Wolfhardt escrita por Lena Saunders


Capítulo 11
Run Away


Notas iniciais do capítulo

Mega capítulo para vocês. Por que?
Porque estou inspirada e o próximo já esta na metade.
Para quem fez o Enem: eu compartilho da dor de vocês.
Agora só tenho mais um vestibular esse ano, o que significa que as coisas vão começar a acontecer de verdade.
Cenas violentas nesse cap, então, se não curtir, abandone a fic. Porque a Lunna mandou ir quente que ela esta fervendo -n.
Ok, sem mais delongas, enjoy.
~Lena



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Dylan foi arremessado praticamente aos meus pés, enquato Isaac sorria de uma forma quase maligna. A luta deles estava durando quase o dobro da de Aaron e Alec.

Ao contrário do esperado, Dylan não permaneceu no chão por muito tempo. Ele girou as pernas e se pôs de pé em segundos.

– Isso é o melhor que pode fazer, Isaac? Você está enferrujado.

E ele se jogou em cima do primo.

Soco. Soco. Desvio. Chute. Soco. Cotovelada. Desvio. Chute.

Eu já estava começando a entender o estilo de Dylan, mas Isaac parecia imprevisível.

Por fim, Dylan deu um mortal para trás e acertou o primo com um chute no maxilar. Isaac ficou desnorteado por um milésimo de segundo e Dylan o socou na boca do estômago, tão forte que ele caiu de joelhos.

William declarou a vitória de Dylan sem nem olhar para o outro sobrinho. Isaac estaria curado em segundos.

– Vou sortear a próxima dupla. - William anunciou, enquanto mergulhava a mão no gorro de Dylan, que agora continha vários papeizinhos. - Ethan e Eccho! Lembrem-se: sem dons ou poderes, certo?

A pequena garota ruiva, parecida com uma fada saltitante, caminhou até o centro do jardim, sendo seguida por Ethan, que parecia um cavalo de guerra.

– É brincadeira, certo? - Perguntei a Aaron, que estava sentado ao meu lado. - Mesmo que ela se cure com a velocidade de um licantropo, ele vai matá-la!

Aaron sorriu de uma forma que me deu vontade de morder suas bochechas.

Ok, Lunna, se acalme. Você é um licantropo, não uma canibal.

– Confie em mim, Lunnie, se ela fosse morrer, ela saberia.

– Sabe, eu realmente odeio quando você diz essas coisas sem sentido. Você sabe que não esclarece nada, certo?

– Tem razão. - Ele suspirou. - O fato é que Eccho não é licantropo. Ela é uma banshee.

– Realmente. Agora eu entendi tudo.

– Veja, Lorena não é exatamente um licantropo e seu sangue falou mais alto em Eccho e Janna. Assim, Eccho nasceu uma banshee. As histórias antigas dizem que é basicamente um espírito feminino que anuncia as mortes. Ah, eles vão começar. Isso vai ser ótimo. Aqui, pegue um copo de suco.

Olhei para os primos de Aaron e vi Eccho em uma posição defensiva. Ethan, conforme o esperado, atacou primeiro. Ele tentou chutar na altura da barriga dela mas ela saltou e rodou no ar, desviando com perfeição.

O pé de Ethan continuou o movimento, fazendo-o se desequilibrar um pouco ao não atingir nada.

Eccho saltou de novo e apoiou cada mão em um dos ombros de Ethan, de onde pegou impulso e se lançou ainda mais alto, apenas para cair com ambos os pés no peito de Ethan.

Foi surpreendente ver uma garota tão pequena derrubar um cara tão grande em tão pouco tempo.

Mas ele nem parecia estar se esforçando de verdade.

Enquanto ele tentava se levantar, ela girou a perna e bateu o pé com força em sua nuca. Muita força.

William anunciou sua vitória imediatamente.

Ela puxou Ethan, ajudando-o a ficar de pé. Ele agradeceu e esfregou a nuca.

Eles estavam caminhando de volta para suas respectivas cadeiras de plástico quando Eccho parou e franziu o cenho. Ela olhou para os lados, confusa, como se estivesse procurando por alguém.

