Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 61
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Aqui está finalmente o ultimo capítulo de mais uma história concluída com sucesso. Nada se compara a satisfação que eu sinto em poder concluir algo que eu gosto tanto de fazer que é escrever. Mais pra mim mesma do que pra qualquer outra pessoa. Só que sem vocês, leitores, sendo milhares ou apenas dois, nada disso seria possível. Por isso, é muito mais que justo agradecer a todos que chegaram até aqui comigo e que de alguma forma sinto que estão ao meu lado mesmo que eu não possa vê-los. Obrigada de todo coração! Vocês são especiais e precisam saber disso. Dedico esse capítulo a todos vocês e obrigada pela recomendação CarolinaG. É linda! Espero que gostem, eu dei o meu melhor e posso garantir que fiquei satisfeita com o resultado. Não é nada fácil tentar passar para vocês, em palavras, um sentimento tão grandioso e intenso que é amar e se amado. Mas vamos lá! É a hora da despedida :(



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DEZ ANOS DEPOIS

Acordei aquela manhã bem cedinho, tentando não fazer barulho para não acorda-las. Levantei-me, tomei um banho morno, me vesti para o trabalho e peguei minha bolsa transversal de couro marrom escuro que ganhei de presente de aniversário no ano passado.

Eu sempre era o primeiro a acordar, pois dava aula logo cedo na faculdade onde estudei por quatro anos. É uma segunda-feira de manhã e por mais que eu saiba que não posso me atrasar, simplesmente não consigo tirar meus olhos delas: as três mulheres da minha vida.

Nossa cama é grande, espaçosa e cabe todo mundo. Na madrugada, Edith, nossa filha mais nova, teve pesadelos, chorou tão alto de medo, que precisei ir até o quarto dela e traze-la para dormir com a gente. A Liz, que costuma ser bem ciumenta e apegada, não ficou por menos e não demorou muito para ela também aparecer no nosso quarto, com seu cobertor e seu ursinho de pelúcia, com aquela carinha fofa de sono, pedindo para se juntar a nós.

As duas ficarem entre eu e a Clarissa.

Pegamos no sono os quatro na mesma cama.

Edith nasceu há um ano e meio atrás. Ela é bem parecida com a Clarissa, os cabelos finos, castanho-claro e ondulados. Seus olhos são pretos como dois abismos iluminados. Ela é uma criança esperta, alegre, que raramente dá trabalho, carinhosa, e manhosa também. O que me lembra muito a Liz quando era da mesma idade.

Hoje a Liz tem onze anos, os cabelos continuam de um tom castanho-claro, os olhos duas grandes bolas azuis, as bochechas rosas, ela é alta e tem o corpo delineado como o da mãe. Assim como a mãe, a Liz também adquiriu talentos artístico com o tempo. Ela faz Jazz, toca piano e violino. Sem contar que adora desenhar.

De quinze em quinze dias ela vai visitar a mãe, na cidade vizinha, que ainda está morando com o Augusto. Os dois se casaram cedo e dois anos depois tiveram filhos gêmeos, Tiago e Filipe. A Liz adora os irmãos, apesar de serem mais novos. Mas ainda assim ela prefere ficar em casa, pois sabe que aqui é bastante mimada não só por mim como também pela Clarissa, que ela também chama de mãe.

A Liz costuma dizer para as amiguinhas que é a garota mais sortuda do mundo por ter duas mães. E eu definitivamente concordo com ela.

Na escola ela é uma boa aluna. Quando chega em casa, nós sempre nos sentamos juntos para fazer os deveres de casa. Só depois que ela vai usar o computador, ler no jardim, brincar como qualquer criança da sua idade ou fazer suas obrigações. A Liz está naquela fase em que você se sente um máximo por estar cada vez mais próximo de se tornar um adolescente. Aquela fase de transição. No início eu me preocupei bastante, afinal, ela já não era mais a minha menininha. Seu corpo estava amadurecendo assim como seus pensamentos. Ela já estava começando a viver suas primeiras paixões e desilusões amorosas, onde é tudo ou nada. Mas com o passar do tempo, eu senti que podia confiar nela, porque ela não é como as outras garotas da sua idade. Ela é bem mais madura, com o pé no chão, é verdadeira e leal. Ela gosta muito de conversar, contar a verdade e ser sincera.

