Contos aleatórios de ASOIAF escrita por Caio Tavares


Capítulo 3
Rupert


Notas iniciais do capítulo

Esse personagem não aparece nas Crônicas, mas a história é real. Poslúdio nas notas finais, então só leiam depois de terminar o capítulo.



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A noite caía cada vez mais rápido. Ontem anoitecera pelo menos uma hora mais tarde, ele tinha certeza disso, e agora toda a floresta estava mergulhada até o pescoço na penumbra do outono. Mas ainda seria outono¿ Talvez não, talvez já fosse inverno. Haviam se passado três anos desde o fim do verão, mas ninguém tinha muita certeza disso. Só não restariam dúvidas quando as paredes do castelo ficassem úmidas e o vinho congelasse. Pobre Brandon Stark, pensou Rupert, lembrando-se da vez em que visitara Winterfell à procura de uma esposa. Tinha treze anos na época, e Brandon deveria ter nove ou dez. Era o primeiro inverno na vida do herdeiro do Norte e o segundo na do herdeiro do Rochedo, mas um inverno no oeste não era nada comparado ao frio extremo que se fazia acima do Gargalo. Pensar em frio fez o príncipe Rupert estremecer, ou talvez fosse o ar da noite que cavalgava em sua direção.

Em meio ao farfalhar de folhas surgiu um belíssimo cavalo branco, mas que à luz minguante da lua entre as árvores parecia feito de prata. Sobre ele estava montado o príncipe Rickard Casterly, o irmão mais velho depois de Rupert. Seus olhos eram de um azul tão profundo como nada mais no mundo, exceto por seus cabelos absurdamente negros, ao contrário de Rupert, que saíra ao pai, com cabelos marrons cor de madeira seca e olhos verde-claros. Rickard fora o único dentre os sete irmãos a sair à mãe, uma bela princesa da Tempestade e filha do famigerado rei Michell Dunrredon, de quem se dizia que envenenara o pai e dois irmãos para subir ao trono. Segundo boatos que ouvira, o rei Gourt Casterly do Rochedo só aceitara o casamento dela com o príncipe Clifford porque este não era o herdeiro do trono, afinal se dizia que os filhos de Alyssa Dunrredon supostamente sairiam ao avô. Gourt não viveu para ver estes filhos, nem Jonos, seu primogênito, ou mesmo qualquer um dos seus rebentos, todos levados por uma febre de primavera. Sua mãe também acabara morrendo, ninguém soube do quê, catorze anos depois. No entanto, em tudo o que Rickard fazia Rupert via o pai, não o covarde avô.

– Já é hora de pararmos, irmão. – Fez uma expressão que estava entre a súplica e o cansaço.

– Ainda não. – respondeu – O inimigo não parará.

– Ora, Rupert, já patrulhamos as redondezas há dias e nenhum sinal de exército apareceu. Só hoje fiz os batedores irem e virem quatro vezes até os limites do Solar para se certificarem de que não há nenhuma tropa escondida, mas nenhum deles viu nada. Estamos cansados, e sei que você também está.

Era verdade. Rupert Casterly estava mais que exausto naquele momento. Suas articulações doíam e sua cabeça latejava a quase todo instante, exceto quando começava a rodar e turvar sua visão. Várias vezes chacoalhava a cabeça e pressionava os olhos, tentando afastar a distração e o sono, mas nada disso o fazia se sentir minimamente confortável. Em dado momento até mesmo seu bom cavalo se tornara motivo de repúdia. Tudo naquele lugar lhe deixava acabado, e os cinqüenta anos que carregava nas costas não melhoravam em nada a situação do velho cansado. Cansado do frio que não o deixava dormir direito, cansado do cheiro de terra úmida que empesteava a floresta, cansado dos corvos que vinham do Rochedo trazendo pânico a quem ouvia as notícias. Quem seria aquele maldito Lann¿ Será que era real, será que o que dizia era verdade¿ Todos queriam acreditar que não, mas o herdeiro do Rochedo não podia se dar ao luxo de subestimar todos os seus inimigos.