Ela disse algumas palavras, tão baixo que nem mesmo meus ouvidos lupinos foram capazes de ouvir.

– Tampem os ouvidos! Agora! - Aaron gritou.

Apesar do aviso, eu hesitei. Vi todos tampando os ouvidos com ambas as mãos, até mesmo meus irmãos, mas demorei para fazer o mesmo. Senti duas mãos sendo posicionadas sobre minhas orelhas.

Eccho abriu a boca e gritou. Ela gritou tão alto que a jarra de água que Theresa deixara na mesa do jardim estourou, com pedaços de vidro atingindo Katherine.

Eu instintivamente coloquei as mãos sobre as que já estavam em minhas orelhas. Os pássaros voaram, assustados, e eu podia sentir o grito penetrando em meu ossos, fazendo-os vibrar.

Quando acabou, ela caiu de joelhos.

Agora eu entendia seu nome. Eccho. Parecia que ela ainda estava gritando em minha mente.

As mãos saíram de minhas orelhas e eu me virei para seu dono. Havia um fio de sangue escorrendo por cada orelha de Aaron.

Imediatamente tentei limpar o sangue, desesperada e pedindo desculpas.

– Está tudo bem, Lunnie. Eu não consigo ouvir nada. Mas já começou a curar.

As lágrimas escorrerem quentes até minha boca. Elas eram salgadas e merecidas. Eu não deveria ter hesitado.

– Vai acontecer de novo. - Janna gritou.

Dessa vez eu tampei os ouvidos de Aaron, instintivamente, e ele fez o mesmo por mim. Ficamos ali, nos encarando, enquanto a prima dele gritava inumanamente.

Aaron tinha olhos lindos.

Assim que ela acabou o segundo grito, Ethan ajudou-a a se levantar. Aaron e eu nos soltamos.

– Quem? - Ethan perguntou, segurando-a pelos ombros. - Eccho! Quem?!

– Pare de gritar com ela! - Eu disse, dando um passo a frente.

– Lunna, ele precisa. - Aaron segurara meu braço. - Precisamos saber quem está para morrer.

A voz de Eccho saiu como um sussurro, fazedo cada pelo do meu corpo se arrepiar. Ela olhou para a cerca branca ao redor da propriedade.

– Derek e Cora.

– Lunna! - Era a voz de Maeve. - Lunna!

Maeve e Astryd estavam em posição fetal, segurando as cabeças como se elas fossem rolar para fora de seus pescoços. As visões.

Me ajoelhei ao lado delas, tentando entender o que se passava.

– As possibilidades. - Astryd tentou explicar. - Muitas possibidades.

– Respirem. Vocês vão ficar bem. Já passaram por isso antes, lembram?

– Nunca foi tão ruim. - Maeve explicou. - É como viver dezenas de vidas ao mesmo tempo.

– Para mim, são centenas. - Astryd complementou. - Muitas mortes. Muitas possibilidades.

Claro. Astryd via as possibilidades ruins, por isso estava tendo mais visões.
Elas respiraram lentamente, fecharam os olhos e ficaram paradas por um tempo. Quando as visões acabaram, elas se levantaram.

– Vocês precisam ir. - Disse Maeve.

– Mas tomem cuidado. - Astryd enunciou. - Principalmente você, Janna.

A garota ruiva assentiu e começou a mexer em sua mochila, que ela parecia carregar para todos os lados.

William farejou o ar.

– Nômades. - Ele disse.

– Todo mundo com menos de quatorze anos, para dentro, agora. - Theresa anunciou. - Código amarelo.

No segundo em que ela acabou de dizer essas palavras, Meghan, Edwin, Scott, Maeve, Astryd e Lizzie correram para dentro atrás dela.

Janna tirou duas espadas de sua mochila, tão longas quanto seus braços.

– Eccho! - Ela gritou, enquanto atirava as armas para a irmã.

Eccho se soltou de Ethan, repentinamente recuperada de seu choque, e pegou as espadas no ar. Janna pegou duas adagas de dentro da mesma mochila. Eu precisava descobir como ela guardava tudo isso dentro da bolsa.

