Passado Presente escrita por Vick


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer a todos os que estão lendo. Estou aberta a críticas e espero que este novo projeto dê certo. Demorei, mas o capítulo ficou bem grandinho :p.



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Anteriormente

— A partir de hoje você será como eu. Vou fazer ser!

— Amélia... Responda minha pergunta.

— Com algumas vergonhas no sangue. Sede para ser suprida. Eu sou uma Caçadora.

Capítulo I

Londres, dias atuais.

O vento gélido espantava os cabelos da garota. Eram da cor do fogo, mas certamente não uma fogueira para aquecê-la. Tremia. Parecia ser um verão escaldante para os Londrinos, por volta de abril, porém seu corpo lhe dizia outra coisa assim como sua mente, que gritava que não pertencia àquele lugar.

Tudo estava extremamente confuso. Aquelas pessoas apressadas correndo para seus respectivos trabalhos, levando seus filhos para escola, frequentando a centena de lojinhas da Avenida. E principalmente, usando roupas que não chamavam tanta atenção quando a sua no momento: um vestido bufante bordô não era nada discreto comparado as calças jeans ou shorts que todo mundo vestia.

Resolveu sair de trás da mureta na qual se escorava e pisou cautelosamente na calçada, já que estava descalça e não queria machucar mais os pés doloridos. Não olhara de fato a situação de seu corpo quando acordara misteriosamente no beco fétido, mas sentia-se extremamente cansada e com frio. E claro, não fazia ideia sobre onde estava.

O tempo estava nublado e nuvens pretas pontilhavam o céu, não havia resquícios de poluição naquela rua – e apenas isso já a tornava admirável -. Com suas árvores dispostas em fileiras calculadas dos dois lados da rua, a sensação provocada era de tranquilidade, apesar da movimentação de toda gente.

Ela caminhou mais um pouco, desviando do amontoado que os curiosos formavam na frente do que pareciam ser pontos turísticos da cidade, com câmeras fotográficas refletindo o flash nas estatuetas ou placas enfeitadas.

Um trovão cortou o céu.

Choveria logo.

— Desculpe, senhor! — chamou, encostando a mão no ombro de um homem idoso que arrastava sua bengala de madeira e usava um chapéu engraçado para cobrir a careca. Ele segurava com a outra mão, à esquerda, um rolo de jornal plastificado. — Em que cidade estamos?

Os olhos castanhos do abordado se direcionaram para uma torre bastante alta na rua de trás, com um relógio gigantesco posicionado próximo ao topo – o mesmo emitia naquele instante um som curto que fez seus tímpanos vibrarem -, e em seguida voltaram para a jovem, com um certo interesse ao ver a forma na qual estava vestida.

— A Terra da Rainha, oras! Como você compra uma passagem sem saber seu destino?

— Eu não comprei passagem nenhuma! Apenas...

— Apenas? — sustentou incrédulo o senhor, suas mono celhas brancas erguidas em um ângulo esquisito. — Estamos em Londres!

Apenas acordei em um lugar completamente estranho, com coisas estranhas, e gente estranha!

— Apenas me perdi pela cidade, acho que fiz a pergunta errada... — falou por fim, jogando uma mecha de cabelo ruivo para longe de sua visão. Continuava trêmula

— De qualquer forma, é bom que a senhorita vá descansar um pouco. Parece exausta. Vá. Vá para casa!

De fato, não só parecia. Realmente estava exausta. Seus músculos fatigados mesmo sem ter se movimentado; o que quer que tenha acontecido enquanto dormia, de uma coisa ela tinha quase certeza: seus neurônios só podiam estar brincando de Jó.

Como em um sonho, porém não se lembrava de ter dormido. Somente de acordar com aquele cheiro horrível de esgoto entrando por suas narinas; e isso não era exatamente algo agradável para se sair dizendo.

Aquele fim de tarde, em Londres, uma cidade da qual ela há pouco tempo nem sabia o nome, não estava fazendo bem algum para sua mente. Não havia resposta alguma, certeza alguma, do que teria acontecido. Podia simplesmente estar louca. Incrivelmente louca.