A Edith, apesar de ser muito novinha, já mostra os primeiros sinais de sua futura personalidade. Ela é mais tímida, mais calada, discreta como a mãe e só se solta para valer depois de se sentir à vontade. Ela já está indo pra creche, adora visitar os avós, é louca por animais e tem uma paixão fora do comum pelos padrinhos: Marina e Miguel.

Edith foi um dos melhores presentes que eu já ganhei na vida.

A gravidez da Clarissa foi super complicada. E olha que a gente planejou cada detalhe. E foi um alivio, não só para nós, como também para todo mundo, quando finalmente a Edith nasceu forte e saudável como uma criança normal. Ela é muito amada por todos e cercada de atenções.

Olhando agora pra elas, sei que são tudo pra mim. As três debruçadas sobre a cama, com o lençol branco e fino cobrindo cada uma delas. Edith está encostada na mãe e a Liz segurando a mão da Clarissa. A Clarissa ainda é baixa e os cabelos dourados mais curtos que alguns anos atrás. As três em um sono profundo e tranquilo. Os primeiros raios solares entrando pelas frestas das persianas e iluminando o quarto. Dá vontade de jogar tudo para o alto e voltar correndo pra perto delas e ficar ali, pelos próximos cem anos, aproveitando ao máximo aquela sensação de que está tudo completo, não falta nada, é tudo que preciso.

Dou um beijinho em cada uma delas, coisa rápida, sem me demorar muito para não acorda-las. Elas não precisam acordar tão cedo quanto eu. Apesar de que, olhando as horas no relógio, daqui meia hora o despertador vai tocar, as seis horas. A Clarissa será a primeira acordar para desertar a Liz para se arrumar para ir ao colégio.

Desço as escadas, passo pela sala de estar onde tem alguns brinquedos da Edith largados sobre um dos sofás, pego uma maça na fruteira da cozinha, escreve um bilhete rápido para a Clarissa e saio pelas portas dos fundos, pela garagem, onde o meu carro está estacionado ao lado do carro da Clarissa.

Lembro-me como se fosse ontem, o dia em que a Clarissa se despediu da cidade, de todos nós, de mim, para viajar mundo a fora. Foi tão difícil aceitar a ideia de que viveríamos um ano longe um do outro, que levou um bom tempo para me adaptar à nova realidade. Mas não foi tão difícil como da primeira vez que praticamente fomos forçados a isso. Foi para o próprio bem dela e isso eu conseguia entender muito bem.

Com o início das aulas na faculdade minha mente foi ocupada com novas coisas e todas as novidades de uma nova etapa da minha vida. Mas não importava o que eu estivesse fazendo, onde estivesse fazendo ou como quem eu estava, estava sempre pensando na Clarissa, imaginando onde ela estaria, o que fazia, se sentia a minha falta tanto quanto eu sentia a dela.

Eu amei o curso de Letras desde as primeiras semanas e me entreguei inteiramente a aquilo. Como único e principal foco. Mas a melhor parte dos meus dias, era quando eu chegava em casa depois de um longo dia de aprendizado ou da exaustação do meu trabalho e podia falar com ela. Além dos telefonemas, criamos o habito de escrever e-mails um para o outro e nos ver pelo Skype. Tinha a diferença de fuso horário e as vezes isso era um problema. As ligações também saiam caras e tentávamos várias possibilidades ao longo dos 365 dias em que se passaram. Só não podíamos ficar sem nos falar, isso não.

De fato um ano passou depressa, como ela disse que aconteceria.

Algumas vezes passava mais depressa que outras. Por exemplo, se eu tinha trabalho para fazer, provas para estudar, matéria para pôr em dia, compromissos com meus amigos, tempo com a minha filha e família: passava mesmo depressa. Mas quando não havia muito o que fazer, ou eu estava muito preocupado com alguma prova, entediado no trabalho ou o único sem uma namorada presente... As horas passavam devagar.

