Parte I - Ódio

IV
Galinhagem

A mente de Tiago Potter era um absoluto mistério para Lílian Evans. Desde que o quinto ano começara, ele pedia insistentemente que ela saísse com ele. Mesmo com todas as recusas – algumas até passavam o limite da boa educação que a ruiva recebera dos pais -, o garoto não desistia. Frequentemente, fazia um convite, esperando pegá-la desprevenida ou surpreendê-la o bastante para ouvir um “Sim”, mas isso nunca acontecia.

Afinal, Lílian Evans estava sempre alerta quando se tratava de Potter.

A garota perdera a conta de quantas vezes havia sido chamada para sair pelo moreno nas últimas semanas. A insistência dele era tanta que Lílian chegara ao ponto de nem ter mais energias para soltar desaforos e pragas contra ele, respondendo apenas “Não, Potter, não vou sair com você.”

Depois de muitas negativas, Tiago pareceu entender o recado. Passou uma semana inteira sem tocar no assunto ou importunar Lílian com o que quer que fosse. Para a garota, a atitude era um tanto suspeita, afinal Potter não desistia tão facilmente das coisas. Ao mesmo tempo, ela sentiu um peso sendo tirado dos ombros. Tivera alguns dias de paz, o que melhorou muito seu humor – todos na Grifinória notaram que ela estava muito mais sorridente.

No entanto, Lílian devia ter adivinhado que estava bom demais para ser verdade. Quando a Lua Minguante chegou, Tiago voltou a bombardeá-la com convites para encontros várias vezes ao dia. Enquanto grande parte das garotas de Hogwarts cochichava pelos cantos, disseminando a inveja que sentiam daquela monitora ruiva, Lílian fazia um grande esforço para fingir que nada daquilo acontecia com ela.

“Como você consegue?”, perguntou Marlene aos sussurros, vendo a amiga revirar os olhos pela milésima vez naquele dia. Potter havia acabado de chamar Lílian para sair mais uma vez, e fora prontamente dispensado.

“Como eu consigo o quê?” Lílian não encarou a amiga. Procurava um tópico específico no Animais Fantásticos e Onde Habitam, fingindo não ouvir os murmúrios direcionados a si.

“Como consegue resistir ao Potter?”, insistiu Marlene. Lílian a olhou por uma fração de segundo e voltou a folhear o livro. “Qualquer garota faria tudo para sair com ele, e você nem se comove!”

“Talvez porque eu não seja qualquer garota”, Lílian deu de ombros. “O que ele tem de tão especial, para todas quererem tanto sair com ele?”

“Ora, Lílian, por favor”, Marlene fez um gesto impaciente com a mão, que espalmou na mesa. A ruiva lançou um olhar de advertência pelo barulho, sem disposição para ser expulsa da biblioteca antes de concluir sua pesquisa. “Ele é o Potter.”

Para todas as garotas, aquela frase era auto-explicativa.

Para Lílian, também. Mas provavelmente ela via um contexto diferente.

“Justamente por isso. Ele é o Potter.”

Lílian não queria ser mais uma na lista de Tiago. Não era segredo para ninguém que ele saía com garotas diferentes ocasionalmente e não voltava a vê-las. Além de tudo o mais que a ruiva não suportava no comportamento do garoto, ela se recusava a ser mais um nome. Por este motivo, não importava quantas vezes Potter pedisse, ela não sairia com ele.

❀

Nos dias que seguiram, Potter continuou convidando Lílian para sair. Mas algo estava diferente. Tiago a chamava com menos freqüência que nos dias anteriores. E foi visto três ou quatro vezes saindo com a mesma garota. Aquilo era um evento inédito – e é claro que os cochichos pululavam pelo castelo como gafanhotos agitados, tentando descobrir se Potter estava enfim desistindo de Evans.

Lílian não deixou de notar isso também, mas agia como se não percebesse nada. Quanto menos atenção desse a Potter, melhor. Mas, como suas amigas adoravam provocá-la, tiveram que comentar o assunto naquela manhã de domingo à beira do lago negro.

