Diário de um Assassinato escrita por Matheus Pereira


Capítulo 5
Emily Pemberton


Notas iniciais do capítulo

Após algum tempo, aqui está o capítulo 4, com o interrogatório de Emily Pemberton.
Deixo claro que não poderei postar tão frequentemente, pois ando muito ocupado com meus estudos para os vestibulares deste ano.
Contudo, devagar e sempre!

NOTA: "Nigger" é um termo pejorativo usado até hoje, nos países de língua inglesa, para se referir aos negros.

Boa leitura!



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1h30

Não havíamos tido a infelicidade de encontrar Rupert assim que deixamos o quarto do senhor Pemberton. Agora, estávamos, eu e Lucchesi, no escritório que ficava à esquerda da sala, logo após um corredor. Era uma sala simples, que não parecia ser muito usada. Havia uma mesa de mogno escuro no centro do cômodo, com um vaso de flores e alguns papéis avulsos e encadernados sobre ela, que jamais haviam encontrado a tinta da caneta. Lucchesi se sentou numa confortável poltrona de escritório atrás da mesa, eu fiquei à sua frente.

Ao contrário do que o leitor possa pensar nesse primeiro momento, eu não estava prestes a ser interrogado. Minha função ali era a de um escrivão. O detetive havia me encarregado de tomar nota de todas as perguntas e respostas das entrevistas que iriam ocorrer. Segundo Lucchesi, isso era para a polícia local, que iria necessitar das versões dos fatos de cada um. Desse modo, evitaríamos fazer um segundo interrogatório.

É muito óbvio, apenas a julgar por este relato, que escrever não é uma tarefa que eu despreze. Contudo, o sono já me batia à porta. Lucchesi havia insistido que aquele interrogatório fosse feito o quanto antes e, eu não encontrei forma de recusar a cooperação. Ele havia acertado (e era apenas o primeiro acerto de muitos) ao tomar aquela decisão. O choque pelo assassinato de Stratford Pemberton ainda era muito forte e, assim, o sentimento de tensão era muito grande. Acredito que o interrogatório não seria tão revelador se fosse feito mais tarde.

Emily Pemberton pausou por um segundo ao abrir a porta. Respirou fundo e, então, entrou com rapidez na sala e sentou-se ao meu lado. Não parecia muito mais calma que antes, isso qualquer um poderia afirmar quando ela colocou as mãos trêmulas sobre a mesa.

– Isso é tudo tão... Eu apenas não consigo acreditar que aconteceu! – ela disse, choramingando.

– Calma, calma, senhorita... – Lucchesi disse numa mistura de compaixão e firmeza. –Respire fundo. A senhorita precisará manter-se lúcida se quiser me ajudar.

– Eu estou com tanto medo! – ela disse, enquanto passava as mãos pelos cabelos loiros, deixando-os ainda mais desordenados.

– A senhorita estará segura enquanto eu estiver aqui. – Lucchesi disse e Emily pareceu ter se tranqüilizado – Eu sei que será pesaroso, mas, por favor, nos dê um breve relato do que aconteceu esta noite. Pelo o que eu entendo, a senhorita não estava em seu quarto...

– Não, não estava. Eu acordei... Eu nem sei por que eu acordei. Eu tenho um sono muito leve, qualquer barulho me desperta. Eu devo ter escutado alguma coisa. Ah, sim, foram os trovões.

– Após as 23h20, então, senhorita?

– Eu pareço saber sobre as horas? Não! Eu não sei de nada! – ela disse. Lucchesi pareceu ter se assustado com a repentina fúria da jovem.

– Continue, senhorita... Você foi acordada com o barulho dos trovões, e depois disso?

– Eu resolvi descer as escadas. Eu fui até à cozinha para comer alguma coisa.

– Havia alguém com a senhorita?

– Não.

– Encontrou alguém no caminho até a cozinha?

– Também não, eu acredito que todos já estavam dormindo... Mas é claro que não. Eu não ouvi nada, porém.

– Permaneceu por quanto tempo na cozinha?

