Meu Amigo Cafajeste escrita por Nixie


Capítulo 2
Capítulo I




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O clima na Fashion Magazine não estava nada bem para o meu grande azar. Assim que pus os pés no lugar fui direto até a sala do meu chefe. Ele me encarara com uma expressão da qual me atormentaria até a hora em que ele me chamasse, pois então, não bastasse eu chegar atrasada eu ainda tinha o interrompido em uma reunião importante que ele tinha com um dos patrocinadores.

Voltei para a minha mesa e fiquei sentada a espera de a reunião acabar. Folheei a agenda que eu tinha acabado de tirar da bolsa. Havia esquecido que eu tinha que chegar ainda mais cedo para receber os rapazes da ModaPlus... Argh! Era hoje que eu seria despedida.

Olhei ao redor e todos pareciam muito tensos com a visita dos rapazes de terno grafite. Era o dia decisivo para saber se eles permaneceriam com o patrocínio da revista após a catástrofe reportagem em que Brigite insinuou que as gordinhas tinham uma grade tendência a se vestirem extremamente mal. Não foram com essas singelas palavras que ela escreveu a reportagem, mas foi basicamente nesse sentido. Não que eu discorde do que foi dito, mas é necessário pensar duas vezes antes de escrever algo do gênero quando se é patrocinado por uma agência de moda plus size.

— Vi você acabar de sair da sala do chefe, sabe o que tá rolando por lá?

Encarei Brigite que me olhava um pouco esperançosa e ao mesmo tempo aflita, afinal a cabeça dela também estava em jogo.

— Não, não sei... E bom dia, né!

— Desculpe, mas não estou com cabeça para lembrar-me de bons modos... Se a revista perder esse patrocínio. Você sabe...

— Sei, sei... Se acontecer algo ruim você terá o tempo que quiser para se desesperar, mas por enquanto fica calma. Nada aconteceu.

Ela me encarou e fitou a porta da sala, onde estava acontecendo a reunião, não sei quantas vezes.

— Tá... – inspirou e respirou a fim de se acalmar. — Chegou tarde, o chefe está furioso. Onde esteve?

Foi a minha vez de suspirar cansada. Só de lembrar o trabalho que aquele ser me dava... Ia lhe respondendo quando o culpado pela minha futura demissão resolvera me ligar.

— Eu devia não atender sabia. – encarei minha amiga que me olhava curiosa diante a minha reação um pouco fora do normal. — O remédio está em cima do balcão da cozinha... Você não leu o bilhete que eu deixei?... Não parece porque era justamente para você não me ligar... Não estou podendo falar agora, assim que eu sair eu passo ai... Tchau!

— O noivinho já está dando dor de cabeça? – indagou com sua usual cara perversa.

— Carlos Henrique é um anjo comparado ao Eduardo. – ouvi-me dizer e aquilo soara espantosamente estranho para mim.

— Pareceu uma mãe falando de seus dois filhos.

E era o que realmente parecia. Nem tanto com o Henrique, ele sempre me tratou como uma mulher e nunca precisei cuidar dele como eu cuido a toda hora do Edu. Eu sou a melhor amiga dele, mas às vezes parece que sou mais uma babá. Sempre tenho que passar na casa dele para saber se ele dormiu lá, se ele se lembrou de comprar os pães para o café, se ele pagou as contas, e quando Solange não está eu que me encarrego de cuidar da casa. Isso tudo porque eu nunca consigo dizer não para a adorada Madalena, mãe do Edu.

— Sabe que às vezes eu não sei quem é o seu noivo se é o Carlos ou o Edu. Sério, não estou brincando. E tem também a dona Madá, ela te trata como uma nora e vive te empurrando pro Edu.

— O Edu e a sua família são o carma da minha adolescência, nada mais. A dona Madá é louca para arranjar uma mulher que ature o Eduardo.

— E você é a única que eu conheço, porque eu já dei um pé na bunda dele faz tempo. Se você não tivesse arranjado o Carlos...

— Eu provavelmente teria ficado para titia como você. – ri diante de sua expressão em choque. — O Henrique é meu príncipe encantado.

— Verdade, o Edu está mais para sapo. Mas quem sabe se ele receber um beijo de uma certa donzela ele pode transformar-se em um príncipe, hein.

— O que há com você? – sorri ao ver que ela se juntara ao clube da dona Madá. — Por acaso tem recebido ligações da dona Madalena?

— Só estou brincando, mas quem sabe você e o Edu...

— Que amiga você é... Empurrando-me para um cafajeste.

— Um cafajeste bem do gostoso.

