Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 46
Capítulo XLIV


Notas iniciais do capítulo

Sei que vocês gostam de ver a Clarissa e o Bernardo juntos, mas aconteceram umas coisas, eles se separaram pra valer dessa vez e nesse momento, depois de um tempo, é importante que haja essa nova fase, novas descobertas e experiencias, pra quem sabe assim, em um futuro incerto, os dois possam voltar a se encontrar depois de terem amadurecido.



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Quando cheguei a Belo Horizonte, Minas Gerais, após seis horas e meia de voo meu coração pulsava de ansiedade para o recomeço de uma vida nova. Foi como uma onda forte de novidades. Primeiro que, eu nunca antes tinha andado de avião e confesso que no início fiquei com um medo bobo. Mas o Vicente estava ali, segurando a minha mão. Isabel por sua vez, mal me olhava. Eu só queria que algum dia ela pudesse me desculpar. Segundo que, nunca antes havia morado em um cidade tão grande como aquela. Era tudo muito bonito e diferente.

Antes mesmo de nos acomodarmos na nossa nova casa, o Vicente nos levou para um lugar muito especial. Um orfanato. Eu fiquei sem entender, mas aguardei que ele se explicasse. Chegando lá, um prédio imenso e muito velho com falta de infraestrutura, uma velha senhora, baixinha e grisalha, nos recebeu com abraços e beijos. Convidou-nos para ir até o refeitório, sentamo-nos e assim começaram a nos contar a verdadeira história do meu pai.

Serviram-nos com bolos e sucos, enquanto contavam a verdade desde o início. Vicente nunca havia nos falado da própria infância, nem de seu passado. Era uma mistério para todos. E foi naquele momento que eu entendi porque ele escondeu sua história por tanto tempo. Ele estava esperando o momento certo.

Vicente nasceu em BH e morou naquele orfanato durante toda a infância. Nunca conheceu os pais, foi abandonando, assim como eu, quando era um bebê. Sempre teve curiosidade de conhecer os pais, conforme foi crescendo, acabou descobrindo que ambos haviam morrido e o resto da sua família tão pouco se importavam com ele. Continuou no orfanato até os dezoito anos. Sempre foi um bom aluno, estudioso e dedicado. Mas nunca foi adotado, nenhuma família se interessava por ele por ser mais apagado que as outras crianças. Era tímido, quieto, calado, reservado, sem amigos e preferia a solidão. As famílias preferiam crianças mais animadas, amorosas, simpáticas e alegres. Vicente era uma criança bonita, mas estava sempre muito distante das outras e isso fazia com que ele sofresse bastante. Sempre quis ser adotado, mas não sabia o que fazer para mostrar-se melhor que os outros, sentia-se insuficiente. Quando completou maior idade teve que ir embora do orfanato com o coração apertado, procurou emprego, mas ainda assim, não tinha onde morar. Passou por muitas dificuldades, trabalhou em lugares pobres e morou em quartinhos pequenos, apertados e escondidos. Passou fome e sofreu muito por um longo tempo, mas superou tudo isso quando lhe deram a primeira grande oportunidade em sua vida. Recomeçou a vida em São Paulo, trabalhou para grandes homens e tornou-se braços direito de muitos deles, conquistou confiança e admiração. Foi então que tudo começou a dar certo, mas ele nunca esqueceu-se de sua essência e decidiu que quando tivesse condições, iria tirar crianças assim como ele, dos orfanatos e dar a elas uma vida dos sonhos, como ele não teve quando morava no orfanato e foi assim que logo depois de um tempo, ele decidiu adotar a mim e Isabel, dizendo ter sido amor à primeira vista por ambas

Ao final da história contada em parte por ele e pela senhorinha, eu já estava chorando de emoção, agradecida por ele ter me poupado passar a minha infância e adolescência inteira trancada em um orfanato qualquer, esquecido no meio do nada, rejeitada pelas famílias de alto padrão.

Eu jamais teria palavras suficientes para expressar minha gratidão e admiração por ele. Agora sim, eu entendia, entendia o porquê de ele ser tão assim, calado, rígido, misterioso. Ele só queria o nosso melhor todo o tempo e hoje eu sei, que ele é o melhor pai que eu poderia ter. Ainda melhor que os meus pais de verdade. Eu não trocaria o Vicente por nada.

