Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 49
Capítulo 49




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Cuidado com o que você deseja, porque você pode conseguir.

Era cedo quando o tio Edu deixou o grupo no Parque Ecológico do Cocó e foi resolver assuntos no centro de Fortaleza ficou acertado que o grupo se dividiria em três: Eric e Oliver iriam testar uma nova forma de transporte rápido para São Paulo; Lucas, Isabel e Nathália iriam visitar o Oráculo e Jade deveria ficar na praça vivencial esperando um dos grupos voltar. Todo mundo sabia que era uma boa estratégia, mas dividir o grupo daquele jeito, no melhor estilo gang do scooby doo parecia uma jogada muito arriscada.

Lucas estava em êxtase. O Parque do Cocó parecia deixá-lo ainda mais bonito e sarado (aliás, como se isso fosse possível ou necessário). Muitas vezes ao longo da trilha Nathália se viu mirando o traseiro do amigo. Embora a filha de Ares não fosse uma completa estranha aos desejos do amor e os jogos da conquista, ela não tinha muita experiência na arte de cortejar. Muito menos se sentia à vontade com o calor que sentia quando olhava para Lucas.

Pior mesmo era a situação de Isabel. Se Nathália tinha sucesso em esconder seus sentimentos em relação ao amigo, Isabel não tinha a mesma sorte. Ela parecia uma fã silenciosa, seguindo seu ídolo, incapaz de desviar os olhos do menino.

Lucas por sua vez não notava (ou fingia que não notava) o assédio que começava a receber, não apenas das meninas, mas de todas as pessoas à volta. Ele vestia uma bermuda verde clara, pouco acima dos joelhos (deixando à mostra boa parte de suas pernas bem torneadas), uma camiseta regata azul clarinha (que vira e mexe mostrava parte do seu peitoral), e chinelos de dedo. Usava também um par de óculos escuros que tinha achado nas coisas do Eric. Andava na frente como o líder natural do grupo.

O caminho tinha sido descrito com bastantes detalhes pelo tio Edu, como se ele já tivesse ido visitar a tal Oráculo. O tio também tinha dado instruções explícitas e bem claras de como se portar na frente do Oráculo, o que pedir para que ela buscasse e, especialmente, aquilo que não deveria ser mencionado em hipótese alguma. Jade, deusa das estrelas, ser caçado pelos outros semideuses, eram alguns dos itens. Ele também tinha deixado dez dracmas de ouro para efetuar qualquer pagamento que a Oráculo exigisse. Qualquer coisa acima disso é um roubo, tinha dito ele acrescentando mais cinco dracmas de prata e um pequeno rubi ao montante. Afinal de contas, as informações valiam o preço.

A trilha ia bem dentro do parque, serpenteando pela vegetação nativa, ficando cada vez mais difícil. Lucas andava com desenvoltura, mas Nath e Isabel esforçavam-se para acompanhar o amigo. Por fim passaram por um corredor de árvores cuja copa era tão densa que mal deixava os raios do sol atravessar. O chão era forrado com folhas secas. No momento que pôs os pés daquela trilha Isabel sentiu um arrepio correndo pela espinha.

– Sinto uma grande perturbação no tecido da magia e da realidade. A névoa – disse ela engasgando nas próprias palavras – a névoa aqui é muito forte.

Nathália redobrou a atenção, expulsando da mente as imagens cada vez mais familiares dela e Lucas numa praia paradisíaca da costa cearense e agarrou com vontade no cabo do seu gládio romano. Se Lucas preocupou-se com isso não demonstrou. Ele parecia embevecido demais com a exuberância da flora à sua volta para se preocupar com qualquer ameaça.

Por fim desembocaram numa clareira. Era estranhamente circular, quase ovalada. Era cortada por um pequeno córrego de água cristalina e salpicado de dezenas árvores frutíferas baixinhas. Cajueiros, mamoeiros, cajazeiras, imbuzeiros e outras frutas tradicionais do nordeste espalhavam-se pelo terreno. No outro extremo da clareira puderam divisar uma casa de alvenaria. Alvenaria era modo de dizer. As paredes eram deitas com massa de barro cozido e garrafas de vidro multicoloridas: marrom, verde e transparente, criando um mosaico coleidoscópico. As janelas eram redondinhas, feitas com pedaços trançados de cipó e vidro colorido. O telhado era feito de telhas, dos modelos mais diversos. Não parecida muito grande, mas era bonita. Um cata-vento parecia fornecer toda a energia eólica que a casa precisava. Do lado de fora tinha um sino de cobre e uma plaquinha de madeira com letras pirografadas: “toque o sino três vezes e aguarde”.