— Brigite! – exclamei a repreendendo, odiava quando ela usava aqueles tipos de termologia. — Já chega! Eu e Eduardo temos um laço muito forte chamado amizade. E eu já arranjei o homem da minha vida, o Carlos Henrique.

— Você sabe que eu estava brincando, né amiga? – assenti e mais animada ela continuou. — Mas então, não me contou o que o cafa aprontou...

O barulho fizera eu e Brigite encararmos a porta que fora aberta. Era o nosso chefe com os rapazes da ModaPlus. Percebi que Brigite ficara inquieta assim que os três homens passaram pela gente.

— As duas, já na minha sala.

Eu e Brigite nos olhamos como se quiséssemos dizer que estávamos ferradas. E estávamos ferradas, se estivesse tudo bem ele nem se lembraria de chamar nós duas. Pelo menos não a Brigite, talvez eu por não recepcionar nossos patrocinadores, mas chamar nós duas com certeza era sinal de problema a vista.

— E agora? – ouvi ela me questionar assim que me levantei.

— É torcer por uma de nós não perder o emprego. – foi o que respondi antes de encararmos nosso predador.

Se as duas perdesse o emprego estaríamos na pior. Eu e Brigite dividimos o apartamento. Havíamos decidido isso desde quando fizemos Jornalismo e assim que entramos juntas na Fashion Magazine já procuramos por um imóvel para alugar. Era pequeno, dois quartos e um banheiro, mas era perfeitamente longe do bairro onde eu morava na infância e aquilo já me bastava, além de ser bastante perto do trabalho. Um fator que naquele momento não me era favorável devido ao meu atraso.

— Sentem-se. – sua voz autoritária me fizera despertar de meus devaneios.

— Chefe, eu não tive nenhuma intenção...

Chutei-a por debaixo da mesa para que ela se calasse. Ela me encarou interrogativa e eu apenas a ignorei encarando o chefe a fim de que ela compreendesse que estava agindo de forma desagradável. Aquilo era nítido pela expressão de desagrado do Mauricio Gutemberg.

— Desculpe.

— Bem... – principiou voltando a me encarar. — Como eu sei que vocês terminaram o ensino superior, acredito que eu não precise ficar me prolongando ou justificando os motivos pelos quais chamei as duas, certo? - prosseguiu assim que assentimos. — Muito bem... Hoje nós tivemos uma reunião muito importante, embora nossa colega aqui não concorde, não é senhorita Costa?

Engoli em seco àquela interrogativa. Tudo o que eu disser será usado contra mim sem necessidade de um tribunal. Sentia-me em um campo minado, qualquer passo dado seria meu suicídio.

— Isso não irá se repetir novamente, eu prometo.

— Eu sei disso... – “Droga!” — Está demitida!

— Mas...

— Sem justificativas. Não é a primeira vez que você se atrasa, estou cansado das suas negligências. Além do mais, você é apenas uma secretária. Não será difícil achar alguém que a substitua. Talvez a Camila... Ela seria uma secretária mais admirável. – seu sorriso pervertido embrulhou-me o estômago.

— E eu?

— Já você... É difícil achar uma jornalista que aceite alguns termos que você concorda, apesar de ser uma profissional medíocre... Você quase nos fez perder um patrocínio. Tem uma semana para me trazer uma matéria interessante, se não conseguir é rua. Agora saiam daqui.

Sai de lá junto de Brigite, esta com um sorriso largo e com uma expressão mais aliviada. Eu não a culpo, não ficaria indiferente após sentir a sensação de uma corda apertando o pescoço. Já eu não tive a mesma sorte. O pior nem foi ser demitida, o pior foi ouvir tudo aquilo e não poder dizer nada. Eu era apenas uma secretária...

“Manda o otário ir à merda, caramba.”

Era como se eu ouvisse a voz do Eduardo me dizendo pela milésima vez o que eu deveria ter feito. E pela primeira vez eu concordava com ele. Eu devia tê-lo mandado à merda.

— Você está bem? – perguntou assim que chegamos a minha mesa.

— Não, mas vou sobreviver. – respondi começando a entulhar meus pertences em uma caixa pequena.

— Quer sair para beber hoje à noite?

— Você vai me desculpar, mas é que você precisa comemorar e eu afogar as mágoas. É melhor você convidar outras pessoas, está bem?

Ela concordou e se retirou meio cabisbaixa. Eu estava feliz por ela, não estava pulando de alegria nem soltando fogos, mas ela tinha que me entender. Eu havia sido demitida, não é algo que acontece todo dia e muito menos algo para se sorrir.

