Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 45
Capítulo XLIII


Notas iniciais do capítulo

Eu perguntei a você anteriormente do que vocês achariam se os próximos capítulos dessa segunda parte da história fossem narrados também pelos outros personagens, mas nem todos se manisfestaram, então eu decidi o seguinte: ainda vou continuar narrando os capítulos alternados pela Clarissa e pelo Bernardo, mas algumas vezes vou fazer uma troca com os outros personagens porque eles também são importantes para o contexto e é importante que vocês vejam as coisas através de outros olhos, com uma outra visão desse romance.



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Três meses se passaram desde então e mais parece um século com todas as mudanças que ocorreram da vida de todos. Nenhum de nós escapou. A mudança da Clarissa afetou a todos, em todos os sentidos.

No espelho vertical do meu quarto branco com detalhes vermelhos que preenche praticamente a parede inteira, estou acabando de me arrumar.

Meu cabelo preto que antes era longo agora está bem mais curto em um corte reto e escorrido. Já não uso mais aquela franjinha cobrindo a testa que praticamente fazia parte da minha identidade desde que eu era bem pequena – apesar de não ter crescido muito, ainda com meu 1,55 de altura. Com a chegada de um novo ano, eu optei por uma franja de lado que me deixa mais madura aparentemente.

― Você está linda, Mari. Não há com o que se preocupar. Você sempre estará linda. – através do reflexo do espelho, eu o vejo se aproximar por trás de mim. Afastando meu cabelo dos ombros para dar-me um beijinho no pescoço. Fecho os olhos, sentindo seus lábios quentes em contanto com a minha pele. ― Mas agora precisamos ir, ou então vamos atrasar para a aula no cursinho.

Ele tinha razão, e eu adorava como ele sempre tinha razão de uma maneira muito sutil. Miguel me trata como eu sempre desejei ser tratada como mulher. Ele é paciente, carinhoso, romântico, compreensível, fiel e acima de tudo, meu amigo.

Mas principalmente hoje, pra mim, ele é ainda mais bonito com sua pele clarinha, os cabelos curtos castanhos-claro lisinho e fino, olhos amendoados, corpo magro, o sorriso torto que puxa só um canto da boca e cílios espessos.

Pra você que não está entendendo nada, eu vou explicar tudo, desde o começo. Porque até pra mim costuma ser complicado, quando eu olho a minha volta e vejo todas as mudanças que eu nunca se quer cheguei um dia a imaginar que aconteceriam dessa forma.

O melhor de tudo, é que a vida realmente me surpreendeu em cada detalhe, apesar de ter dado um volta de 360º, tirando tudo do lugar e substituindo por coisas novas.

A Clarissa, minha melhor amiga, foi embora um pouco antes das festas de fim de ano, que não chegaram nem perto de serem as melhores de nossas vidas. Digo, no geral. Foi muito difícil me acostumar com a ideia de que ela não faria mais parte de nossas vidas nos primeiros dias, porque eu estava mesmo adorando a ideia de finalmente ter uma melhor amiga. Logo eu quem sempre estive rodeada pelos meninos, e não tenho do que me queixar, todos os quatro eram maravilhosos comigo. Mesmo assim, eu senti muita falta dela e mesmo que ela continuasse me ligando todos os dias, eu continuaria sentindo a sua falta, pois eu realmente a amava. E é muito difícil ficar longe de alguém que a gente quer tanto por perto.

O natal eu passei em casa mesmo, apenas com meu familiares e o fim de ano, com os meus amigos, exceto a Clarissa e a Isabel. Fizemos de tudo para tornar aquela noite especial, mas apesar de todos os esforços foi um desastre. Meu namoro com o Gustavo que já não estava lá essas coisas, chegou ao fundo do poço. Eu bem que tentei evitar, ele também parecia estar dando o seu melhor, mas eu acredito que, quando uma coisa tem que acontecer, ela realmente acontece.

Na virada do ano velho para o novo, eu refleti sobre a minha vida, mais especificamente na minha vida amoroso e eu sabia, eu sentia, que não estava nada bem e nem iria ficar, porque já estava tudo acabado antes mesmo de dizermos isso um ao outro. Ao invés de me sentir feliz pelo começo de um novo ano que geralmente significava o remoço, um uma nova oportunidade, eu me senti infeliz, porque tudo aquilo que eu amava não estava exatamente do jeito que eu gostaria que estivesse.