A seguir, mesmo com o chegar da noite, fomos dar um passeio pela cidade, conhecer seus principais pontos turísticos. O céu ali na cidade grande não tinha tantas estrelas quanto na cidadezinha que eu morava no interior de São Paulo. E enquanto dávamos uma volta pela praça Rui Barbosa pela milésima vez a pedido de Isabel, eu admito ter pensado, por um momento, o quão bom seria compartilhar um lugar romântico como aquele com o Bernardo.

Não! Mas eu não poderia pensar ele naquele momento. Ou melhor, nunca mais. O Bernardo ficaria no passado, somente no passado.

Três meses e algumas poucas semanas desde que cheguei aqui, tenho tentado não pensar no Bernardo. Mas ainda é muito difícil mantê-lo distante dos meus pensamentos, quando tudo que eu mais queria é que ele estivesse aqui comigo, nesse instante.

Moramos no decimo quinto andar de um alto prédio no centro da cidade. Um prédio não muito luxuoso, mas também não muito simples. O colégio não fica muito longe, apenas há dez minutos caminhando. Tem tudo pertinho de casa: mercado, padaria, lanchonete, restaurantes, barzinhos, papelaria, loja de roupas, lan-house e muitas outras coisas, tudo que se precisar. As calçadas estão sempre cheias e eu já estou me acostumado com esse ritmo mais acelerado da capital.

Meus primeiros dias no colégio foram os piores de toda a minha vida, principalmente agora, que eu esperava que tudo fosse diferente, melhor de certa forma. As garotas do colégio me odiaram e eu mal cheguei, elas começaram a me perseguir, rir de mim por qualquer motivo, me excluíam dos grupos, trabalhos e atividades, faziam fofocas sobre mim e cada vez que eu voltava para casa sem nenhum progresso, eu só me sentia ainda pior, sentia falta dos meus amigos, da companhia da Marina, da inteligência do Edu, do carinho do Miguel, das piadas do Gustavo, da lealdade da Isabel e do amor do Bernardo.

Queria todos eles de volta.

E mesmo morando de baixo do mesmo teto, Isabel já não age mais como minha irmã. E eu fiquei muito sozinha, durante semanas.

Até que um dia eu conheci o Artur, que aliás é meu vizinho, nós moramos no mesmo prédio e estudamos no mesmo colégio.

Eu já estava sem esperanças de reverter a minha situação no colégio. Eu deveria me acostumar, afinal, não era a primeira vez que eu não teria nenhum amigo. A solidão me persegue. Estava indo até o colégio – estudo pelo período da tarde agora – caminhando pelas ruas vagarosamente, agora sem a minha bicicleta, quando sinto alguém correndo atrás de mim. Virei-me no exato momento em que ele parou diante de mim, ofegante e o skate de baixo do braço.

Artur é bem mais alto que eu, pernas longas e ombros largos, sua pele é clara levemente bronzeada, seus cabelos castanhos curtos e os olhos de um castanho-esverdeados, seu sorriso é discreto, os lábios cheios e seu corpo estrutural.

Ele é lindo!

A partir daquele dia tornamo-nos bons amigos, vamos ao colégio juntos todas as tardes, voltamos juntos também e sempre que temos tempo damos um jeitinho de nos ver. Eu gosto da companhia dele. Ele também não é um garoto de muitos amigos pois chegou na cidade um pouco antes de mim e por aqui os novatos são realmente excluídos, deixados de lado. E se não está comigo, está andando de skate – que é algo que ele realmente adora – ou está por aí com seu irmão mais velho, que tem vinte anos, o Yuri. Os dois são bem parecidos, mas o Artur é mais tímido e o Yuri mais descolado, o que me lembra do Gustavo e o Artur, digamos assim, se parece mais com o Miguel ou o Eduardo.

― Trouxe isso pra você. – ele bateu na porta do meu quarto, mas já estava aberta. O quarto que agora dividia com a Isabel, pois o apartamento nem é tão grande assim quanto a casa que tínhamos em São Paulo.

Isabel bufou, levantou-se e saiu do quarto resmungando alguma coisa sobre não ter mais privacidade e que garoto-chato-que-não-saí-mais-daqui. Sim, ela me odeia. E eu, bom, estou dando um tempo a ela.

― Entra. Senta. – eu joguei minhas pernas para fora da cama sorrindo, dando-lhe espaço. ― Que bom que você veio.

Ele sempre bem, pois não é como se tivéssemos muita coisa pra fazer. Por enquanto, já que vou começar a fazer curso de inglês na semana que vem. O Vicente me inscreveu a mim e a Isabel.

