Parte I - Ódio

III
Insegurança

A aula de Transfiguração daquela quarta-feira fora a maior tortura da semana. A Prof.ª Minerva fizera uma prova prática surpresa com os alunos do quinto ano, e grande parte da turma estava se desesperando porque não teve bons resultados.

“Bem, senhores, devo dizer que estou muitíssimo desapontada”, disse ela, lançando um olhar severo à turma por trás dos óculos quadrados. “Não é porque são da Grifinória que podem se dar o direito de não estarem preparados para minhas provas.”

Houve uma onda de resmungos que parou quase instantaneamente quando os olhos da professora faiscaram. Ela respirou profundamente três vezes e continuou falando.

“Para que aprendam a lição, vou dobrar a carga de deveres dessa semana.”

“Isso não é justo!”

“Professora, a senhora não pode-”

“Ah, não posso?”, repetiu a Prof.ª Minerva, erguendo as sobrancelhas. “Devo lembrar, Srta. McKinnon, que sua nota foi uma das piores?”

Marlene se calou e manteve o olhar fixo na cadeira. Lílian lançou um olhar solidário à amiga, mas não se atreveu a fazer nenhum movimento em direção a ela. Qualquer ação de empatia ali poderia resultar numa detenção, a julgar pelo humor da professora. Ela continuava passando um sermão generalizado.

“... Vinte alunos, e apenas quatro conseguiram uma nota satisfatória. Normalmente ganhariam pontos, mas como castigo para a turma, não ganharão.”

Sirius Black abriu a boca, indignado, pronto para protestar e brigar com a Prof.ª McGonagall. Antes que ele pudesse proferir qualquer som, levou uma cotovelada nas costelas e olhou carrancudo para Tiago, que sussurrou, fazendo o melhor para esconder o sorrisinho convencido: “Deixa pra lá, Almofadinhas. Nós dois fomos os melhores, não precisamos disso.”

“Mas é uma baita injustiça, Pontas.”

“Eu não acho.”

“Não?”

“Ficamos à frente do lírio”, ele sorriu largamente, fazendo um discreto movimento com a cabeça na direção de Lílian, sentada três cadeiras atrás. “Isso é tão raro que eu realmente não vou me importar.”

“É verdade”, Sirius sorriu convencido. “Ela vai enfartar quando souber.”

Os risinhos dos dois chegaram à cadeira da ruiva, que entreouvira a conversa sem querer. Imperceptivelmente, Lílian deixou um suspiro escapar. Se Potter realmente ficara à sua frente naquela prova, ele ficaria insuportável pelo resto da semana. Pior ainda se Black se juntasse a ele nas gracinhas. Quando a Prof.ª Minerva os dispensou, a garota decidiu passar na ala hospitalar para conseguir alguma poção calmante com Madame Pomfrey.

Ela definitivamente ia precisar.

❀

Chegando à sala comunal, após o jantar, Lílian viu que a decisão de pedir calmantes na ala hospitalar fora a melhor do dia. Ela mal pisou no chão atrás do buraco do retrato e o sorriso presunçoso de Potter quase a cegou, vindo de perto da lareira. Novamente, ele estava rodeado por algumas pessoas que o parabenizavam, desta vez por ter sido o melhor na prova surpresa. Podia parecer que ela estava incomodada com isto, mas Lílian realmente não se importava de não ser o primeiro lugar da turma de vez em quando.

O problema era o que viria a seguir.

Potter, ainda exibindo aquele sorriso idiota e recebendo tapinhas de Black no braço, levantou e foi até ela. Lílian respirou fundo e começou a analisar o ambiente, calculando suas possibilidades de escapatória antes que Potter a impedisse de se jogar na cama e dormir profundamente.

Mal teve tempo de olhar para as escadas porque sua visão foi obstruída por aquele garoto exibido que a encarava com um ar que mesclava superioridade e animação.

“Como vai, lírio?”, perguntou num tom galante que faria todas as meninas presentes na sala terem uma taquicardia severa.

“É Evans, já disse”, resmungou Lílian.

“Está bem, Evans. Como se sente?”

“Por que pergunta isso?”

“Ora, não é sempre que eu passo você nas notas, não é?”, Lílian arqueou uma sobrancelha, assimilando o que Potter queria dizer. “Estão todos muito admirados, sabia?”

Uma garota sentada no braço da poltrona de Sirius alteou a voz para que Lílian ouvisse: “Ora, Evans, você devia admirá-lo pelas notas também! Afinal você gosta de caras inteligentes!”

Lílian voltou o olhar para Potter.

“Então é isso?”, perguntou, sem alterar seu tom. “Você quer que eu o admire por ter me passado na prova?”

“E, se puder, saia comigo também”, disse Potter, bagunçando os cabelos de propósito.

Lílian bufou. “Saia da minha frente, Potter.”

“Você ainda não respondeu, lírio.”

“Evans”, ela corrigiu automaticamente. “E não vou sair com você. Nem vou admirar nada”, retrucou, vendo a presunção de Tiago vacilar por um segundo. “Se você tem que recorrer a esse tipo de coisa para chamar atenção e conseguir admiradores, não passa de um moleque inseguro”, murmurou entre dentes. “Agora, por gentileza, saia da minha frente.”

Potter continuou parado por alguns segundos, assimilando o que Lílian dissera. Naquele curto tempo em que se encararam em silêncio, a garota notou algo diferente nos olhos dele. Algo que a incomodou mais do que aquela cena ridícula de agora há pouco. Ele, então, deu um passo para o lado e forçou um sorriso travesso.

“Não foi desta vez, hein? Mas você ainda vai sair comigo”, e piscou, voltando para sua poltrona.

Lílian revirou os olhos e subiu as escadas com passos pesados. Quando se jogou na cama, minutos mais tarde, prestes a adormecer, não dormiu de imediato, como gostaria. Uma vozinha sussurrava em sua mente, afastando o sono: Você pegou pesado desta vez, Lílian.