O Gustavo deve ter sentido a mesma coisa, e só esperamos o dia clarear, marcamos de nos encontrar e colocamos um fim no nosso namoro que já estava terminado há muito tempo, com todas aquelas nossas crises que nos afastaram lentamente. Eu teria tomado essa atitude antes se soubesse que não doeria tanto, pois realmente não doeu quase nada e isso foi um alivio enorme pra mim. Não que eu não o amasse mais, porque certamente eu o amaria para sempre por ter sido tão importante pra mim por um pouco mais de um ano e algo assim a gente não esquece, nem mesmo se quiser.

Eu não sofri, eu não chorei, eu não me senti mal, eu não fiquei triste, não me faltou apetite e nem vontade de seguir em diante. Pelo contrário, eu me senti liberta, me senti satisfeita, aliviada e bem. E ainda mais, sem qualquer tipo de rancor ou ressentimento, porque nós dois ficamos muito bem um com o outro, como costumava ser antes de começarmos a namorar e nos tornamos apenas amigos. Claro que ninguém é de ferro e sempre que algo significativo chega ao fim, precisamos de tempo, espaço e não é como se esperássemos que tudo, absolutamente tudo, fosse como antes de nos envolvermos. E mesmo continuando a sermos amigos, tínhamos lá nossas limitações.

As festas de fim de ano não foram boas pra ninguém, para nenhum de nós cinco amigos. Houve o meu termino com o Gustavo e o início da nossa amizade; o coração partido do Bernardo pela partida da Clarissa, em que ele ficou dias sem nem conseguir sorrir ou ter animo para qualquer outra coisa, apesar de se esforçar bastante para disfarçar que não estava na pior; o namoro a distância do Edu com a Isabel, que estava sendo bem mais difícil pra eles do que o esperado e por fim, a ficha do Miguel realmente caiu, quando ele percebeu que estava deixando os amigos para trás por um garota que nem se quer gostava dele, apenas fingia, para conseguir o que quisesse, já que ele estava sempre disposto a fazer tudo por ela, como um escravo do amor.

Foi durante as férias de janeiro, após as festas, que eu e o Miguel começamos a nos aproximar de uma maneira que não achávamos que era possível, porque até então, já éramos muito amigos. Mas isso só aconteceu, porque o Bernardo que há muito tempo era o melhor amigo do Miguel não estava conseguindo conciliar sua dor pela perda da Clarissa com a sua vida, o Eduardo sofria pela distância da Isabel e o Gustavo foi viver uma fase da vida dele que eu não permitia quando éramos namorados, a vida na farra. Isso tudo fez com que eu e o Miguel sobrássemos no grupo, tendo somente um ao outro.

No fim das férias de janeiro, eu e o Miguel percebemos que, sentíamos um pelo outro, algo que ia além da amizade. Ele foi o primeiro a se declarar, coisa que nunca esperei dele. Eu fiquei muito assustada, confusa e com medo, que o inicio de algo acabasse com todo o resto, por puro egoísmo da nossa parte, afinal, eu também estava perdidamente apaixonada por ele, que era só meu amigo, fazíamos tudo juntos, aquelas típicas coisas que costumávamos fazer quando éramos nós cinco, e aí, sem nem precisarmos nos beijar, tocar um ao outro, de repente, éramos só nós dois e não foi como se pudêssemos evitar, pois simplesmente aconteceu, nem eu ou ele planejamos isso.

Quando ele se declarou, eu pedi um tempo para poder absorver aquela ideia, aquela nova realidade entre nós. E ficamos afastados por algumas semanas, mas foi só ainda mais difícil pra mim, porque longe dele foi que eu percebi que a minha vida toda eu tinha esperado conhecer um garoto exatamente como ele, que esteve ali, sempre de baixo do meu nariz, mas eu não percebi. Nós não percebemos e tivemos que nos enganar com outras pessoas, com outras histórias, outras experiências, todas elas erradas, para enxergamos o que não queríamos ver.

Eu fui atrás dele, um pouco antes das aulas retornarem nas semanas seguintes e também me declarei. Começamos a namorar naquele momento, e, foi como se eu vivesse em um conto de fadas, pois nada com o Miguel era como quando eu estava com o Gustavo, pois além de serem pessoas completamente diferentes, eu também sentia coisas diferentes por eles. O que um dia eu senti pelo Gustavo e acreditei ser amor verdadeiro, eu descobri que estava enganada quando estava com o Miguel, que me trata como uma princesa.

