Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 60
Capítulo LVIII


Notas iniciais do capítulo

Finalmente o site voltou! Depois de duas semanas entrando a cada meia hora para ver se já tinha voltado tudo ao normal e cada vez que eu via que não ficava louca. Tão louca que assisti uma infinidade de séries por não ter o que fazer. Mas também tive tempo para adiantar muita coisa! E fica a pergunta: o que seria de nós (ou pelo menos de mim) sem o Nyah? Sério. São em momentos assim que percebo a importância desse site na minha vida. E claro, que não conseguiria dormir sem antes postar um capítulo novo, mesmo sendo madrugada agora.



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A festa de formatura foi definitivamente a melhor festa que eu já presenciei em todos meus dezoito anos de idade. Eu que não sou muito de festas, aproveitei aquela noite ao máximo. Pois sabia que em breve iria embora, não por muito tempo, mas iria. E queria aproveitar cada instante ao lado das pessoas que eu amo, até mesmo das que não amo. Não importava para onde eu estivesse indo, eu sempre sentiria falta daquele lugar.

Cheguei em casa por volta das quatro da manhã, ainda muito agitada, sem sono ou cansaço algum, mas estava tarde e eu não poderia abusar, ficando tanto tempo fora. Ainda mais agora que meu pai está tão mais ligado a mim, como se fosse me perder pra sempre quando eu fosse viajar. Eu entendia o lado dele, por isso não reclamava. E adorava ser mimada.

Estavam todos ainda acordados, o Artur entre o papai e a Aline, os três conversavam sabe-se sobre o que. E a Isabel na cozinha com o Yuri, os dois preparavam um sanduíche. O Bernardo estava comigo, porque ele seria o anfitrião dos garotos em sua casa. E eu tinha simplesmente adorado ele ter tido a ideia de recebe-los por lá, queria que eles se sentissem em casa, a vontade. O Bernardo se sai muito bem nessas coisas.

Tínhamos definitivamente entrado de férias, eu diferentemente de todo o resto, teria férias mais prolongadas dessa vez. Por um lado estava tranquila por isso, ia finalmente conhecer o mundo a fora. Por outro lado estava nervosa, com medo de que não encontrasse lá fora o que eu estava procurando. Certamente eu me arrependeria por isso, por ter deixado tanta coisa pra trás a troco de nada.

― Você sabe que quando voltar talvez não encontre tudo exatamente no lugar e do jeitinho que você deixou, não sabe?

― Ai Marina, claro que sei! É um risco, com certeza. Mas se eu não arriscar, eu nunca vou saber. E por favor, vamos parar de falar sobre isso. Ficamos de nos encontrar com os garotos no Clube, lembra? E por falar nisso, por acaso você viu minha sapatilha azul por aí?

Agora somos em três garotas e seis garotos.

Os garotos por sua vez tiraram a tarde de sol para jogar futebol no Clube. Com a quadra só para eles montaram dois times de três e começaram a jogar. Não sei quem era o pior, mas definitivamente o Gustavo mandava muito bem. E nós, meninas, torcíamos animadoramente nas arquibancadas vazias, gritando pelos nossos times favoritos.

O nosso grupo havia aumentado com a visita do Artur e do Yuri que só voltariam para BH depois da minha viagem. Com isso, a bagunça era maior, a falação era maior, as brincadeiras mais constantes, mas também tinha o lado negativo de tudo isso, como o ciúme do Edu da Isabel com o Yuri e o Yuri e o Gustavo fazendo o arrastão pela cidade com as meninas de plantão. Como eu tinha imaginado, eles se deram muito bem desde o primeiro momento em que se conheceram. Até demais.

Quando me pegava olhando para os meus amigos, eu via que sempre haveria espaço para mais um. Mas que eu nunca estaria de fato preparada para perde-los. Sentiria falta de cada um, das risadas, da companhia, dos momentos, das conversas e conselhos. E antes mesmo de partir de viagem eu já estava morrendo de saudade de cada um deles. Queria poder voltar logo, mas pra isso eu precisava me encontrar primeiro.