Haviam saído com uma verdadeira tropa de batedores um dia depois do segundo corvo. Este chegara a Rochedo Casterly com um pergaminho enrolado nos pés, e nele as palavras vinham escritas na língua dos ândalos, não mais em runas, como o primeiro. Por sorte o escriba real estava lá e pode traduzir o texto, que basicamente dizia a mesma coisa que o primeiro:

Eu, Lann da Casa Lannister, venho com a autoridade dos Sete deuses ândalos e da força dos meus exércitos tomar o Reino do Rochedo para a minha dinastia. Por bondade ao seu povo determino que o atual rei abdique do trono e a entregue voluntariamente a mim. Chegarei em trinta dias.

Poucas palavras foram suficientes para estremecer os membros da milenar Casa Casterly. O rei Clifford, aquele que nascera franzino e enfermiço e que ninguém acreditaria que sobrevivera até os oitenta anos, estava agora à beira de um infarto. As duas irmãs mais velhas de Rupert caíram no choro quando souberam, e seus dois irmãos mais novos ficaram atônitos. Somente o segundo filho e herdeiro tomara a iniciativa de comandar os batedores pelas florestas do Rochedo, e Rickard quisera acompanhá-lo nesta empreitada. Em algum momento haveriam de encontrar essa tal tropa Lannister, e enfim convocariam seus exércitos e os esmagariam. Já estavam procurando há vinte e dois dias, e nenhum sinal de habitação humana se manifestava, exceto as choupanas de camponeses. Quantos homens teria este Lann¿ Ah, sim. A informação viera no quarto corvo, e era cinco vezes o número de soldados do Rochedo. Não parecia real, mas também não parecia interessante desacreditá-lo. Rupert Casterly decidiu que mais horas de busca na floresta escurecida não dariam resultado algum, então chamou novamente seu irmão.

– Está bem, Rick. Informe aos comandantes que acamparemos aqui. – Disse isso parando o cavalo.

– Obrigado pelo bom sendo, Rup. – o irmão respondeu, e então se virou para trás e berro aos seus homens – Auto! Por ordem de Sua Graça o príncipe Rupert Casterly pararemos e acamparemos aqui!

Um suspiro de alívio percorreu a mata, mas de forma alguma vinha da boca do herdeiro do Rochedo. Ele observou seu irmão sair e da ordens enquanto descia do cavalo. Um bom comandante era aquele homem, quem sabe até mesmo seria um bom rei. Rupert nascera doze anos depois do primeiro filho do rei Clifford, após uma trágica sucessão de natimortos e abortos. Antes dele ainda tinham vindo duas gêmeas, Alyssa e Charlotte, que vieram a se casar com senhores do Rochedo e tiveram uma descendência saudável. Depois de Rickard ainda vieram dois meninos mirrados, que por algum milagre dos deuses sobreviveram à infância e conseguiram casamentos com senhoras do Rochedo. Seu irmão mais velho morreu aos dezessete anos, da maneira mais estúpida que um homem poderia morrer, e então Rupert tornou-se herdeiro. Casou-se com a princesa Mellany Gardener, filha do rei Garth IV da Campina, mas a moça era frágil demais para ser mãe, e veio à morte no primeiro parto, levando seu filho consigo. Desde então o príncipe Rupert considerara Rickard como seu herdeiro, quem sabe até mesmo poderia morrer logo e este ser herdeiro de Clifford. Seria melhor assim, seria um rei melhor. O acampamento foi armado e os homens dormiram. Rupert demorou um pouco, mas conseguiu pregar os olhos desta vez, enrolando-se em um cobertor de pele de urso.

Um chute na barriga o fez despertar. Era seu escudeiro, Rarven Payne. Não era uma maneira muito agradável de acordar, mas os ouvidos adormecidos de Rupert eram imunes a gritos. Os homens já haviam despertado e cuidavam dos seus cavalos. Rick chegou perto do irmão enquanto este vestia seu manto de pele de cordeiro, sobre o qual tremulava o símbolo da casa Casterly.

– Bom dia, Vossa Graça.

– A você também, Rick. O que traz hoje¿

– Enviei uma dúzia de batedores esta noite, depois que você mandou parar.

– Enviou o quê¿ - Rupert não admitia que seus homens trabalhassem além dele. Tinha sempre isso em mente; sempre lutaria e trabalharia ao lado dos seus, se não perderia a noção do valor de tudo o que os homens fazem.