Eu sentia falta da Clarissa todo o tempo, todas as horas e todos os dias. Não houve um se quer dia que eu sentia menos saudade. A saudade só ia aumentando, mesmo que o tempo da distância diminuísse. Quando eu via casais pela faculdade, praças, calçadas,namorando eu me perguntava porque com a gente não podia ser tão menos complicado. Ou quando saia com os amigos e eu o único sobrando entre eles, eu só conseguia pensar em uma pessoa. Não preciso nem dizer que fiquei um ano sem ficar com mais ninguém, apenas esperando por ela. Nem por um momento essa possibilidade passou pela minha cabeça. Eu só desejava uma pessoa naquele momento, e era ela, estava distante, mas voltaria.

Claro que houve momentos em que algumas colegas da faculdade me viam sozinho, por baixo e solitário, tentavam uma aproximação, puxar conversar, criar intimidade. Mas eu nunca permitia que aquilo fosse longe demais, sentia como se fosse uma espécie de traição.

A Clarissa também garantia não estar com ninguém e eu confiava nela. Colocaria minha mão no fogo por ela.

Quando ela voltou de viagem senti que foi um dos dias mais felizes da minha vida, quando eu pude finalmente senti-la em meus braços outra vez. Eu não a larguei por uma semana inteirinha, queria matar a saudade de todas as formas. Tendo ela só pra mim.

A Clarissa voltou renovada da viagem, mais segura de si, confiante, alto-astral, experiente, cheias de histórias pra contar e fotos para mostrar, até trouxe presentinhos. E quando eu perguntei a ela se ela tinha achado o que tanto procurava ela me respondeu da seguinte forma:

― Eu não precisei procurar. Tudo que eu preciso estar aqui, no Brasil, em São Paulo, na nossa cidade. Tudo que eu preciso, é você.

Eu sei que ela só disse aquilo para elevar o meu ego e funcionou. Por um lado, estava falando a verdade, estava sendo sincera de todo o coração. Por outro lado, ela encontrou sim o que procurava, mesmo lá fora. Ela voltou certa do que queria para o futuro além de querer compartilha-lo comigo: ela queria ter um negócio próprio. Ela se especializou em Gastronomia. Descobriu que aquela era sua paixão.

Atualmente, após ter me formado, eu dou aulas de português, assim como a minha mãe. Consegui o emprego de professor na faculdade antes mesmo de me formar. Eu fui tão bom aluno, tão aplicado e determinado que logo reconheceram o meu talento. Diziam que eu dava aula diferente dos outros professores, diziam que eu já havia nascido com o dom de fazer com que os alunos se interessassem pela matéria através das formas diferenciadas que eu planejava as aulas.

Ganhei um estágio e com o tempo fui efetivado.

A Clarissa por sua vez, abriu seu próprio negócio dois anos depois que ela voltou de viajem. No início teve muita a ajuda do pai, o Vicente, e o seu apoio. Abriu um restaurante no centro da cidade, mas não um restaurante qualquer. Um restaurante especializado em pratos estrangeiros, tudo que ela aprendeu fora ela trouxe pra cá. E como a cidade é pequena e tradicional, foi uma novidade bombástica para todos, que logo se apaixonaram por suas especiarias e começaram a frequentar o restaurante, rendendo bons lucros para ela.

Um ano depois da inauguração do restaurante nós compramos a nossa casa própria. Um pouco mais afastada do centro, perto da vegetação que cerca a cidade. Um grande lote onde foi erguida a nossa casa, do jeitinho que nós sempre sonhamos. Casamos meio ano depois na igrejinha da cidade, demos uma grande festa no Clube e passamos uma semana em lua de mel no México.

Com quase trinta anos de idade reconheço que eu vivi os melhores momentos da vida que um homem gostaria de poder viver e olha que ainda não terminou. Espero ainda ter muito tempo pela frente e que novos sonhos possam surgir para serem realizados e desafios para serem enfrentados. Que é o que nos mantem vivos, fortes e de pé.

Na adolescência eu tive uma grande paixão que logo se tornou meu primeiro amor verdadeiro, tivemos nossos altos e baixos até podermos ficar juntos, fomos separados pela vida, tivemos que enfrentar nossas dificuldades sozinhos até aprendermos a caminhar sem a ajuda de ninguém, nos reencontramos, realizamos nossos sonhos e hoje, ainda hoje, mesmo depois de tanto tempo, ainda estamos juntos e felizes.