Oi? Tem certeza que está bem, senhorita? — o senhor retornou. O braço gorducho abanando em frente ao rosto da menina. — Podemos ligar para seus pais... Olha, eu posso te emprestar meu celular... Como está se sentindo?

Um trapo velho e imundo!

— Estou bem — disse com a voz baixa, olhando ao seu redor, onde as pessoas continuavam com suas vidas e ignoravam a presença deles enquanto caminhavam — Quero saber o que está acontecendo... E minha cabeça dói! A propósito, qual é o seu nome?

— Você realmente não está batendo bem... Sou Benjamin. — acenou tirando o chapéu e em seguida recolocando-o. — Venha comigo, o meu latte na Starbucks pode esperar.

Benjamin guiou-a pelo braço.

Andaram por cerca de cinco minutos até uma área, onde encontraram um banco de madeira polida, que não tinha nada de especial além do fato de ser um dos poucos vagos no lugar. A longa calçada proporcionava uma vista ainda melhor para o grande relógio, e suas badaladas aleatórias. Carros se aglomeravam no asfalto e as buzinas ecoavam, mas ela já estava se acostumando com aquilo. Às vezes, a única coisa que nos resta a fazer é aceitar e passar a fazer parte da dificuldade; quem se acostuma não sofre com as mudanças não previstas.

— E o seu? — Benjamin perguntou

— Hã?

— Seu nome, senhorita. Eu gostaria de saber, já que fiz minha apresentação!

Ela pensou, não conseguia se lembrar disso. Nem disso. Que pessoa não sabe o próprio nome?

— Meu nome é Elizabeth. Elizabeth Price — soltou, ainda estranhando a rapidez com a qual as palavras saíram de sua boca. Talvez fosse seu nome verdadeiro. Talvez.

Benjamin riu. Um dente dourado ficou a mostra quando o fez.

— Que apresentação mais estilosa! James Bond iria adorar mais alguém o copiando!

Elizabeth não entendeu a piada – se é que aquilo era uma piada – e limpou a garganta, que continuou deixando para ela suas angústias. Aparentemente, comer Angústia não era aceitável por seu estômago. Fez uma nota mental.

O relógio gigante continuava a badalar. O som acalmava-a por mais impressionante que isso lhe parecia, em algumas vezes a vibração acompanhava seus batimentos cardíacos. Era magnífico de se ver.

— Ah, aquele é o Big Ben! Você parece tão estranha ao observá-lo...

— Eu só ainda não havia o visto — Elizabeth admitiu. Não era mentira. Não era verdade. Ela não tinha certeza de nada. — Deve ser difícil acreditar.

Benjamin suspirou pensadoramente e retirou o telefone celular do bolso de sua calça cáqui.

— Resolveremos isso logo. Agora, apenas descanse. Elizabeth. — ele jogou seus braços na direção do corpo dela e tentou prendê-la.

A garota se afastou bruscamente do idoso, e a ação pareceu totalmente ridícula em sua mente, entretanto tropeçou no próprio vestido e foi de encontro ao chão áspero. Benjamin moveu-se impressionantemente rápido para cima dela. Afinal, não era um vovô sedentário.

— Me solte! O que está fazendo?! — Elizabeth berrou. Ninguém parecia notar a cena esquisita de duas pessoas rolando no chão.

Benjamin segurou seus braços com apenas uma mão e tampou sua boca com a outra vaga. O som dos resmungos se abafou de imediato e ela mordeu sua mão o mais forte que os dentes podiam. O gosto de sangue provocou mais náuseas ainda e Elizabeth já se encontrava ciente que teria que sair dali antes que acabasse desmaiando.

— Fique quieta! Isso é para o seu bem, garota estúpida. Eles vão a ajudar!

Continuou se remexendo embaixo do corpo gordo do velhote. Tentou fazer um movimento brusco de jogá-lo para o lado, porém era muito magra para fazer tamanho esforço. Então tentou outra mordida.

Dessa vez a parte vitimada foi a bochecha rechonchuda de Benjamin. Seus músculos e seu interior gostavam da sensação de ferir alguém daquela forma, não se sentia tão incapaz. Seu interior gritava para ela não ferir um pobre velhinho, só que já estava mais que claro que aquele não era um pobre velhinho.

