Parte I - Ódio

II
Joguinhos

Lílian movia a pena a esmo alguns centímetros acima do pesado livro de Poções. Revisava a preparação de um antídoto, para ter certeza de que acertaria na prova do dia seguinte.

Chamava de prova, mas na verdade era uma simulação do que ocorreria nos NOMs, e o Prof. Slughorn deixara bem claro que não usaria a nota daquela atividade.

Quando teve que reler o mesmo parágrafo pela quinta vez, Lílian bufou e desviou os olhos do livro em seu colo para o grupinho barulhento próximo à lareira. Claro que tinha que ser Potter. Quem mais estaria importunando o estudo alheio? E Lílian sabia que os outros estavam incomodados, porque reclamavam aos murmúrios, mas ninguém tinha coragem de dizer ao grande Tiago Potter que ele estava sendo inconveniente.

Com um suspiro, Lílian ajustou seu distintivo de monitora no peito das vestes e levantou da poltrona. Recebeu um olhar confuso de suas amigas, Dorcas e Marlene, bem como de vários estudantes, mas não respondeu. Cortou a distância até a mesa bamba da lareira em poucos passos e parou diante dos garotos, ainda em silêncio.

Potter, que parecia ter um radar para sua presença, a viu primeiro.

“Olá, Evans. O que a faz atravessar a sala comunal até nós, humildes Marotos?”, perguntou num tom afetadamente floreado. Lílian revirou os olhos enquanto Black e Pettigrew sufocavam risadinhas. Remo parecia interessado em seu livro de Transfiguração e não esboçou reação alguma.

“Diminua o volume da reunião de sua alcova, Potter. Tem gente querendo estudar.”

“Estudar para quê? Slugue disse que não ia usar a nota, de qualquer jeito”, Potter deu de ombros.

“Isso não significa que todos serão irresponsáveis como você e Black”, retrucou Lílian. Sirius abriu a boca, como se fosse protestar, mas Tiago foi mais rápido.

“Não vi ninguém reclamar.”

“Porque todos têm medo do seu fã-clube.”

“E você não tem?” Potter abriu um sorriso torto.

Lílian admirou suas unhas e o encarou com indiferença. “Eu deveria?”

Black não fez esforço para esconder a risada desta vez. Lupin deu um ar de riso, mas não desviou os olhos do livro.

“Claro que não, lírio”, respondeu Tiago, após alguns segundos de debate interno sobre socar Sirius ou não. “Você tem a preferência.”

“É Evans para você. E não quero preferência de nada, só pare com o barulho.”

Potter a fitou por um momento, como se analisasse o que acabara de ouvir. Abriu outro sorriso enviesado que seus amigos conheciam muito bem.

“Eu paro”, disse ele, e Lílian imediatamente se virou para voltar à sua mesa. Tiago continuou antes que ela desse um passo: “se você sair comigo nesse fim de semana.”

Todos na sala comunal pararam o que estavam fazendo. A risadinha inconfundível de Marlene alcançou o grupo, mas foi ignorada. Lílian, bem consciente de que estava sendo observada, respirou fundo e voltou a encarar Potter.

“Não.”

“Então eu não paro.”

“Ah, para sim, senhor!”, Lílian alteou um pouco a voz, sem perceber.

“Só se você sair comigo, lírio.”

“É E-V-A-N-S! E nem que eu tivesse que escolher entre você e o Pirraça.”

Alguns colegas riram baixinho. Sirius deu um tapinha solidário no ombro de Tiago, murmurando “Essa foi dura, cara.” Potter o ignorou.

“Ora, lírio, o Pirraça é engraçado, mas você se divertiria mais se estivesse comigo.”

“Não quero saber! Pare de me chamar assim, Potter, e vê se fica quieto!”, exclamou Lílian, começando a perder a paciência. O sorriso de Tiago se alargou.

“Não paro e não fico”, desafiou. “O que você pode fazer, lírio?”

Pela primeira vez, Remo desgrudou os olhos do livro. Apenas para ver os olhos de Lílian faiscando – mau sinal. Tentando evitar o início da Terceira Guerra Mundial, chamou o amigo num tom que usava quando precisava exercer sua função de monitor: “Ei, Tiago...”

“Não, pode deixar, Remo”, interrompeu Lílian, e o garoto desistiu de apaziguar a situação. “Pois bem, Potter. O que eu posso fazer?”, ela fingiu pensar por um segundo. “Ou você fica quieto ou recebe uma detenção.”

“E quem é você para dar uma detenção ao Tiago?”, perguntou Sirius abruptamente.

Lílian apontou o distintivo. “A monitora, que tal?”

Sirius ergueu as sobrancelhas ao lembrar que ela tinha razão. “Ah, é. É justo.”

“Valeu, Almofadinhas”, resmungou Tiago.

“Mas ela pode”, Black deu de ombros. Potter o ignorou novamente.

“Ainda acho que seria mais fácil resolver isso se você saísse comigo, lírio.”

“Já disse que não. E estou aqui como monitora, Potter”, disse Lílian, completamente impaciente.

“Então saia comigo, monitora-lírio. Porque, você sabe, não adianta mais dizer que eu estou atrapalhando o estudo de alguns quando praticamente todo mundo parou de estudar para ver nossa adorável conversa.”

E foi assim que Tiago Potter conseguiu a décima detenção do mês. Lílian simplesmente odiava aqueles joguinhos irritantes que aquele garoto metido a dono do mundo fazia com ela, e odiava ainda mais quando ele tinha razão. Desta vez ela tinha caído na arapuca - mas aquilo não voltaria a acontecer. E ela iria garantir com Filch que Potter recebesse uma detenção digna de fazê-lo pedir perdão por ter nascido.