Não é um casamento perfeito, eu nunca esperei que fosse. Mas juntos, acordamos todas as manhãs, determinados a lutar por aquilo que acreditamos, por aquilo que sentimos.

Se há mais de dez anos atrás eu já tinha certeza que amava a Clarissa como nunca amei ninguém, hoje eu tenho absoluta certeza disso.

O tempo vai passar e eu vou continuar acreditando nisso, amanhã muito mais que hoje.

Esse amor me ensinou muitas coisas, me fez ver o mundo de outra forma, com esse amor eu descobri tudo que era preciso, esse amor me renovou, esse amor me deu confiança, me deu determinação. Esse amor me ensinou a lutar, superar, esperar, confiar. Esse amor faz com que eu queira ser melhor todos os dias. Esse amor não me deixa desistir. Esse amor me pede para preserva-lo e protege-lo pelo resto da minha vida, porque sei que sem ele eu não seria metade do que sou.

▬○▬

É uma manhã muito especial.

Acordei, tomei um banho e me arrumei. Acordei a Liz para ela ir ao colégio e desci para prepar o café da manhã. Vi que o Bernardo deixou um bilhete pra mim colado na porta da geladeira com fita adesiva ao lado dos desenhos das meninas que nós ganhamos constantemente. Um lindo poema de Carlos Drummond de Andrade: O amor antigo.

“O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige, nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença. O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza. Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante. Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor. ”

Eu tinha motivos para sorrir o dia todo.

Levei a Liz no colégio e a Edith eu deixei na creche para poder ir trabalhar mais tranquila. O restaurante abre as nove da manhã, todos os dias da semana. Eu tiro folga nos finais de semana, não gosto de sobrecarga. Hoje eu posso tirar folga, mas no início, quando era só eu e dois funcionários eu não tinha muitas opções. Agora é diferente, eu tenho cerca de quinze funcionários, cada um para uma determinada obrigação. E quando eu não estou presente, posso contar com eles para cuidar das coisas por mim. Nós somos uma espécie de família, ali também é o meu lar e eu tento fazer ao máximo para que eles sintam o mesmo.

A Marina me liga assim que eu chego no restaurante. Nós ainda somos melhores amigas, como na adolescência. Ela tem uma novidade: finalmente conseguiu engravidar. E vamos todos comemorar isso mais tarde, a noite, em sua casa. Uma festinha intima entre amigos.

Marina e Miguel também estão juntos até hoje, casados, felizes e finalmente realizados. A única coisa que faltava era um filho. Os dois tentaram muito, de diversas maneiras, mas nunca dava certo. E parece que conseguiram finalmente. É um motivo e tanto para comemorar.

Ela se formou em Relações Públicas, apesar de ter adiado um ano, trancando a matricula, pois precisava de um tempo para respirar e pensar melhor nas coisas. O Miguel não passou na primeira vez em que prestou vestibular, mas ele conseguiu na segunda tentativa e se formou em Publicidade e Propaganda.

Os dois também compraram uma casinha aqui na cidade, perto dos pais. Todos nós somos muito apegados a família.

O Gustavo foi embora para a grande São Paulo, trabalhar em uma das empresas do seu pai. Ele ainda vem pra cá, para o interior, algumas vezes por mês, fazer uma visitinha a todos nós. É como se nunca tivesse saído daqui.

Ele e a Brenda começaram a namorar no ano em que fui viajar para o exterior. O relacionamento foi pra frente, apesar de ter mais baixos do que altos. Ela ficou gravida, os dois tiveram um lindo menino, o Lucas. Os dois até chegaram a se casar, mas em menos de um ano se divorciaram. Os dois tem o espirito muito livre para terem um compromisso tão sério e durador com qualquer pessoa. Os dois fazem mais o tipo que vivem melhor sozinhos, soltos por aí, conhecendo gente nova, se relacionamento com qualquer um, sem compromisso, sem rótulos, sem planos para o futuro. Apenas vivendo. Esse é o lema deles.

Depois do divórcio, a Brenda definitivamente sumiu. O Lucas, filho dos dois, mora com os avós paternos. O garotinho só tem sete anos e chegou à conclusão de que não lhe fazia bem ficar indo e vindo por aí, jogado de um lado para o outro entre o pai e a mãe e resolveu morar com os avós, aqui na cidade mesmo. Ele é um garotinho adorável e se dar muito bem com a Liz. Os dois são amigos.