– Calma, foi por uma boa causa. – Rick levantou as mãos, como na defensiva, mas abaixou logo depois. – Mandei eles porque já estamos nos limites do reino e o nosso tempo é curto. Chegaram até as ruínas de uma vila cheia de armas de ferro e sal espalhado pelas casas, então concluíram que aquilo deveria ser coisa dos homens de ferro. Portanto, nossa busca acaba aqui, irmão. Não há nenhum lugar no reino do Rochedo que esteja ameaçado por tropa alguma, e se avançarmos mais poderemos irritar o rei Rewlmer Hoare. Não quer guerra com o Tridente, quer¿

– Não me trate como estúpido, Rickard. – respondeu com rispidez – Agradeço pela notícia. Sim, certo, vamos embora.

– É mais do que tempo. O Escriba já traduziu e enviou o quinto corvo desse Lann.

– E o que diz¿

– Não sei. Queimei antes que pudesse gerar mais pânico.

– Isso não foi prudente. E se nosso pai correr perigo¿

– Clifford Casterly tem oitenta anos, caro irmão. Para ele viver já é um grande perigo. – fez um sorriso zombeteiro e deu as costas, berrando logo em seguida – Todos a postos! Retornaremos ao Rochedo Casterly!

Vivas se espalharam pela multidão. Que estúpidos, pensou. Não tiveram batalha e já cantam vitória. Ele também gostaria de estar feliz, mas a quinta carta fora queimada e Lann prometia surgir em algum momento nos próximos sete dias. O retorno ao castelo de Tarbeck demorou doze, agora que faziam um caminho quase retilíneo e não mais procuravam exércitos escondidos nas redondezas. Rupert chegou a se sentir quase tranqüilo em alguns momentos, mas a preocupação com o pai sempre o trazia de volta à realidade. Aconselhara-o a não tomar nenhuma decisão até seu retorno, mas agora... Agora Lann já poderia estar dentro do castelo berrando ameaças ao velho homem. Estavam a dois dias de Rochedo Casterly quando o sexto corvo chegou.

Eu, o rei Lann Lannister do Rochedo, informo que seu pai se ajoelhou perante mim quando cheguei ao Porto de Lann com meus exércitos sobre barcos. Todos os seus vassalos são meus e seus domínios passam para o meu nome.

Rupert Casterly partiu à diante com os lordes de Tarbeck e Reyne, mais um punhado de guardas, enquanto Rickard ficou para comandar a retirada. A razão para esta separação era bem clara para o príncipe: não poderia deixar seu irmão e herdeiro partir com ele para este ambiente hostil Se somente Rupert morresse, deixaria um grande comandante para vingá-lo e governar o Rochedo. Se ambos morressem, seria o fim de tudo. Após um galope de catorze horas, depararam-se com o exército de Lann rodeando o Rochedo Casterly. Eram mil homens, talvez mil e trezentos. Nada comparado aos cem mil que ele prometera. Onde estariam os outros¿ Será que estavam dentro do castelo, ou será que viriam em mais levas pelo mar¿ Rupert nunca transportara exércitos pela água, para ele parecia ser uma ideia absurda, mas estavam lá. Aproximando-se um pouco mais ele cuidou de procurar as muralhas. Teve medo, mas precisava saber. Sim, vazias. Seu pai não fora morto pelo invasor, talvez ninguém tivesse sido morto. Os soldados de Lann agora pareciam estranhos. Usavam uma armadura de chapas cinzentas que cobriam todo o corpo, e sobre suas cabeças havia elmos fechados. Sobre as placas de peito destes homens havia uma estrela de sete pontas, provavelmente o símbolo da tal casa Lannister. As espadas de duas a três vezes maiores que as comuns, e feitas do mesmo material que as armaduras. Ferro, pensou. Esses malditos usam armas de ferro. Os Casterly forjavam bronze há milênios, e nenhum adversário fora bom o suficiente para superá-los, mas ninguém sabia fundir ferro. Agora vieram e conquistaram. Mas ainda tinha seus vassalos, sim, eles poderiam fazer alguma coisa. Homer Reyne aparentemente leu seus pensamentos quando chamou dois de seus homens e lhes deu a ordem:

– Voltem para o Solar e convoquem as forças. Entraremos em guerra.