Os dias de férias foram passando, passando e passando bem mais depressa que o normal. Acordava cedinho para aproveitar o dia, mas parecia que quanto mais eu desejava que o dia rendesse, mas depressa as horas passavam. Não só pra mim, como para todos.

E quando dei por mim, já estávamos em véspera de natal. A festa de natal foi organizada no quintal dos fundos da minha casa. Ajudamos a Aline a preparar uma grande e longa mesa. Sobre a toalha vermelha foi colocado os pratos de comida que ela mesma preparou com o papai e que os amigos trariam. As bebidas ficaram em um canto, dentro do freezer. O jardim foi decorado com luzes de natal coloridas. Mesas pequenas e cadeiras foram espalhadas por todos os lados e pouco a pouco os convidaram foram chegando: os familiares dos meus amigos.

O primeiro natal com todo mundo junto.

― Vem! – puxei o Bernardo escada a cima. Ele estava cuidando do som, mas eu precisava interromper. ― Preciso dar o seu presente.

O que eu iria dar a ele estava sobre a minha cama: uma carta, um perfume e uma foto ampliada de nós dois em um lindo porta-retratos que eu mesma fiz após assistir alguns vídeos no Youtube.

― Nossa! É lindo. – ele sorriu, olhando pra mim. ― Eu vou guardar, tipo, pra sempre. – Bernardo me deu um rápido beijinho antes de voltar a guardar seu presente dentro da sacola. ― Agora é minha vez.

De dentro do bolso do jeans ele tirou uma caixinha de veludo, muito parecida com a que ele me deu quando me pediu em namoro pela primeira vez. E dentro dessa caixinha também tinha uma aliança prata, só que bem no meio dela havia uma pequena pedrinha brilhante.

― Sei que eu já te dei uma dessa antes e nem precisava. Mas, depois que você voltou de BH eu notei que você não usa mais aquela que eu te dei. Talvez você tenha jogado fora, atirado bem longe, o que é totalmente compreensível, afinal, nós nos enganamos e você estava magoada. Mas agora, temos certeza que é pra valer. E eu quero que você nunca, nem por um segundo, tire esse anel do seu dedo. – ele encaixou a nova aliança no meu dedo e beijou a minha mão.

Não pudemos aproveitar muito aquele momento, nosso beijo foi interrompido por Isabel, chamando-nos para descer. Estavam todos procurando por nós lá em baixo no jardim. E nós nos justamos a eles.

A festa foi bem animada. Apesar dos adultos passarem a maior parte do tempo sentados, comendo, bebendo e conversando. Nós jovens, ao contrário deles, dançamos, rimos bastante, fizemos algumas brincadeiras e a noite rendeu muitas recordações. Mas sem dúvidas, o momento mais especial foi quando trocamos presentes e lembrancinhas.

Já o ano-novo foi bem diferente do natal. Nossos pais deixaram que fôssemos passar a virada do ano na casa de praia dos pais do Gustavo. Se da última vez que estivemos ali a casa já estava bem apertada pra tanta gente, ficou ainda mais com o Artur, Yuri e as garotas que o Gustavo convidou para se juntar a nós.

Todos com roupas brancas se reuniram na praia, sentados na areia, de baixo do céu estrelado e uma pequena fogueira entre nós. Uma das garotas – da qual eu não lembrava o nome – por incrível que pareça sabia tocar violão, bastou ela começar a cantar uma música, que todos que sabiam a letra a acompanharam também com suas vozes. Foi uma festinha simples, mais intima e tranquila. A meia-noite, o Gustavo, Artur e o Yuri soltaram os fogos de artifício, as meninas soltaram gritinhos, Isabel e o Edu foram pra água, Miguel e Marina sumiram pela praia escura e o Bernardo me convidou para voltar para a casa a poucos metros dali.

― O que foi? – nós já estávamos nos distanciando dos demais. ― Você não está gostando?

― Não é isso. – ele sorriu, segurando a minha mão com mais força. Quando ele olhou pra mim com seus lindos olhos azuis, senti um leve tremor. Pareciam mais quentes de certa forma. ― Eu só queria ficar um pouquinho sozinho com você.