Nathália avançou corajosa, evitando pisar em qualquer arbusto mais desenvolvido e tocou o sino. Na terceira badalada o sino ficou mudo. Não apenas isso. O mundo ao redor tinha silenciado: o córrego silenciara, embora ainda se movesse. Podiam sentir o vento, embora ainda soprasse agradável. Era como se todos os sons aguardassem, em pura expectativa, pelo que viria a seguir.

Por fim viram a porta se abrir. De dentro dela saiu uma senhora idosa, cabelos longos e lisos que um dia tinham sido muito loiros, mas que hoje eram minoria no oceano de fios brancos. A pele era enrugada de forma suave, como se a idade se recusasse a chegar nela. Seus olhos eram de um azul profundo e forte. Ela se vestia como uma hippie moderna, com uma tiara de flores campestres e sandálias de couro curtido.

Ela abriu um largo e acolhedor sorriso.

– Finalmente vocês chegaram. Espero por vocês a muito tempo, quando tive a visão deste dia. Muito tempo – murmurou ela baixando a voz, como se comentasse para si mesma – muito antes de vocês nascerem... Hum... você é mais bonito ao vivo do que não visão. Quem dera eu tivesse conhecido você quarenta anos atrás, meu jovem. – disse ela dardejando os olhos azuis em Lucas.

– Nobre sacerdotisa, sabe por que estamos aqui? – inquiriu Isabel, cada vez mais incomodada, desejosa de saírem dali o quanto antes.

– Vocês estão em busca de uma profecia – disse ela sem cerimônia, de forma bastante direta – porque o sol de vocês se apagou do firmamento. Uma busca não pode seguir sem uma bússola, assim como uma fechadura sem chave também é inútil.

– Pois bem, velha senhora, quanto vai cobrar por seus serviços? Desculpe se pareço rude, mas o tempo urge. – disse Natháia, adiantando-se. Ela também sentia nos ossos que deveria sair dali o quanto antes.

– Por enquanto, apenas as dracmas de ouro e o rubi que vocês trouxeram servem como pagamento. Depois, se quiserem saber mais, precisaram pagar uma taxa extra. – a velha senhora apontou para uma pequena travessa de alumínio, apoiada sobre uma pilha de tijolos encardidos pelo sol.

Nathália foi até a travessa e depositou as dez dracmas de ouro e o rubi. Logo que se afastou a travessa explodiu em chamas altas. As chamas perderam força até que formaram apenas uma tira de fumaça escura. A sacerdotisa dançou com uma insuspeita leveza e agilidade atraindo a fumaça na sua direção. Em instantes ela estava envolta em correntes de fumaça que cada vez mais restringiam seus movimentos. Por fim ela parou, como que congelada no ar, uma fantoche segura por fios de fumaça. Sua boca entreabriu-se com uma voz aterradora e conhecida de todos eles: a voz de Apolo.

– Eu sou a voz daquele que vê e que sabe tudo. O novo senhor do Olimpo, a estrela da manhã, o portador do sol, o senhor dos céus: Apolo. Digam o que querem saber e estremeçam pelo seu poder.

Isabel sentiu medo. Será que era apenas um efeito especial ou será que Apolo em pessoa estava ali, manifestando-se através do Oráculo? Se fosse mesmo Apolo, ele se recordaria de suas vozes? De quem eles eram do que fizeram? Afinal de contas os deuses não são famosos por perdoar e esquecer. Mesmo sem Jade a missão deles corria muito risco.

O silêncio desconfortável durou mais alguns instantes até que Lucas começou a falar.

– O senhor que vê e sabe de tudo, buscamos teu conselho, pois sem tua guia nossa viagem está fadada ao fracasso. – a voz dele trovejava de masculinidade, grossa e viril. Em nada lembrava o rapazote que saiu do santuário. Ele soava seguro de si. – Precisamos de uma profecia que nos guie em nossa busca. Algo que nos ajude a completar o nosso intento.

