A Crónica de Vitória escrita por OlgAusten


Capítulo 2
Cap. 2: O Rei Caspian




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Vitória tropeçou por diversas vezes nos próprios pés, incrédula com a paisagem à sua frente. Estava fascinada, pra falar a verdade. Em momento algum se deteve a olhar pra trás – para o guarda-roupa esquecido. O sol vermelho irradiava por entre a clareira em meio à floresta de pinhais e, ali, a única coisa que lhe parecia familiar era um poste antigo, com o candeeiro aceso no topo. O achado simplesmente não condizia com a paisagem.

Esquecera-se por completo da viagem à Alemanha, do assédio de Morton e de sua mãe que – ela acreditava – ainda lhe está chamando na sala de estar. Mirou ao longe, por entre as colinas, avistando um castelo no mais belo estilo medieval erguido sobre pedras, rodeado por um vilarejo simples.

Se estava sonhando ou não, nem lhe importava. Vitória parecia estar diante de seu mais esperado destino. Tudo ali gritava o seu nome. Tudo ali lhe dava significado: as árvores dançando em meio à agradável brisa primaveril, a grama molhada, o sol lhe aquecendo a pele. Estava no paraíso, sem sombra de dúvidas. Seu paraíso particular. Ali, Vitória não passava de uma criança, descobrindo uma fantasia antiga em meio àquele doce devaneio.

— Ei — uma voz contundente lhe chamou. — Ei!

Vitória se voltou para o cume das árvores e nada viu, apesar daquela voz continuar a chamá-la. — Ei, aqui embaixo! — Seja lá quem fosse, tornou a exigir atenção.

— Wow! — a princesa exclamou, voltando-se para uma ratazana parada a poucos metros de si. — Nunca ouvi falar em beijos que surtissem alucinações.

— Beijos? Alucinações? — o animal repetiu.

— Devo estar enlouquecendo, ou me machuquei forte dentro daquele armário! — Vitória levou uma mão à cabeça. — Um rato falante, Deus do céu!

— Alto lá, senhorita de sotaque engraçado! — o pequenino bradou, empunhando a espada que trazia à bainha.

“Desde quando ratos trazem espadas à bainha? Aliás... Bainha?!”

— Oh! — Ela recuava à figura do animal. — Me perdoe, eu não quis ofendê-lo - - !

— Em nome de Aslam! Sou o cavaleiro Ripchip! — ele disse, avançando contra ela. — Um verdadeiro guerreiro de Nárnia!

Um passo em falso, no ato de escapar do pequeno cavaleiro, a fez tropeçar num rochedo prostrado ao caminho. Vitória caiu sonoramente de costas ao chão. — Não se aproxime! — bradou, meio zonza.

— Como chegou até aqui?! — ele a questionou pulando em cima dela, confrontando-a. — Quem é você? O que quer?

— Abaixe essa coisa, pequenino- - — ela retrucou em face da ponta da espada lhe espetando o nariz. — - - Senhor Blipdic!

— É Ripchip, senhorita! — o rato a corrigiu. — Terá de vir comigo até o rei...

— Rei?!

“Maldita seja a monarquia!”

— Sim, nosso Rei Caspian X! — ele disse, orgulhoso. — Há séculos ninguém entra por esse guarda-roupa. Qual o problema do Professor Kirke? Ele sabe muito bem que qualquer um com a imaginação muito fértil pode entrar em nosso mundo e - - Mas você é uma adulta, como conseguiu?

— O quê? — Vitória se sobressaltou, erguendo-se do chão. Ao se por de pé, agitou a terra que sujara o vestido verde-claro. O rato a analisava, assustado, medindo todos os movimentos feitos pela garota.

— Tem quantos anos, senhorita? — a pequena criatura lhe perguntou reparando o quanto Vitória era mais alta do que ele. — Não é uma criança, é?

— Não — ela sorriu. — Segundo a minha mãe, já estou em idade de casar! Não que eu queria. Na verdade, casar é a ultima coisa que eu quero, e - -

Ripchip revirou os olhos, impaciente. — Temos um longo caminho pela frente.

Uma longa caminhada pela floresta bastou para que logo estivessem em meio ao pequeno vilarejo que ladeava o grande castelo em pedra. Ali havia pessoas iguais a ela, trajando roupas de uma época muito distante da sua e, dentre esses moradores, criaturas estranhas... Ou seriam animais um tanto esquisitos?!

— Eles falam?

— Quase todos nós falamos!

“Quase?”

Tudo ali lhe parecia tão familiar que Vitória se perguntou o porquê de não ter caído dura ao chão no exato momento em que um grupo de centauros passou por ela, cumprimentando o pequeno ratinho. — Guerreiro Ripchip, aonde vai? — A voz da criatura saíra forte, respeitosa.