Benjamin gritou horrorosamente e Elizabeth sentiu o corpo amolecer sobre o seu e empurrou-o para o chão com o máximo de força que juntou, o que não era muita. O velho caiu para trás, sangue acumulado entre suas rugas e escorrendo por toda a face.

— Espere! Eles vão ajuda-la! — gritou com a voz esganiçada e tentando equilibrar-se de forma a não cair novamente sobre seu traseiro gordo, tinha que continuar a perseguição.

A jovem pôs-se de pé, suas pernas um pouco bambas, e começou a correr na direção oposta ao caminho pelo qual chegaram até ali. Cuspiu os resquícios de sangue da sua boca enquanto se movimentava.

A situação agora era completamente diferente. As pessoas olhavam e inclusive apontavam para ela com seus indicadores, de qualquer forma, Elizabeth presumiu ser bem estranho alguém correndo desesperadamente naqueles trajes diferentes. Não precisava estar em boa sanidade mental para interpretar aqueles olhares pasmos.

Correu por mais alguns minutos, as batidas do coração já se misturavam com seu arfar. Estar confusa podia muito bem se tornar um estilo de vida para ela, como poderia um velhinho ter mudado tanto seu humor? Ele tentara matá-la, ou pelo menos, feri-la gravemente.

Estava agora em outra avenida; que proporcionava a mesma vista de antes acrescentada a de um rio largo e parcialmente limpo, decidiu que tomaria o Big Ben como seu ponto de referência, não queria voltar para aquele lugar, mas quando é o único que você conhece – mesmo que o mínimo – é quase normal se afeiçoar a ele. Naquele ponto, do rio e do relógio, uma nostalgia a invadiu assim como a dor de cabeça da qual tinha praticamente se esquecido, e voltou para dizer um ‘olá’.

Como se sua memória estivesse se lembrando de alguma coisa, e então a tontura tomou conta de si, e Elizabeth teve que apoiar o corpo na mureta que impedia que o rio entrasse nos limites da rua, invadindo a cidade.

Pequenos pontos escuros começaram a se formar no canto de sua visão e os membros amoleceram-se e se entregaram a inconsciência na hora exata em que uma figura encapuzada alta chegava e parava para observá-la; fazendo sombra sobre seu rosto.

Olhos grudados. Mente dormente.

— Acabei de encontrá-la... Deveria se aposentar de uma vez, Murray! Nem para perseguir uma menininha serve! Teve que avisar toda aquela montoeira de gente só pra achar alguém que corre um pouco mais rápido que o normal!

Benjamin engoliu saliva e fez uma careta; esquecendo-se completamente que o adolescente irritante do outro lado da linha telefônica não podia vê-lo. A Ordinem iria adorar se isso se tornasse possível.

— Eu fui mordido, garoto idiota! Mordido! Você tem noção da infecção que posso pegar? TEM NOÇÃO?! — gritou com a voz rouca. Que os jovens de hoje não tinham respeito algum pelos mais velhos era verdade. Mas aquele jovem era um caso a parte, o tipo de pessoa que poderia virar um Serial Killer de velhinhos indefesos e ainda rir.

— Espere aí... Agora ela não está com nenhum cachorro junto. Temos sorte que cachorros não falam. A polícia que não tem parceria conosco poderia saber...

— EU NÃO ESTOU FALANDO DE UM CACHORRO. A MENINA! A MENINA ME MORDEU!

Ele tentava não rir. Após alguns chiados no telefone, mais uma fala se presenciou:

— Hum... Certo, então. A boca dela está mesmo ensanguentada. Poderiam pensar que temos uma vampira solta por Londres! Imagina só que hilário se ela fosse confundida com uma e morta... Não teríamos desculpa para não deixar, oras.

— Seu idiota! Cale essa boca imunda! — Benjamin esbravejou, enquanto entrava em uma Starbucks, finalmente. Dera muita sorte em achar Elizabeth, pois precisava provar mais um pouco de seus serviços à Ordinem. — Onde você está?

Alguém resmungou ao fundo, e Benjamin presumiu que fosse a garota.