Artur sorriu timidamente, sentando-se a minha frente. Entregou-me uma caixa de bombons com um laço vermelho.

― Minha mãe trouxe isso pra mim. Mesmo depois de dezessete anos, ela ainda não sabe que eu odeio chocolate.

Eu ri, pegando logo um bombom pra comer.

― O quê? Você odeia chocolate? – arregalei os olhos, surpresa. ― Você não existe!

Vicente tem sido um pai melhor cada vez mais e tem implicado muito menos conosco. Ele arrumou um emprego na semana passada na prefeitura da cidade que é sua especialidade e passa a maior parte do tempo fora de casa, mas não se importa que o Artur viva enfiado aqui, pois ele sabe que o Artur é o meu único amigo nesse momento.

Os pais do Artur são separados. Sua mãe, Cida, é jovem, teve seus filhos muito cedo, mas é muito ocupada e passa dias sem pisar o pé dentro de casa, viajando a trabalho. Ela é Engenheira Ambiental.

Artur e Yuri não reclamam, gostam de ter a casa só para eles. O pai deles, Fernando, tem outra família e mora em Uberlândia, aqui mesmo, em Minas. Mas, nem o Artur e nem o Yuri gostam de ir visita-lo. Os dois são bem sozinhos, têm apenas um ao outro como costumava ser comigo e Isabel, e são bastante ligados, fazem de tudo juntos. É uma relação entre irmãos bastante harmoniosa.

Tínhamos acabado de pedir uma pizza, estávamos assistindo The Vampire Diaries. Eu gosto muito dessa série de vampiros, apesar de achar uma injustiça tremenda com o meu personagem favorito, Stefan. O coitadinho sofre muito de amor, por causa do irmão Damon e a amada Elena. Eu não assistia essa série no ano passado, mas a Marina me convenceu a começar a assistir nas férias, ela lá e eu cá e eu fui logo me viciando e assisti as primeiras temporadas em poucos dias.

Eu e ela parecemos as únicas no mundo que preferem ao lindo do Stefan, romântico, carinhoso e sofredor a Damon, que para as meninas no geral é um deus grego. Sim, ele é lindo, dono de um beleza incomum, mas nem se compara ao fofo do Stefan.

Na minha opinião.

Artur só assiste a série de vampiros comigo, porque é praticamente obrigado a isso, não é como se ele fosse fã. Ele apenas suporta, por minha causa e eu o admiro por isso. Ele é amigo para todas as horas.

― Esse cara, o que você ama de paixão, o tal de Stefan, o mocinho, é um verdadeiro idiota. – Artur comenta, sem tirar os olhos da tela do Notebook. ― Ele está sempre perdoando o irmão traidor e vive atrás dessa garota que, pelo visto, não está nem aí pra ele. Sinceramente, ele é muito babaca pra suportar tudo isso.

― Não fale assim dele! – começo a rir. Pelo visto ele está mais por dentro da série que eu. ― Ele é frágil, sentimental, seu coração é puro e ele os ama de verdade, tanto ela quanto o irmão, por isso nunca desiste de nenhum dos dois. Eu, sinceramente acho que ele não mereça isso. Ele sofre muito! – faço uma careta triste, comendo meu último pedaço de pizza. ― Quem deve ficar com ele sou eu, eu sim iria cuidar de pobre e frágil coração do meu querido e amado Stefan.

Artur se debruçou de tanto rir da minha cara de apaixonada.

Como é que podem gostar tanto do Damon se existe o Stefan?

Eu fico inconformada. E a Marina me apoia completamente.

Por falar nela, naquele momento percebo que meu celular começa a tocar e no visor eu vejo que é ela. Levanto-me da cama em um pulo, largando o restinho da pizza dentro da caixa vazia.

― É a Mari, minha amiga. Lembra? Eu já falei dela pra você. – sigo rumo a sacada. ― É só um minutinho. Eu já volto!

Me debruço sobre o parapeito de vidro da sacada do meu quarto, vejo a lua cheia daquela noite de quinta-feira.

― Ei, porque demorou tanto pra me atender? – nada de cumprimentos, Marina prefere ser direta. ― O que tão de importante você estava fazendo? Estou te ligando a horas feito uma louca!

― Desculpe. – soltei um risinho sem graça. ― Eu estava assistindo The Vampire Diaries com o meu vizinho. Aquele, lembra?

― Ah sim, lembro. – ela sorriu, eu senti. ― Então tudo bem, está perdoada. - ela riu. ― Ah que bonitinho! Ele assiste com você? O Miguel detesta! Ele morre de ciúmes do Stefan. – dessa vez eu comecei a rir.