Peguei minha agenda e a enfiei entre meu pregador e meu porta-retratos onde tinha uma foto de mim e do Carlos. Argh! Esqueci totalmente do Carlos, temos um jantar hoje à noite, porém eu não estou com cabeça para encarar um jantar romântico. Ele é outro que terá que me entender. Decidi fazer uma visita no trabalho na hora do almoço e contar logo o que me aconteceu. Espero que ele não fique bravo ao descobrir o motivo da minha demissão.

Encarei o relógio de pulso, foram pouco menos de trinta minutos que permaneci ali. Sai sem me despedir, algo que me mostrou a tamanha importância que eu tinha naquela empresa. Afinal eu era apenas uma secretária. Como eu queria voltar lá e manda-lo ir à merda. Mas eu me conhecia muito bem para saber que eu nunca faria isso. Eu nunca faço nada, só se as pessoas me pedirem. Só se elas me ligarem pela manhã com uma voz fraca e disser que estava para morrer se eu não fosse ajudar. Aí eu iria que nem uma idiota mesmo sabendo que poderia me atrasar e perder meu grande emprego de secretária. Carlos Henrique não ira me perdoar, eu não me perdoaria... Ou talvez sim, eu sempre perdoo.

Assim como perdoei meu amigo Eduardo que me recebeu com um abraço, do qual eu muito precisava. Ele sempre sabia do que eu precisava.

Ele distanciou-se um pouco a fim de me encarar. Limpou algumas lágrimas que só ele poderia ver e me deu um sorriso seguido de outro forte abraço.

— Desculpa.

Eu não precisei dizer nada, eu nem telefonara o xingando nem nada. Era fácil para ele perceber que eu estava desempregada quando segurava uma caixa de papelão antes de ele tira-la de mim e pelo fato de eu estar lá em horário de trabalho.

— Só não grita porque eu ainda estou com dor de cabeça. – avisou sorrindo embora tenha mudado a expressão assim que eu lhe dera um soco no ombro. — Ai! Já havia esquecido o quanto a sua mão é pesada!

— Idiota! – exclamei ao entrar.

A sala estava do mesmo jeito que deixei. A cesta de roupas sujas estava em cima do sofá, a mesinha de centro fora a única coisa que eu limpara. A cozinha estava um caos, o balcão estava sujo de manteiga e geleia. A caneca de café estava suja dentro da pia junto de dois potes de macarrão instantâneo.

— O quanto você comeu hoje? – encarei-o surpresa antes de jogar os dois potes na lixeira.

— Ressaca dá fome, sabia? Ei, ei... Não, não, não... Deixa isso aí, você não está aqui para isso.

— E quem vai limpar essa bagunça? – indaguei pegando a caneca com a intenção de lava-la.

— A Solange vem amanhã, ela arruma... Solta isso!

Eu encarei-o incrédula, ele iria mesmo suportar aquela bagunça até amanhã? Ele apenas sorriu ao ver minha expressão indignada e pegou em minhas mãos assim que conseguiu tirar a caneca das mesmas.

— Vem, vamos para sala. – e assim ele me arrastou até sentar no sofá bem próximo a cesta de roupas sujas. — Foi você que colocou aí.

— E você não teve coragem nem de tirar? Pelo amor de Deus, Edu.

— Tudo bem. Vou tirar daqui, aproveito trago algo para nós dois. O que você quer? Temos...

— Uísque.

— Hum... Uísque. Tudo bem, a dona certinha quer tomar uísque em plena manhã de segunda-feira. Vou pegar.

Dona certinha... Ele estava me provocando, eu odiava aquele apelido. Quando ele me chamava assim eu acabava fazendo alguma besteira, como na vez que fomos para a festa da Camila no tempo da faculdade e eu acabei misturando vinho com cerveja e dançara “Oops!... I did it again” em cima do balcão do barzinho. Ele ficara me atormentando o mês inteiro por aquela idiotice que eu cometera, não só ele como também o pessoal que fora na festa, ou seja, praticamente a faculdade inteira. Era o que dava ser a melhor amiga do garoto popular; se eu fosse uma “ninguém” eles talvez tivessem me atormentado no máximo durante uma semana, talvez até nem tivesse sido convidada para aquela festa tosca da qual eu praticamente fora obrigada a ir ao sofrer uma pressão psicológica do, na época, bad boy do Eduardo.

— Água? – indaguei assim que ele voltou com um copo de uísque para mim e com um copo contendo um liquido transparente na outra mão.

— Tomaria suco se tivesse. – ainda o encarava surpresa. — Que é? Ainda tô de ressaca.

Sorri com aquela situação. Na maioria das vezes era sempre ele a estar com uma bebida alcoólica em mãos e eu a beber um suco ou uma água de coco. Eram muito raras as vezes que aquela situação se invertia.

