As minhas sete ex-melhores amigas. escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 9
Parte II - Amor paterno é uma espécie de ironia.




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A noite gélida já caia quando recebi uma ligação de JP. Sua voz estava preocupada e soava intacta, gaguejando brevemente entre algumas palavras.

“E então cara, resolvi contar pro meu pai que eu engravidei a Sandy. Você promete que vai comigo lá em casa, para me ajudar, e tal?” Perguntou-me João Paulo, a voz ligeiramente nervosa.

“Sim, cara. Dentro de alguns minutos eu estou aí.”

JP só assentiu, agradecendo-me por ajuda-lo. Era o mínimo que eu poderia fazer por um amigo.

Despedi-me de Noelle ainda em casa, pedindo para que ela cuidasse de Alice, que ainda adormecia no sofá. Dei um beijo no rosto esbranquiçado da garota de olhos azuis. Demos um abraço longo, nossos seios se tocando em um gesto de afeto.

“Boa sorte, Dan.” Desejou-me Noelle.

“É disso que eu irei precisar.” Agradeci.

Sai do apartamento trajando meu agasalho cor de vinho, uma toca preta e luvas escuras, já que o clima lá fora estava muito frio. As pessoas bufavam e fumaças saiam de suas bocas nos pontos de ônibus, como se seus próprios pulmões fossem um cigarro a ser tragado. No meio do caminho encontrei um bar, e como eu já estava com dores de cabeça, resolvi comprar um tabaco. A atendente não disse nada sobre qual era a minha idade, ou coisa do gênero, pois eu havia dado uma gorjeta para ela.

Fiquei esperando João Paulo na porta do prédio de seu trabalho. Ele vestia as mesmas roupas sociais de antes, e a única diferença em sua aparência era sua gravata azul celeste.

“Gostei da gravata.” Comentei, assim que estávamos atravessando a rua.

“Espero que essa seja a cor favorita do meu pai.” Ele respondeu, ironizando.

“Pois é.”

Durante todo o caminho para à casa de JP, que ficava no lado leste da cidade, tínhamos que pegar um ônibus e um metrô. Tudo aquilo me entediava e irritava, já que eu tinha uma espécie de fobia com lugares muito movimentados.

Chegando a sua casa, um lugar adorável com grama no quintal, ele abriu a porta e acendeu a luz num mesmo instante. O lugar estava silencioso demais, a ponto de que você pensasse que não havia ninguém lá dentro, embora seu pai estivesse dentro do escritório trabalhando. O pai de João Paulo, há qual todos se referiam como ‘Paulo’, era um homem gordo de um noventa, que me fazia parecer uma agulha ao seu lado. Os cabelos já eram acinzentados por conta da idade, os olhos pretos fixos em mim, com uma cara de ‘não me perturbe que eu estou trabalhando’.

“Preciso conversar com você pai, é sério.” A voz de JP parecia mansa.

“Se é tão sério porque trouxe esse moleque junto com você?” Respondeu o homem, em tom de arrogância. Aquele velho era um completo babaca, e eu odiava que se referissem a mim em um tom de inferioridade.

“Porque ele é meu melhor amigo, um irmão que eu nunca tive. E se você não ouvir minha explicação não irá me entender.”

Durante todo o momento em que os dois jogavam conversa a fora, eu fiquei pendurado sob a janela do escritório, tragando um dos meus cigarros novos. João Paulo não parecia ter coragem de contar a verdade, o que já estava me deixando extremamente agoniado, pois eu queria acabar com tudo aquilo logo.

“E então, sabe a minha namorada pai?” A voz do garoto gordo estava cada vez mais mansa, as pernas grossas tremendo de nervosismo. Ele parecia suar frio.

“Uhum. O que tem? Você quer dinheiro pra sair com ela logo? Ah, que merda, você é um filho escroto.” O homem abriu uma das gavetas que possuíam em sua mesa de trabalho, sacou um charuto e o acendeu. O cheiro daquilo era muito mais forte do que o dos meus cigarros, o que me deixou um pouco enjoado.

“Não pai. É que eu... Eu... Engravidei ela! Pronto, falei, eu vou ser pai!”

Naquele exato momento, o pai de João Paulo levantou-se da cadeira, pegou um quadro de vidro e atirou contra o peito do filho. JP caiu no chão, a camisa ganhando uma pequena tonalidade avermelhada por conta do sangue que escorria. Ele quase matou o próprio filho, que desgraçado! Tirou a cinta de sua calça social preta, depositando-a em sua mão grande e grossa. Uma, duas, três, quatro! Quatro cintadas haviam sido efetuadas no rosto do garoto, a cara antes rechonchuda e rosada ganhava cicatrizes e cortes sangrentos.

