Enigma escrita por Matheus Pereira


Capítulo 9
Inocente ou Culpado


Notas iniciais do capítulo

Lucchesi tem razão ao seguir seus instintos ou isso é pura teimosia? Neste capítulo, os conflitos do italiano com Warwick chegam a um ponto crucial.
Boa leitura!



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CAPÍTULO 9

16h

Warwick aguardava junto de Lucchesi e Thomas o resultado das buscas na mata e do exame preliminar dos médicos legistas há algum tempo. Haviam dado uma pausa nas investigações, mas mesmo agora eles pouco falavam entre si. Warwick batia um lápis na mesa, enquanto seus olhos passeavam pelas anotações do inspetor Thomas. "Esse tal bar clandestino... É aí que tudo começou. A chave do mistério da morte de Daniel Smith só pode estar ali. Mas essa porcaria precisa ser fechada! Ah, não poderei fazê-lo antes de descobrir sobre os inimigos de Daniel. Mas que inimigos tinha, afinal? Havia quitado sua dívida com as pessoas da pior espécie. Ninguém tinha motivos para assassiná-lo ou fazer-lhe mal. Ou ao menos assim ele pensava. Desapontou quem o considerava como único amigo. Quem diria que David Becker fosse capaz de tal feito. Teriam eles estado juntos no bar naquela noite? Isso facilitaria tudo!".

Lucchesi e Thomas, sentados à frente do delegado em assentos poucos confortáveis, debruçavam-se sobre a mesa. Estavam, contudo, em seus pensamentos mais profundos. O barulho repetitivo de batidas do lápis na mesa não parecia incomodá-los. Lucchesi acariciava a barba grisalha bem aparada, enquanto refletia sobre o comportamento de Ruby Morgan. "Está escondendo algo! Aquela apatia, aquele olhar vazio e sem emoção era nada além de perturbador. Mas como é linda! Ah, isso é. O que ela fazia com Daniel Smith, tão pobre? E por que alguém o matou com tanto ódio? David Becker? Parecia mais um cão fiel que se agarrou à chance de ter uma personalidade paterna que nunca teve. Não se voltaria contra o seu melhor amigo, por mais estranho que seu padrão de comportamento mostrasse ser. Ou se voltaria? Será que acharão o corpo de David na mata? Se não, terei que me render ao óbvio, à precisão da ordenação das proposições, à firmeza incontestável da lógica: David Becker é o assassino. Eu não quero estar errado! Estar errado é vergonhoso, principalmente quando isso significa que é o delegado Warwick quem está certo".

"Lucchesi está certo. Ele sempre está, no fim das contas", Thomas pensava, enquanto tentava arrumar o cabelo ruivo. "Por que David Becker andava e ajudava uma companhia tão ruim quanto Daniel Smith? David deve ter seu próprio espírito maligno, contido, escondido, que foi liberado por um surto. Megan tem um álibi. Estava no bar clandestino. Difícil será que consigamos uma entrevista com alguém que confirme sua presença. Certamente a polícia terá que fazer uma vista grossa e perdoar os proprietários do blindtiger se quiser que as investigações cheguem a algum lugar. Seria difícil explicar porque ela saiu no meio da tempestade. E a confirmação da hora do crime poderia complicá-la ainda mais. Ryan Adams tem um álibi. Cinema em Tifton, não será difícil confirmar. Nem por um momento posso cogitar culpar a senhorita Morgan, sua noiva ou a senhora Becker. Mas Ruby Morgan não tem álibi. Temos apenas a palavra dela que ficou o dia inteiro em casa. Mas, não, fisicamente impossível. O mesmo para a senhora Becker. Não há como imaginar as mãos de porcelana da senhorita Morgan carregando as tripas do noivo. Psicologicamente não era nem mesmo o tipo de crime cometido por mulheres. Se ao menos Daniel Smith tivesse sido envenenado... E o que nos resta? Claro, sempre volta para você, sempre volta para você: David Becker! Está há quase 24 horas desaparecido, sua personalidade era sombria, anti-social. Era um infeliz. Um homicida lunático! Não será um caso difícil".