Eccho saiu correndo e nenhum deles sequer pensou duas vezes antes de seguí-la. Kylle e Khyra pararam ao meu lado, perguntando silenciosamente o que deveriam fazer.

– Nós vamos até lá, mas, se eu mandar, vocês fogem. Nem sequer olhem para trás. Entenderam?

Ambos assentiram e nós saltamos sobre a cerca, indo atrás da família de Aaron que penetrara na floresta.

Corremos até o meio da floresta, e, mesmo sem ter se transformado, Khyra era mais rápida do que todos. Ela sempre foi.

Quando Kylle e eu os alcançamos eles estavam parados, aguardando silenciosamente.

Eccho estava com os olhos fechados, respirando lentamente.

– É aqui. - Sua voz ainda não passava de um sussurro.

Meu primeiro pensamento foi que ela estava errada. O segundo foi que eu deveria parar de pensar.

O rugido atravessou minha espinha e eu não saberia dizer de onde ele veio.

Um corpo foi arremessado de uma árvore e, com reflexos impecáveis, Isaac o agarrou antes de tocar o chão.

Demorei para reconhecer Cora. Seus cabelos negros estavam amarrados em um rabo e sangue escorria de sua testa até pingar do queixo. O arco se quebrara na queda, mas a aljava ainda tinnha algumas flechas. As roupas negras a tornavam parecida com Katherine. Elas poderiam ser irmãs.

Corri até o lado de Isaac, que apenas encarava silenciosamente o corpo imóvel da garota.

– Cora! Coraline! - Falei, enquanto tentava, inutilmente, limpar o sangue de seu rosto.

Eu sabia que era inútil. Eu poderia chamar e limpar o quanto eu quisesse, mas ela não se moveria. Cora era humana e humanos são frágeis. Sua pele pálida e seus batimentos fracos revelavam o que eu me recusava a aceitar: ela estaria morta em segundos.

– Licença, Lunna.

Aaron me empurrou para o lado - de uma forma nada gentil - e colocou uma mão sobre a testa dela.

Assisti, chocada, o corte se fechar aos poucos, deixando nada além do sangue, que já começava a secar. Ele colocou a outra mão sobre a barriga dela, onde o tecido de sua blusa também estava empapado de sangue.

Os batimentos dela estavam estáveis.

– Isaac, leve-a para casa. - Aaron mandou. - Ela deve acordar em algumas horas e é melhor que ela não esteja sozinha. Certifique-se de mantê-la deitada.

Isaac não aguardou por uma segunda ordem, ele apenas saiu correndo, com Cora em seus braços.

Continuamos olhando ao redor, procurando qualquer sinal de Derek. Mas não foi ele que nós encontramos.

O lobo cinzento saltou na direção de Janna e vi Katherine se preparar para impedí-lo, com os dentes e as garras à mostra.

Ela nem sequer precisou se mover. Janna enfiou uma adaga no céu da boca do lobo e, em seguida, cortou a barriga dele, de fora a fora, com a outra.

O sangue praticamente esguichou nela.

Quando o cadáver caiu no chão eu não olhava mais para um lobo, mas sim para uma mulher mal vestida, com cabelos tão longos que eram quase maior do que ela.

Licantropa.

Ouvi alguém gritando. Não. Não alguém. Derek.

– Podem vir! Eu vou acabar com vocês!

Ninguém mais parecia ouví-lo.

– Kylle. Khyra. Fiquem a salvo. - Pedi.

Eu não sei porque fui atrás dele. Talvez para acabar de uma vez com aquilo ou, porque eu me importava. Eu me importava com Dereck e com sua irmã, apesar de ele ter tentado me matar.

Saí enquanto todos estavam ocupados, falando e gesticulando em direção a mulher, decidindo o que fazer com o corpo.

Cheguei a tempo de vê-lo arrancar uma pata do lobo amarelo que tinha uma flecha presa nas costas. Derek tinha um machado impressionante e parecia saber muito bem como usá-lo.

O segundo lobo, marrom e muito maior, pulou na direção dele e eu agi instintivamente, por puro reflexo.