Fechamos a porta da casa para não corrermos o risco de sermos pegos no flagra. Bernardo me levou aos beijos até o sofá maior da sala e ali me deitou com seu corpo sobre o meu. Não demorou muito para suas mãos começarem a percorrer meu corpo e levantarem a saia do meu vestido. Eu não podia acreditar que estávamos fazendo aquilo ali, enquanto todo o resto estava lá fora, se divertindo. Isso fazia meu coração bater mais rápido de receio, por causa de toda adrenalina. Mas eu estava gostando. E logo me entreguei de verdade, segura e certa do que fazia.

Só não pudemos nos demorar muito, pois a qualquer momento alguém poderia sentir a nossa falta e resolver nos procurar.

― Não fique olhando assim pra mim. – eu disse, sem jeito. Enquanto colocava meu vestido de volta no lugar. ― Eu fico sem graça.

― Me desculpe. Não foi a minha intensão. – Bernardo sorriu também, ajudando-me com a parte de trás do vestido. ― Só estou tentando gravar na minha mente cada detalhe seu.

Quando voltamos a praia, vi de longe o Artur ficando com uma das meninas. Eu fiquei feliz com ele, apesar da cena ter sido bastante engraçada. Parecia que ela estava faminta, como se fosse devora-lo. E ele, bem, parecia bem surpreso. Eu e o Bernardo rimos.

― Porque vocês demoraram tanto? – perguntou a Isabel, curiosa. Ela e o Edu completamente molhados. Sorte deles a noite estar quente.

― A Clarissa precisou ir ao banheiro. E eu aproveitei para pegarmos alguma coisa para comer. – mentiu o Bernardo na maior cara de pau. E eu apenas ri.

Minha viagem ficou marcada para o meio de Janeiro. Antes disso, prepararam uma festinha surpresa de aniversário para mim. Finalmente dezenove anos. Eu quase podia me sentir uma adulta, se por dentro eu ainda não tivesse tantos sonhos de uma criança que um dia foi abandonada pelos pais na porta de um orfanato qualquer, e pior, enganada pelos próprios pais, dezessete anos depois, alvo fácil para conseguir dinheiro.

Eu tinha tudo para ser uma garota frustrada, decepcionada com a vida e com sérias dificuldades de acreditar nas pessoas. Eu ainda podia ser aquela Clarissa sombria, de mal com a vida, ignorante, rude e fria por causa erros dos outros. Por causa dos erros dos meus pais verdadeiros. Mas por fim, eu optei por ser o melhor. Optei por ser essa garota que vai atrás dos seus sonhos, mas sem nunca se esquecer das pessoas que eu verdadeiramente amo e que me amam também.

Naquela tarde, pega de surpresa, com a presença dos meus amigos e da minha família, segurando um bolo repleto de velas... Eu não pude conter as lágrimas de emoção. Sim, eu podia me considerar a garota mais feliz e sortuda do mundo. Eu tinha tudo ali. Estava indo embora e corria sérios riscos de voltar e encontrar tudo fora do lugar. Mas eu não tinha medo, porque no fundo eu sabia que aquelas lembranças seriam as únicas coisas que jamais mudariam na minha vida.

Guardei todos os presentes que ganhei no meu quarto. No canto, algumas malas minhas já estavam feitas. O primeiro lugar que eu iria conhecer era a Europa. Com muitas pesquisas que eu e o papai fizemos na internet acabamos descobrindo um site muito confiável que permitiria que eu viajasse com um grupo de pessoas mais ou menos da minha idade com o mesmo objetivo que eu: conhecer o mundo, estudar e trabalhar. Além dos instrutores responsáveis que falavam várias línguas e conheciam uma diversidade de lugares. Assim eu não me sentiria tão sozinha, tão descolada e não passaria tantas dificuldades por não saber falar muito bem o inglês ou qualquer outra língua.

Desde que os descobri no tal site, venho mantendo contato com eles através de uma rede social. Assim a gente vai se conhecendo aos poucos até termos que nos conhecer pessoalmente e passar um ano inteiro juntos pra valer. Estava começando a me identificar com alguns dos meus novos colegas de viagem e mal podia ver a hora de conhece-los frente a frente.