– Convoquem todos os homens de Castamere. – ordenou Daven Reyne aos seus homens.

Os mensageiros saíram, enquanto o príncipe e seus senhores mais fiéis permaneceram a observar o castelo.

– E agora, Vossa Graça¿ - perguntou Daven.

– Agora nós subimos. – ele respondeu.

Lann veio ao seu encontro antes que pudesse avistar o brilho do fosso em volta do castelo. Vinha escoltado por seus guerreiros ândalos, todos montados em cavalos maiores do que deveriam ser. O homem vinha envolto em um raio de luz do sol, e seu rosto só se tornou visível quando os guardas saíram da sua frente. Rupert dera a ordem para que ninguém desembainhasse uma espada, a menos que o outro começasse. Um jovem louro com menos de trinta anos apareceu atrás dos outros de armadura. Não era alto nem baixo, e nem um pouco forte. Vestia trajes pouco nobres, no entanto com as cores fortes da casa Casterly, o que fez os homens do Rochedo se sentirem afrontados. Um sorriso sagaz partia dos lábios do ândalo, rodeado por um círculo de barba e bigode tão ensolarados quanto os cabelos. Seus olhos eram verdes e marcantes, e, não fosse pelo formato de pêssego, o rosto poderia ser ter sido belo. Ele pigarreou e começou a falar na língua dos Homens, mas com um forte sotaque de qualquer coisa.

– Saudações, Vossa Graça. Sou Lann, da casa Lannister.

– E eu sou Rupert da Casa Casterly. Onde está o meu pai¿

– Lorde Clifford está muito bem, lhe garanto. Entregou-me a coroa voluntariamente e não lhe fizemos nenhum mal. – aquele sorriso irritante não lhe saía do rosto.

– Não lhe fizeram nenhum mal¿ - perguntou duramente, enquanto gotículas de saliva voaram no ar – Meu pai quase morreu por suas ameaças!

– Ora, não sejamos tão duros comigo. Algo precisava ser feito para evitar a triste guerra. Imagine só, como estaria sua família se o meu exército invadisse¿

– Não vejo exército algum.

– Eu também não. A maioria está em Pyke, um acordo que fiz com o rei Hoare. Viriam apenas se fosse necessário, e fico feliz que não tenha sido. – abriu um sorriso ainda maior, que revelou uma fileira de dentes brancos demais para um homem.

Rupert abaixou a cabeça e respirou fundo. Prendeu a respiração e depois soltou. Não podia se enfurecer. Não aqui, não agora que estava tão perto do castelo e que seu pai estava tão perto da morte.

– Lann Lannister, este trono não é seu.

– Não é isso que diz a Lei. Segundo o que aprendi, quando um rei se ajoelha, ele rende suas terras.

– Isto está errado! FOI UMA TRAPAÇA!

O louro tocou seu cavalo alguns passos para trás e seus cavaleiros o envolveram novamente. Rupert limpou a boca e abaixou a cabeça novamente.

– Pode aparecer, Lann. Não vim aqui para fazer guerra.

– Nem eu! – ele gritou de dentro de sua couraça humana – Mas preciso que jure!

– Eu juro!

Então saiu novamente, com o olhar desconfiado e costas arqueadas, mas saiu. Desta vez seus guardas ficaram ainda mais perto dele. Provavelmente havia mais homens protegendo Lann do que todos os de Casterly, Reyne e Tarbeck. Este olhou para o príncipe e pediu autorização para falar, recebendo-a imediatamente.

– Se pensa que é tão simples tomar um trono, Lannister, é porque não conhece a força dos homens. Nenhum vassalo do rei Rupert descansará até que suas forças estejam esgotadas e sua cabeça loura esteja empalada em uma lança no alto daquelas muralhas!

O rei usurpador olhou para trás, focalizando as muralhas de Rochedo Casterly com um ar despreocupado.

– Já havia pensado nisso. Na verdade, seu escriba me orientou a este respeito.

– O que há com o meu escriba¿ - Rupert perguntou.