Eu não costumava expor minha garras e presas propositalmente. Eu geralmente as guardava para a caça.

Mas naquele momento elas eram necessárias, e não apenas uma escolha.

Me joguei no lobo, mordendo seu pescoço com o máximo de forca que consegui. O impacto nos jogou no chão e deixou Derek livre para lidar com o outro. Eu estava preparada para sua reação - tentar me derrubar - e enfiei as garras nas laterais de seu corpo.

Usei todo o peso do meu corpo para derrubá-lo para trás. Me soltei e rolei para o lado um centésimo de segundo antes de o corpo dele me esmagar.

Me coloquei de pé e, usando ambas as mãos e meus próprios dentes, cortei fibra por fibra de seu pescoço.

Eu já caçara animais maiores e, naquele momento, eu senti minha humanidade ir embora, lentamente, escapando pelos meus dedos como areia.

Não havia nada além de mim e do lobo.

Eu soube em qual momento, exatamente, ele morreu. Parei de cortar e fatiar e fiquei parada, encarando o corpo do homem à minha frente.

Sua garganta mal existia e o sangue cobria todo o seu corpo em uma imagem quase poética de músculos e ossos expostos.

– Lunna? Está tudo bem. Já acabou. Vem aqui, vem.

Derek estava falando comigo como se eu fosse um bebê. Ou um monstro.

Ao seu lado, o corpo de uma mulher estava com a barriga aberta, expondo os órgãos internos. Tenho quase certeza de que o braço dela estava em um ângulo humanamente impossível.

Eu me levantei e silenciosamente caminhei até ele, sem parar de encarar o corpo. O corpo que eu matara.

Não era a primeira vez que isso acontecia. Eu saía de controle e machucava as pessoas.

– Me desculpe. - Eu disse, sem saber ao certo para quem ou por que motivo eu estava me desculpando.

– Você salvou minha vida, Lunna. Está tudo bem. Venha aqui.

Derek me abraçou. Era diferente de abraçar Isaac. Era... Consolador. Provavelmente a primeira vez que alguém me abraçou para me ajudar, e não o contrário.

Ele tinha cheiro de desodorante e sua pele estava pelando por causa do exercício e do esforço.

– Eu preciso ir atrás de Cora. Eu acho que ela...

Ele não completou a frase. Seus braços caíram ao redor de seu corpo e eu vi lágrimas silenciosas descerem por seu rosto.

– Ela está bem. Isaac e Aaron a salvaram. Ela esta na casa de Aaron.

Dessa vez, o abraço foi diferente. Ele me rodou no ar e, preciso admitir, foi divertido.

– Lunna! - Aaron me alcançara, e, atrás dele, toda a sua família.

A cena toda parecera durar horas, mas foram apenas poucos minutos. Todos pararam, olhando chocados para nós. Até mesmo Khyra parecia espantada.

– Lunna. Você está bem?

– Eu estou ótima, Katherine. - Tentei manter a calma. - Por quê?

– Bem, você está coberta de sangue. Os dois estão, na verdade.

Olhei para meu uniforme negro, completamente empapado de sangue.

– Não é nosso. É do Nômade. Lunna me salvou.

– Não é para tanto. - Respondi.

Só então comecei a sentir o gosto do sangue. Meu queixo e minha boca estavam cobertos dele.

– É sim. - Inesperadamente, quem falou foi Eccho. - Você conseguiu. Impediu a morte dele. Sua irmã está em casa, Derek. Pode vir buscá-la.

No fim, nós enterramos os três corpos sem dizer uma palavra. Janna me emprestou uma toalha - retirada de sua mochila que parecia não ter fundo - e eu pude me limpar precariamente.

Eccho, Janna e Lorelay colocaram um pó roxo dentro da boca dos cadáveres e espalharam o mesmo pó dentro do túmulo.

Os corpos assumiram suas formas licantropas e Derek cavou um círculo redor do túmulo que foi recheado com plantas - wolfsbane, segundo Alec.

Caminhamos de volta para o jardim como de nada tivesse acontecido, embora eu, Janna e Derek estivéssemos cobertos de sangue.