― Bernardo? Meu amor, o que aconteceu? – tinha ficado de passar na casa do Bernardo naquela tarde de sol, quando de longe o vejo sentado nos poucos degraus em frente à sua porta.

Corri até ele, deixando minha bicicleta de lado.

― É hoje que sai o resultado do vestibular. E eu estou com medo de olhar qual foi a minha nota. Você poderia ir comigo?

― Mas é claro que sim! – eu o abracei. ― Tenha calma. Vamos ver isso juntos. E tenho certeza que você passou. Eu sinto isso!

No seu quarto, enquanto a Liz tirava o cochilo da tarde, o Bernardo ligou seu Notebook, puxou uma cadeira para que sentasse ao seu lado próximo a escrivaninha e nós esperamos o site carregar.

E lá estava o nome completo dele e ao lado sua nota. Olhei para o Bernardo, segurando sua mão e vi seu sorriso se abrindo pouco a pouco. Eu sabia que ele iria conseguir! Sabia porque o Bernardo sempre foi muito inteligente e muito bem aplicado. Desde que eu o conheço ele é esforçado e estudou muito para conseguir chegar ali.

― Eu não disse que você ia conseguir? – eu o abracei rapidamente, apertando todos os ossos deles. Mas quando voltei a olhar pra ele, vi que estava chorando. ― O que foi agora? Você deveria estar feliz...

― Por um lado, eu estou. – ele sorriu, limpando as poucas lágrimas com o dorso da mão. ― Mas por outro lado, não vai ser a mesma coisa sem você por perto. Mas tudo bem, bobagem minha. – ele deu de ombros, aparentando ficar melhor. O humor do Bernardo ultimamente tem ficado bastante sensível e eu me sinto muito culpa por isso. ― O importante é que eu... Passei. – ele levantou-se, com os braços pra cima. ― Eu passei!

Bernardo disse tão que havia passado, que estava feliz, que só tinha motivos para comemorar que a pobrezinha da Liz acabou acordando e eu a peguei no colo para acalma-la. Enquanto o pai dela pulava de alegria pela casa como uma criança que acaba de ganhar um doce.

A Marina ligou alguns minutos depois para dizer o quanto estava aliviada por também ter passado no vestibular. Ela faria Relações Públicas. Ela e o Miguel escolheram a mesma faculdade, porém ele não havia passado, estava muito aborrecido. E ela precisou desligar para poder estar ao lado dele naquele momento, consolando-o.

Coloquei a Liz em sua cadeirinha de comer na cozinha e na geladeira peguei o seu pratinho de mingau. Ela já comia sozinha, mas eu ainda precisava ficar de olho nela. Ou ela seria capaz de engolir a colher também. O Bernardo estava na sala no telefone com o Eduardo, que também havia passado. Ele faria Economia.

O Gustavo não ligou pra contar nenhuma novidade, até porque ele assim como eu havia optado por não fazer vestibular. Não por enquanto, dizia ele. Estava ansioso para começar a trabalhar com o pai em sua empresa. E era essa sua única e maior vontade.

Não saímos pra comemorar os bons resultados dos nossos amigos, em consideração ao Miguel, que estava realmente muito arrasado por ter sido o único a não passar. Apesar de todos dizerem a ele que poderia tentar novamente no meio do próximo ano. Mesmo assim, essas coisas não são fáceis de superar. Me coloquei em seu lugar e concluí que ele precisava de tempo e espaço. Logo ficaria bem outra vez, quando percebesse que nunca é tarde para tentar.

Já eram cinco e meia quando o Artur e o Yuri voltaram da rua, os dois passaram a tarde no Clube com uma galera que eles conheceram aqui na cidade. O Artur tinha se esquecido que o resultado do vestibular sairia naquele dia, pediu o Notebook do Bernardo emprestado e foi correndo verificar seu resultado. Até então eu não sabia que o Artur iria prestar medicina, até porque você precisa acertar mais que a metade da prova para passar em medicina.

E não é que o sabichão conseguiu?