— Até o rei! — foi a resposta. — O guarda-roupa foi reaberto.

— Por quem? — o homem-cavalo perguntou sem ao menos mirar a jovem garota ao lado do roedor. — Esses telmarinos... — disse, voltando-se ao vilarejo — estão se rebelando novamente?

— Não, meu amigo — ele disse, mencionando Vitória. — Essa filha de Eva é recém-chegada do outro mundo. Não me pergunte como o Professor Kirke permitiu... Eu não saberia explicá-lo. As ordens de Aslam foram claras e agora nos aparece essa senhorita de fala engraçada.

— Ei! — ela meteu-se na conversa. — “Fala engraçada”? — repetiu, contrariada. — A fala de meu pai não é engraçada! Por anos mantive o mesmo sotaque dos Bragança, contrariando o lugar onde nasci e todo o horror da distância de meus antepassados! Espero ser respeitada por isso e nada mais! Agora me leve ao seu rei e deixe de conversas, meu amigo!

Ripchip a olhou dos pés à cabeça, aninhando a pena que trazia atrás da orelha, tornando a revirar os olhos com desdém. — Como eu ia dizendo, Ciclone, eu tenho que levá-la ao rei.

O palácio era belo como se esperava ser. Telmar, o nome da localidade, lhe foi dito. As paredes em pedra, o tapete vermelho ao chão, os cristais titilando nos lustres sobre sua cabeça... Vitória estava boquiaberta com a tamanha singularidade daquele salão. — Por anos, apenas os Filhos de Adão e as Filhas de Eva podiam passar por aqui — disse o pequenino. — Há pouco menos de um ano, graças a Aslam, Nárnia voltou a ser um lugar de comunhão.

Em pé, prostrada à frente do trono vazio, Vitória esquecia-se da beleza do castelo, desfazendo-se em tédio. — Senhor Ripchip! — ela chamou aquele que a acompanhava. — Não tenho todo tempo do mundo, se é o que está pensando.

— Ele está ocupado, senhorita! — o rato esbravejou. — Tem uma expedição marcada para daqui a poucas semanas. É normal que precise se ausentar por conta dos preparativos e - -

Ele pretendia continuar falando, mas a voz impaciente da garota lhe fez calar. — Eu também estou de viagem mais do que marcada, senhor! Se me dá licença, tenho que acordar desse devaneio, e- - !

... Mas, mais uma interrupção foi feita:

— Longa vida a Aslam e à Sua Majestade... — uma voz, acompanhada de um soar de trombetas, encheu o salão, anunciando a chegada do tão esperado rei. —... o Rei Caspian X.

Vitória estreitou os olhos e inflou o peito, erguendo o queixo à figura do tal rei. Todos que consigo esperavam se curvaram numa reverência, mas ela continuou de pé, firme, no aguardo da tal figura tão amada por seu povo.

Não se considerava uma princesa e nem tão pouco convivia com descendentes diretos da monarquia. A única realeza com que tinha contato era consigo mesma, mas, enquanto mantinha-se à espera do homem anunciado, criou em sua própria mente uma imagem estereotipada do tal rei.

Devia se tratar de um homem de meia idade, ou quem sabe até já idoso... Corpulento, sem sombra de dúvidas. Com os cabelos grisalhos, uma barba cheia, arrastando um longo manto vermelho e empunhando um cetro dourado numa das mãos. Era uma triste figura — Mas que viesse logo! — Vi já estava pronta para ser despachada há tempos!

Conforme a figura real se aproximava, Vitória se recusava a voltar-se para ele. Imaginava-o popular, do tipo que caminhava saudando a todos com uma maestria que só cabia aos monarcas. Enfim, a garota se colocava relutante, mirando o próprio orgulho.

— Senhorita? — uma voz jovial lhe disse, atraindo de pronto o olhar castanho da herdeira de Bragança.

Tratava-se de um jovem rapaz, trajando roupas simples, não passando de seus 22, 23 anos, sorridente e lhe estendendo a mão.

— Pois não? — ela lhe disse, retribuindo o gesto. — Esperava o seu Rei. Preciso acordar desse sonho estúpido logo, mas o seu amiguinho aqui... — mencionou Ripchip —... não me deixa ir embora - - Oh!

O jovem tomou sua mão, cumprimentando-a com um beijo. De pronto, Vitória enrubesceu em face daquele gesto... Não se lembrava de sentir o rosto arder daquela forma quando Morton o fazia.

Por um instante, Vi cessou com qualquer falatório, detendo-se apenas ao cavalheiro à sua frente: o cabelo escuro, comprido, ondulando na altura dos ombros, o rosto afilado que se erguia sorridente, emoldurado por uma barba não muito espessa, mas ainda assim negra, tal qual os olhos amendoados que jaziam pregados em si.