– Eu vou entrar e avisar as crianças de que o perigo já acabou. Eu preciso beber alguma coisa - Disse Eccho.

– Eu vou ajudá-la e procurar por Isaac e Cora. - Ethan se ofereceu. - É uma casa enorme. Venha conosco, Derek.

Eles entraram, seguindo Eccho.

– Ãh... Acho que vou entrar e tomar um banho. - Anunciei.

– Ainda não. Nós ainda não te testamos e essa era, basicamente, a maior prioridade do dia. - Disse William. - Então, vamos começar para acabar logo. Mas não se preocupe, Lunna, vamos ajudá-la. Confie em nós.

Eu confiava em Aaron. Confiava em Theresa. Confiava em Isaac. Até por Katherine e os gemêos eu tinha uma certa simpatia. Mas não confiava em William.

Eu estava prestes a exteriorizar esse pensamento quando tudo ficou escuro.

Simples assim. Em um momento eu estava no jardim, com o sol brilhando sobre minha cabeça. No momento seguinte não havia mais nada.

– Lunna? Isso é apenas a Katherine. Entendeu? - Era a voz de Aaron. - Queremos apenas testar sua perceptilidade.

Oh não. Aquilo era ruim. Péssimo.

A adrenalina de matar alguém ainda estava no meu corpo e eu estava à flor da pele.

– Katherine! - Gritei. - Eu não estou ponta para isso!

Ouvi Meghan gritar com alguém e então, gritar por mim. Ela saíra rápido do esconderijo, aparentemente. Alguém havia suspendido-a. Ethan ou Dylan, provavelmente. Mas não havia como eu vê-la para ter certeza.

Senti as emoções de Meghan passando sob minha pele, se espalhando por minhas veias. Me ver coberta de sangue estava assustando-a. Confusão e medo, somados ao meu recém adquirido estresse.

O ar rodopiou levemente ao meu redor e ouvi Meghan murmurar algo. Duas palavras que, juntas, atingiram com força meu psicológico.

"Essa não."

Havia começado. A corrente de ar se tornou mais forte, meus cabelos chicotearam contra meu rosto. O desespero de Meghan se prendeu à mim, e eu precisava desesperadamente ajudá-la. Eu era feita de confusão e medo e não poder enxergar estava piorando muito as coisas.

De repente, eu sei onde ela está. Não posso vê-la, mas posso ouví-la e cheirá-la. Sentí-la. Minha loba está gritando em minha mente, abafando meus próprios pensamentos.

"Salve-a!" "Mate-os!" "Proteja a SUA alcatéia!"

Minhas presas perfuram meus lábios, o gosto metálico do sangue preenchendo meus sentidos. Minhas garras estão expostas, cada centímetro coberto com meu próprio sangue, enquanto aperto as palmas de minhas mãos em uma tentativa inútil de contenção. Aaron diz algo à distância, mas não consigo ouvir. Não ouço nada além de Meghan e do chão que treme sob meus pés.

As ondas de poder correm pelos meus músculos, implorando por isso. Pela libertação. Mas eu me contenho. Tento me lembrar de que está tudo bem. Que eu confio neles e que Meghan não está em perigo de verdade. Eu não estou realmente em desespero. São apenas os dons dela, tento me lembrar. Ela apenas não consegue controlá-los. Como eu.

Inspiro e expiro. Inspiro e expiro. William me pediu para mostrar meus poderes. Aaron, Issac e até Tessa esperam por isso. Todos eles. Menos meus irmãos. Eles não querem que eu mova um músculo. Eles sabem que eu jamais os machucaria propositalmente. O problema é o que posso fazer por acidente.

Não é da família de Aaron que ela está com medo. É de mim.

Me pergunto quanto tempo Kylle levará para agir e se já será tarde demais. Tento gritar seu nome, mas não sei se obtive qualquer sucesso.

Meu grito, praticamente desumano, chega aos meus ouvidos e apenas assusta mais Meghan. Sinto-a se contorcer e chorar baixinho. Ela esá com mais medo de mim do que de seu captor, que já deve tê-la libertado.