Ele e o irmão chamaram o Bernardo para sair e comemorar no centro, já que estão hospedados na casa do mesmo. Eu não queria ser uma intrusa do sexo oposto entre eles, então, voltei pra casa e tirei a noite para assistir o finalzinho de todas as minhas séries favoritas.

Na manhã seguinte acordei bem cedo, só o papai havia acordado para ir ao trabalho. Tomei um banho, vesti algo mais apresentável e saí pra comprar pão. Mandei uma mensagem de texto de bom dia para o Bernardo e, quando cheguei em casa já estavam todos acordados.

Miguel muito cabisbaixo e a Isabel mudando de canal na tevê.

― Bom dia meus amores. – cantarolei, colocando o saco de pãezinhos frescos sobre a mesa.

A Aline que havia chegado não fazia muito tempo do hospital, desceu sorridente para tomar o café da manhã com a gente. Ao contrário do que o Miguel imaginava, ela não foi nenhum pouco cruel com ele. Ela simplesmente foi adorável, disse que sentia muito orgulho dele e que estava confiante, sabia que ele passaria da próxima vez. Mesmo que não passasse, teria muito tempo para estudar mais e tentar outras vezes, até conseguir. Ela beijou o filho, se despediu de mim e da Isabel e subiu para dormir, afinal passou a madrugada inteira trabalhando.

Após terminar de limpar a cozinha eu retornei ao meu quarto, teria o dia inteiro pela frente para terminar de fazer as minhas malas.

O dia da viagem estava cada vez mais próximo. Viajaria na sexta-feira de tarde. Por dentro eu me sentia como se tivesse conseguindo cumprir todas as minhas obrigações aqui em São Paulo.

O papai não foi trabalhar na sexta-feira e logo cedinho ele me ajudou a colocar as coisas no carro. Eu me encontraria com o pessoal do site no aeroporto e estava bastante ansiosa para conhece-los melhor cara a cara, queria que eles pudessem gostar de mim também. E estava contando com isso. Os meus amigos chegaram cedo na minha casa, inclusive o Bernardo foi um dos primeiros a chegar. E não queria me largar por nada. Dava até uma dorzinha no coração só de olhar pra ele.

Nos últimos dois dias eu já havia me despedido da cidade inteira, dos colegas do colégio, dos vizinhos e dos lugares que eu mais frequentava. Ajudei também o Bernardo na inscrição pra faculdade que ele daria início na segunda semana de Fevereiro. Mas que eu infelizmente não estaria perto o suficiente para acompanhá-lo. Sabia que ele sendo o garoto maravilhoso que é logo se adaptaria e nem precisaria de mim. Mas prometemos uma ao outro manter contato de todas as formas possíveis durante o ano inteiro que eu estivesse fora.

Estávamos todos conversando na sala de estar, lotando os sofás e poltronas, quando a campainha tocou e todos se entreolharem. Eu fui ver quem era. Imaginei que pudesse ser algum vizinho pedindo que eu trouxesse uma lembrancinha pra ele quando voltasse. Ouvi muito disso nos últimos dias. E faria o possível para atender a todos.

Mas quando eu abri a porta, vi que estava enganada. Não era um vizinho qualquer, não era um colega, não era um amigo. Eram os meus pais verdadeiros, depois de mais de um ano desde a última vez.

Eu já estava me acostumando com a ideia de que jamais voltaria a vê-lo, até porque um lado de um mim queria muito isso. Mas o outro ainda estava insatisfeito, como se nem tudo estivesse completo apesar de eu quero muito isso.

― Podemos conversar, Clarissa? – minha mãe perguntou. Eu ainda não conseguia acreditar no quanto eu me parecia com ela.

― Não! Claro que não. – estavam todos olhando para nós. Senti quando o Bernardo se aproximou de mim, ficando ao meu lado. ― Saiam daqui agora! Eu não quero ver vocês.

Procurei pela mão do Bernardo, eu precisava segurar alguma coisa. Estava indo tudo tão bem e de repente o mundo pareceu desmoronar.

― Está tudo, querida. Fique calma. – meu pai, o Vicente, tomou a frente da situação. Aparecendo do nada. ― Eu os chamei aqui hoje. – virei-me pra ele, indignada. Não podai acreditar que meu próprio pai fizera isso comigo. ― Acho que você deveria dar essa chance a eles antes de ir viajar. Não custa nada tentar, não é mesmo? – ele sorriu.