Qual é a desses namorados que tem ciúmes de um personagem fictício? Ah, por favor. Apesar de muitas de nós – fãs – queremos muito que um personagem seja real, não é bem assim que acontece.

― Em qual episódio você está? – ela quis saber, empolgada.

― No terceiro da quinta temporada. E você?

― No quinto!

― Marina! – fiquei brava. ― Você prometeu que iria me esperar pra gente poder acompanhar juntas. Eu aqui e você aí.

Ela soltou um muxoxo, e eu ri por um momento.

― Voltando ao assunto... – passei o peso de uma perna para a outra. ― Porque mesmo você está me ligando sem parar?

― É que, bem, er... Não sei se devo dizer. – ela suspirou, dando uma longa pausa que me deixou bastante apreensiva. ― Você pediu pra eu nunca mais falar no assunto, mas bom, eu não tenho com quem mais conversar. E estou verdadeiramente preocupada com um grande amigo.

― Já entendi... – olhei para o céu, suspirando lentamente para aliviar o peso que eu sentia preencher todo o meu eu. ― Você quer me falar sobre o... Bernardo, não é isso? Chega de rodeios Marina!

― Exatamente! – ela pareceu bem mais animada. ― Me desculpe ter que falar sobre isso mas, a situação é realmente preocupante.

― E o que é? Está me deixando preocupada! – passei a mão na cabeça. ― O que ele tem? Ele está bem não está?

― Acho que... Sim. Mas não é essa a questão. – ela soltou um risinho nervoso. ― Bom, é que ele tem andando muito distante, Clary. Não é mais aquele garoto por quem você se apaixonou. Está diferente, está mudado e tem agido muito estranho.

― Ah, bom, normal. – dei de ombros, tentando não parecer tão preocupada. ― Deve ser culpa, por, bom, você sabe. – melhor dizendo: culpa por ter me traído e ter resultado no que resultou. O nosso fim. ― Não se preocupe tanto. Ele está bem! Só precisa de um tempo.

― Não Clarissa! Você não está entendendo! Já demos a ele todo o tempo necessário. – Marina ficou nervosa. ― Mas já está passando dos limites! E eu, sinceramente, não sei mais o que fazer para ajudá-lo.

― Vai ver ele não quer a ajuda de ninguém.

― Não se faça de durona, Clarissa! – Marina me repreendeu, como uma mãe faria com a filha. ― Eu sei que você ainda se importa com ele apesar de tudo, e que se pudesse, o ajudaria. Eu não te culpo por nada, mas, eu precisava desabafar com alguém! Preciso ajudar o meu amigo!

― Eu espero de todo o meu coração que você consiga...

Não havia nada melhor a se dizer naquele momento.

― Eu preciso desligar, Mari. O Artur está me esperando e....

― Clarissa! O próximo episódio já vai começar!

Virei-me para trás, vendo o Artur se aproximar. Nem percebi que havia desligado o celular antes mesmo de me despedir da minha amiga.

A verdade é que eu estava muito abalada por tudo que acabara de ouvir. Era justamente por isso, por essa sensibilidade dos últimos três meses, que eu preferia não saber nada a respeito do Bernardo. Porque apesar de ainda me preocupar, as vezes eu só queria esquecer que ele existia, assim seria tudo tão mais fácil.

― Clarissa, você está... Chorando? – Artur já diante de mim tocou o meu rosto com cuidado, secando uma lágrima que havia escorrido pela minha bochecha sem eu nem perceber.

Era só mencionar o nome do Bernardo ou qualquer coisa que o envolvesse, que meus olhos rapidamente se enchiam de lágrimas.

― Desculpe. – abaixei a cabeça, envergonhada. Afastei-me do meu mais novo amigo e virei-lhe as costas para disfarçar a tristeza.

― Você sabe que pode contar comigo pra qualquer coisa, não sabe? – eu o senti tocar o meu ombro com cuidado. Mas ainda assim não esperava preparada para olha-lo cara a cara. ― Já sei, você está assim por causa daquele seu antigo namorado, não é? – ele sorriu, pude sentir. ― Como é mesmo o nome dele.... Ah! Já sei... Bernardo... Sim! Bernardo.

― Você está certo. – funguei, limpando os últimos resquícios do meu choro. ― Mas é bobagem. Já passou. – estufei o peito e voltei a sorrir. ― Vamos voltar lá pra dentro? Precisamos chegar até o quinto episódio!