A ansiedade começou a tomar conta do escritório do delegado. Três quartos de hora se passaram e os três homens se encontravam imersos em seus pensamentos, andando em círculos pelos labirintos da mente, sempre falhando em voltar ao mesmo tempo: dependiam da posição geográfica de David Becker na noite do crime.

Os pensamentos dos três foram interrompidos de uma só vez: o policial George entrou sem nem ao menos bater na porta. Colocou sob a mesa um objeto cinzento e empoeirado.

16h55

– É mesmo dele? Quer dizer... Encontrado a três quilômetros a norte da cena do crime... – Warwick perguntou.

– Tenho certeza que sim. A senhorita Morgan não reconheceu. Mas a senhora e a senhorita Becker afirmaram que era mesmo de David. E não está mais na casa. A senhora Becker, é claro, está em desespero. Fora essas evidências, seria difícil confundir, pois este chapéu é bem distinto. Ele é do tipo Fedora. Como podem ver, cor cinza e essa faixa – apontou –, originalmente preta, já está um pouco desbotada. O forro era vermelho, mas também já adquiriu uma cor sem vida. Só pode pertencer ao senhor Becker – explicou o policial George.

Ma va'! Então David está morto – afirmou Lucchesi.

– Não! Não podemos afirmar isso – disse Warwick – Qualquer um poderia ter abandonado o chapéu na floresta. Inclusive o próprio assassino.

Os três ficaram paralisados diante da possibilidade, principalmente Lucchesi. O policial George observa atentamente.

– E seria um despiste dos bons. Algo que o assassino pensaria! – Thomas concordou com entusiasmo.

– Por que vocês insistem em fazer isso? – Lucchesi se levantou – Já julgaram e condenaram David Becker sem ao menos uma única evidência!

– Aí que se engana, detetive Lucchesi. Todas as evidências estão apontando para uma única direção: David Becker. Como o senhor muito bem colocou horas atrás, o senhor Becker estava na cena do crime. Não há a possibilidade de uma outra explicação, alguma coincidência que explique seu desaparecimento ao mesmo tempo em que um crime desses foi cometido. – Warwick mostrava toda sua perspicácia, falando de modo claro e conciso – Sem um cadáver, não temos nem mesmo um caso. E, de qualquer modo, já foi tudo vasculhado, não é como se não tivéssemos buscado pelo suposto corpo de David Becker. Parece-me bem claro que ele já está a muitos quilômetros daqui e nós estamos perdendo tempo.

– Mas esse chapéu é um claro sinal de que não procuraram bem! Há um cadáver – Lucchesi insistiu.

– Desculpe-me a interrupção, detetive Lucchesi, mas foi tudo muito bem procurado. A única coisa que pudemos encontrar remotamente ligado ao assassinato de Daniel Smith foi esse chapéu, pertencente ao senhor David Becker. Não há nenhum cadáver naquelas matas – explicou George.

– E dificilmente haveria mais um. O senhor mesmo afirmou, Lucchesi, que te surpreendia a forma como o corpo foi abandonado, simplesmente, e não escondido, de forma a dificultar o trabalho da polícia. Um outro corpo escondido a vários quilômetros de distância não é somente difícil do ponto de vista físico como também uma quebra de padrão do assassino. Eu tenho muita certeza que o restante das entrevistas, digo, as entrevistas com as pessoas do bar clandestino vão somente corroborar com o que reunimos até aqui. Já é mais que tarde que declaremos David Becker como procurado e o busquemos para ser levado sob custódia. É o nosso principal suspeito – Warwick parecia ficar cada vez mais assertivo com o passar das horas.