– Eu fiquei assistindo aos relâmpagos, à chuva, por um bom tempo. E então eu vi a luz dos faróis de um carro, pela janela. Resolvi verificar o que estava acontecendo, certamente deveria ser alguém precisando de ajuda, com o carro atolado.

– A senhorita estava esperando por alguém?

– Como assim? – ela levou as mãos à boca.

– Eu não entendo porque a senhorita iria se dispor a ajudar alguém com o carro atolado. Além disso, é necessária certa força física para oferecer ajuda nesses casos.

– Oh! Esses estrangeiros... – ela virou-se para mim, como se compartilhasse comigo sua indignação. – Chamou-me de egoísta e fraca numa mesma frase.

– Não foi exatamente o que eu disse, senhorita. A senhorita tem algum namorado? Ah, vejo que está noiva... – ele olhou para a aliança no dedo ossudo dela.

– Por Deus! Como isso pode ser relevante? Você é ao menos um detetive sério?

– Qual o nome dele?

Os olhos confusos de Emily encaravam o rosto determinado de Lucchesi.

– Jeffrey... Jeffrey Green.

– O senhor Green costumava fazer visitas noturnas?

– Quanto atrevimento! Quem o senhor pensa que é, só porque veste essas roupas engomadas, com esse terno... De liquidação. Vá trabalhar numa maldita pizzaria e deixe-me em paz!

– A senhorita sabe mesmo falar como uma dama. Pelo visto, eu terei que fazer as perguntas diretamente para o senhor Green. A realidade é que, quando a senhorita deixou a casa no meio da chuva, esperava encontrar seu noivo, ao invés de encontrar o senhor Reed, não é mesmo?

– É verdade... – ela disse, resignada – De qualquer forma, meu noivo não esteve aqui esta noite. Então, não há importância alguma para o senhor.

– Há uma saída da cozinha para a varanda?

– Não, eu tive que voltar até à sala para sair pela porta principal. E antes que o senhor me pergunte, eu não encontrei ninguém. Quando eu encontrei o senhor Anthony Reed, eu senti que devia explicá-lo porque eu estava ali e, assim, eu ofereci ajuda. Após uma breve conversa, nós voltamos para a casa. Eu tinha intenção de chamar papai e meu irmão, para ajudar a empurrar o carro do senhor Reed. Eu pensei que Dewey e papai não se importariam em fazer isso. Se apenas eu soubesse... Oh, se eu soubesse que logo depois... – ela ameaçou chorar mais uma vez. Seu rosto ficava ainda mais pálido.

– Qual foi o tempo de trajeto, da estrada até a casa, naquelas condições? – a voz de Lucchesi ressurgiu firme, sem se importar com a comoção da senhorita Pemberton.

– Uns dois minutos, eu diria.

– E o que houve, logo em seguida?

– O grito... Um grito que eu jamais vou esquecer. Foi um grito muito profundo, que veio da alma, uma mistura de agonia e surpresa. Não durou muito, mas foi suficiente para que eu fosse até o andar de cima às pressas. O senhor Reed me acompanhou.

– Senhorita, foi isso a única coisa que você escutou? Apenas um grito?

– "Apenas"? Foi o grito mais sofrido que eu já ouvi!

– Não estou contradizendo isso. Mas a senhorita não acha que há algo faltando? – Lucchesi perguntou, acariciando o queixo, enquanto observava as reações da jovem Emily.

A senhorita Pemberton finalmente compreendeu:

– Ah... Mas é claro... O som do disparo da bala. Mas, não, eu não ouvi nada.

– Isso é interessante. Não houve som, houve, porém, um disparo. Estamos buscando então um assassino que usa um dispositivo supressor de ruído no cano de sua arma, um daqueles silenciadores. – Lucchesi disse numa voz tão baixa que era mais como se ele estivesse tendo uma conversa consigo mesmo. – Prossiga, senhorita. Eu peço que tenha ainda maior atenção aos detalhes nessa parte, os minutos que precederam a descoberta do corpo.