– Ele é o conselheiro do castelo, não é¿ Sou o novo senhor deste castelo, e ele me aconselhou. Ensinou-me sua língua, bem, ao menos parte dela, mas me pareceu bem simples. Ele me disse que os vassalos nunca aceitariam um novo rei, por isso pretendo entregar a coroa a você, Rupert.

O comentário o deixou desnorteado. Aquilo não fazia o menor sentido, de maneira alguma. Claro que Rupert era rei agora, afinal seu pai abdicara, mas por que o usurpador pretendia devolver a coroa¿ E todos aqueles homens, todo o exército, e as ameaças...

– Que porra é essa, Lannister¿

– Pois bem. – soltou uma risada murcha e prosseguiu – Você será rei, mas minha família prosseguirá no trono depois de você. Tenho uma filha, sabe. Ela é jovem, poderia ser sua neta, mas já floresceu e é uma boa moça. Vocês devem se casar segundo o ritual dos ândalos. Podem se ajoelhar para uma árvore também, se quiserem, mas os Sete serão as testemunhas oficiais. Seu nome Casterly, este terá que sair. Você será Rupert Lannister, rei do Rochedo. Ah, sim, eu ia me esquecendo. – mais uma risada extremamente desagradável – Este também muda de nome para Rochedo Lannister. Também tomei a liberdade de criar um novo brasão, com as cores de sua Casa, mas substituí a espada dourada por um leão dourado. Estes são os termos, caro príncipe. Ou eu precisarei chamar um exército em Pyke para tomar o que já é meu.

O rei por direito olhou para seus vassalos e amigos sem dizer uma palavra sequer. Ambos tinham expressões duras no rosto, e se mostraram claramente dispostos a começar uma batalha naquele momento, sacrificando até a alma para conseguir arrancar a cabeça de Lann. Mas este não era o momento. O homem viera como prometera. Tomara o Rochedo como prometera e agora prometia sangrá-los. Algo precisava ser feito, e esse algo não poderia ser a guerra.

– Desejo ver meu pai.

– Infelizmente não posso deixar que entre no castelo até aceitar meus termos.

– Então mande-o descer. E traga o escriba também.

– Mas o rei... Lorde Clifford Casterly está muito velho, não seria prudente.

– Meu pai não viveu até os oitenta anos por ter pernas fracas. Mande-o sobre um cavalo ou uma liteira. Uma carroça se houver uma digna de um rei. Estarei no acampamento ao pé do Rochedo. Se mandar esses dois homens, amanhã deveremos ter uma decisão.

– Que seja. – Lann revirou os olhos. E deu meia-volta em seu cavalo. Seus cavaleiros da estrela de sete pontas o seguiram, e depois disso Rupert e seus homens também desceram.

O escriba chegou primeiro. Era um homem jovem, de vinte e poucos anos e barba rente. O rei por direito logo tratou de mandar amarrá-lo. Clifford demorou quase uma hora, mas chegou montado em seu belo cavalo baio, todos escoltados pelos homens de Lann. Rupert os dispensou e chamou o pai para perto da tenda. Ele andava devagar e com as costas arqueadas, enquanto o rangido de suas articulações era audível a quem estava perto. No entanto, não pedia ajuda de ninguém. Mantinha o olhar altivo – na medida do possível – dentre seus cabelos incrivelmente brancos. Ofereceram um banco para que se sentasse e ele relutou em aceitar, mas aparentemente as dores venceram seu orgulho.

– Homens, arrumem um toco e um cesto. Agora!

Tudo se fez muito rápido, e em menos de um minuto o escriba estava pronto para ser executado. Chorava e resmungava súplicas inaudíveis enquanto dois homens pressionavam seus ombros contra o tronco e um terceiro segurava suas pernas.

– Saleor, o escriba. Você é acusado de traição ao aconselhar o rei usurpador Lann Lannister no lugar do de meu pai, Clifford Lannister. Esta acusação é justa¿

– Não! Não é! Eu somente tentei ajudar, senhor. Foi só isso!

– Isso não nega o fato de que prestou o serviço de rei a alguém que não era rei. Aquele homem ameaçou matar todos os homens do Rochedo. – Rupert olhou para o pai. – Vossa Graça, a acusação procede¿

Ele respirou fundo e respondeu.