– Uma profecia? Mas é tão simples... “Na terra da garoa enfretarão tempestades e uma escolha deverá ser feita. Da vista da terra do pico da Itália o relâmpago mostrará o caminho para o antigo mausoléu, onde os soldados de outrora, aventureiros, suas armas e bandeiras descansam. Lá a chave achará a fechadura e o destino estará selado”.

– Obrigado, todo poderoso... – disse Lucas fazendo uma reverência elaborada, quando foi abruptamente interrompido.

– Ainda tem mais – disse a voz com um tom de raiva nas entrelinhas – como era mesmo? Ah sim! “Cinco são eles: um traidor, um marcado para morrer, um que vai se sacrificar e dois fadados à maldição de Afrodite. A marca brilhante em suas peles marcará os escolhidos, mas não salvará suas almas. Onde a terra toca o Olimpo, onde o fogo queima silencioso, a batalha final pelo mapa da casa dos deuses será travada. Libertem Zeus ou sofram o fardo...”

Nathália gelou. Era a primeira parte da profecia, contada quando ainda estavam no Santuário. Mas ela não teve tempo de ficar ainda mais assustada. A voz da sacerdotisa de Apolo continuou...

– Ou seria traidora, a filha que renegou os desejos do pai? Vocês nunca vão poder sofrer o fardo! Não vão viver para isso! – a voz estava agora esganiçada, coberta de cólera.

As correntes de fumaça ergueram a sacerdotisa no ar. Ela estava claramente tomada por muita dor, estava praticamente sendo rasgada de dentro para fora. Ela abriu os olhos cheios de súplica antes de ser atirada para cima novamente. No céu o sol parecia pousado sobre eles, imóvel.

– Merda – gritou Nathália sacando a sua espada romana. Estava ao menos resignada. Se ia morrer que fosse uma batalha heróica contra um deus louco. Só queria mesmo que seus joelhos concordassem com ela e parassem de tremer.

A sacerdotisa apontou para o chão e ele se abriu. O próprio hálito da terra parecia jorrar de lá: um cheiro grosso, gasoso, fétido, de coisa morta. Logo o cheiro deu lugar a uma terrível explosão e uma coluna de fogo ergueu-se no céu, como a baforada de um dragão gigantesco. Uma coluna daquele tamanho deve ter sido de vista de qualquer lugar num raio de dezenas de quilômetros. O fogo cessou aos poucos, revelando criaturas vivas no fundo da cratera criada no chão. Como formigas saídas de um formigueiro, dezenas de katómeros encheram o terreno, formando várias colunas de guerreiros furiosos. Todos armados com gládios simples, de ferro, com pouco acabamento. Mas o que chamava atenção eram as peças mecânicas que traziam junto à longa testa. Parecia um chip de computador, desses que se usam em seriados de baixo orçamento para dizer que alguém esta sendo controlado. Mas nem eram os quase cem katómeros que eram o verdadeiro desafio. O desafio de verdade vinha bem atrás. Era um gigante. Pelo menos 6 metros de altura. Ok, não era o maior dos gigantes que existiam, mas havia algo diferente nele. De cima para baixo ele parecia um humanóide atarracado, pele cor de cereja escura, o rosto coberto para uma barba que mais parecia palha de aço meio enferrujada. O mesmo cabelo cor de ferrugem lhe dava sobrancelhas grossas por sobre os olhos cor de vinho e continuavam a crescer fartamente sobre a cabeça, no formato de dreadlocks e tranças de várias espessuras. Muitas delas estavam amarradas com pequenos fragmentos de armaduras e armas de bronze celestial. Olhando com mais calma alguns deles pareciam crânios humanos. O comprimento passava fácil do seu peito musculoso, chegando até sua cintura, de onde começavam suas pernas dracônicas, da mesma cor de cereja escura do resto de seu corpo. Os pés, nus em contato com o solo, terminavam em enormes garras brancas e afiadas. Era possível ver uma longa cauda descendo de seu traseiro, arrastando-se pelo chão, coberta de mortais espinhos de osso. O peito musculoso era coberto com uma gigantesca peça de cota de malha de bronze, feita com dezenas (ou mesmo centenas) de armaduras, tamanho meio-sangue, costuradas num mosaico irregular e ameaçador. A sua aura parecia irradiar um raio de medo e de dor. Ele usava o mesmo chip na testa, mas no caso dele parecia mais com a placa de circuitos de um teclado a julgar pelo tamanho.