— Quem- - Quem seria o senhor? — ela perguntou, desviando o olhar do homem meio curvado que lhe falava.

O tom de voz de seu anfitrião seguiu gracioso: — Caspian, o X — disse calmamente, recobrando a postura.

— Como? — ela virou-se à sua figura. — O Rei?

”Como podia um rei ser tão... engraçado?”

O tom de voz do monarca decaíra uma oitava, num sussurro. — Sim — disse desconfortável. — E a senhorita? Posso chamá-la de...

— Vi... Vitória. — ela seguiu — Vitória de Bragança... E preciso voltar pra casa. Pro mundo “real”!

— Sente-se, por favor. — Em meio à sala privada do castelo, Caspian lhe ofereceu uma cadeira. — Foi a senhorita que reabriu o guarda-roupa, não? — disse, vagando em círculos.

— Sim, fui eu — Vitória lhe respondeu, aceitando o convite. Afinal, até chegar ali havia andado quilômetros. — Quero dizer... Acho que fui eu. — Estava confusa.

— Acha? — o moreno repetiu, indo ao seu encontro. — Como assim, senhorita Vitória?

Vitória engoliu em seco, e pôs-se a lhe contar o fato de ter entrado “por engano” naquele armário e de ter caído também “por engano” em meio aos pinheiros do Bosque do Ermo do Lampião. Caspian assentiu, entendendo mal as meias verdades que a garota dizia.

— De onde conhece o professor Kirke? — o rei quis saber.

— Eu não conheço. Não faço idéia de quem seja. Meu padrasto comprou o tal guarda-roupa num antiquário e é tudo.

Diferente de Aslam, Caspian nem se dava conta do que acontecera com o pobre professor. Jamais conhecera o homem, mas muito dele ouvira falar. Porém, nos últimos anos, após a partida dos quatro reis de Nárnia, Kirke Diggory perdera tudo com a guerra. Tudo: a mansão em que vivia, os empregados que mantinha. Numa atitude impensada vendeu o único bem que lhe dava algum prazer em viver.

— Aquela floresta é perigosa. Deu sorte de se encontrar com o nosso maior cavaleiro — ele sorriu. — Mas, me diga... Decerto que não encontrou nenhum problema por lá.

— Estou aqui, viva, Rei Caspian — ela disse, desviando do par de olhos negros que a fitavam. — Quer prova maior? — a pergunta era retórica. — Mas agora, me diga você, em qual momento poderei despertar deste devaneio?

— O que deixou de tão valioso por lá? — Caspian quis saber, ainda lhe sorrindo, alheio à ignorância de Vitória. — Houve uma época em que os narnianos tinham de tudo, e disso eles sentem falta, eu lhe garanto. Nossos amigos tinham abundância em sorrisos, árvores vivas, e palavras sempre certeiras na ponta da língua. Então viemos nós, os telmarinos, e lhes tiramos tudo.

Caspian achava engraçado o modo como a garota recém chegada se esforçava tentando não transparecer o que estava estampado em sua face. Havia ficado maravilhada com aquele universo.

— O que quer dizer com isso? — ela perguntou.

— Ainda não entendeu que sua vinda é fruto de um destino? Ou, ainda, uma vontade de Aslam?

A garota estava atônita. Não sabia quem ao certo poderia ser “Aslam”, mas, com certeza, notara ser o que aquela gente tinha de mais valioso. Algo de estranho, preso em sua garganta, apertando o coração, dizia “sim” às expectativas do Rei.

— Rei Caspian... — ela recuara um passo, desnorteada. — Quem é Aslam? O que ele quer da minha pessoa? — perguntou ainda a se afastar, mas o homem de cabelos escorridos à sua frente estendeu uma mão ao seu encontro como quem sela um acordo.

— Preciso de sua ajuda, Vitória de Bragança — ele confessou. Seu sorriso sincero tornara-se comum em meio à rara barba negra. — Aslam, depois, há de explicar tudo que precisa saber. Por hora, se está aqui, se não sabe por que veio e nem por onde voltar, acredito que encontrou o lugar pelo qual tanto procurava.

♦♦♦Continua♦♦♦


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Notas finais do capítulo

A Crónica de Vitória vai começar a ser postada na íntegra aqui no Nyah. No entanto, está já postada na sua quase totalidade no meu blog W/O TITLE. http://storieswithouttitle.blogspot.com Para quem quiser acompanhá-la também lá e não esperar pelo próximo capítulo, consultem o índice de capítulos que se encontra aqui no Nyah!!!

Espero que gostem e por favor, comentem!!!
Olg'Austen



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