– Sim.

– Espada! – gritou, e logo um homem o entregou uma bela peça afiada de bronze – Eu, Rupert Casterly, pela autoridade de juiz concedida pelos deuses e por meu pai o rei, Condeno Saleor, o escriba à morte por traição. Que os deuses façam sua justiça.

E a espada desceu, liberando a cabeça do corpo em um único movimento. O sangue se espalhou pela grama verde, que já se escurecia pelo cair da tarde. Os servos arrastaram o corpo dali e os outros entraram na tenda do rei. Clifford, Rupert, Daven e Tarbeck estavam reunidos em torno de uma fogueira na enorme tenda que mais parecia um salão. Ninguém falou nada por um longo tempo, até que Clifford levantou a voz.

– Rupert, por favor não me chame mais de rei. Entreguei minha coroa a Lann e não a quero de volta.

– Mas eu quero.

– Então porque não simplesmente aceita a proposta¿

– Não é tão simples, pai. Não posso simplesmente abrir mão do nome de minha Casa só para continuar vivo.

– E sua casa continuar viva.

– Não estamos vivos sem um nome.

– Eu não aceitaria. – disse Leonel Tarbeck. – Não me ajoelharei para rei algum que não seja Casterly.

– Não vai precisar. – interveio Clifford – Já é vassalo dele há muitos anos.

– Pai, não posso aceitar.

– E também não pode lutar.

Ele não sabia o que responder a isso, mas seu pai continuou.

– Conhece a história do rei Ander Kacrys¿

– Não. Esta o senhor ainda não contou.

– Pois bem. Ander era rei do Rochedo. Não o nosso Rochedo, algo bem menor e mais simples. Para falar a verdade, ele nem sequer sabia que aqui havia ouro! – soltou uma risada fraca, acompanhada por um ataque de tosse. – Ander não era um mau rei, ele tratava bem seus vassalos, ajoelhava no bosque sagrado e não fazia guerras com os reinos vizinhos. No entanto um dia surgiu um homem mais forte que os outros, e com um exército maior que o dos outros. Seu nome era Arthur Casterly. Conhece este nome, filho¿

– Este sim. – Arthur era o lendário fundador da casa Casterly. Dizia-se que ele unificara dezenove reinos em apenas um dia e no dia seguinte construíram um enorme castelo sobre o Rochedo. Dizia-se também que ele forjara a coroa de ouro puro que os reis usavam até hoje. Rupert não acreditava em metade dessas histórias, mas estavam lá. – Um mito, creio eu.

– Talvez seja, mas nos ensina uma lição. O rei Ander Kacrys não lutou nesta guerra. Ele preferiu se ajoelhar a Arthur e manter sua esposa e filhos vivos. Seu castelo foi destruído, mas ele ganhou um novo, bem maior e melhor. – disse isto apontando para a direção do Rochedo – Depois de um tempo, Arthur voltou para o castelo, muito ferido pelas batalhas na unificação de seu reino, e Ander cuidou dele até sua morte. Arthur não teve filhos, ele não tinha tempo para isso. Mas os reis deste mundo haviam se ajoelhado para um Casterly, e ninguém mais merecia esta honra. Ander mudou de nome e voltou a ser rei do Rochedo, agora maior e mais forte.

– Isso é asneira demais pra mim. – rugiu Daven Reyne. – Nunca existiu Ander Kacrys, porra! Arthur Casterly é um mito criado para representar uma sucessão de reis que unificaram o Rochedo, qualquer todo sabe disso.

– Calado, Daven! – Rupert ordenou. Para ele aquela história fazia mais sentido que para o outro. – Talvez meu pai esteja certo. Talvez seja melhor que nos tornemos parte da família deste Lann.

– E perder seu nome para sempre¿ - exclamou Daven.

– Não, não precisamos disso. – disse Clifford – Quando eu morrer, Rupert, peça a este Lann que mude o nome do Rochedo em minha honra. Nenhum nobre em sã consciência negará um pedido fúnebre.

– É uma opção.

– E o que vai fazer até a morte, Rupert Lannister¿ - desafiou Leonel.

– Governar segundo o que for melhor para o povo.