O Eduardo e a Isabel não estão mais juntos.

O Edu após o segundo ano na faculdade de Economia, desistiu e acabou optando por Engenharia Civil. Na faculdade ele conheceu uma garota muito parecida com ele, o jeitão tímido, discreto, isolado, intelectual, com os mesmos interesses. A Giovana. E os dois ficaram juntos e ainda estão até hoje.

Isabel ficou muito chateada por um longo tempo, eu dei bastante apoio a ela nesse período. Ela acabou perdoando o Edu e os dois ficaram apenas amigos, não tão amigos assim. Mas melhor que eu, o Yuri deu um jeito nisso muito rapidamente. E adivinhem só? Os dois ficaram juntos. Ele veio morar aqui na cidade, para estar com ela. Perceberam que tinham muito mais a ver do que poderiam imaginar. Assim como o Edu e a Giovana, a Isabel e o Yuri formaram o casal ideal.

Ele se formou na mesma faculdade que a mãe, Engenharia Ambiental. Já a Isa ainda hoje não se decidiu quanto a isso. O papai nem espera mais que algum dia ela vá se decidir, ela está trabalhando no ramo da moda e parece gostar do que faz.

O Artur tornou-se medico e faz uns dois anos que ele está fora do país, dando apoio a aqueles países mais necessitados. Que eu saiba ele não tem nenhum relacionamento sério. Sua carreira exige muito dele e ele vive um momento em que sacrifica tudo por amor ao que faz. Ele praticamente se tornou o meu melhor amigo, liga sempre que pode, manda cartas e não deixa de manter contato.

O papai e a Aline com a idade já mais avançada são um casal muito fofo, como sempre foram desde que se casaram. Eles são o exemplo de casamento que todos desejam ter. Os dois são inseparáveis. Ele ainda trabalha na prefeitura e ela no hospital da cidade. Agora com a antiga casa só pra eles, os dois passam muito tempo sozinhos e parecem gostar muito disso, como se sempre tivesse algo a conhecer um pouco mais um do outro.

Meus pais verdadeiros estão por aí, eu nunca sei ao certo. Temos tentando manter contato, pelo menos uma vez por anos, em datas comemorativas. Eu tive muitas oportunidades de conhece-los melhor, mas mesmo depois de tanto tempo ainda sinto que eles são estranhos pra mim e eu pra eles. Acredito que isso nunca vá mudar, pelo menos temos tentado superar todos os anos que perdemos longe um do outro.

Um passo de cada vez.

O dia no restaurante é sempre muito corrido, eu raramente tenho tempo para sentar e respirar. Mas gosto dessa correria, faz parte do meu trabalho. É o que eu gosto de fazer, é o que eu escolhi pra mim e não me arrependo disso nem por um segundo. Aquela viagem me direcionou no caminho certo. E eu pude reconhecer a partir do momento em que comecei a me conhecer melhor.

Conheci tantos lugares no mundo, fiz amigos e ainda hoje as lembranças daquele tempo são frescas em minha mente.

Não há nada que eu mudaria na minha vida.

Apesar de toda a saudade que eu senti de todos, especialmente do Bernardo, um ano longe, só me fez ter a certeza de que ele era o homem certo pra mim, o homem que com todos seus defeitos e qualidades eu estava disposta a compartilhar uma vida ao seu lado.

Ele vive me dizendo que eu lhe dei muitos presentes ao longo dos anos desde que nos conhecemos pelo simples fato de estarmos juntos, mas a verdade é que ele quem me presentou com os dois melhores presentes desse mundo: a nossa filha Edith e a nossa filha Liz.

Sem elas a nossa história não seria tão bonita e tão completa.

Chego em casa aquela noite, tomo um banho gelado e coloco meu melhor vestido, nada de muito extravagante. Solto os cabelos cacheados, passo uma maquiagem leve e me perfumo.