— Só um segundo... Estou dando uma calmante para ela. — Mais alguns chiados no telefone e então ele voltou ao celular — Okay, estou perto do Big Ben nas margens do Tâmisa mesmo. É uma quadra de distância de onde você está! Deus! Murray! Você bem que poderia ter mexido essas pernas gordas mais um pouco e evitado uma ligação à Sede; consegue imaginar quem era um dos poucos que estava lá?

— Garoto imbecil! Agora é um dever pra você!

— EU ESTAVA DORMINDO! PODE IMAGINAR?! Dormindo.

— Preciso desligar... Leve-a para o Departamento de uma vez! — Benjamin ordenou revirando os olhos enquanto sentava no balcão de atendimento da Starbucks. Um latte, por favor, gracinha— pediu à atendente.

— E por que euzinho tenho que fazer isso? Tenho que terminar de aperfeiçoar a nova técnica de luta... — ele parecia indignado com o fato de ter que cumprir suas obrigações.

— Owen... Leve-a para o Departamento no posto policial e dê um jeito! Não é pedir muito, penso eu... — o adolescente bufou sarcasticamente.

— Okay. Okay. Okay. Deixe com quem sabe do assunto.

E então desligou. Permitindo a Benjamin enfim sorrir e bebericar o primeiro gole de seu café quente e admirar a parte traseira da bela atendente.

— Me diga o que vê — Dra. Potter perguntava enquanto levantava a pálpebra esquerda de uma Elizabeth sonolenta e iluminava-a com o foco de luz.

Ela apenas resmungava. Era como se as palavras não pudessem se formar em seus lábios carnudos. Estava desmaiada há um bom tempo, mas somente há poucos minutos conseguira escutar o que falavam a sua volta.

— Vamos, garota, ninguém pode dedicar o tempo inteiro a isso — a mulher voltou a explicar com uma voz tediosa. Pela quinta vez. — Faça um esforço! Sua preguiçosa!

Elizabeth tentou, e com o esforço pedido conseguiu entreabrir os olhos castanhos apenas um pouco, o suficiente para ver uma médica com os cabelos pretos bagunçados presos atrás; tinha uma carranca estampada no rosto bronzeado.

— Muito bem. Está nos vendo?

— Hã...

— Vamos Harry, mexa-se. Não quer que os olhos dela deem um mortal inverso

para te ver né?! — mandou puxando alguém pelo braço.

Logo um rosto anguloso e jovem, ofuscado pela luz, tornou-se visível. Olhos cor de mel e cabelos castanhos brilhando com a luminosidade.

Ele virou-se para a Dra. Potter com um pouco de confusão estampada em sua face.

— Devo levar ela logo para a Sede, está liberada, Margaret?

A médica assentiu brevemente, enquanto retirava um tubinho fino que Elizabeth ainda não havia notado que fora injetado em seu braço. Uma corrente gélida e refrescante a invadia enquanto tentava identificar algo a mais no ambiente a sua volta além de aparelhos e mais aparelhos.

— Só tome muito cuidado para ela não cair, uma fratura interna pode piorar quem já está aos pedaços... E diga ao pessoal que não achamos uma bêbada para entrevistar! — ela riu com um sorriso bonito, porém não muito verdadeiro.

— Certo. Temos que tirar nossas dúvidas. Isso é realmente estranho — Harry concordou e lançou um olhar um pouco questionador à Margaret. — Devemos ir.

Batidas leves no vidro da porta que ligava à sala oculta, voltaram a atenção dos três para outra direção.

— Oh! Vejo que conseguiram domar a cadelinha. Owen poderia ter me humilhado para todos, mas pelo menos ele trouxe-a aqui — Benjamin falou colocando a cabeça gorda na abertura, os bigodes mal desenhados estavam manchados com sangue, e o mesmo seguia uma trajetória comprida e escorria um bocado por seu queixo. Elizabeth tentou fazer um movimento severo, entretanto o corpo estava molengo com a dosagem da droga. — Só vim ver se tudo estava certo. Lembrem-se de me avisarem as novas depois.

E tão rápido quanto chegou, foi-se, deixando algumas passadas pesadas ecoarem até ali dentro.

