Um Cupido (quase) Flechado escrita por Gaby Molina


Capítulo 9
Capítulo 9 - O começo, porém não


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá :3 Vocês sentiram falta do Heath no último capítulo, e eu também. Para quem não sabe, o POV do Heath é o meu favorito, hue
O que pode soar peculiar, porque a maioria das escritoras que eu conheço tem dificuldade em escrever POVs masculinos. Acho que eu me acostumei, sei lá. Ou talvez apenas pense besteira demais e expresse isso com mais liberdade no POV do Heath. É.
Enfim, esse capítulo foi um pouco trabalhoso, porque eu pesquisei bastante coisa sobre a legislação britânica, que descobri ser bem diferente da americana em alguns pontos. Mas gostei dela, é interessante. Enfim.
Isso me deixou pensando... Qual o POV favorito de vocês?



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Heath

Para quem achar que trabalhar no Starbucks não era educativo, replico-lhe que não há muitos empregos onde você possa aprender uma quantidade tangível de palavrões em galês.

Basdun! — minha chefe de trinta anos vinda diretamente do País de Gales gritou, o que queria dizer que ela estava me chamando.

Ela gostava de mim, por isso meu xingamento era apenas "bastardo". Rodrick era chamado de Fwcar, que eu não vou dizer o que significa, mas você pode compreender se pensar um pouco.

Depois que Cristyn — a chefe — disse para um cliente "Dos i chwara dy Nain", fui chamado para voltar ao balcão.

— Bom dia — disse eu para a cliente em frente a mim. Ela me disse que queria um Soy Latte tall, e eu sorri porque era um imbecil apaixonado e comecei a cantar Drops Of Jupiter baixinho.

Merda, eu admiti mesmo isso? Vou ser babaca nos próximos comentários para compensar a falta de culhões.

— Qual é o seu nome?

— Sahiye — disse a mulher.

Eu ergui uma sobrancelha e ela repetiu. Ótimo. Peguei um copo e uma caneta e estava prestes a perguntar gentilmente como diabos se escrevia aquela porra quando percebi que a mulher já tinha passado para o pagamento com Rodrick.

Oh, cachi. Fiz algumas tentativas, chegando em algo que não se parecia com nenhuma língua que eu conhecesse. Escrevi "nome legal!" do lado e "Ásia detona!" para compensar minha ortografia deplorável. Entreguei o café a Rodrick e deixei que Deus concretizasse seus planos do jeito que achasse melhor.

Uma coisa, no entanto: se você tem um nome escroto, estrangeiro, impronunciável até para pessoas não inteiramente humanas... Minta. Diga que seu nome é Anna. Ou John. Nós, balconistas do Starbucks, agradecemos.

Comecei a gritar o refrão de Hallelujah quando Cristyn deu o turno como encerrado. Tirei meu avental verde num gesto dramático e ela silenciosamente reprovou as calças jeans largas que eu sempre usava para o trabalho. Sorri.

— Tchau, Cristyn! — acenei e corri até o estacionamento do shopping. Entrei na minha picape.

Você deve estar se perguntando, "Como diabos ele comprou uma picape?". Para ser justo, eu não tinha nenhuma despesa em casa, já que morava com Frederick, e conseguia boas gorjetas às vezes de senhoras que gostavam do meu sorriso.

Isso fazia de mim uma versão Starbucks de um gigolô? Talvez. Além do mais, a picape não era exatamente nova, e não estava exatamente em bom estado, mas ela funcionava e gastava pouca gasolina, então éramos perfeitos um para o outro. E o ex-dono estava realmente desesperado para vendê-la.

Acelerei e saí do shopping, tomando as ruas de Nottingham, que já haviam se tornado familiares. Depois de poucos minutos me encontrei parado em frente à casa dos Argent. Saí do carro para tocar a campainha, porque Serena odiava quando eu buzinava, e expressava tal desgosto gritando algo sobre não ser a minha vadia.

E se havia algo que o mundo todo concordaria em fazer, era evitar os gritos da Argent. Então, como o perfeito cavalheiro que eu não era, desci e toquei a campainha.

Serena abriu a porta logo depois e, com um leve sorriso no rosto, gritou:

— Mãe, estou indo!

