Já eram seis da manhã quando acordei, segundo meu celular. Fiquei bem aliviada ao saber que tinha acordado cedo para ir logo pro acampamento enquanto todos estavam dormindo, já que o pessoal ia me encher o saco o ano todo sabendo que voltei da floresta depois de passar uma noite desaparecida com Peter Uckerman. Eu estava meio triste, mas nem lembrei o porquê antes de perceber que estava abraçada com ele. Fiz questão de me afastar e acabei acordando a Bela Adormecida babada ao meu lado.

– Horas? - Perguntou, esfregando os olhos.

– Seis. - Respondi sem encará-lo e ele assentiu.

E só conversamos isso. Arrumamos maquinalmente as coisas e seguimos para o acampamento, o que foi bem fácil já que estava claro. Peter me lançou um olhar e eu assenti, e então nos separamos cada um pro seu canto.

Todos estavam dormindo como bebês, a maioria dentro das cabanas e o resto provavelmente no ônibus. Peguei minhas coisas no trailer onde Prof. Tompson roncava e dei um jeito de me arrumar o máximo que pude sem chuveiro nem nada, e então resolvi dar um cochilo no ônibus.

Logo que entrei vi que tinha pouca gente, no máximo quatro pessoas, lá dentro. Uma menina gordinha de cabelos pretos (Lina, eu acho), um menino pequeno e magrelo e um outro que não consegui ver o rosto. E então ouvi um choro naquele banco traseiro onde costuma-se sentar a turma bagunceira.

– Kim? - Chamei, ao vê-la debulhando-se em lágrimas. - O que foi?

Me sentei ao seu lado enquanto ela soluçava, encharcando a blusa da Hello Kitty que usava.

– Isso. - Apontou para várias embalagens de chocolate no chão do carro, quando se acalmou. - Foi isso. Eu e Mich discutimos e eu recaí.

Fiquei muito confusa, e ela percebeu.

– Ah sim... - Baixou os olhos. - Você não sabe... Celina, eu sou doente. Tenho bulimia. Eu e Michael brigamos e bem... Eu recaí. Comi uma caixa inteira de chocolates e depois vomitei tudo. Você não sabe como é horrível isso! Eu sou gorda. Sou feia. E ainda sou doente! Ele só deve está comigo por pena, Cê... Eu me odeio!

Ela exclamou e me abraçou, chorando novamente. Acariciei seus cabelos.

– Kim... Não fica assim. Você é linda, absolutamente linda, sabia? - Ela me encarou, o rosto inchado. - É sério. Olha só, sinceramente eu tenho vontade de ter cabelos tão bonitos como os seus, e ser tão legal assim. E mais, o Mich te ama. Você deveria saber disso.

– Você só está falando pra me animar.

– É o que eu quero, mas é a mais pura verdade também. Vamos fazer o seguinte, quando chegar em Miami eu juro que vou ao médico com você, combinado? - Ela me analisou por um segundo, tentando ver se eu estava falando sério ou não. Finalmente sorriu de leve e me abraçou, agradecendo.

Enquanto isso, lá fora, Tracy passava decidida pelo ônibus até a barraca de alguém. E eu tinha a leve impressão de que já sabia de quem era.

****

Peter.

Diferentemente do que eu havia pensado, uma boa noite de sono não me ajudou nadinha a organizar os pensamentos. Celina, Celina, Celina. Era tudo o que eu pensava, e isso já estava me irritando muito. Montei minha barraca no modo automático e resolvi ler um livro qualquer (sim, eu leio, tá?), mas tive que ler várias vezes os mesmos parágrafos, até que alguém entrou na barraca de casal e mesmo eu não olhando, já percebi que era Tracy pela sombra dos peitos.

– Peter. - Chamou.

– Hum? - Respondi, sem tirar os olhos do livro.

– Peter! - Exclamou ela, tirando o livro de mim e jogando ele com força no chão. Arregalei os olhos e soltei um "ei!" que ela ignorou completamente. - Onde raios você estava com aquela lacraia ontem à noite?!

– Quem? Celina? - Isso só serviu para deixar o rosto geralmente lindo dela, mais ameaçador e assassino. Me salva, Senhor. - É... Hum... A gente se perdeu e dormimos juntos. Só dormimos.

– O quê?! - Exclamou, alto demais. Comprimiu minhas bochechas com uma mão só, machucando o meu rosto. - Peter. Von. Uckerman. Eu não quero mais, nunca mais, que você fale com essa garota de vigésima categoria. Vaca, uma ridícula, que trabalha na esquina! Eu sou sua namorada, e você é só meu. Meu, meu, meu, meu e meu!

Ela era retardada ou o quê? A gente nem namorava! E eu e Celina estudávamos juntos na mesma sala, morávamos na mesma casa, dormíamos no mesmo quarto. Como, me diga como, eu não iria mais falar com ela? E eu não era de ninguém! Isso me irritou profundamente.

– Olha aqui. - Disse, tirando a mão dela do meu rosto. - Eu não sou seu, beleza? E se a gente tinha algo, acabou agora! Não quero mais você aqui! Celina é minha amiga, eu gosto dela, e não vou parar de falar com ela porque uma garota que eu nem sequer gosto veio dizer para eu deixá-la de lado. Nunca, anota isso, nunca eu vou deixar alguém que é maravilhoso por uma menina medíocre que nem você. Vai, sai daqui, vai lá ficar com outro menino porquê eu não te quero mais.

Peguei calmamente meu livro enquanto lágrimas de raiva caiam pelo rosto maquiado de Tracy. É, eu estava sendo cruel, mas nunca deixaria alguém ofender Pouca Sombra desse jeito. Mesmo a gente se desentendendo, eu de algum modo realmente gostava dela (e isso me assustava um pouco). Além disso, usei várias palavras novas nesse discurso e isso me deixou meio orgulhoso.

– Você vai me pagar muito caro. Você e essa menina, Uckerman! Você vai ver! - Berrou praticamente, saindo engatinhando da barraca.

– Hum. - Respondi, indiferente.

Mas na verdade, eu estava morrendo de medo dela. Eu hein.