Ele fica ao meu lado sempre que eu preciso, ele me presenteia, vamos passear, fazemos programas diferentes tentando sempre fugir da rotina, ele entende meu jeito mandão de ser, compreende meus defeitos, me admira mesmo quando eu não estou falando nada, me abraça mesmo sem eu pedir, se declara muitas vezes por dia, vai a minha casa mesmo sem avisar, me telefona de madrugada para conversar, seca minhas lágrimas, me consola quando eu me sinto mal por alguma coisa, me faz rir até a barriga dor com suas histórias, me permite fazer parte de toda a sua vida, vai me buscar nos lugares, me protege quando eu sinto medo, me abriga quando eu me sinto perdida, é sincero comigo de maneira sutil, me elogia quando eu me sinto feia, me faz acreditar que tudo é possível, me escuta durante uma briga ou discussão e me ama de todas as maneiras possíveis, assim como eu o amo.

O resto de nós agiu de formas diferentes ao saber da novidade: o Bernardo ficou meio surpreso, mas logo depois adorou a ideia e até festejou conosco; o Edu não deu tanta importância, ele ainda é daquele jeito dele, a gente nunca sabe o que exatamente ele tem em mente e o Gustavo aceitou tudo muito bem, até porque ele estava mais pra lá do que pra cá, com suas novas amiguinhas e sua vida festeira.

― Agora vamos. – virei-me pra ele, dando-lhe um rápido beijo e sorrindo. ― Ou o Bernardo vai nos matar pela demora!

O cursinho pré-vestibular começa as duas da tarde todas as terças e quintas-feiras e vai até as seis e quarenta da noite.

Eu, Miguel e Bernardo somos da mesma turma, decidimos que era hora de avançar quando nos demos conta de que esse é o último ano no colégio, o tempo passa depressa e no final do ano vem o vestibular, que é quando vamos decidir o rumo dos nossos futuros.

― Ainda bem que chegaram. – o Bernardo suspirou. Os raios solares projetando-se em seus cabelos negros agora mais curtos do que normalmente era. Seus olhos daquele azul-claro invejáveis. ― Eu pensei que teria que esperar a tarde toda por vocês.

― Sempre tão dramático. – reviro os olhos, rindo. Aproximo-me dele para cumprimenta-lo, sentindo o cheiro do seu perfume que desde que eu me lembre ainda é o mesmo, suave e marcante. ― Vamos entrar? A aula começa em dez minutos.

Fomos um dos últimos a entrar em sala de aula.

Eu e o Miguel fomos nos sentar nos últimos dois lugares vagos no fundo na sala perto da janelas. E o Bernardo ficou satisfeito em sentar no único lugar que restara, no meio da sala, entre um grupo de meninas bem antipáticas das quais eu não me dava bem e preferia distancia ou então ignorar a existência delas. O único problema, é que agora, a Letícia, irmã gêmea do Edu está entre elas, a garota mudou bastante, e por mais que eu tente evita-las, devo no mínimo ser simpática com ela por ser irmã de um dos meus melhores amigos.

O Bernardo é bastante amiguinho delas, e deve ter ficado contente em ser recebido com todos aqueles sorrisinhos irritantes.

Quando a Clarissa foi embora eu não posso nem imaginar o quanto o Bernardo sofreu por isso. Certamente ele foi quem mais sofreu com a partida dela. Antes das aulas começarem, ele praticamente não saia de casa, não queria saber de nada e ninguém. E nós, como seus amigos, demos tempo a ele. Eu sei que, ainda hoje, depois de alguns meses, ele ainda tenta disfarçar e camuflar a dor, porque se tem alguém que ele amou nessa vida foi a Clarissa, o tipo de amor que ele só poderia sentir pela Liz ou pelos pais; mas de um tempinho pra cá, o Bernardo tem agido de uma forma bastante estranha, apesar de normal para o estado dele.

Ele tem feito muitas amizades, muitas mesmo, com garotas de todos os tipos. Tem saído com elas, ficado entre eles, preferido estar com elas e certamente isso só está acontecendo, porque ele definitivamente caiu em si, percebendo que a Clarissa nunca mais vai voltar e que a vida deve continuar acima de qualquer coisa. Mesmo não sendo a mais certas das escolhas, ele tem encontrado saídas diferentes para se livrar da tristeza.

Ele já não conversa mais tanto sobre essas coisas, nem comigo, nem com o Miguel, nem com ninguém. Por isso, tudo que sei nos últimos tempos é pura intuição. Eu não tenho certeza de nada. Me baseio apenas no que vejo. Mas, mesmo assim, não acho que seja certo ele agir assim, ainda é cedo pra pensar nessas coisas do tipo afetivas. Tá, eu sei. Eu sei que deveria ser uma das primeiras pessoas a apoiar ele, mas não posso, não consigo, não gosto que ele se relacione com esse tipo de garota. Não esse tipo vazio de garota. Eu não deveria me meter, é claro. Mas tenho gostado muito menos do relacionamento entre ele e a Letícia.