Me lembro do corpo. Do licantropo que eu matei. Me lembro de Margaret. De Meghan pequena, enrolada em seu cobertor rosa e velho. E essa é a gota d'água.

Vou matá-los, digo a mim mesma.

Não é o que quero fazer mas é o que nasci para fazer. Matar. Destruir.

Ouço a batida acelerada de meu coração e me pergunto se Aaron irá me perdoar por destruir sua família. Me pergunto se ele sobreviverá.

As lágrimas se misturam ao sangue em minha boca.

– Pare, Lunna. Não faça isso.

É a voz de Kylle.

De uma vez, o poder se vai. Cada gota saindo do meu corpo. Ouço vozes diversas e tento me equilibrar, mas minhas pernas são feitas de gelatina. Eu preciso me focar. Preciso me acalmar. Estou com os joelhos no chão.

Kylle está ao meu lado. Ele passa meu braço sobre seus ombros e me guia. Há outra pessoa me apoiando, mas não sei dizer quem é. Tudo o que sei é que preciso correr. Eu preciso. Me solto de Kylle, sem deixá-lo pensar, e corro.

Corro para a liberdade. Para a redenção. Corro para não machucar ninguém. Corro como corri poucas vezes. Corro até meus passos se confundirem e meus pulmões arderem em brasa. Até pensar que vou morrer de exaustão.

Então, como uma bala, a adrenalina me atinge, sendo bombeada por todo meu corpo. Correndo pelas minhas veias.

Ouço vozes distantes e tento me concentrar para entender. Mas não posso. Não há nada além de mim, da terra e das árvores. Meus sentidos se ampliam e sinto o cheiro de Khyra, misturado ao da terra, além de um cheiro que já se tornou familiar. Aaron.

Tento parar, mas não posso. Não quero.

As árvores não passam de borrões mas não perco tempo pensando em como desviá-las. Eu apenas faço. Sinto a terra sob meus pés, impulsionando-me, guiando-me para a liberdade.

Há um pequeno precipício logo a frente, e, vários metros abaixo dele, um córrego consideravelmente largo.

Não penso em reduzir. Minhas pernas estão ligadas ao meu coração, e não ao meu cérebro. Ainda sinto o gosto do sangue em minha boca. Se do licantropo ou meu, não sei dizer.

Acelero, todas as minhas forças estão concentradas em atravessar aquele obstáculo. Em vencer ao menos aquilo. Em ser livre.

No exato momento em que salto, percebo meu erro.

Entre o medo e o desespero, deixei minha loba falar mais alto. Seu instinto de sobrevivência e liberdade me dominara. Agora, liberta, ouço-a uivar enquanto rasga seu caminho para fora de mim.

Quando atinjo o chão do outro lado, o pêlo negro reveste meu corpo e a sensação de ter uma cauda não me é familiar. Mas não estou preparada para parar. Me viro, olhando para trás rapidamente, e os vejo. Lobos.

Cinzentos, marrons, amarelos e até alaranjados. Alguns são bem maiores do que outros, mas apenas quatro deles se destacam em tamanho.

Foi um erro olhar para trás. Eu precisava manter a vantagem. Me viro para correr antes que eles me alcancem. Não quero voltar nunca.

Algo está em meu caminho. Ela é loira e pequena para a idade. Sua pele é tão branca que quase dói olhar para ela com meus olhos lupinos. Khyra.

Ela segura uma barra de metal e parece determinada. Apesar de sua postura desafiadora, ela cheira à medo e ansiedade.

Me lembro de carregá-la nas costas, quando era menor e ainda mais leve. Me lembro de seus cabelos formando um leque branco sobre a cama. Sua felicidade quando ganhou as lentes de contato. A primeira vez que quebrou o braço e eu precisei colocá-lo no lugar para curar apropriadamente. Me lembro dela aprendendo a andar e me lembro do medo que vi em seu rosto enquanto fugíamos.

Eu a amo tanto. Preciso protegê-la do mundo. De mim.

– Lunna. - Sua voz é suave e firme, contrariando suas lágrimas. - Está tudo bem. Você não machucou ninguém dessa vez. Vamos voltar para casa, ok?