Voltei para o meu quarto, sentando-me na cama e me acomodando. Estava tentando levar tudo na brincadeira, sem dar muita importância para o que o Bernardo estava fazendo ou deixava de fazer lá em São Paulo.

Voltamos a assistir a série calados.

― Olha, chega. Vamos assistir o próximo episódio em outro dia. – Artur desligou o Notebook, deixando-me sem reação. Ele colocou o aparelho de lado e voltou-se pra mim, olhando-me fixamente com seus olhos mais castanhos do que verdes naquele finalzinho de noite. ― O que está acontecendo com você, Clary? Você não me parece normal.

― Não é nada, Artur. Eu já te disse. – desviei o olhar, impaciente.

― Não minta pra mim!

― Não estou mentindo pra você.

― É o Bernardo? Vamos conversar! Me conta o que houve.

― Eu já falei! Não é nada. Tudo que eu tinha pra falar sobre ele eu já falei pra você, lembra? Não faz muito tempo!

― Sim, eu lembro. – ele fez uma careta. ― Se é assim, você não tem mais nada a dizer... Então porque está com essa cara? – ele observou, atento. ― Desde que sua amiga de São Paulo te ligou você está assim, meia área, meia diferente. Nem adianta disfarçar!

― Mas que droga! – levantei-me, alterada. Odeio toda essa insistência. Tenho me irritado com mais facilidade ultimamente ― O Bernardo mesmo do outro lado do mundo ainda tem que estragar tudo!

― Você ainda gosta muito dele, não gosta? – Artur levantou-se também, pacientemente. Ele se aproximou de mim, me fazendo parar quieta em um lugar. Com as mãos nos meus ombros, ele me olhava seriamente. Mas eu não conseguia retribuir.

― Por favor, não vamos falar sobre isso. Eu estou aqui, em BH, pra recomeçar, pra tentar seguir uma vida nova, fazer diferente.

― Tudo bem então. Não vou mais insistir. Eu queria que você pudesse se abrir comigo. Porque eu pensei que éramos amigos. – dessa vez ele fez drama, me fazendo sorrir. Ele não podia estar falando sério. Nós somos amigos! ― Eu gosto de você, Clarissa. Gosto mesmo, mas é que as vezes, você age como se não sentisse o mesmo.

Abri a boca para me justificar, mas então ele resolveu continuar.

― Eu sei que foi bem difícil pra você vir morar aqui, em BH, e deixar toda sua vida pra trás. Eu parecei por algo parecido, você sabe. Eu sei que você só está aqui porque ele te feriu no passado, caso contrário, vocês ainda estariam juntos, em São Paulo, felizes e unidos. Eu sei que você quer muito tentar fazer diferente, mas que nem sempre é fácil como você gostaria que fosse – novamente ele tocou o meu rosto, olhando dentro dos meus olhos e tudo que eu pude fazer foi retribuir o olhar, hipnotizada. Como um feitiço. ― Eu só queria que você soubesse que se você está realmente disposta a fazer diferente, eu estou aqui, com você. E não é da boca pra fora não. Eu realmente estou aqui, do jeitinho que você quiser. Como amigo, como companheiro, como confidente... Da forma como você quiser! Pois eu gosto mesmo de você e estou disposto a te ajudar no que for preciso.

Emocionada com tais palavras, eu o abracei forte, esticando meu corpo todo, já que ele é tão alto comparado a mim.

Faz falta pessoas assim, que digam na sua frente exatamente o que você deseja ouvir pra se sentir um pouquinho melhor, mais viva. E o Artur, sempre tão parceiro e fofo comigo, parece saber direitinho o que se passa dentro de mim. Coisa que só o Bernardo era capaz de saber, ou adivinhar. Por isso, fiquei muito feliz em ouvi-lo dizer tais coisas. Sentia que poderia contar com ele pra qualquer coisa.

― O que você quis dizer com, a parte do, “eu serei pra você o que você quiser que eu seja”? Eu não entendi. – perguntei, confusa.

― O que eu quis dizer? Bom – ele sorriu, sem jeito. ― Eu quis dizer que pra mim tudo bem, se você quiser algo muito além do que a amizade, porque eu, certamente, estou certo do que eu quero. E nesse momento, eu quero você. Apenas você.

Dito isso, ele me puxou devagar pela nuca, colando seus lábios nos meus, fazendo meu corpo todo se energizar.