Até quatro meses atrás, no ano passado, antes de tudo desmoronar, a Letícia era só mais uma garota normal, apesar de ser a irmã gêmea do nosso grande amigo Eduardo. Ela fazia aquele tipo de garota tímida, apagada, quietinha, muito intelectual, que não saia de casa, tinha poucos amigos, muito discreta e que só tinha tempo para estudar. Mas que resolveu se relevar, assim, de uma hora pra outra, transformando-se em um alguém completamente diferente do que estávamos habituados.

Hoje, ela faz parte desse grupinho de garotas histéricas, vazias, cabeça oca, fúteis, forçadas, que só pensam em garotos e roupas novas, cabelo, maquiagem, cor de tiaras, preços de bolsas e todo essa babaquice da qual eu nunca fui muito fã.

O Bernardo tem tentado conciliar sua nova vida, essa nova fase, de fazer o último ano no colégio na parte da manhã, algumas vezes por semana ir para o cursinho pela tarde, outros dias da semana trabalhar no shopping da cidade como auxiliar geral para ajudar no sustento de sua filha. E pode até parecer exaustivo essa sua nova rotina, mas ainda assim ele encontra tempo para sair à noite para beber, dançar, conhecer garotas, paquerar. Basicamente, ele já não é mesmo Bernardo de antes.

Não sei se isso é algo positivo ou negativo.

― Você acha que eles estão namorando? – o Miguel me cutucou, sussurrando para não atrapalhar a aula de matemática. Mas eu já estava muito dispersa antes de ele interromper meus pensamentos. ― Ele não falou nada comigo até agora.

― Nem comigo. – eu balancei a cabeça, inconformada. ― Mas não sei, acho que eles estão... Ficando. – digo, observando o Bernardo mais à frente trocando bilhetinhos bem misteriosos com a Letícia. ― O que o Edu acha de tudo isso? Tem falado com ele ultimamente?

― Na verdade, não. – o Miguel parecia abalado com essa ideia. ― Ele tem se afastado cada vez mais. Temos tido pouco contanto. Nos vermos apenas pela manhã no colégio. – ele abaixou a cabeça, tristonho. ― Não somos mais como antes. Nenhum de nós.

Não era só o Miguel que ficava triste com essa ideia, eu também sentia muito por tudo isso. Mas já estou me acostumando, não é como se eu já não esperasse por isso. Uma hora ou outra as pessoas de quem gostamos sempre acabam se afastando por algum motivo, é inevitável.

Ainda mais nessa fase de nossas vidas, onde as coisas começaram a tomar um rumo certeiro. Cada um indo para o seu próprio lado.

― Ainda bem que eu tenho você. – sorriu, pegando-lhe sua mão. Ele beija a minha cabeça, sorrindo também.

Eu o amo cada vez mais.

Depois do cursinho seguimos até a casa do Miguel, e o Bernardo foi ao centro com suas amigas. Ou seja lá o que elas fossem dele, estava decidida a não me preocupar tanto. Ele já está bem grandinho, já é até pai, não tem porque eu ficar atrás dele seguindo todos seus passos.

Aline, estava com as panelas no fogo e falando ao celular. Nunca pensei que pudesse ter uma sogra tão bacana como ela, que já era pra mim praticamente uma melhor amiga. Conversamos sobre tudo, e ela é a melhor conselheira que alguém poderia ter.

― Olhem as panelas pra mim queridos. – ela anunciou, saindo de cena. ― Estou falando com o Vicente. É rapidinho.

Apesar do Miguel odiar essa situação, eu disse:

― Mande um beijo pra ele e para as meninas. Peça a ele para dizer a Clarissa que me ligue mais tarde.

Miguel bufou, sentando-se a mesa. E eu, uma nora muito prestativa fui dar uma olhada no jantar e aproveitei para mexer algumas panelas enquanto Aline não voltava. Quando terminei, sentei-me perto do meu namorado e beijei o lado esquerdo do seu rosto, vendo-o emburrado. Todo tão bonitinho.

― Mude já essa carinha. – eu brinquei. ― Detesto te ver assim.

Jantamos a seguir e a noite foi maravilhosamente boa.

Em casa, já no meu quarto, fiz o dever de casa para a aula de geografia do dia seguinte. Ainda era cedo quando terminei, ia ligar a minha tevê e conectar o cabo HDMI ao Notebook para assistir uma das minhas series favoritas: The Vampire Diaries. Quando meu celular tocou feito um louco sobre a cama, deixei tudo que estava fazendo e fui atender.