Casa. Ela já chamava aquele lugar de casa. Theresa cuidaria deles, com certeza. Era o sonho dela: filhos, crianças, para amar e cuidar. Eles não precisavam de mim. Eu poderia ir. Nunca mais os colocaria em perigo.

Casa. Isaac dissera que casa é onde as pessoas que você ama estão. Ele estava errado. Eu amava meus irmãos, mas eu não tinha uma casa. Nunca tive.

Eles não precisavam de mim. Eles tinham sua própria casa agora.

– Precisamos de você sim. - Khyra continuou. - Você é mais do que nossa irmã e sabe disso. Não agüentaríamos perder você também.

Eu errei. Nunca devería ter feito aquilo. Deveria tê-los deixado lá.

– Lunna. - Sua voz estava ainda mais firme. - Você nos salvou. Foi uma mãe muito melhor do que todas elas. Nós te amamos, Lunna.- Ela esticou a mão. - Vamos embora. Vamos para casa.

Mas eu não sabia como. Não sabia como voltar ao normal. Eu só queria que eles ficassem bem, em segurança. Queria que tivessem vidas longas, felizes e normais. Mas eu só poderia dar-lhes isso se os deixasse.

Margaret costumava dizer que coragem vem do latim, coraticum. Significa agir com o coração. Significa que você precisa ser corajoso e fazer o que for preciso pelas pessoas que ama. Mesmo que isso signifique nunca mais vê-los.

Um enorme lobo cinza de olhos azuis caiu graciosamente ao meu lado.

E, novamente, eu corri. Eu só precisava continuar correndo. Eles desistiriam e voltaríam para casa. Eles estaríam bem, e seguros.

Mas Khyra foi mais rápida. Em um movimento preciso, ela me acertou com a barra de ferro entre as orelhas, tão forte que fiquei momentaneamente tonta. Mas aquilo não me pararia e ela sabia disso.

Minha irmã saltou enquanto movia a barra para baixo. Logo ela estava sentada sobre meu pescoço. Ela colocou a barra por baixo do meu pescoço e segurou com uma mão de cada lado. Eu poderia me livrar em segundos, mas não sem machucá-la. E a pequena garota loira sabia muito bem disso.

Cedendo, eu me deitei, tampando o focinho com as patas. Focinho. Eu tinha um focinho. Isso era tão errado. O que eu fiz para merecer ser esse monstro?

Demorei para perceber que aquele som agudo e angustiante estava saindo de mim. Não estava chorando. Estava lamentando. Tão alto que Khyra se encolheu em minhas costas. Senti-a acariciar meu pelo e sussurrar palavras de apoio. Palavras que eu precisava mas não estava disposta a aceitar.

Senti um focinho gelado tocar minha testa. Eu estava cercada pelos outros lobos e não conseguia me concentrar o bastante para saber quem eram eles. O lobo cinzento que estava ao meu lado foi o primeiro a uivar. Logo, um a um, todos o seguiram, uivando alto e sonoramente. Khyra desceu, tampando os ouvidos com as duas mãos, fazendo careta e sorrindo. Sorrindo. Ela estava sorrindo.

Seus sorrisos eram tão raros.

Eu fui a última a uivar. Foi libertador. Permenecemos assim por alguns minutos e minha pobre irmã pareceu aceitar o som. Ela fez um som de nojo quando Kylle lambeu-a. Ah sim. Aquele era Kylle. E o grande lobo amarelo era Aaron. Eu já os vira assim antes.

Um a um, eles voltaram ao normal, seus uniformes intactos. O lobo cinza lentamente adiquiriu feições mais familiares. Isaac.

– Respira, carinha. Basta respirar e se acalmar. Concentre-se em sua humanidade. No que te torna humano. - Eu podia ouvir a voz de Ethan. Ou Dylan.

Peguei o conselho para mim mesma e tentei voltar ao normal. Fracassei miseravelmente. Ver Kylle voltar a forma humana apenas me deixou mais ansiosa. Todos estavam em pé, me encarando com expectativa.

Mas eu não tinha absolutamente a mínima idéia do que fazer para voltar ao normal.


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