— Ainda não acredito que o boboca foi mordido. Isso sim foi humilhação! Ainda bem que acharam alguém eficiente para o trabalho... mas pensando bem, não tão eficiente, já que te chamou porque queria ver um jogo de basquete....

Margaret, eu tenho que ir agora... Só me ajude a posicioná-la.

Elizabeth evitou gritar para não demonstrar mais fraqueza. Do pouco que sabia sobre si isso era algo que já desvendara: odiava sentir-se fraca. Em vez disso perguntou tremulamente, com a voz baixa:

— O que vocês vão fazer c-comigo?

Harry puxou-a de forma que ficasse sentada sobre a maca e em seguida colocou um de seus braços sobre seus ombros. Os pés da garota ficaram parcialmente elevados do chão, era um jovem ainda mais alto do que ela era.

— Você é um arquivo que acabamos de receber de uma máquina anônima. E precisa passar por revisão! Não queremos mais nenhum vírus pelo computador do mundo...

A médica pareceu indignada e cutucou Harry com o polegar.

— Faça-me o favor! Pare de falar com metáforas! Eu irei explicar de forma simples: você é um perigo até que seja entrevistada. Ele a levará para uma entrevista. Precisamos garantir que não faça mal a nenhum de nós; por isso as drogas — deu de ombros. — Espero que esteja escutando tudo certamente, a propósito...

— Me sol... tem...

— É só uma entrevista, se você não tiver o que pensamos que pode ter no sangue — o menino falou enquanto começava a andar apoiando-a na lateral do corpo. — O táxi já está ali na frente, Margaret?

— Sim... Está. Acho melhor que coloquemos mais uma dose da droga nela. Estar acordada não é estar sã. E não será ela que vai contestar.

Harry pareceu hesitar, mas enfim concordou com a cabeça.

Quase que de imediato, Elizabeth sentiu algo metálico perfurando o lado de seu pescoço, um líquido entrando dentro dela. Foi instantâneo, e seu esqueleto pareceu se desmanchar nos braços de Harry, entregando-se novamente à escuridão de sua própria mente.

Harry rasgou um pedaço pequeno do vestido bordô de Elizabeth e molhou-o com um pouco da água que pedira ao taxista para comprar quando estacionara. Ele era motorista exclusivo para os Caçadores de Londres, um aposentado, inclusive. Não foi difícil de carrega-la até ali, na escadaria de entrada do prédio da Sede Ordinem da cidade, ele tinha certeza boa parte do peso era devido a armação da roupa; que fora um dos motivos de terem relevado uma investigação.

Quando saíram do táxi, ela estava retomando a consciência. A droga fora bem menos intensa do que a primeira que seu melhor amigo dera quando a encontrara.

— Como está se sentido? — perguntou enquanto passava o pano úmido em sua testa suada e segurava suas costas com a mão esquerda para evitar uma queda. — Alguma dor?

A garota o encarou. Parecia ter seus dezessete anos se ignorassem o estado físico e mental no qual se encontrava. No momento, só seus olhos – castanhos reluzentes – pareciam tão jovens como ela deveria ser.

— Me ajude a lembrar — disse ignorando sua pergunta e apoiando a cabeça sobre a palma das mãos. Harry já presumiu uma resposta.

— Lembrar? Os efeitos da droga passarão logo... Não se preocupe. Só faremos algumas perguntas. Não leve a mal, mas você é um pouco estranha... Fazer mal para você não está em nossos planos.

Elizabeth não ligava de ser estranha, mais uma vez. Ela queria respostas. Respostas.

— Eu não sei quem vocês são. Não sei o que querem tirar de mim. Não sei nada sobre mim mesma. Não sei se desenvolvi um problema mental desde a última vez que acordei, pois também não me lembro de ir dormir. Não sei de onde vim. Escute isso! EU NÃO SEI DE ONDE EU VIM! — gritou enquanto puxava seus cabelos ruivos sobre o rosto tentando se esconder. Não queria chorar. Não poderia chorar.

Harry limpou a garganta. Toda a equipe que tinha um pouco de conhecimento do caso até agora deduziram que ela poderia talvez precisar de um boomerang atravessado em seu peito, porém estava realmente desorientada e isso o levava a uma consideração maior. Afinal, poderia ser só alguém seriamente necessitado de um psiquiatra pra controlar suas loucuras.