Era a Clarissa, como eu já imaginava. Ela sempre ligava.

― Ufa, finalmente. – joguei-me na cama com o celular em mãos, e um sorriso bobo no rosto. ― Pensei que não iria ligar hoje.

― Eu sempre ligo, não é? – ela riu, do outro lado da linha. ― E ai, me conta com vão as novidades por aí.

Eu já sabia, estava careca de saber que quando ela queria saber das novidades, ela nunca, em hipótese alguma, queria que eu falasse sobre o Bernardo. Nem adiantava eu insistir. Eu poderia falar absolutamente de tudo, exceto o que envolvesse o Bernardo.

O nome dele nunca era mencionada entre nós. Não mais.

Contei pra ela um pouco sobre o meu namoro com o Miguel, ela fora a primeira a saber de tudo e a primeira também a apoiar. Mesmo a distância, ela ainda era a minha melhor amiga. Falei sobre o colégio, sobre os professores e alguns colegas em comum. Queria que ela ainda se sentisse entre nós, não literalmente, mas em parte. Falei sobre o cursinho, deixando de fora as meninas antipáticas e que o Bernardo viviam com elas pra cima e pra baixo. E falei um pouco sobre a minha vida rotineira.

Não havia muito o que contar, já que nos falávamos praticamente todos os dias e conversávamos sempre das mesmas coisas para atualizarmos uma a outra a distância.

― Agora é sua vez. – passei o dedo na franja, afastando-a dos olhos. Era uma mania. ― Me conta tudo! E aquele seu vizinho?

Há alguns semanas atrás Clarissa havia me contando que conhecera um garoto no prédio onde ela estava morando e que os dois estavam tendo uma amizade bem bacana. Eu, é claro, como uma boa amiga, fiquei muito empolgada com a ideia.

― Por enquanto prefiro não contar nada. Estão acontecendo umas coisas. Mas só vou contar pra você quando eu tiver certeza.

Clarissa adora me enrolar. Ela se diverte. Mas eu detesto me sentir por fora, queria poder estar por dentro de absolutamente tudo.

― A Clarissa ligou ontem pra você? – no outro dia, durante o intervalo no colégio o Miguel aproveitou para perguntar enquanto o Bernardo está distraído, conversando aos risos com uma garota qualquer. Ele pergunta tudo, a gente conversa muito. Não temos nada a esconder um do outro. ― Você parece muito feliz.

― E estou. Eu adoro quando ela me liga. Não é como se estivéssemos separadas por dois estados. – faço um biquinho, apoiando minha cabeça no ombro dele. ― Conversamos até meia-noite.

― E o que ela falou? – ele sorriu, curioso. Eu nem sempre digo tudo o que ela falou, algumas coisas são bem particulares. De amiga pra amiga. Coisas nossas. Não é como se o Miguel necessariamente precisasse saber de tudo. E ele entende isso muito bem.

Não faz o tipo ciumento.

― Quem falou? – naquele instante o Bernardo virou-se de frente para nós, surpreendendo-nos. Antes mesmo de eu ter tempo de responder a pergunta do Miguel. ― A Clarissa te ligou?

Ele olhava diretamente pra mim, sério.

― Como ela está? Ela está bem, não está?

Ele sabia, claro que sabia, sem eu nem precisar dizer. Sabia que a Clarissa me ligava praticamente todos os dias. E ele sempre fazia a mesma pergunta: queria saber como ela estava. Pois apesar de ele dizer que a esquecera – o que eu não acreditava e jamais acreditaria - ele ainda se importava e se preocupava. E bom, fazia muito tempo que ele ou ela não sabiam nada um do outro, por preferirem assim.

Ainda tento entender esses dois.

Ainda se amam, é nítido. Mas preferem negar os próprios sentimentos, para os amigos e para eles mesmos.

O sinal para o termino do intervalo soou naquele instante.

― Ela está bem, Bê. – levantei-me, puxando o Miguel comigo para sair logo dali antes que a situação se complique. ― Não se preocupe.

Essa era a minha função – a pior delas - a pedido dos dois: jamais falar do Bernardo para a Clarissa e não dar muitos detalhes da vida da Clarissa para o Bernardo, apenas o necessário. Se ela estava bem, para ele já era o mais importante. Saber mais que isso, não, de jeito nenhum.

Eu me sentia no meio do fogo cruzado.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram desse outro lado narrado pela Marina? Eu adorei escrever através dos olhos dela! Tentei ao máximo fazer disso algo não muito complicado, espero que tenha funcionado. Mas não se preocupem, o próximo capítulo volta a ser narrado pela Clarissa. Aguardem.



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