— Brindemos à nossa falta de sorte!

Os copos cumprimentaram-se enquanto nos encarávamos confidentes. Percebi um leve levantar de sobrancelha e ao abrir a boca, indagou:

— E qual seria minha falta de sorte?

— A noite péssima de ontem que te fez trazer três garotas de programa para casa. – respondi dando o meu primeiro gole.

— Esqueci-me de tirar os copos da mesa? – sorriu diante de minha confirmação. — Não eram feias, sabia...

Rolei os olhos ao perceber que ele estava em um de seus devaneios eróticos. Devia ter se recordado por um momento sobre a noite em que levara as três para a cama. Não era a primeira vez que ele fazia isso. Quando tinha vinte anos ele trouxe para casa duas prostitutas. Lembro que ele me disse na época que elas eram melhores que as menininhas que ele pegava na faculdade, o idiota fez até um vídeo e compartilhou com os amigos.

— Fez um vídeo de novo?

— Não, tava tão chapado que... Não me diga que você queria ver?

— Claro, tanto quanto o filme da Camilinha.

Camilinha era outra que costumava compartilhar suas intimidades com os amigos, mas lógico que ela era uma dama. Sempre dizia que havia perdido o celular e de repente aparecia um vídeo caseiro contracenado pela loira, as pessoas pararam de acreditar na velha história quando isso aconteceu pela terceira vez. Mas não era desses vídeos que eu estava me referindo e sim do filme de terror que ela protagonizou; um lixo por sinal.

— Nem me fala naquela louca. Graças a ela eu deixei de frequentar a boate do Juninho e o idiota do Mauricio acabou me levando a uma boate gay.

Eu ri. O Mauricio, que tinha a infelicidade de ter o mesmo nome do meu antigo chefe, era um tremendo idiota. Era o cara que vivia a sombra do amigo mais bonito a fim de tentar pegar os restos. Era assim, a garota que o Eduardo dava um pé na bunda se tornava a nova vitima do Mau Mau. Decadente, muito decadente... O Edu nem se importava com isso, era até melhor para ele. O Eduardo odiava ter que dar um fora em alguém na frente da mulher que ele estava interessado, na verdade ele nunca fazia isso. Era como se fosse uma regra, aquelas regrinhas idiotas e machistas dos típicos cafajestes. Então o Mau Mau era praticamente empurrado para a garota que o Eduardo não tinha nenhum interesse, geralmente era a amiga da mais bonita ou uma mulher extremamente fácil. Ele odiava quando a isca praticamente se jogava no prato. Os cafajestes sempre gostam da conquista, talvez seja a parte favorita deles.

“Quanto mais difícil à conquista, melhor a transa.” Foi o que ele me disse uma vez.

— Pode pegar mais para mim? – indaguei estendendo o copo vazio.

— Essas coisas a gente tem que beber devagar, ainda mais você. – mesmo diante o pequeno sermão ele fez o que eu pedira e ainda trouxera a garrafa.

— Você é um idiota, sabia? – proferi ao observar a incoerência das suas palavras com a atitude que teve.

— Você me ama. – comentou ao encher seu copo vazio. — Vou te acompanhar dessa vez.

Ele realmente não tinha jeito.

— Mas então... – parei para mais um gole — O que houve dessa vez com a Camilinha?

— Só mais um daqueles barracos que ela dá quando me vê com alguma mulher. Cansei..., além do mais meu filme já está queimado por lá.

Ele sabia que aquilo não era verdade. A Camilinha só fazia aumentar a curiosidade daquelas mulheres. Para uma mulher brigar por um homem daquele jeito com certeza ele devia ser bom de cama. Na hora do barraco a garota pode até cair fora, mas sempre deixa o número para o homem ligar depois. Uma atitude típica das mulheres que frequentam a boate do Juninho.

— O que eu te falei na faculdade? “Pega todas as garotas que quiser menos a tarja preta da Camila.” Mas você por acaso me ouve? – e botei todo o uísque para dentro de vez voltando a encher o copo vazio.

— Falei para ir com calma.

— Eu tô bem. – e mais um gole.

— Sei... E então vai finalmente procurar um emprego decente.

— Meu emprego era decente. – e mais um gole.

— Você sabe do que eu estou falando. Aninha, você apareceu naquela redação com o currículo dizendo que você é formada em jornalismo e você vira uma secretária? Qual é! O otário nem te deu uma chance, e você é boa desde os tempos do jornal da escola!