Tudo bem! Divirta-se! — disse Patricia. — Mas não demais! Juízo!

— Boa noite, Patricia — acenei.

Patricia apareceu na porta.

— Ah, olá, querido! É sempre tão bom vê-lo!

— A senhora também.

Serena me puxou pelo pulso.

— Vamos logo — murmurou.

— Às vezes parece que você namora a minha mãe.

— Isso é porque eu namoro a sua mãe — disse eu. — Secretamente. Quando você vai buscar o casaco ou algo do tipo.

Ela me empurrou.

— Babaca. Cale a boca.

— Com todo o prazer — puxei-a de volta, selando nossos lábios. Eu sempre gostava de ver a surpresa naqueles olhos azuis inquisitores quando eu a beijava sem que ela estivesse esperando.

Ela jogou o cabelo para trás, fingindo que eu não a afetava nem um pouco, e entrou no carro. E depois eu que era o babaca.

* * *

— Você em casa antes das dez? — foi a reação de Frederick quando abri a porta de casa. — Isso é novidade.

— A Argent vai jantar aqui hoje, esqueceu? — falei, apontando para Serena, que estava entrando na sala também.

— Ah, claro. Só assim mesmo. É bom vê-la, moça — ele acenou. — Sinto falta de jogar truco com alguém que realmente saiba jogar.

— Ei — protestei enquanto eles riam. — Às vezes eu acho que você gosta mais dela do que de mim.

— É claro que eu gosto mais dela do que de você — retrucou Frederick. — Ela é mais bonita, esperta, engraçada e interessante. Faça as contas.

Serena riu.

— Vocês dois se amam, meu Deus — ela caminhou até a mesa de jantar. — Pizza!

— Sério mesmo? — ergui uma sobrancelha para meu pai. — Eu digo que minha namorada vem jantar em casa e você pede pizza? Sabia que tem um restaurante de comida japonesa ali na esquina?

— Eu amo pizza — replicou Serena.

— Está vendo? — ele ergueu uma sobrancelha para mim. — Mais um motivo para eu gostar dela: ela não é fresca.

— A Argent é a pessoa mais fresca do universo! Ela não usa canudos se eles não vierem dentro de um saquinho!

— Ah, me desculpe se eu não saio colocando minha boca em qualquer lugar!

— Você beijou o Chad!

Ela franziu o cenho.

— Não foi um beijo de verdade! Lide com isso e sente ao meu lado, obrigada.

Tudo bem, talvez eu fosse um pouco fresco. Mas só um pouquinho. Nós brigávamos o tempo todo, até porque eu não sabia o que faríamos se não brigássemos. Quero dizer, a única coisa melhor do que brigar com Serena era calar a maldita boca dela com um beijo depois.

Sentei-me ao lado dela na mesa de jantar. Fred, meu meio-irmão, desceu para comer também.

— Oi, Serena — disse ele baixinho e sem fazer contato visual, como sempre depois da nossa conversa irmão-para-irmão "Cara, fique longe da minha garota".

— Oi, Fred — Serena acenou.

Comemos entre discussões sobre quem ia ganhar o The Voice, piadas de Frederick quando Serena contou sobre seu estágio no escritório de advocacia, anedotas sobre minha chefe do País de Gales e ocasionais "passe a Coca".

* * *

— Posso pagar a pizza hoje — ofereci a Frederick quando Serena foi buscar o casaco na sala. — Não quero sentir como se te desse prejuízo, mesmo que você seja... Você sabe, meu pai. Já sou adulto, não posso simplesmente...

— Garoto, você não me dá gastos. Almoça todos os dias no shopping, paga a gasolina do carro, e mal fica em casa.

Apertei os lábios.

— Hã... Ok.

— Ótimo — ele percebeu que Serena havia voltado. — Tchau, moça. Boa sorte com a coisa toda de Direito.

— Valeu, Frederick — ela me fitou com os grandes olhos azuis. — Vamos?

Assenti e a acompanhei até o carro.

Serena

Eu preferiria me sentar no fundo, mas, como eu fora fadada a ter 1,68m de altura (bem, 1,73m se levarmos em conta o salto), percebi que não enxergaria nada, então arrumei um lugar confortável no meio. Olhei para os lados, percebendo que a maioria das pessoas era mais velha do que eu. Todos na faixa de 20 a 25 anos, com algumas exceções para mais.