– Eu fui direto para o quarto de papai. Era de lá que havia vindo o grito. Eu tentei abrir a porta, eu chamei por Papai, mas nada adiantou. Então, eu aproximei a lamparina da porta e havia uma chave do outro lado da fechadura. – ela deu uma pausa dramática. Respirou o fundo enquanto fechava os olhos, como se estivesse criando coragem para continuar a narrativa. – Então, o senhor Reed foi tentar abrir a porta, mas estava realmente trancada. Ele começou a tentar arrombar a porta, se jogando contra ela.

– Nesse momento ou logo antes disso, Vivian chegou. Vivian é a noiva do Rupert, detetive. Ela estava sozinha, não estava? – Emily perguntou para mim, numa voz tão chorosa que me fazia querer cobrir os ouvidos com as mãos. Eu apenas acenei, me esforçando para anotar o jorro de palavras que ela emitia em um tempo tão curto. – Foi mesmo assim, então que aconteceu.

– Quando Rupert chegou?

– Ele apareceu logo depois. Questão de segundos, mesmo. Tudo aconteceu tão rápido! Era um sofrimento assistir cada vez que eles se jogavam contra a porta e ela não cedia. Eu ficava imaginando qual cena iríamos encontrar do outro lado. Eu jamais teria imaginado... Era algo macabro demais para se pensar. Mas, era verdade. Papai estava deitado, bem à nossa frente, com uma poça de sangue ao redor da cabeça. Era algo forte demais para assistir. – ela disse, com uma expressão de agonia cobrindo-lhe o rosto, agora que aquela cena de algumas horas atrás voltava para sua mente. – E, logo depois disso, a primeira coisa da qual eu me lembro é o rosto de Eric, o mordomo, e um forte cheiro de álcool... Eu, eu espero que tenha sido suficiente. Eu não tive tempo de perceber muita coisa, detetive; e, na verdade, eu estou feliz por ter desmaiado.

– Eu entendo, senhorita. Por enquanto, isso é suficiente. Mas há ainda algumas questões que eu gostaria de esclarecer. – Lucchesi pausou. – Quando você viu seu pai pela última vez, antes do crime?

– Oh... – ela refletiu um pouco. – Todos sempre fazem a refeição juntos, na sala de jantar. Hoje, isso foi pelas vinte horas. Eu me retirei assim que terminei de jantar, não sei o que aconteceu logo depois.

– Como estava o ânimo do senhor Pemberton?

– Como de costume. Sempre muito reservado, mas não havia nada que chamasse a atenção.

– A senhorita tem certeza?

– Sim. Era apenas um dia normal, eu não notei nada de diferente no papai ou nos outros.

Lucchesi ajeitou sua postura na poltrona e mudou o assunto do interrogatório.

– Entenda, senhorita, as perguntas que eu faço não são as mesmas que fariam um simples oficial de polícia. Para mim, é de grande importância agora entender não apenas o crime, mas também a própria vítima e a sua família. O senhor Rupert, ele é mesmo um Pemberton? Eu o ouvi várias vezes se referindo ao senhor Stratford Pemberton como sendo seu pai. Eu achei muito estranho, obviamente. A senhorita não parece o tratar como irmão, nem mesmo se parece com ele.

– Isso é quase um elogio para mim. Eu não tenho a menor simpatia por aquele nigger asqueroso. – ela disse bruscamente. Eu me assustei com os comentários depreciativos dela. – Não, ele não é um Pemberton. Óbvio que não! Foi há muito tempo atrás, senhor detetive... Papai havia feito uma viagem muito longa, de uma semana, alguns meses após a morte de mamãe. Quando voltou para casa, trouxe consigo um maldito ciganinho sujo e maltrapilho. Devia ter uns cinco anos, aquela peste de garoto. Eu estava com sete anos na época e Dewey, com doze ou treze. Ninguém jamais soube seu nome ou o dia do seu aniversário. Papai nos contou que havia encontrado aquele menino faminto e sem casa, com roupas aos farrapos, vagueando pelas ruas de Jacksonville. O menino o pediu alguma esmola e isso foi suficiente para papai se comover. Falou de ter ajudado-o, mas não conseguiu ninguém que o reclamasse, e por isso, achou que seria uma boa ação trazê-lo para cá.