Que? Como assim o meu pai havia se rendido a aqueles vigaristas?

― Eu concordo com o seu pai, meu amor. – disse o Bernardo, apertando forte a minha mão. Passando aquela confiança pra mim que só ele era capaz de fazer.

Me dei por vencida. Pois, as vezes, por mais que eu tente ser durona, não é como se eu conseguisse exercer essa função muito bem. Aceitei ao convite deles e lá fomos nós dar uma volta pelo centro para ficarmos a sós e mais à vontade, poucas horas antes da minha viagem. Eu poderia estar aproveitando essas horas finais para estar com meus amigos e com a minha família, mas não, eu estou aqui, agora, dando uma chance a esses dois de se redimirem.

― Seu pai ligou pra gente e contou da sua viagem. – falou o meu pai, o verdadeiro. ― Estamos muito orgulhosos de você! Mas não queríamos que você fosse embora sem antes ouvir o nosso lado.

Sentamos em um banco na praça. Sentei entre os dois, sentindo-me muito desconfortável com a situação.

― Quando te procuramos daquela vez, foi porque realmente precisávamos de dinheiro. Nos sentimos tão perdidos que não conseguimos pensar em nada melhor. – minha mãe suspirou, sem olhar diretamente pra mim. Parecia perdida em seus próprios pensamentos. ― Foi exatamente como nos sentimos quando você nasceu e precisamos te abandonar, porque não tínhamos saídas. Ou melhor, não pensamos em uma saída melhor. Sei que você deve pensar que somos os pais mais cruéis desse mundo, mais miseráveis, irresponsáveis e sem coração. Você tem toda razão, Clarissa. Nós nunca podemos nos perdoar por isso, fomos tão cruéis com você todo o tempo, impiedosos e mau-caráter. Nem por um momento pensamos nas consequências.

A àquela altura minha mãe já estava chorando. E ela era tão bonita, mesmo chorando. Que eu senti vontade de chorar com ela. De poder abraça-la, segurar sua mão, dizer algumas palavras de conforto. Mas eu estava vazia, não conseguia fazer nada, nem mesmo me mover. Ela e o meu pai me surpreendam quando cada um segurou a minha mão que tremia mesmo debaixo de um lindo dia de sol.

― Nós só voltamos aqui, algumas poucas horas antes da sua viagem, para nos desculpar com você. Perdi o seu perdão. – agora era o meu pai quem falava, enquanto minha mãe tentava conter as lágrimas com um lencinho que ela tirou de sua bolsa azul-royal. ― Seu pai nos encontrou não faz muito tempo e desde então temos mantido uma relação à certa distância. Ele fala muito de você e de alguma forma temos conhecido você um pouquinho melhor através de tudo que ele nos conta do seu dia-a-dia, da sua vida, sua rotina. Nós nunca conhecemos alguém que amasse tanto uma outra pessoa o quanto ele te ama. Talvez seja porque nós não sabemos o verdadeiro significado dessa palavra. Mas conversando com ele mesmo através do telefone, podíamos sentir o gostinho desse sentimento tão grandioso, verdadeiro, durador e intenso.

Ele de uma pausa pra pegar um pouco de ar.

E eu não tirava meus olhos dele enquanto ele falava.

― Pode ser que você, depois de hoje, não queira mais ver a gente. Nunca mais. Nós também não nos achamos dignos disso. Te fizemos tão mal por tanto tempo que acreditamos não merecer coisas assim de uma pessoa tão adorável quanto você. Mas antes disso isso acontecer, antes de você ir, queríamos saber se você é capaz de nos perdoar. Nós, no fundo, sabemos que sim. Você foi muito bem criada, Clarissa. Você é linda no seu jeito de ser, em suas atitudes, na forma como lida com o mundo a sua volta e com as pessoas. Seu pai fez um ótimo trabalho! Mas precisamos ouvir isso de você e só assim poderemos amenizar um pouco do peso que nós dois carregamos nas costas até os dias de hoje...