A sacerdotisa parou de lutar contra as correntes de fumaça e seu rosto transfigurou-se no rosto de Apolo. Ele falava através dela, com especial rancor:

– Hora se não é o meu dia de sorte... primeiro eu encontro a pista de dois de vocês no templo de Hermes... agora encontro vocês aqui, em busca de meus poderes. Vocês buscam meu poder para me derrotar? Não podem ser tão tolos assim, ou podem? Afinal são tolos mortais! E você! – disse Apolo apontando para Lucas – vou ter prazer especial em torturar você, no alto das forjas do Olimpo. Vamos ver como uma plantinha fica debaixo de um sol de cem graus... Mas não vejo minha filha bastarda. Onde está aquela pequena diabinha? Digam-me e vou ser misericordioso com vocês, matando a todos com muita rapidez e piedade. Mas se negarem minha ordem... – a sacerdotisa olhou para o gigante e com apenas um movimento ele destroçou a casa.

Nathália deu um passo a frente, deixando Lucas e Isabel posicionados em seus flancos. A jovem bruxa recitava encantamentos baixinhos – j deva ter recitado dez deles ou mais – e do outro lado o filho de Demeter estava com os pés nus cravados no chão. Em volta dele as plantas estavam secando. Ele estava roubando a força vital delas.

– Você sabe Apolo, o sangue que corre nas minhas veias é o sangue de Ares. Mas não é a primeira vez que Ares derrama seu sangue na minha família. De acordo com os registros do santuário, vários de meus antepassados receberam o sangue do deus. O meu bisavô, por exemplo, era um filho de Ares, tão legítimo e amado como eu. – cada passo que dava a armadura de Ares crescia um pouco mais, formando a legendária armadura uma peça de cada vez, começando pelas manoplas e botas. – Ele lutou na segunda guerra mundial. Ele e mais dois amigos semideuses se viram separados de seu pelotão. Tentando voltar, foram surpreendidos por um pelotão alemão. Estavam cercados na medida de três para um. Sem munição, encurralados.

Nos céus um conjunto de nuvens escuras tapou o sol. Um vento frio, cortante, começou a soprar. Os katómeros se assustaram quando um relâmpago cruzou os céus, caindo perto de onde eles estavam, fazendo uma pequena mangueira fender ao meio em chamas.

– Aos alemães mandaram os soldados brasileiros se renderem. Era seu último aviso. Caso não se rendessem, seriam mortos como cães. Nem meu bisavô e nem nenhum de seus companheiros se rendeu. Três homens foram fortes, três semideuses invencíveis. Eles mantiveram-se por muito tempo, indo para a luta, para a morte certa que os esperava. Longe, muito longe de casa, lutando numa guerra lutada em solo estrangeiro. – Nathália recitava o poema que conhecia tão bem – Eu rogo, heróis do passado – um trovão rugiu no céu e Nathália gritou novamente, ainda mais alto – Eu rogo! Deixem que eu me apodere de suas histórias! Permitam que assim como vocês, os nossos feitos jamais sejam esquecidos!

Ela colocou o braço esquerdo em posição e o escudo de Ares tomou forma, cobrindo seu braço, oferecendo sólida proteção. Mas não era a insígnia de Ares que adornava a frente do escudo. Lá havia uma serpente enrolada, cabeça em pé, olhando desafiadoramente para frente enquanto fumava o seu cachimbo...

– Você conhece esse símbolo de coragem, com o qual eu me visto hoje, lorde do sol? Conhece o grito de guerra que congelou o sangue dos alemães em suas veias? Conhece a coragem lendária de três soldados que recusaram-se a se entregar e a desistir? – Outro relâmpago cruzou o céu. Atrás de Nathália, em suas costas, a tatuagem de Ares brilhava para além da proteção da armadura, projetando o seu brilho na garoa fina que serpenteava no ar, ao sabor do vento forte. O desenho do Dragão de Tebas desenhou-se com precisão, forçando os katómeros a recuarem um passo e mesmo o poderoso gigante teve de cobrir os olhos com as mãos. – Eles lutaram até o fim. Por que você acha que conosco será diferente? Cobras fumantes, eterna será sua vitória!

E com esse último grito de guerra desesperado, ela e seus amigos correram para os inimigos.


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