Um professor — ou advogado, como ele se apresentou — entrou na sala depois de alguns minutos. Sujeito alto, de meia-idade, com cabelos pretos e pele clara. Apresentou-se como David Goodman, e nos alertou quanto a qualquer piada infeliz sobre seu sobrenome. Começou uma introdução sobre o sistema judiciário britânico.

— Primeiramente, devem lembrar-se de que grande parte das coisas que ouviram em Law & Order não se aplica deste lado do Oceano Atlântico. Para começar, enquanto nos Estados Unidos um advogado pode exercer basicamente qualquer função em casos civis e criminais, na Inglaterra temos geralmente dois tipos de advogados: solicitors e barristers*. Solicitors podem lidar com a maioria das medidas legais, arquivar documentos, conceder conselhos e até representar clientes em casos criminais menores. Eles têm o poder de agir diretamente por seus clientes. Eu sou geralmente um solicitor, se é o que estão se perguntando. Barristers, por outro lado, atuam no litígio ou defesa do cliente no julgamento, construindo o caso e argumentando diante do juiz e do júri. Ele não pode agir pelo cliente sem o consentimento do solicitor. Solicitors e barristers frequentemente trabalham juntos em casos importantes, onde o solicitor administra documentos legais, prepara evidência e até conduz negociações fora da Corte enquanto o julgamento continua. É isso que vamos trabalhar aqui, essa capacidade de trabalhar em conjunto. Alguém pode me dizer a diferença básica entre um caso civil e criminal?

Parecia bem óbvio para mim, mas poucas pessoas levantaram a mão. O sr. Goodman apontou para um garoto louro ao meu lado. Parecia ser pouco mais velho do que eu, tendo uns dezenove ou vinte anos.

— Um caso criminal começa com uma ordem de prisão.

— Exatamente, sr...?

— Coltello, senhor.

— Italiano, suponho?

— Sim, senhor. Meus avôs paternos.

* * *

Minha última aula daquela tarde foi com o sr. Oyler, que não parecia ter nem trinta anos, e usava uma camisa social e jeans. Possuía cabelos pretos curtos e olhos da mesma cor, contrastando com a pele clara. Ele entrou na sala já dizendo:

— Hoje vamos estudar o mais famoso de todos os Macacos Comedores de Queijo**! Ah, como eu amo Simpsons. É uma série muito subestimada, se querem saber. Alguém pode me dizer sobre quem vamos falar hoje?

— Napoleão? — sugeriu uma garota na primeira fileira.

— Sim, sim, sim! O famoso Napoleão Bonaparte. E qual foi a contribuição de Napoleão para a política?

Quando um garoto no fundo disse "a Revolução Francesa", eu quis bater a cabeça na mesa até perder a memória.

— Loira? — o professor abriu um meio-sorriso, olhando para mim.

— O Código Civil — falei. — Foi o Código Civil.

— Eu ia apenas perguntar se a senhorita estava bem, mas... Sim, o Código Civil. Qual seu nome?

— Argent. Serena Argent.

O sorriso dele se expandiu.

— Ah, claro. Sua mãe me odeia. Nada de mais. Continuemos. O Código Civil foi imposto por Napoleão e ainda é muito usado por muitos países na Europa e na América. Ele garantia o direito ao voto, além de...

* * *

— Sr. Oyler! — corri até o professor no corredor. — O senhor conhece minha mãe?

— Ah, sim. Derrotei-a em um caso de invasão de propriedade há um ano. Patricia clama que eu usei meu charme para convencer o cliente dela a aceitar um acordo que me favoreceria.

— E você fez isso?

Ele riu.

— É claro. Doze milhões. Eu teria aceitado sete, se quer saber. Mas não conte isso a ela, Patricia é muito sensível quanto aos casos perdidos, apesar de ser decerto uma das advogadas mais brilhantes que já conheci. É bom vê-la seguindo o ramo da família, srta. Argent — ele piscou. — Mal posso esperar para ver como vai se sair.

Eu também, pensei enquanto o observava se afastar.