A Liz chegou na escola há um tempão e ela se encarregou de ir pegar a Edith na creche. As duas foram passar a noite na casa dos avós paternos. Me encontraria com o Bernardo na casa da Marina e do Miguel, esperaria por ele lá mesmo. Ele me mandou uma mensagem de texto dizendo que iria se atrasar um pouco, porque antes precisava comprar flores para presentear a Marina e sua gravidez.

Chegando lá, cumprimentei todos os meus amigos presentes: a própria Marina, o meu meio-irmão Miguel, o Edu e a Gi, Isabel e Yuri.

O Gustavo não pode comparecer por causa do trabalho e também porque estamos no meio da semana não tinha como ele largar tudo e vir correndo. O Artur porque está em outro país, também trabalhando. Basicamente só faltou os dois. Estávamos todos ali, tomando vinho, champanhe e beliscando alguns petiscos.

A Marina com seu cabelo curto e a franjinha sobre os olhos estava radiante, ao lado do seu marido, o Miguel, muito emocionada. Muito mais que ela, ele sempre quis ser pai e agora finalmente podia dizer que seria e sem dúvida alguma seria um bom pai.

Quando o Bernardo chegou, sendo o último, foi como se o mundo a minha volta desaparece. Todas as vezes que eu olhava pra ele era como se fosse a primeira vez. Eu suspirava de satisfação, ainda não conseguia acreditar no quanto ele era lindo e só meu. Ele está vestindo um jeans preto, uma camiseta gola V branca sem estampas apertada na parte dos braços e ombros por ele estar mais forte agora e um sapatênis. Os cabelos pretos brilhosos continuam o mesmo, assim como os olhos azuis cor do mar.

Primeiro ele entregou o buquê de rosas para a Marina, que o abraçou agradecida. Os dois sempre foram o exemplo vivo de uma amizade duradora entre um homem e uma mulher sem qualquer tipo de segundas intensões.

Depois, ele falou com o resto do pessoal. E quando finalmente me viu sentada em um canto mais afastado, veio sorrindo até mim, aquele sorriso apaixonante, um canto da boca levantando mais que o outro, os olhos dentro dos meus. Bernardo se inclinou e me beijou nos lábios antes de se sentar ao meu lado, um beijo carinhoso e rápido.

― Eu senti a sua falta o dia inteirinho. – ele sussurrou no meu ouvido, pegando a minha mão para segurar.

Ainda me lembro como, quando e porque eu me apaixonei por ele. Lembro-me que desde o início eu sabia que era um problema, porque eu não sabia o que era amar alguém, assim, com todas as minhas forças. Lembro-me da insistência dele de se aproximar de mim, puxar conversa, ser gentil, mesmo quando eu insistia em ser cruel, fria e ignorante.

Lembro-me de quando ele me convidou para a minha primeira festa, quando saí escondida do papai e o Bernardo e a Marina me acobertaram pela primeira vez, quando eu falei da minha história, eu abri uma parte do meu coração e quando, mesmo sem perceber, algo em mim começou a mudar. Lembro-me de todas as vezes enquanto tentava evitar olhar pra ele, quando eu me perguntava o que era aquilo, aquele sentimento que começava a brotar dentro de mim todas as vezes em que ele chegava perto e eu sentia o corpo todo fraquejar por medo de sentir.

Lembro-me de ter tentando me afastar, quando me dei conta de que aquilo poderia me mudar completamente, lembro-me de ter tentando escapar, de manter certa distância. Lembro-me de que isso não funcionou e que de alguma forma eu o queria por perto, mais do que poderia expressar em palavras. Lembro-me de quando ele me beijou pela primeira vez, o meu primeiro beijo e lembro-me que nenhum beijo depois do dele me fez sentir nada parecido com o que eu sentia quando ele me beijava.

Lembro-me de ter me convencido que o que eu estava começando a sentir me fazia bem e não o contrário. Lembro-me de ter dado uma chance a mim, permitindo-me ser o que eu de alguma forma sempre desejei ser, pois o amor que eu sentia por ele fazia com que eu quisesse ser diferente. Lembro-me dos dias em que começamos a ficar juntos em segredo depois da aula, no colégio. Lembro-me de todas as vezes em que senti as minhas primeiras vezes. Lembro-me de quando as coisas começaram a dar errado e mesmo assim eu não conseguia me imaginar com mais ninguém. Lembro-me de ter o odiado, mesmo quando cada batida do meu coração gritava o quanto o amava. Lembro-me de ter tentando me livrar daquele sentimento indo pra longe e conhecendo outras pessoas. Lembro-me que nada disso funcionou, pois de alguma forma uma grande parte de mim sempre ficava com o Bernardo, independentemente de onde eu estiver ou com quem estivesse. Ele era o dono do meu coração. Ele é o dono do meu coração e eu sempre vou voltar correndo para seus braços.

