Parte I - Ódio

I

Vaidade

Lílian Evans estava irritada até o último fio de cabelo. Sentada numa poltrona a um canto próximo à janela da sala comunal, observava a festa que começara há três horas e não dava indícios de que ia acabar tão cedo. Estavam todos imersos na mais completa algazarra, como todas as vezes que o time da Casa vencia no quadribol. Música alta ecoava, os estudantes conversavam aos berros para serem entendidos e pequenos estalos continuavam enchendo o ambiente de tempos em tempos, quando alguém perdia uma partida de snap explosivo.

Ela mal podia ouvir os próprios pensamentos.

Até gostaria de fugir da festa, mas o caminho para os dormitórios estava bloqueado com um feitiço. E quem tentasse burlar a barreira com magia, seria presenteado com um balde de bombas de bosta na cabeça. Foi o que aconteceu com Pedro Pettigrew quando ele tentou, e todos riram abertamente. E o pobre garoto nem podia ir tomar um banho em paz, ou receberia outro balde. Sua alternativa era ir até o banheiro dos monitores com o passe de Remo Lupin, mas Tiago Potter fora mais rápido, desfazendo o estrago com um aceno de sua varinha.

Por este motivo, todos o cercavam naquele momento, admirando suas habilidades tanto sobre a vassoura quanto nos feitiços, dizendo como ele era legal por ter ajudado Pettigrew em vez de deixá-lo excluído a um canto, fedendo horrivelmente.

Ninguém parecia lembrar que o próprio Potter colocara as bombas na escada.

Lílian suspirou um pouco aliviada quando abaixaram o volume da música. Aos poucos, todos foram ficando quietos e Potter subiu numa mesinha, exibindo aquele sorriso arrogante, ainda vestindo o uniforme do time, os cabelos mais bagunçados que o normal, os óculos meio tortos no rosto provavelmente porque alguma garota o agarrara e uma cerveja amanteigada na mão.

"Mais uma vitória, pessoal!", disse ele, abrindo os braços como faria um rei num discurso para seus súditos. "Mais uma vez, botamos a Sonserina no lugar dela!"

Houve uma rodada de aplausos e a ovação recomeçou quando Potter passou à parte preferida de muitas pessoas na festa: reencenar suas façanhas quixotescas na vassoura. Lílian tratou de se afundar melhor na poltrona e xingou-se mentalmente por não ter levado um livro ao campo de quadribol.

Todo aquele teatrinho de Potter a enervava. Hogwarts inteira já vira o jogo, todos já sabiam que ele havia pegado o pomo e que Grifinória esmagara Sonserina no placar e agora estava liderando o campeonato das Casas. Qual a necessidade de ver o grande Tiago Potter repetir tudo em cima de uma mesa bamba na frente da lareira? Lílian achava que o jogo perdia a graça quando aquelas palhaçadas começavam, mas provavelmente era a única que pensava assim.

Estava tentando se manter entretida com a contemplação de suas unhas, mas era uma tarefa difícil. Suas unhas eram limpas, curtas e sem esmalte, então ficar olhando para elas passava a ser entediante depois de cinco segundos. E as risadas daquelas garotas atiradas para cima da péssima atuação de Potter não ajudavam muito.

Naturalmente, Lílian pensara em sair do salão comunal, mas no caminho teria que passar por tantas demonstrações de como Potter era perfeito que preferiu ficar quieta em sua poltrona. Só esperava que seus colegas entendessem o recado e a deixassem em paz até a Prof.ª Minerva aparecer e ameaçar todos com detenções se não fossem para a cama. Aparentemente, seu recado fora entendido. E ninguém parecia interessado em importuná-la naquele dia, de qualquer modo.

Exceto o dono da mão que lhe estendia uma garrafa de cerveja amanteigada.

Lílian olhou e esboçou um pequeno sorriso ao ver Remo sentado ao seu lado. Pegou a garrafa e deu um pequeno gole.

"Obrigada", murmurou, erguendo a garrafinha para ele saber do que estava falando.

"Achei que você fosse precisar. Tiago está excepcionalmente narcisista hoje", o sorrisinho de escárnio nos lábios finos de Remo confortou Lílian um pouco.

"Ele é excepcionalmente narcisista", resmungou Lílian. "Como ele se aguenta?"

Remo deu de ombros, e os dois ficaram em silêncio por um tempo. Lílian olhando os desenhos do tapete e Lupin observando mais alguma macaquice de Potter para receber elogios por seu desempenho, inteligência, magnificência e todas as ências que ele pudesse ter.

"Não se leve só por isso, Lílian", disse Remo, após uma recapitulação exageradamente mentirosa de como Tiago quase fora atingido na cabeça por um balaço naquela manhã. Como Lílian gostaria que o balaço tivesse acertado. Ela olhou para Remo, esperando ele continuar. "Sabe, Tiago é legal", a garota revirou os olhos. "Ele é idiota, claro que é. Nós todos somos, honestamente. E que idiota não gosta de ser idolatrado por se dar bem no que faz de melhor?"

"Mas tem uns idiotas que exageram um pouco", retrucou Lílian, sabendo que estava inclusa nos idiotas que Remo mencionara. E que provavelmente muita gente reclamava dela tanto quanto ela reclamava de Tiago. "No caso do Potter, ele exagera mais do que seria possível."

"É verdade", Remo riu. "E Sirius também não ajuda muito, nesse caso."

"Se Black consegue qualquer coisa, só aumenta a história toda."

"Você realmente não os aguenta, não é?", por algum motivo, Remo parecia se divertir.

Lílian teve vontade de rebater com "E quem aguenta?", mas era uma pergunta estúpida. Toda a Hogwarts - com exceção dos Sonserinos - parecia bem disposta a agüentar, amar, idolatrar e inflar o ego de Potter. E ele, é claro, tinha plena consciência disso e dava mais e mais motivos para que a bajulação continuasse. Lílian detestava esse tipo de vaidade. A seu ver, só deixava as pessoas mais e mais patéticas.

Remo pareceu ler seus pensamentos, porque deu uma risadinha e disse "Bem, ele fica patético em alguns momentos, mas as pessoas relevam."

"Só no caso dele."

Se fosse Severo se gabando por alguma coisa, ninguém além dela daria atenção, e Potter e Black dariam um jeito de estragar tudo. Potter agora estava praticamente soterrado pelas garotas, que tentavam ter chance de fazer sabe-se lá o quê. E aquele maldito sorriso presunçoso estava lá, como se tivesse sido posto com um Feitiço Permanente.

Lílian largou a garrafa de cerveja amanteigada quase cheia. Aquela vaidade toda lhe embrulhava o estômago. Cruzou os braços e fitou o teto, sob o olhar divertido de Lupin, que não disse mais nada por um bom tempo.