O seu beijo me causava sensações diferentes, mesmo sendo muito bom e prazeroso. Lento e doce. Romântico e suave. Sensações um tanto estranhas, por serem novas. Mas eu, sem dúvidas, poderia me adaptar a todas essas estranhezas, pois o seu beijo me dava vontade de sempre mais e eu não sei se seria capaz de parar com isso.

― Eu quero te fazer esquecer. – ele sussurrou, segurando meu rosto com as duas mãos grandes. ― Me deixa te fazer esquecer?

― Eca! – alguém nos interrompeu antes que eu pudesse lhe dar uma resposta. Esse alguém, infelizmente ou felizmente, agora dividia o quarto comigo. ― Parem de nojeira no meu quarto! Eu preciso dormir.

Ótimo. Agora eu tenho uma irmã megera.

― Desculpe pela inconveniência da minha doce irmã. – ironizei, olhando para o Artur corado a minha frente. ― Vamos? Já está tarde.

Eu o acompanhei até a porta.

― Sobre a pergunta que você me faz alguns minutos antes... Eu queria te pedir um tempo. Pra pensar melhor sobre isso. Não que eu não queira, não é isso. Eu só preciso de...

― Tudo bem, Clary, - ele sorriu, dando-me um rápido selinho. ― Você não precisa responder agora. Teremos muito tempo pela frente! O mais importante nesse momento é que você possa confiar em mim e que possamos ser amigos acima de qualquer coisa. Com o tempo a gente vê no que isso vai dá.

Dei-lhe um último abraço, agradecida por ele ser tão bom comigo.

― Nos vemos amanhã. – e ele se foi, deixando-me pensativa.

― Pelo visto você esqueceu bem rapidinho o Bernardo, não foi? – Isabel passou por mim, indo até a cozinha para beber um copo com água. ― E vocês viviam dizendo que era amor verdadeiro. Ahãm! Acredito.

― Isabel! – a repreendi, brava por sua ousadia. ― Não se meta onde não é chamada! Você não tem nada a ver com isso. Nem você! Nem ninguém! Então por favor, vai dormir e vê se me esquece.

Às vezes eu precisava ser bem dura com ela, porque ela realmente havia desenvolvido o dom de me irritar.

Deitei-me sobre a minha cama, acomodando-me para ir dormir. Minha cama fica mais próxima da porta que dá pra sacada e em noites como está, gosto de deixar a porta entreaberta para sentir o ar fresco entrar pelo cômodo.

Sempre durmo de costas para a minha irmã, não gosto que ela fique reparando em mim enquanto durmo. Não agora que ela me odeia, não temos tido uma relação muito boa. E o pior é que ainda temos que dividir o mesmo quarto, coisa que não estávamos acostumadas.

Isabel dormiu em questão de segundos, ela é muito boa nisso. Diferentemente de mim, ela está estudando no período da manhã e tem feito várias amigas pelo colégio e no prédio, o que é muito bom, assim ela não fica horas e horas no computador ou no celular falando com o Eduardo.

Já eu, só tenho o Artur, meu pai e o Yuri, que não é nada mal também. Ainda tenho a Marina, mesmo a distância e o Miguel.

Não conseguir dormir de imediato e fico um bom tempo pensando na vida, deitada de barriga pra cima encarando o teto do quarto com apenas o abajur ligado.

Será que naquele momento, o Artur também pensava em mim?

E o Bernardo, ainda estaria pensando em mim mesmo depois de tudo?

― Filha, ainda acordada? – Vicente disse baixinho, aproximando-se da minha cama. Estava tão distraída que nem se quer havia percebido que ele acabara de chegar do trabalho, mesmo passando das onze da noite.

― Estou sem sono. – digo, esboçando um sorriso.

― Tente dormir. – ele beijou a minha testa, fazendo-me fechar os olhos por alguns segundos ao sentir o seu amor através de um simples gesto. ― Eu amo você querida. Qualquer coisa, estou no quarto ao lado.

Antes de sair ele deixou um barra de chocolate para cada uma de nós sobre o criado-mudo como um agrado.

Eu amo o meu pai.

Sorrindo atoa, senti quando Pepel pulou sobre a minha cama e se acomodou entre as minhas pernas sobre o meu lençol.

Acabei dormindo sem nem perceber, preparada para mais um dia dessa minha nova vida.


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Notas finais do capítulo

Gostaram de conhecer um pouquinho do novo personagem? Espero que sim. Ele trará muitas surpresas! Comentem! O próximo capítulo será narrado pelo Bernardo.



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