“Então, Lílian, o que acha que Potter está armando?”, perguntou Dorcas, atirando uma pedrinha na superfície do lago e vendo-a quicar três vezes antes de afundar.

“Por que eu tenho que achar alguma coisa?”, Lílian, que também observava a pedrinha, ergueu os olhos para a amiga, confusa.

“Porque Potter está saindo com outra garota”, disse Marlene, como se fosse óbvio.

“E o que eu tenho a ver com isso?”

“Ora, ele não vive chamando você para sair?”, Dorcas atirou outra pedrinha, que desta vez quicou cinco vezes.

“Isso só prova que ele não vale nada”, Lílian deu de ombros e tamborilou os dedos nos joelhos, vendo a próxima pedrinha quicar seis vezes e afundar. “Você poderia fazer um campeonato disso, Dorcas.”

A loira riu e atirou outra pedrinha. Marlene revirou os olhos e desistiu de continuar irritando Lílian. As três continuaram conversando e jogando pedrinhas na água até a hora do almoço, quando tiveram que voltar ao castelo porque Marlene reclamava da fome.

❀

A sala comunal estava barulhenta como sempre, após o jantar. Lílian estava sentada em sua poltrona habitual, entretida na leitura de um livro, prestando apenas meia atenção à conversa de Dorcas e Marlene – agora sobre o que queriam comprar na próxima visita a Hogsmeade.

O buraco do retrato foi aberto e um grupo entrou conversando animadamente. Lílian tratou de erguer o livro o bastante para que não pudessem ver seu rosto, mas isso não impediu Tiago de ir até ela enquanto Black continuava conversando com Remo e Pettigrew.

“Olá, meninas”, cumprimentou Potter, recebendo sorrisinhos simpáticos de Dorcas e Marlene. Lílian continuou fingindo que lia (já se perdera no texto). “Evans, quer ir a Hogsmeade comigo no próximo fim de semana?”

Lílian tirou o livro da frente do rosto e analisou friamente aquele sorriso que derreteria qualquer garota – e provavelmente o motivo de tantas aceitarem sair com ele. Potter não alterou sua expressão, mesmo que soubesse a resposta.

“Você devia ter a decência de não me convidar quando está saindo com outra, Potter”, disse a garota, por fim, voltando a abrir o livro em seu colo.

“Ora, lírio, está com ciúme?” Tiago estendeu a mão em direção ao queixo de Lílian, mas a garota afastou sua mão antes que ele a tocasse. “Eu a dispenso imediatamente, se você disser sim.”

“Pode continuar com ela, então. Mas faça um favor a nós dois e pare de me chamar para sair”, Lílian revirou os olhos. Tiago leu nos olhos dela o “Não vou entrar para sua lista” e recolheu a mão, sem desmanchar o sorriso.

“Você ainda vai mudar de ideia, lírio.”

“Evans”, Lílian corrigiu, automaticamente.

“Vai mudar”, Tiago alargou o sorriso. Fez uma mesura para Dorcas e Marlene antes de voltar para perto dos amigos. Lílian já estava com o rosto atrás do livro quando suas amigas a encararam.

“Sabe, pareceu mesmo que você estava com ciúmes, lírio”, comentou Marlene. Dorcas deu uma risadinha quando Lílian quase acertou o livro no braço da amiga.

“Não seja ridícula, Marlene. Por que eu teria ciúmes dele?”

Marlene deu de ombros e Dorcas voltou a rir. Lílian retomou sua leitura, ainda indignada com a falta de caráter de Potter. Como ele podia chamá-la para sair, se estava saindo com outra garota? E ainda dizer que podia dispensar a tal se ela, Lílian, quisesse? Quem ele pensava que era?

A resposta veio na forma dos suspiros e risadinhas que encheram a sala comunal quando Potter e Black sorriram para todas as garotas a caminho do dormitório. Ele é o Potter, é claro. Nunca vai deixar de ser galinha.