Audrey

Eu não tinha muitas amigas, exceto por algumas líderes de torcida e, obviamente, Serena, o que eram dois extremos preocupantes. Principalmente quando se tratava do Baile de Boas-Vindas. Teoricamente era apenas para os veteranos, mas o colégio não via problemas em incluir os alunos do segundo ano também, desde que tivessem um acompanhante. Eu não fora ao baile no ano anterior justamente por isso, mas, agora que era veterana, tinha uma desculpa para comparecer: o comitê.

Serena não tinha saco para censurar o excesso de glitter que as líderes de torcida sempre colocavam nas coisas, mas eu achava as reuniões incrivelmente inspiradoras. Ou pelo menos uma certa parte dela.

— "Uma noite mágica" é o tema mais clichê do mundo — Chris revirou os olhos.

— O que há de tão errado com clichês? — a presidente, Hope, retrucou. — Sempre funciona nos filmes.

— Filmes idiotas da Disney. Que tal... "Baile Tribruxo"?

— Não acredito que está falando sobre Harry Potter agora — Hope revirou os olhos. — Afinal, você não é veterano. Por que está aqui?

— Punição por escapar da aula de História — ele sorriu, dando de ombros. — E é uma ótima ideia.

A ideia levantou dois extremos: metade fervorosamente aceitava e a outra metade fervorosamente repudiava. Hope decidiu que era o suficiente para uma reunião.

— Bela discórdia você causou — abri um leve sorriso, observando Chris pegar o próprio material.

Ele me fitou, ajeitando a touca cinza que usava um pouco para trás, deixando um pequeno amontoado de cabelos cor de areia para fora na frente.

— É, bem — ele torceu o nariz. — Alguém precisa tornar as coisas interessantes.

— É uma pena que Serena não esteja aqui. Ela defenderia sua ideia como se fosse a própria vida.

Ele riu.

— Não gosto muito da Argent, mas é sempre bom saber que alguém espalha a palavra da sra. J. K. Rowling.

— Bem, acho que a S. é tipo de pessoa que ou você realmente gosta, ou realmente desgosta.

— É. Muito refutiva, presunçosa e pouco gentil, se quer saber.

— Alguns diriam pragmática.

— Pragmatismo é diferente de falta de educação. Quero dizer, você é fria comigo quando eu mereço — ele abriu um sorriso de canto que me fez fraquejar. Merda. — Afinal, pessoas inequivocamente gentis correm o risco de serem entediantes.

— Até mesmo a francesa, Jacobs?

Ele corou levemente.

— Bem, não é uma ciência exata. Eu deveria ir. — ele estreitou os olhos castanho-esverdeados. — Gosto de conversar com você sem nos atacarmos, Miller. Deveríamos fazer isso mais vezes.

E então observei-o se afastar.

* * *

— É O MELHOR TEMA DE BAILE DO UNIVERSO!

— Meu Deus, Serena, eu já entendi. Não precisa gritar.

— MAS É! AH, MEU DEUS, THOMAS, DIGA A ELA!

É mesmo! — Thomas berrou do quarto ao lado.

— Então... — Serena abriu um sorriso malicioso para mim. — Como vai a procura por um par?

— Você sabe como vai, Argent. Eu só queria poder evitar tudo isso, como você e Heath fizeram.

Ela estreitou os olhos.

— Evitar o quê?

— A fase embaraçosa. O primeiro encontro, a tensão, a falta de intimidade... É como se com vocês tivesse sido muito natural. Vocês sempre se importaram demais um com o outro.

— Nem imagina quanto... — ela riu, e então ficou paralisada por um momento. — Ah, merda. Você tem razão. Nós nunca tivemos um encontro de verdade. Isso não está certo. Eu quero a fase embaraçosa, Drey. Eu preciso dela.

Ergui uma sobrancelha.

— Você ouviu uma coisa sequer que eu disse?

— Ouvi. Desculpe. Estamos falando sobre você. Então... Vai chamar o Chris?

Soltei uma risada alta.

— Está falando sério?

— Qual é! Por que não?

— Certo, vou aproveitar e me jogar na frente de um trem amanhã — ergui uma sobrancelha. — Por que não, não é mesmo?

Serena suspirou e começou algum discurso feminista que decerto não me interessava.

Heath

Quando ela ergueu os olhos e molhou os lábios, eu soube que aquela era uma excelente hora para fugir.