Ao lado dele é o meu lugar.

― Eu também senti a sua. – digo, encostando a cabeça no ombro dele. ― Pensei em você o dia todo.

É verdade. Todos os dias, durante toda a semana, enquanto estou preparando novos pratos, criando novas receitas, atendendo clientes, supervisionando meus funcionários, uma parte da minha mente pensa no Bernardo, preocupada com ele e curiosa sobre o que ele estaria fazendo, se está bem, se tudo estaria dando certo.

A melhor parte do meu dia é a hora de voltar pra casa apesar de eu gostar muito do que faço, mas nada se compara ao momento em que posso finalmente me reunir com a minha família e estar com eles.

Um pouco antes da meia-noite voltamos para casa. As meninas já estão dormindo em seus respectivos quartos. Minha sogra está cochilando no sofá, com uma revista esquecida sobre o colo. O Bernardo acorda ela com cuidado e a acompanha até em casa. Enquanto isso, vou até o quarto das meninas, ver se está tudo bem. Dou um beijinho em cada uma delas, sussurro o quanto eu amo as duas na mesma intensidade; as cubro com o lençol fino, deixo a janela entreaberta por causa do calor, apago o abajur e fecho a porta, para que elas possam dormir tranquilamente.

No meu quarto, tiro meu vestido, coloco a minha camisola e preparo a cama para ir dormir. O Bernardo chega naquele momento, abraçando-me por trás, afasta meu cabelo e beija meu pescoço.

Ele não é o marido perfeito. Há dias em que ele realmente não acorda bem, como qualquer outra pessoa. Há dias em que ele chega em casa estressado, sobrecarregado, triste e que quer ficar sozinho. Há dias em que ele acorda radiante, feliz, me faz surpresas como nos velhos tempos – hábitos que nunca mudaram - é carinhoso e brinca com as filhas.

Mas ele é o marido ideal pra mim. E isso é tudo.

Com carinho, ele vai abaixando devagarzinho a alça da minha camisola. Seus dedos firmes tocando a minha pele quente. Fecho os olhos saciada com aquela sensação prazerosa que é ter o homem da minha vida me amando como se fosse a nossa primeira vez.

Sinto um arrepio percorrer meu corpo quando seus lábios úmidos tocam a pele sensível do meu pescoço. Viro-me de frente pra ele, encontrando seus olhos azuis direcionados a minha boca. Nós sorrimos ao mesmo tempo e em poucos segundos estamos nos beijando intensamente, nos tocando, nos sentindo, nos amando.

O tipo de amor que até hoje é difícil de definir em palavras, o tipo de amor que até hoje é difícil explicar para as pessoas. Mas que é visível, é transparente e real. O amor que só aumenta ao longo dos anos, até mesmo nos momentos de dificuldade. O meu primeiro e único amor. O que amor que eu quero ter pra sempre comigo ao longo da minha vida enquanto eu viver, desde que ele esteja comigo. Porque sem ele, esse amor não é o mesmo. Sem ele nada é como deveria ser. Sem ele tudo parece sem vida e sem graça. Sem ele eu não sou eu inteiramente. Sem ele nada parece completo. Sem ele eu simplesmente não posso viver.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Por favor, peço que comentem e digam tudo que acharam. Se não ficou bom, se faltou alguma coisa... Digam qualquer coisa! Eu ficarei muito grata só pelo simples fato de saber que você leu até o final. E mais uma vez: obrigada. Espero encontrar vocês na minha próxima história, que já dei inicio. Apesar de ser muito difícil (pelo menos costuma ser) se despedir de alguma coisa, é sempre bom seguir em frente, conhecer coisas novas e poder fazer parte delas. Então, dá uma olhadinha lá, quem sabe vocês possam gostar e acompanhar também. Um grande beijo a todos!