Eu ouvi aquilo com extrema curiosidade. Então o senhor Pemberton havia adotado Rupert... Como aquilo foi acontecer?

– Jamais vou compreender o que o fez trazer para nossa casa, em Miami, já tendo dois filhos para cuidar sozinho. Claro, os criados sempre ajudaram e dinheiro nunca foi uma preocupação do papai. Mas, ainda assim, nada justificava trazer aquele menino para cá. Papai o batizou de Rupert. Papai tinha um manifesto favoritismo por ele. Conforme Rupert foi crescendo, ele passou a mimá-lo mais que a mim mesma. Imagine por um segundo, detetive, como eu me senti ao ter sido trocada por aquele diabo, ao constatar que meu pai o preferia a mim – ela falava numa voz tão ressentida que parecia ter se esquecido da morte do pai. A adoção de Rupert era uma ferida ainda muito aberta. Os olhos dela lançavam flechas de rancor todas as vezes que a imagem do irmão era ecoada.

– E eu nem mesmo tinha uma mãe onde eu poderia encontrar alguma lucidez e carinho. Depois que Mamãe se foi, meu pai mudou completamente. Transformou-se em alguém quase recluso, frio, muito ríspido. Ele passou a tratar seus verdadeiros filhos com rigidez, como se nós tivéssemos culpa de algo. Mas, imagina que ele era assim com Rupert? Não, para ele, Rupert era sempre o mais especial. Durante toda a minha adolescência, eu tive que suportar isso.

– A senhora Pemberton veio a falecer de causas naturais?

– Sim, padeceu de tuberculose. Papai, como você deve ter percebido pelo nome, é filho de britânicos. Os meus avós maternos eram, por sua vez, finlandeses. Todos vieram da Europa para a Califórnia, na costa oeste, durante a corrida do ouro. A família Pemberton e Korpela, a de mamãe, enriqueceram muito. O casamento foi arranjado, entende? Por pura conveniência, movido por puro interesse dos meus avós, por qualquer questão que hoje ninguém mais está vivo para contar. Mas eu acho que, apesar disso, Papai sempre a amou muito. Ela se chamava Aino, significa "a única", em finlandês. E, realmente, ela foi a única de Papai. As poucas memórias que eu tenho daquele início de infância, em Miami, são muito boas. Lembro-me especialmente dos dias na praia, aqui em Coconut Grove. Apenas eu, Mamãe, Dewey e Papai – Emily disse, suspirando saudosamente.

– Por que o senhor Pemberton veio para Miami?

– Eu não sei tão bem. Pelo o que Papai costumava dizer nas histórias sobre meus avós, ele havia casado com Mamãe na Califórnia e ela estava esperando Dewey. Mas me parece que a Califórnia estava cada vez mais violenta e crescendo desordenadamente pela chegada em massa de estrangeiros. Então, Papai achou por bem vir morar aqui, em The Grove. Um casarão perto do mar, uma vida estável, um vilarejo sossegado. Isso, imagine, foi no início do século. Miami era um paraíso sossegado, você não encontrava tantos casarões por aqui como se vê por aí hoje. O que mais papai poderia buscar?

– O senhor Pemberton trabalhou por aqui? Ou devo assumir que ele vivia com o dinheiro dos pais?

– Se Papai trabalhou? Ora, e como! É por causa dele que Miami começou a se transformar numa verdadeira cidade. Papai era inteligentíssimo! Multiplicou seu dinheiro fazendo investimentos no crescimento de Miami, com a construção de estradas, redes hoteleiras, sistema hidráulicos. Papai tinha uma mente brilhante. Com a morte de Mamãe, porém, ele parou de ter esse tino para os negócios. A fortuna que ele construiu, contudo, foi muito considerável.

Lucchesi pareceu refletir por um momento. Eu o observei bem quando ele se inclinou para frente. Eu achei que ele fosse perguntar mais alguma coisa. Contudo, apenas disso.

– Isso é suficiente, senhorita Pemberton. Queira chamar o mordomo, Eric, por favor.

E, tão dramaticamente quanto havia entrado, Emily Pemberton deixou o escritório.


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Notas finais do capítulo

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