— Seeeeeeler... — ela abriu um sorriso de canto, olhando para cima para me fitar.

— Lá vem.

— Eu estava falando com a Audrey... E percebi que nós dois pulamos a fase embaraçosa de início de relacionamento.

Ponderei a ideia.

— É verdade. Não é maravilhoso?

Ela se soltou de mim. Estreitou os olhos azuis e cruzou os braços.

— Não, não é maravilhoso, Seeler! Precisamos de um primeiro encontro.

Eu ri. Não consegui evitar.

— Argent... Você é minha namorada. Quer que eu chame minha namorada para um primeiro encontro?

— É. E você vai se vestir bem, e abrir a porta do carro para mim, e vamos nos sentar em algum restaurante ou sei lá e fazer perguntas um ao outro.

— Quer que eu finja que não conheço você?

— Não, poxa. Você não sabe tudo sobre mim.

— Hã... Acho que sei, sim.

— Qual é a minha cor favorita?

— Roxo. Escuro, mas não exatamente violeta. Porém, bem longe de lilás.

Ela franziu o cenho.

— Como sabe disso?

— Talvez nunca tenha notado, mas você tende a falar sobre si mesma. Bastante.

— Hã... Justo. E a sua é vermelho. Rá.

— Além do mais, já tivemos aquele dia no cinema, não conta?

— Não! Você estava puto comigo, só foi porque eu te obriguei e eu paguei o ingresso. Jamais pagaria o ingresso se fosse um encontro.

— E o feminismo, Argent? Cadê?

Ela me empurrou.

— Calado.

Suspirei, me divertindo com a ideia.

— Certo. Serena Victoria Argent, gostaria de sair comigo?

O sorriso que ela abriu fez tudo valer a pena.

— Sim!

— Quando?

— Bem... Estou meio atolada com um seminário essa semana, então... Sexta que vem?

— Tudo bem. Às oito. E use alguma coisa com decote para me distrair quando você não calar a boca.

Ela me jogou para fora da cama.

— Babaca.

Às vezes eu realmente não sabia dizer qual de nós dois era o mais filha da puta do relacionamento, realmente.

— Estou brincando, Argent. Adoro quando você fala.

— Cale a boca.

— Ou o quê? — eu me levantei. — Vai cancelar o encontro comigo?

— Você é uma merda no quesito de fase embaraçosa, Seeler.

— Posso te beijar na fase embaraçosa?

— Não.

Torci o nariz, sentando-me ao lado dela.

— Não gosto da fase embaraçosa.

E então a beijei nos lábios, rolando pela cama de solteiro até bater a cabeça na parede. Serena riu e me beijou novamente. Quando nos separamos, passei um longo tempo apenas olhando para ela. Gostava de fazer isso. Observar as mechas louras caindo no rosto ligeiramente anguloso, os olhos azuis contornados com rímel preto que os destacavam ainda mais cravados nos meus de um jeito que ainda me deixava um pouco tímido, o nariz reto torcido e os lábios cheios e rosados feridos num canto, pois ela tinha a mania de tirar pelinhas soltas com os dentes.

— Eu amo você — soltei de repente. — Eu realmente amo você.

Porque essa era a verdade, não importava o quanto brigássemos, discutíssemos, competíssemos... Eu amava aquela garota de tantas maneiras e por tantas razões que às vezes sequer entendia.

— Eu também amo você, Seeler — ela ajeitou seu corpo no meu. — Bastante, até — completou, abrindo um sorriso de canto.

Thomas

Serena tinha a mania irritante de roubar minha jaqueta. Certo, talvez eu estivesse observando a casa ao lado com o meu binóculo, mas era apenas para me certificar de que os vizinhos novos não eram serial killers. Não tinha nada a ver com Piper. Claro que não.

Até que ela subiu na árvore do próprio quintal com pregos, tábuas e um martelo. Você não pode me culpar por querer descobrir o que diabos estava acontecendo.

Quando abri a porta ao lado, encontrei Heath cobrindo minha irmã com um cobertor e tentando sair dali de fininho, mas ele passou um minuto apenas olhando para ela. Beijou sua testa e virou-se para sair, se deparando comigo.

— Minha mãe está dormindo — sussurrei. — Vou abrir a porta.