Ele sempre sabe do que eu preciso. Sempre me dizia coisas que eu precisava ouvir. Sorri agradecida, ele estava certo. Eu não tive a mesma oportunidade, a sortuda sempre foi a Brigite.

— Ele ainda te demitiu por causa de um atraso!

— Na verdade foi “O atraso”. Era importante eu estar lá, fui encarregada de recepcionar os rapazes da ModaPlus.

— Os patrocinadores que a Brigite sacaneou?

— Você sabe que não é bem assim, mas são eles. Quase perdemos o patrocínio. – percebi que ainda falava como se trabalhasse lá. Esvaziei o copo para enchê-lo novamente.

— E ela também foi demitida?

— Ela recebeu mais uma chance. Mas teve que ouvir que era uma jornalista medíocre e que só teve mais uma oportunidade por que ela aceitava certas condições que outras não aceitariam.

— Tipo ir para a cama com o chefinho. – concluiu dando seu ultimo gole.

— Você realmente não engoliu o pé na bunda que ela te deu.

— Depois de eu ir para a cama com ela não sei quantas vezes? Eu não me importo. – ouvi-o dizer enquanto eu esvaziava o quarto copo, ou era o quinto? — Mas você sabe o que eu penso. Ela não é sua amiga.

Estranhara um pouco com a certeza que ele parecia ter ao dizer aquilo, mas deixei de lado assim que dei mais um gole saboreando o uísque.

— Vai fazer o que agora?

— Ah! Tenho que ligar para o Henrique!

— Vai se encontrar com o seu noivo?

— É. Vou marcar um almoço com ele...

— Desse jeito? Ele vai achar que eu te embebedei de proposito... Dá isso aqui! – e com isso ele levou meu copo e a bebida para longe.

Eu já não estava me importando com nada. Acabei de perder o emprego, e quem liga? Eu não. Só sentia-me meio boba, um pouco melancólica por dentro. Havia perdido o emprego oras. Não sei se era devido ao álcool, mas sentia uma quentura na garganta e nas maçãs do rosto. Era uma sensação tão... Estranha.

— Vai fazer o que a noite? – indaguei assim que ele retornou.

— Trabalhar.

— À noite?

— Vai ser no estúdio, e já cansei de tirar fotos ao ar livre de noite.

— E ficaram ótimas. – observei lembrando-me das fotos feitas no parque, Eduardo de vez em quando me mostrava seus trabalhos como fotografo.

— Mas o que você queria?

— Ir para alguma boate, beber, beber e beber.

— Vamos fazer isso amanhã.

— Não vai dar. Amanhã eu vou estar exausta depois de ficar o dia inteiro a procura de emprego. – ele riu do bico que eu fiz.

— Você já ouviu falar em internet? Manda seu currículo por e-mail, oras... A gente vai amanhã. – a ultima frase dita soara mais como uma ordem.

— Isso se o Carlos Henrique permitir. – avisei lembrando-me que iria desmarcar o jantar de hoje à noite.

— E desde quando você pede permissão, senhorita independente?

— Não é isso, é que eu vou desmarcar o jantar de hoje à noite. Não tô com clima... Então é capaz de a gente remarcar para amanhã. – respondi pegando o celular que estava no bolso do blazer.

— Vai ligar...

Afirmei meneando a cabeça já esperando que Carlos Henrique atendesse no outro lado da linha.

— Oi amor... – me vi sorrindo assim que ouvi sua voz. — Preciso falar com você. Tem problema se eu passar aí na hora do almoço? – encarei Eduardo que fazia algumas gracinhas imitando alguma mulher apaixonada que estava a falar com o amor de sua vida pelo telefone. — Como? Você já está sabendo... Pois é... Não amor, não faça nada. Foi melhor assim... Nos vemos mais tarde então, beijos... Também te amo!

— Você é pateticamente apaixonada por ele. – constatou talvez ao deparar com o meu sorriso bobo ao falar a última frase antes de desligar o telefone.

— Sou sim e ele por mim. Eu já vou indo. – disse assim que me levantei. — Tenho que me arrumar para encontrar meu gato.

— Tudo bem. – falou me acompanhando até a porta. — Pelo que eu entendi, ele já está sabendo, não é?

— Sim, e é estranho porque ele ligou para o meu trabalho. Ele sempre liga para o meu celular.

— Foi a Brigite que falou para ele? – eu assenti. — E ela atendeu ao telefone da sua mesa? Saiu da sala dela para atender o seu telefone?

— Pois é, e a sala dela não é perto da minha mesa... Bem, ela devia estar por perto, vai saber... Vou indo, beijo.

