de si, o desespero a consumia como um fogo violento, a falha lhe veio a cabeça como algo inevitável, sentiu-se horrível por isso. Abaixou a cabeça procurando consolo, apenas viu o cãozinho a seus pés por baixo da mesa, sentiu as lágrimas molharem seus olhos.

“Como eu sou inútil, eu não faço nada direito, a minha vida toda é uma tragédia. Eu estou atrás da verdade, mas eu nem sei se ao menos se sou merecedora disto, como a vida é horrível, você é uma covarde Julia, e sempre será, você não pode fugir do seu verdadeiro eu. Apenas assuma sua inutilidade e volte correndo para seu mundo de trevas, a verdade só irá te machucar, esqueça seu pai, esqueça todos que te façam sofrer, destrua-os, transforme-os em pó e reescreva seu destino ao seu bel-prazer.”

– Tic-tac! O tempo corre garotinha, três minutos te restam, três minutos para a vida ou para a morte, não vai se entregar logo de primeira, ou vai? – retrucou o homem sem rosto do outro lado da mesa se deliciando com seu sofrimento.

Aquelas palavras não pareceram surtir efeito em Julia, já se considerava derrotada e provavelmente nada poderia mudar isso. Enquanto afundava mais na escuridão, o cãozinho pôs-se a se esfregar em suas pernas em baixo da mesa e a dar leves gemidos, como que se estivesse tentando anima-la, dizendo-lhe para não desistir. De certa forma aquilo lhe deu um certo ânimo, Julia fitou o pobre animal e viu sua cara de súplica e rapidamente pensou em tudo que passou até ali. Seria burrice desistir agora, lembrou-se da promessa no túmulo de seu pai e de sua determinação, a esperança encheu-lhe o peito novamente e decidiu continuar em frente, não iria desistir assim tão facilmente, e estava disposta a encarar tudo o que viesse de rosto erguido, e se falha-se, ao menos saberia de todo coração que tentou.

O tempo estava se esgotando, o homem sem rosto continuava a encara-la com um sorriso amarelo. Julia tinha de ser rápida e ela sabia disso, passou então a relembrar tudo que acontecera desde sua chegada ao casarão, passou e repassou em sua mente cada memória, cada fala do homem sem rosto, e por fim as lágrimas sumiram de seu rosto para darem lugar a um suave sorriso de triunfo.

– Tempo encerrado garotinha, dê-me sua resposta agora! – disse-lhe o desprovido de rosto batendo com a palma da mão sobre a mesa.

– Devo confessar-lhe, essa pergunta me assustou e por um momento pensei em desistir, mas depois de um tempo eu percebi e pensei, você é muita burra Julia, a resposta estava ali na sua frente o tempo todo e você estava com os olhos fechados.

– Então garotinha, diga-me e te direi se estás certa ou não.

Julia respirou fundo e soltou.

– O seu nome é: Ausência.

O homem sem rosto explodiu em uma gargalhada incontrolável, as pessoas do salão que observavam a disputa lhe seguiram em coro. Julia desesperou-se, poderia ela estar errada? O homem sem rosto se recompôs depois de algum tempo e voltou a lhe dirigir a palavra.

– A sua resposta está... correta! – disse por fim terminando de beber sua taça de vinho – vamos garotinha, sua vez, não me desaponte.

Julia expirou aliviada, por um momento achou que tivesse perdido, e esse pensamento a assombrou, agora respirava aliviada pelo triunfo, mas sabia que não era por muito tempo, precisava pensar em algo rápido para derrotar Ausência. Por alguns momentos pensou e pensou, tentou procurar algo que só ela soubesse, como nesse jogo não havia regras, decidiu esquecer coisas como honra se quisesse chegar a vitória.

– E então garotinha, já se decidiu? Não tenho todo o tempo do mundo – reclamou Ausência servindo-se de outra taça de vinho.

– Sim, eu já me decidi, escute atentamente pois não irei repetir novamente: Qual o nome dos bonecos da minha casa de bonecas? – perguntou Julia com um sorriso presumindo seu triunfo.

– He, he, he. Essa é muito fácil garotinha, vai ter de fazer muito melhor se quiser me derrotar. Em sua casa de bonecas temos o casal Tomas e Barbara, avô Alfredo, avó Nastácia, netinha Camila e o coelho Billy. Corrija-me se eu estiver errado tolinha.

– Co-como você pode saber disso? – perguntou Julia assombrada – Isso é algo pessoal meu, pensei que somente eu soubesse.

– Deixe eu te explicar uma coisa, eu sou parte de você, você me criou, eu sou o fruto de uma mente destruída, e sendo fruto de sua mente eu tenho acesso a todas suas memórias, não há nada que você saiba que eu não sei, tolinha.

– Mas, isso é roubo! Como poderei ganhar então?

– Como eu lhe disse, meu jogo, minhas regras, você vai ter que ser melhor que isso se quiser ganhar. Aliás minha vez, lá vai minha próxima pergunta: Por que eu não tenho rosto?