– Segundo as ordens de lorde Lann. – Daven o interrompeu. Levantou-se de sua cadeira num ímpeto e caminhou a passos largos na direção da saída da tenda. – Quer que eu me deite sobre o toco agora ou mais tarde¿

– Quero que aceite a situação como está. Ora, Daven, você continuará sendo senhor de Castamere, suas terras não serão usurpadas e seu reino não vai mudar em nada!

– Mas meu rei sim! Há mil anos os Reyne são vassalos fiéis dos Casterly, mas quem são esses Lannister¿ Como posso se fiel a alguém que nem sequer conheço¿

Rupert abaixou a cabeça e fechou os olhos, quando seu pai falou:

– Daven, Leonel, estão dispensados. Voltem para os seus castelos e vivam suas vidas. Uma ordem de seu rei Clifford Casterly.

Os dois saíram da tenda e levaram seus exércitos de volta para o Solar e para Castamere. Rupert não conversou mais com o pai depois daquilo, achou que seria melhor poupar palavras. No dia seguinte encontrou-se com Lann no mesmo local, mas desta vez com o pai ao lado.

– Clifford, Rupert. – ele os cumprimentou com um movimento de cabeça. – Onde estaria o escriba¿

– Em algum inferno, imagino eu. – Rupert respondeu, provocando uma careta de repugnância no rosto de Lann – Acredito que estejamos aqui apenas por um motivo.

– Oh, sim. E então, deseja ser meu rei¿ - e soltou mais uma risada, que fez Rupert desejar arrancar a própria cabeça e depois usá-la para espancar aquele ândalo maldito.

– Sim, Lann. Serei seu rei. Casar-me-ei com sua filha. Posso saber o nome da menina¿

– Lyndsay. Lannister, assim como você. E não é mais uma menina, meu rapaz, ela já completou catorze anos.

– É uma menina sim. E por favor, não me chame de seu rapaz. Tenho idade para ser seu pai.

– Teria¿ - abriu um enorme sorriso – Suponho que haveremos de descobrir qualquer dia. Subamos ao Rochedo Lannister então.

Ele não suportou ouvir esta palavra.

– Casterly. Rochedo Casterly.

– Ora, Vossa Graça, pensei que havíamos em um acordo.

– Sim, entramos. Não há Mal algum em manter o nome do Rochedo, oras.

– Pois bem, se deseja adicionar uma cláusula, pretendo fazer o mesmo. Quero ser seu Ministro.

– O que seria isso¿

– Aquele que governa enquanto o rei está ausente ou indisposto.

– Que seja. – Rupert sempre soubera que não tinha vocação nenhuma para governar. Se o rei fosse Rickard, não teria aceitado, mas naquele momento era mais importante manter o nome de sua casa vivo do que usufruir do luxo de dar algumas ordens.

Subiram o restante do percurso lado a lado, com os cascos dos cavalos rangendo contra a grama coberta de orvalho e as armaduras dos ândalos gritando a cada movimento. Quando Rupert achou que estava em paz, seu Ministro quebrou o silêncio novamente.

– Acredito que Vossa Graça ficará feliz em saber, seu irmão Rickard retornou.

– Rickard¿ Mas ele não sabia de nada!

– Sim, é verdade. Precisei prendê-lo em uma cela de torre, mas creio que você possa explicar melhor esta situação.


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Notas finais do capítulo

Rickard Casterly não aceitou a notícia e se jogou do alto da torre. Clifford Casterly morreu dois anos depois, na mesma semana do nascimento de Clifford Lannister, filho de Rupert e Lyndsay. Rupert viveu mai dez anos e perdeu para a velhice. Lann viria a morrer vinte e três anos depois, dois a nos antes de sua filha, e Clifford Lannister foi o primeiro rei verdadeiro de sua dinastia. Os Reyne e os Tarbeck nunca foram amigáveis com esta nova Casa, e viriam a pagar caro por isso no futuro. O enorme exército de Lann nunca existiu, mas quando perceberam isso já era tarde demais. Ficou conhecido para sempre como o homem que tomou Rochedo Casterly usando apenas a astúcia, e de fato não derramou sequer uma gota de sangue nessa conquista.



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