— Espero continuar vendo esse sorriso bocó na sua cara, diga isso ao Henrique. – falou quando eu já me encontrava no corredor do décimo primeiro andar do prédio.

— Ele é meu príncipe, não é nenhum cafajeste. – ele sorriu com a minha indireta.

— Regra número um, minha cara, homem é homem. Somos todos iguais, acredite, uns até piores.

Entrei no elevador com aquilo na cabeça. O álcool estava me fazendo importar-me com cada coisa... Dei agora para ouvir o mulherengo do Eduardo, era melhor esquecer aquilo. Ele mal conhecia o Henrique. Não sabe o quanto ele lutou para me conquistar. Aquela coisa de alma gêmea, ele era a minha e eu custei a perceber aquilo.

Não demorei muito para chegar em casa. Não tive tempo nem para tirar um cochilo já era onze e meia e eu só me arrumei para sair direto ao restaurante Salvatori que ficava a uma quadra da agência onde meu noivo trabalhava.

O restaurante estava cheio, não era para menos, ali era o point para todas as pessoas que trabalhavam por perto fazerem uma breve refeição. Foi meio difícil encontrar o Henrique entre aquelas mesas cheio de desconhecidos, e os garçons que passavam toda hora na minha frente não ajudavam muito. O encontrei assim que um garçom careca me pedira licença e eu dei virando para o lado esquerdo próximo a uma mesa vazia, foi quando o vi ao fundo bem próximo à porta da cozinha para o meu desagrado.

Esperei ele perceber minha presença para sinalizar que eu encontrara uma mesa melhor. Felizmente ele me notara e viera até a minha direção. Demo-nos um breve selinho antes de sentarmos à mesa.

— Você está bem? – odiava dize-lo que não.

— Estou.

— Por que não veio logo até mim? Não me ligou, nem nada.

— Não iria te importunar no seu horário de trabalho.

— E desde quando você me importuna? Você é minha noiva. Onde esteve? – sorri ao perceber que saber a resposta da última pergunta era o que mais o interessava.

— Estava com o Eduardo. – o encarei com medo de alguma reação negativa.

— Pelo menos estava com um amigo... O que fizeram tanto? – apenas o pequeno ciúme de sempre. Ufa! Ele ainda não sabia o motivo da minha demissão.

— Conversamos algumas besteiras enquanto bebíamos um pouco de uísque. Quer dizer, eu bebia porque ele...

— Você o quê?

— Amor, eu acabei de perder o meu emprego. Eu senti uma necessidade de beber, mas foi só um pouco. O Edu não deixou eu beber tanto assim.

Ele pareceu não acreditar.

— Quanto você bebeu?

— Não muito, só alguns copos... Amor, para com isso. – pedi ao ver aquela cara interrogativa para cima de mim.

— Tudo bem, mas acontece que não vou deixar você beber mais nenhuma gota de álcool no nosso jantar. – comentou fazendo um sinal ao garçom mais próximo.

— Bem... – como eu iria dizer. — Esse é um dos motivos por qual eu te liguei. – meneei os ombros ao perceber sua total atenção a mim. — Eu acho melhor cancelarmos o jantar de hoje.

— Cancelar?

Observei seu maxilar travar, ele parecia bastante irritado. Eu entenderia se ele ficasse chateado como a Brigite quando eu dispensei o convite, mas ele me olhava com uma magoa e ele estava irritado comigo.

— É só um jantar, e tente me entender... Eu acabei de perder meu emprego.

— Só um jantar... – ele riu e fiquei surpresa ao perceber o brilho nos seus olhos, ele parecia que a qualquer momento choraria. — Você está certa é só um jantar. Bem, eu vou indo então, isso seria apenas um almoço também, não é? Nada demais.

— Carlos, amor... Por favor, eu não mereço essa sua atitude.

— Tá, tudo bem.

Voltou a se sentar, mas assim que o garçom apareceu ele dispensou dizendo que eu ainda estava indecisa com o cardápio. Eu sabia que se tratava de uma indireta, só que eu realmente não a entendi.

— Você veio também para desabafar, suponho... Mas você ainda não me disse por qual motivo perdeu o emprego.

Ele sabia, e agora eu entendia. Ele sabia. Ah! Meu Deus! Ele sabia, e o pior de tudo. Não foi por mim que ele soube. Droga, Brigite!

— Eu me atrasei.

— Se atrasou? Mas você mora perto do trabalho...

Ele não sabia? Pela cara dele, ele realmente não sabia. Claro, eu também não contei nada para a Brigite. Ele não sabia.

— Eu acabei acordando tarde. – menti. Imaginei que aquela não fora uma boa mentira, mas, infelizmente, fora a primeira coisa que me viera na cabeça.