― Pai. Mãe. – interrompi-o, alternando o olhar entre os dois. ― É muita coisa pra eu absorver de uma só vez. Mas, eu fico feliz que tenham tido a coragem de vir aqui, enquanto há tempo. Fico feliz por vocês admitirem seus erros e fico feliz de poderem compartilhar tais coisas comigo. – conseguia sorrir enquanto falava, pois de alguma forma me sentia melhor depois de ouvir tudo que eles acabaram de me dizer. Porque era exatamente isso que eu precisava, era o que faltava.

Dei um beijinho no rosto molhado da minha mãe, secando com o dedo suas últimas lágrimas. Virei-me para o meu pai, e ele foi mais rápido, dando-me um beijinho carinhoso na testa e abrindo um singelo sorriso.

― Eu os perdoo. Claro que perdoo. Pois de alguma forma sinto que se não tivesse sido assim, hoje, não estaríamos aqui. Eu não teria tido tantas oportunidades, eu não teria tido uma família tão maravilhosa quanto a que eu tenho, eu não teria conhecido meus amigos que são os melhores do mundo, eu não teria vivido nada disso e eu não queria conhecido o amor da minha vida que está me esperando nesse momento, e acredito que, sempre vai estar. Porque eu estarei esperando por ele todo o tempo. Se fosse de outra forma, se tivesse sido de outro jeito, com vocês, em qualquer outro lugar, sendo melhor ou pior, eu não sei e não tenho como saber. Mas hoje, consciente disso e de tudo, eu sei que prefiro assim, exatamente como estar, dessa maneira, do jeito que eu conquistei.

Meus pais verdadeiros não puderam me acompanhar até o aeroporto, pois eles ainda estavam na batalha de tentar concertar suas vidas. Nós nos despedimos ali mesmo. Mas os meus amigos e minha família sim, diferentemente da última vez, estavam todos ali e não faltava ninguém. Até o momento em que o meu voo seria chamado.

Os meus novos colegas de viagem chegaram pouco a pouco. Alguns segurando plaquinhas para reunir o grupo. Eu fui até eles, cumprimentar a todos. Conhecendo-os finalmente. Mas enquanto o nosso voo não era chamado, eu aproveitei para me despedir de todos que ficariam para trás, esperando por mim. Ou não. Não importava. Eu levaria um pedacinho de todos eles comigo. Pra sempre.

― Eu preciso ir. – abracei o Bernardo. Quando me dei conta de que aquele era o momento, pois eu precisava ir, meu voo já tinha sido chamado duas vezes, eu senti que iria chorar. Choraria muito. Pois nunca é fácil se despedir de quem a gente ama. ― Isso não é um adeus. É um até logo.

― Eu sei. Estarei aqui, esperando por você, todos os dias da minha vida. – ele sorriu, os olhos azuis brilhando por causa das lágrimas que ele também segurava. ― Não esquece que eu te amo.

― Como eu poderia esquecer algo assim? – sorri também, colando meus lábios nos dele. ― Se meu maior por você é muito maior do que eu posso definir em palavras? Eu te amo muito, Bernardo. Me espera.

O último abraço.

O último beijo.

Até daqui um ano.

Carregando uma de minhas malas eu olhei pra trás pela última vez antes de embarcar, vendo meus amigos acenando pra mim, todos emocionados. Tanto meu pai quanto o Bernardo segurando as lágrimas e uma grande parte de mim ficando pra trás com todos eles.

Eu não podia chorar.

Eu só tinha motivos para sorrir.

Não estava perdendo nada.

Apenas ganhando.


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Notas finais do capítulo

Esse foi o penúltimo capítulo, o que acharam? Agora com o Nyah de volta vou seguir normalmente com os meus projetos, espero que ele não saia do ar por um bom tempo. Ah, eu quase me esqueci: tenho novidades. Provavelmente antes de postar o ultimo capítulo na semana que vem de QTA, vou postar o comecinho de uma nova história que eu iniciei não faz muito tempo. Espero que vocês possam acompanhar também, se gostarem. Aguardem. Beijão! Até.
PS.: Eu estava morrendo de saudade disso aqui.