Heath assentiu e me acompanhou até o andar de baixo. Destranquei a porta e encarei-o por um minuto.

— Sempre achei que fosse impossível você gostar dela tanto quanto ela gosta de você — confessei. — Mas está fazendo um bom trabalho, Seeler.

Ele corou.

— Valeu, cara. Érrr... Vou indo.

— Ei. Sabe onde ela jogou minha jaqueta? A preta, de aviador?

Ele sorriu.

— No chão, perto da cama.

Revirei os olhos.

— Maldita.

Heath acenou com a cabeça e saiu de casa. Fechei a porta, peguei meu casaco (que estava onde ele havia dito) e fui até a casa ao lado.

— Ei, sonâmbula — ergui uma sobrancelha. — O que raios está fazendo?!

Piper se assustou, derrubando uma tábua.

— Ai, droga. E olha quem fala! Eu te acordei?

— Eu não dormi.

— Bem, se quer mesmo saber — ela cravou os olhos cor de âmbar em mim. — Estou construindo uma casa na árvore.

— Você não acha que seria mais fácil construi-la... Você sabe... Fora da árvore?

— Mas aí como vou colocá-la lá em cima?

Abri a boca, mas depois fechei. Verdade seja dita, eu não sabia nada sobre casas na árvore.

— Quer uma ajuda?

Ela deu de ombros.

— Você tem um martelo?

Ela falava como se todo mundo carregasse um martelo no bolso, só para se, você sabe, sua nova vizinha quisesse construir uma casa na árvore no meio da noite.

— Na verdade, não.

— Tudo bem, acho que podemos dar conta com um só. Eu baixei um manual na internet, mas não consigo ler direito porque está meio escuro.

— Então... Você nunca fez isso antes?

Ela riu.

— Quantas chances se recebe na vida de construir uma casa na árvore?

— Justo. Bem, acho que precisamos começar fazendo o chão, não é? Eu fiz um semestre de construção de coisas com madeira no meu antigo colégio. Devo ter feito umas três casas de passarinho ou sei lá.

— E você era bom?

Dei de ombros.

— Os pássaros nunca reclamaram.

E então pegamos algumas tábuas e começamos o trabalho.

* * *

Eu gostaria de poder dizer que deu certo, mas acordei em cima do chão incompleto da casa com um martelo a dois centímetros da minha cara. Piper dormia a meio metro de mim. Eu não me lembrava de ter adormecido, mas, se dormira em cima de um monte de tábuas de madeira, devia estar muito cansado.

— Ah, oi — disse uma voz feminina ao meu lado. Virei-me para me deparar com uma mulher adulta que se parecia muito com Piper. Os mesmos cabelos castanhos e olhos cor de âmbar. — Meu nome é Bailey. Você deve ser o nosso novo vizinho.

— Ah. É. Oi, sra... Érrr...

— Maxwell.

— Maxwell. Claro. É... Eu vou indo — levantei-me rapidamente, cambaleando. — Desculpe por adormecer no seu quintal. Não vai acontecer de novo.

Ela riu.

— Obrigada pelos biscoitos, falando nisso. Você deve estar atrasado para a escola, e deveria realmente tomar um banho.

Assenti.

— Claro. É. Tchau, sra. Maxwell... Foi um prazer conhecê-la.

— O mesmo. —

Thomas. Meu nome é Thomas. Hum, tchau — acenei uma última vez antes de correr aos tropeços até minha casa.

Serena riu ao me ver ofegante, cheio de grama no cabelo e com as roupas amassadas.

— E depois eu é que sou a estranha.

Ignorei o bom dia sempre gentil de minha querida irmã e corri até o andar de cima. Olhei pela janela e percebi que Piper havia acordado. Estava sentada no futuro chão da casa na árvore, cantarolando algo baixinho. Fui tomar banho quando ouvi Serena subindo as escadas, provavelmente para algum de seus interrogatórios constrangedores.


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Notas finais do capítulo

*Não encontrei nenhuma tradução de que gostasse, então resolvi deixar o termo original, mesmo.
**Termo britânico em ofensa aos franceses. Originalmente "Cheese Eating Surrender Monkeys". A ideia começou num episódio de Simpsons onde o zelador Willy substitui a professora de Francês.