— A Brigite não te acordou?

Sorri um pouco constrangida. Era péssima em mentir, dificilmente mentia, principalmente para o Carlos. Mas se eu dissesse a verdade, provavelmente o perderia. E eu não podia perder o emprego e o meu noivo no mesmo dia. Eu não podia simplesmente perder o Carlos Henrique.

— Ela deve ter tentado, não sei... Costumo ter o sono pesado. – isso era uma verdade. Dificilmente alguém conseguia me acordar, porém eu sempre acordava cedo quando havia algo importante para fazer.

— Mas ele te demitiu por você chegar atrasada?

— Não. Eu fui muito irresponsável. Não foi a primeira vez que eu me atrasei e também, eu devia chegar mais cedo para recepcionar o pessoal da ModaPlus.

— Os patrocinadores que a Brigite...

— Sim, eles mesmos. – sorri com a hesitação, provavelmente não queria falar mal de minha melhor amiga na minha frente.

— Mas ela não foi despedida. – pareceu confuso.

Carlos soubera sobre a confusão que Brigite arrumou com sua última matéria e também sabia que ela teria grandes chances de perder o emprego caso a revista perdesse o patrocínio, mas isso não aconteceu. E no final eu que fui chutada para a fora.

— A revista não perdeu o patrocínio. – respondi o encarando. Ele ainda me pareceu confuso com aquela história, parecia não acreditar que Brigite recebera uma segunda chance. — Você acha que ela deveria ter sido despedida? – resolvi perguntar.

— Não. – ele parecia entreter-se com o guardanapo, estava nervoso. — Só acho estranho. Você ter sido despedida por conta de um atraso e ela não.

Parando para pensar, era realmente estranho o fato da Brigite ter recebido uma segunda chance... Talvez... Não, a Brigite não faria algo do tipo. Esse tempo que eu passo com o Edu só pode fazer mal aos meus neurônios. Com certeza Brigite era uma ótima jornalista e a revista não poderia perdê-la. Já eu...

— Eu era apenas uma secretária. Se fosse despedir alguém é lógico que seria eu.

Carlos Henrique me encarou sem saber o que dizer, resolveu chamar o garçom. Pelo menos ele não estava mais zangado comigo e íamos almoçar.

...

De pijamas e agarrada ao senhor Pool, estava na sala que era clareada apenas pela luz da TV. Estava assistindo uma comédia romântica para aliviar o dia nada bom que eu estava tendo quando o telefone tocou.

Eu encarei aquele aparelho branco à minha frente. Estava na mesinha de centro da sala, quanto mais tocava mais o som parecia aumentar, era como se me gritasse: “atende! Atende! ATENDE!” Estava tão desanimada que quase usei o pobre Sr. Pool para tapar os meus ouvidos, então resolvi atender.

— Alô!

— O que está fazendo? – não precisava de apresentações para saber que era o Edu do outro lado da linha.

— O que você quer? – indaguei sem rodeios, queria mesmo desligar e voltar minha atenção ao filme.

— Quero saber o que você está fazendo. – sorri, ele não tinha jeito.

— Tá... Tô assistindo “O Casamento do meu Melhor Amigo”.

— Pensei que eu fosse o seu melhor amigo. – ouvi uma risada breve após ele dizer tal estapafúrdia.

— Que tal você me ligar depois que tiver uma piada melhor para me contar?

— Já tá na parte do “I Say A Little Prayer”?

— Na verdade já passou. – respondi me recostando melhor no sofá.

— Bem, então não há mais nada pra assistir. Você já sabe o resto da história.

— Fale logo o que você quer?

Ele ficou sem nada a dizer por um tempo. Encarei a tela a minha frente, mas minha atenção estava voltada totalmente ao silêncio do outro lado do telefone.

— Você acha que nossa vida vai ser assim? – imaginei ele falando-me aquilo como se estivesse olhando as estrelas, não sei o motivo. Mas eu queria estar olhando as estrelas naquele momento.

— Assim como?

— Você acha que quando eu decidir me casar com alguém você vai finalmente perceber que me ama e então vai tentar acabar com meu casamento?

Eu não sabia se gargalhava ou batia o telefone na cara dele. Por um momento eu prendera a respiração, por um momento eu achei que ele estava falando sério. Mas então ele desatou a rir e eu não pude me conter e escolhi dar minha gargalhada.

— Você é muito idiota, sabia? Não acredito que ficou esse tempo todo em silêncio pensando em uma idiotice dessas.

— Mas isso pode acontecer. – deveria estar sorrindo do outro lado da linha.

— Você, pedir alguém em casamento?