– Lucchesi, eu acredito que o delegado tem razão aqui. É apenas sensato – disse Thomas, já de pé – que percebamos que não há como haver mais um cadáver. E que o desaparecimento de David Becker é conveniente demais.

– Ele não é nosso cara! Não condiz... A psicologia do crime... – Lucchesi respirou fundo – Pense por um segundo, certo? Thomas, você mesmo foi o primeiro a chamar atenção para isso. David Becker foi criado de um modo superprotetor. David Becker é o "bonzinho", "generoso", "filhinho de feições delicadas" de uma solteirona velha. Pelo amor de Deus, mal deixava a própria casa, mal deixava o próprio quarto! Era despreparado para a própria existência. David Becker claramente era um homem fraco e inseguro. Esse crime foi cometido por alguém confiante, inteligente, arrogante, seguro de si, principalmente quando brutaliza suas vítimas. Não houve nem sequer uma hesitação nesse assassinato, as tripas foram arrancadas, céus! O assassino não tem ética alguma e só pensa em si. David não saía de casa sem pedir benção à mamãezinha, emprestou algumas somas de dinheiro à alguém que era seu único amigo. David não tem o perfil do assassino de forma alguma!

Houve um grande silêncio, pois o raciocínio de Lucchesi era, de fato, muito correto. As entrevistas com Rose Becker e Megan Becker deixavam muito claro uma personalidade contida e medrosa. Thomas resolveu contradizer Lucchesi:

– Uma personalidade anti-social, sim, de fato. Isso não exclui a possibilidade de David Becker ser um assassino. Eu diria que as aumentariam! É fato que o jovem não pensava muito claramente. Ele não tinha estrutura alguma. E é isso que me leva a crer que ele é um bom suspeito. Não podemos fazer afirmações tão a fundo sobre a personalidade dele baseado nas pessoas que conviviam com ele. Ninguém sabia de fato o que se passava na cabeça de David Becker. E a própria irmã, Megan Becker, confirmou o afastamento entre David e Daniel. E se David estivesse obcecado com Daniel? Era o único amigo dele! O crime foi claramente cometido por alguém sob uma forte emoção, e qualquer personalidade frágil irá adquirir um comportamento muito agressivo se for colocada em uma situação de extremo estresse. Ainda mais quando essa pessoa parecia ter algum tipo de desordem mental.

– Não há mais discussão. David Becker terá status de procurado em todo o estado da Geórgia. Teremos ampla cobertura da imprensa e ele será logo encontrado e levado sob custódia – falou Warwick incisivamente.

– Dê-me 24 horas para provar que David Becker não é o assassino! Faça isso antes de cometer a injustiça de praticamente acusá-lo em todos os periódicos da Geórgia – bradou Lucchesi, inclinando-se em direção à Warwick, do outro lado da mesa.

– Por que você tem tanta certeza disso?

` – Já expliquei meu ponto de vista, senhor delegado. A psicologia do crime. Não consigo concordar com Thomas.

– Você não está discordando apenas da leitura do crime feita pelo Thomas. Está discordando das evidências, do caminho que as pistas estão nos levando.

– As evidências não foram todas encontradas. Nem o começo delas. Há muitas coisas que vão surgir quando averiguarmos os depoimentos e buscar informações no bar clandestino. Para chegarmos à verdade, precisamos de todos – frisou – os fatos do caso.

– Lucchesi – Warwick deu uma risada seca – Tudo bem, você tem as suas 24 horas. É estupidez minha, um enorme atraso nas investigações. Aceito fazê-lo apenas porque quero ver sua arrogância cair por terra. Minha única condição é que você se calará quando, passado esse tempo, não tiver montado seu caso ou não ter nenhuma evidência concreta que contradiz a possibilidade de David Becker ser o assassino. Passado esse tempo, seguimos a investigação e iniciamos a caçada humana pelo senhor Becker.

– Está fechado, delegado Warwick.


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Notas finais do capítulo

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