Essa pergunta era muito mais difícil que a anterior, teria que pensar muito mais se quisesse responde-la. Julia pôs-se a observar o seu anfitrião e todos os convidados ali presentes, eles também não tinham rostos, e devia ter uma explicação óbvia pra isso. Vasculhou seus pensamentos em busca da resposta, cada canto empoeirado, cada vírgula de conhecimento foi revirado em poucos segundos enquanto Ausência se punha a saborear seu vinho com um ar de vitória. Cinco minutos voaram, e lá veio ele com o ar ranzinza de sempre.

– E então garotinha, diga-me, por que eu não tenho rosto?

Julia estremeceu, depois de cinco minutos pensando não havia chegado em uma resposta definitiva, apenas especulava uma resposta. Passou alguns segundos a mais, ato que irritou ausência.

– Vamos! Diga-me por que eu não tenho rosto? – gritou batendo as mãos na mesa e se erguendo – responda agora ou irá perder.

– Bem, isso é apenas uma hipótese, mas creio que possa ser verdade – respondeu Julia com um meio sorriso – como você mesmo disse, você é um fruto de minha mente e que seu nome é Ausência, logicamente gerado pela distância que existia entre eu e meu pai. O que acontece é que, quando duas pessoas ficam afastadas seja pela distância ou por sentimentos, é comum que depois de algum tempo se esqueça o rosto de tal pessoa. É triste eu admitir isso, mas a verdade é que, eu sequer lembro-me do rosto de meu pai, e você é um reflexo disso – terminou Julia cabisbaixa.

Ausência começou a bater palma e foi seguido por todos no salão.

– Bravo, Bravo! Eu sabia que você era mais esperta do que eu pensava, corretíssima, agora é sua vez, vê se melhora o nível das perguntas.

Julia pôs-se a pensar novamente, achava aquele jogo injusto, não havia maneira de vence-lo, pelo menos era o que pensava. Após um minuto pensando, Ausência se mostrou irritado do seu assento.

– Qual é garotinha, ainda vai demorar muito? Aliás não quer comer nada? Aproveite o banquete, pode ser sua última chance.

Julia observou a mesa a sua frente, estava repleta de bolos, pães, guloseimas, purê, um peru assado, rocambole, arroz, macarronada e mais alguns pratos que não vem ao caso. No entanto sua fome havia desaparecido, respondeu apenas por cortesia.

– Não, obrigada senhor, mas não tenho fome, mas sei de alguém que tenha – disse espetando uma coxa de peru com o garfo e jogando para o cãozinho em baixo da mesa, o qual a devorou ferozmente.

– Ah, que lindo de sua parte alimentando o cãozinho, agora pergunte ou estará desclassificada.

Sentindo-se pressionada Julia perguntou a primeira coisa que lhe veio na cabeça.

– Qual o modelo do carro do meu tio Jorge?

– Rá, brincadeira de criança. Em primeiro lugar, o carro não é do seu tio Jorge, mas de seu avô Venâncio, e em segundo lugar trata-se de um Ford Mustang 1966 preto. Sabe Julia eu podia desclassifica-la por isso, mas não o farei, não deslize novamente pois não serei tão benevolente como agora. Minha vez.

Ausência subitamente pegou um pirulito de morango e colocou na boca enquanto inclinava-se na cadeira e repousava os pés sobre a mesa.

– Por que a cor predominante aqui é vermelho? – perguntou em tom desafiador.

Outra pergunta difícil, e só ficaria pior a cada questionamento, Julia precisava achar um jeito de vencer rapidamente ou estaria perdida. Após muito pensar, e crer que chegara a uma resposta, o tempo terminou novamente no cronômetro de Ausência.

– Vamos garotinha responda, por que a cor predominante aqui é vermelho?

– O vermelho traduz o meu sofrimento, e também é um reflexo da morte de meu pai, o qual encontrei morto em uma poça de sangue aos oito anos – respondeu Julia calmamente, acreditando que sua resposta estava correta.

– Perfeita como sempre, vou ter de pegar mais pesado na próxima se quiser vencer. Sua vez novamente, dê-me um pouco mais de emoção agora ou serei obrigado a desclassifica-la por monotonia – terminou Ausência entre gargalhadas.

Dessa vez Julia não precisou pensar muito, já tinha a pergunta que iria por fim naquele desafio na ponta da língua, pelo menos era isso que esperava. Sem delongas começou a pronunciar.

– Se você é mesmo um reflexo da ausência entre eu e meu pai, e você não tem rosto pelo fato de eu praticamente não me lembrar mais como era a sua face, lá vai minha pergunta. Como era o rosto do meu pai? Quer dizer, o seu rosto?

Ausência soltou um gemido, o pirulito de morango caiu de sua boca, pela primeira vez seu ar de segurança se desfez, Julia sentiu o sabor da vitória próximo, ela tinha pegado ele, e dessa vez ele não fugiria, ela era a predadora agora e sua presa estava encurralada.

– Marque o tempo! – gritou Julia batendo uma das mãos na mesa, agora quem dava as ordens era ela.


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