— Hum... Quer dizer que não é impossível você ficar apaixonada por mim? – ele com aquela voz de galanteador, fiquei pensando o quanto ele bebeu aquela noite.

— Não corro esse risco. Aliás, a história do filme é diferente da nossa. – eu não acredito que eu iria começar a flertar com meu melhor amigo.

— Diferente como? – e ele flertando comigo, o que diabos tinha de errado com a gente.

— Eles tiveram uma relação ardente antes. – respondi me sentindo ridícula. “Eu não tenho mais quinze anos!” Era o que eu gritava a mim mesma.

— Comecemos a nossa amanhã de manhã. – mais uma vez usara sua voz sedutora.

— E o que eu faço com o Carlos Henrique? – sorri, estava me divertindo com aquela conversa sem pé nem cabeça.

— Você dá um pé na bunda dele, ficamos um mês juntos e depois você volta pra ele.

— Tá, veremos isso amanhã. – o ouvi sorrindo. — O que você está fazendo?

— Estou fotografando.

— Uma modelo?

— Não, já terminei meu trabalho no estúdio. Sai para tirar umas fotos no parque e... Vi as estrelas e resolvi te ligar. – estranhei a tristeza carregada nas últimas palavras que ele disse.

— Aconteceu alguma coisa? – indaguei preocupada.

— Não... Eu vi a Brigite... vi o seu noivo...

— Juntos?

Aquela conversa estava estranha, primeiro Edu me liga pelo telefone de casa quando sempre me liga pelo celular, depois ele inventa aquela conversa sem pé nem cabeça, flertamos um pouco – nunca havíamos flertado um com o outro na vida; então ele parece triste, começa a falar em pausas e agora não me responde. O que há de errado?

— Eduardo!

— Não, desculpe me distrai com uma gata que acabou de passar. Sabe, aquela de duas pernas.

— Seu idiota. - suspirei aliviada, por um momento pensei que ele estivesse ficando maluco. — Mas então, onde você viu a Brigite e o Carlos Henrique.

— A Brigite eu vi aqui no parque mesmo, tinha que ver a cara dela quando me viu. – deu uma pausa que eu apostava que era pra sorrir — Já o seu noivo, na verdade, eu vi alguém parecido com ele talvez não seja ele. Aliás, você sabe onde ele tá, não é?

— Na verdade não. Ele deve tá chateado comigo por eu ter desmarcado o jantar com ele hoje, nem me ligou. Talvez tenha sido ele que você viu. Mas foi por isso que você me ligou?

— Liguei, porque eu estou me sentindo um idiota por você ter sido despedida por minha causa. Então estou aqui descendo a rua do parque onde tem aquela cafeteria que você adora, estou entrando nela nesse momento...

— O que você está pensando em fazer?

Ele pareceu me ignorar enquanto fazia seus pedidos para a atendente da cafeteria. Tive que ouvir seus gracejos para a moça enquanto não voltava sua atenção para mim.

— Eduardo...

— Você ouviu o que eu comprei, não é? Agora estou descendo mais a rua, mais um quarteirão...

— Por que você está fazendo isso?

E nada de me responder. Naquele momento eu estava sendo totalmente ignorada pelo meu melhor amigo. Já não prestava mais atenção no filme a minha frente. Deixara o Sr. Pool de canto e me fixara em prestar atenção a respiração e aos sons de passos que vinham do outo lado do telefone. Já devia estar no mesmo estado há uns três minutos quando finalmente ouvi sua voz.

— Espero que você não esteja com aquele pijama horroroso e com aquele polvo de pelúcia velho que eu te dei quando estava bêbado.

— Não fale assim do Sr. Paul, e é lógico que eu estou de pijama que também não é horroroso.

Só ouvi um riso vindo do outro lado da linha. Ele não disse mais nada. Ouvi mais sons de passos até que notei uma porta ranger. Ele chegara ao meu prédio.

— Já avisei pra você mudar para um prédio mais seguro, esse lugar não tem nem porteiro e agora a porta nem mais é trancada.

— Ela nunca foi trancada. – disse levantando-me assim que ouvi seus passos subindo as escadas. — Mas então, porque está fazendo isso?

Ouvi a campainha soar e abri a porta. Eduardo estava ali parado segurando em uma das mãos uma sacola enquanto desligava o celular com a outra.

— Você cuidou de mim hoje de manhã, agora é minha vez de eu cuidar de você.

Dessa vez eu não disse nada. Apenas o abracei e comecei a chorar.


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Notas finais do capítulo

Depois de um tempo, voltei com um capítulo grandinho. Eu espero que tenham gostado.



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