E ele não falou nada.

Ficou ali, olhando para a vitrine da loja do outro lado da rua, que refletia os dois sentados na escadaria. Na Sede eles saberiam o que fazer, certamente saberiam. Harry nunca fora muito bom com decisões, isso era coisa de seu amigo – mais uma vez -, ele esperava que nunca tivesse que decidir algo grave.

— Devemos ir. Todos te esperam para uma espécie de entrevista lá dentro — falou por fim, apontando para o alto do edifício atrás.

Elizabeth levantou-se cambaleante e recusou sua mão estendida. Ele direcionou-a para a grande porta de metal do prédio comercial, no qual todos ignoravam a Ordinem e suas discussões. Todos, menos os inimigos.

Tinha poucas pessoas naquele sábado, mas nos outros dias era bem movimentado. Os corredores de piso escorregadio sempre cheios de gente apressada e furiosa com seus papéis, andando de sala em sala. Eles pegaram um tipo de atalho que cortava toda a movimentação e diminuía a suspeita de haver algo após a placa de ‘Não entre – perigo’ colocada desde que a construção começara a ter duas utilidades.

Seguiram por uma varanda no térreo e então pegaram um elevador bem detonado, inclusive com fios amarelos e vermelhos à mostra.

— Eles seriamente pensam que leva para o depósito... — Harry explicou com um sorriso iluminado — Leva. Leva para o depósito. Mas leva para a Sede de Londres, também. E por favor, deixe suas perguntas para depois ou as esqueça. Não tenha tanta certeza que poderemos responder. — ele clicou em um botão e então o elevador se abriu. Fez sinal para que Elizabeth entrasse com rapidez, o olhar vagando atentamente para não chamar atenção indevida.

Subiram até o décimo e último andar, a garota se orientando através dos botõezinhos que demarcavam. Só conseguia sentir a vibração embaixo de seus pés e então a mesma cessou, deixando-a com uma sensação ainda mais leve no corpo. Suas pálpebras pestanejaram.

Quando a porta de metal se abriu com um clique, um longo e escuro corredor apareceu diante de seus olhos. Não havia nenhuma janela, e era iluminado somente por muitos candelabros presos na parede.

— Não se assuste. Os aposentos tem uma iluminação decente e até natural...

— Não me interessa. — murmurou acompanhando seus passos em direção a uma entrada no fim do longo corredor, tomando todo o cuidado para não tropeçar em seu vestido. Estava sendo rude, tinha consciência disso. Harry não parecia mau, mas ela devia considerar – novamente – que ninguém mostra sua real face. Cada um tem segredos que nem a si mesmo conta.

Escutaram alguns ruídos assim que viraram após passar uma curva e logo uma adolescente com traços bem parecidos com os de Harry entrou correndo, seus cabelos longos e lisos da cor do chocolate, balançando atrás. Pequena gotículas de suor se acumulavam nas extremidades de seu rosto.

— Harry... Você... Precisa — começou a falar, respirando com dificuldade. Seu olhar não caia sobre Elizabeth, era como se estivesse invisível.

Ele colocou as mãos grandes sobre os ombros da garota baixinha. Um contraste esquisito de altura.

— Fale. Calmamente, Julia — ordenou.

— NÃO ME MANDE TER CALMA, SEU IDIOTA! — ela gritou, Elizabeth deve de reprimir uma risada, engraçado como a personalidade se difere da aparência. — Feiticeiros. Luta. Lá dentro.

Tudo aconteceu muito rápido.

Harry empurrou-a para o chão, sem nenhum cuidado, e velozmente tirou um objeto afiado de tamanho pequeno, que chamava muita atenção no ambiente escuro, com seu brilho dourado reluzente. Julia prontamente pegou-o pela mão direita e eles correram. Correram em direção a onde muitos gritos podiam ser ouvidos.

Elizabeth ficou lá, parada, se perguntando se aquelas palavras e os acontecimentos recentes não podiam ser também um efeito das drogas, se fossem, certamente ela precisaria de uma dosagem exclusiva de sanidade.


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Notas finais do capítulo

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