Eu não aguentava ver aquilo por mais um instante. Eu simplesmente deveria fazer algo, mas não posso. Ligar para a polícia seria a última escolha, e tentar enfrenta-lo não daria em nada, porque aquele velho miserável era muito mais forte do que eu. Pensei o que Alice faria numa situação dessas: ela não iria bater nele. Iria feri-lo com suas palavras, machucar seu coração e não chutar o seu saco, o faria chorar por dentro de si, agoniado em sua própria mente. E era isso que eu deveria fazer.

Saquei um dos meus cigarros, o colocando apagado entro os dentes. Remexi meus cabelos cacheados para trás, e então usei do diálogo para ferir o homem.

“Eu acho melhor você parar de bater nele, seu velho miserável.” Meu tom de voz havia o surpreendido, pois soava como uma espécie de ameaça.

“Hã? Do que você me chamou moleque?” Paulão vinha pra cima de mim, a cinta entre os dedos, as veias estufadas de raiva. Não tinha medo daquele homem, somente nojo.

“Vai me bater? Como você sempre faz, por ser burro o suficiente para nunca conseguir vencer uma discussão mentalmente? Então vem, me bate...”

No exato momento em que eu havia o provocado, o homem roliço sacou sua cinta, dando-me uma chibatada no rosto. Ela pegou perto da minha boca, que agora está sangrando em um grau leve. Segurei o cigarro fortemente com os dentes, virei meu rosto machucado para o homem gordo, dando um riso irônico.

“Então é isso? Pode me bater novamente. Tu podes ferir minha pele, mas nunca será capaz de machucar meu coração.” Nesse exato momento estou me sentindo uma versão mais nova do Cazuza.

E então ele me bateu novamente. E depois outra vez. E quando ele já ia dando-me a terceira cintada nas bochechas, agora sangrentas, uma mão gorda a segurou. Ergui a cabeça, o cigarro ainda preso entre os lábios, e vi uma versão de JP que eu nunca imaginei que seria capaz de ver. Ele estava enfrentado o próprio pai! Sua expressão facial era corajosa e rígida, os olhos fuzilando a de seu primogênito.

“Não-bata-no-meu-amigo!” Advertiu o garoto gordo, segurando o punho de seu pai pela mão.

O homem roliço estava com o olhar incrédulo, cheio de dor. Depois largou a mão do filho, só gritando para que ele desse o fora daquela casa. Certamente, JP havia sido expulso da própria casa, pelo próprio pai.

Apoie-me em João Paulo, ainda manco, quando decidimos sair daquela casa. Àquela altura já caia uma fina garoa, e então ligamos para um táxi, já que eu não estava muito a fim de molhar meu tênis novo sujo de sangue.

Assim que abri a porta de casa com JP apoiado sobre os ombros, percebi que Alice ainda dormia sobre o sofá. Estava preocupado com a saúde dela, mas agora o principal problema era o de João Paulo, que sangrava constantemente por algumas partes do corpo. Ele ainda estava em estado consciente, porém parecia um pouco mole e pálido.

Percebi que a luz da cozinha estava acessa, e ouvi vozes familiares lá. Fui até o cômodo e encontrei meu pai fazendo a janta, enquanto Noelle lia um livro sentada sob a mesa da cozinha. Os dois sempre se deram muito bem, e ela sempre o chamava de ‘tio’.

Meu pai não demorou a perceber que eu e o João Paulo estávamos feridos, e rapidamente o pegou de meus ombros, que já estavam cansados. Sentei-me numa das cadeiras para recuperar o folego, e sem dizer nenhuma palavra, ele me encarou com seus intensos olhos cinzentos. Parecia preocupado com o gordo, e depois de ver a gravidade dos ferimentos, anunciou:

“Eu vou levar o João para tomar um banho, e depois farei alguns curativos nele. Pode cuidar do Dante para mim Noelle?”

“Posso sim”. Assentiu a menina com olhos cor de oceano.

Meu pai saiu com JP nos braços rapidamente do cenário, pois os ferimentos mesmo não sendo graves, eram feios e nojentos. Noelle ficou fazendo um curativo em minhas bochechas recém-cortadas, enquanto conversávamos sobre o ocorrido.

“Sério mesmo que o pai dele fez tudo isso?” Perguntou-me ela, parecendo apavorada.

“Sim, cara. O pai dele é um completo babaca.”

Noelle não falou mais nada. Continuou retirando o excesso de puis das minhas bochechas, também fazendo um curativo para desinfecionar os ferimentos. Ela era uma pessoa muito boa com enfermagem, em cuidar das pessoas. Era uma menina perfeita.

“Vai dormir aqui hoje?” Perguntei a ela, o olhar implorativo.

“Minha mãe está viajando, então não vejo problema. Exceto se eu tiver que dormir com o JP no mesmo colchão, daí eu dou o fora. Não quero acordar grávida!” Respondeu-me a garota com olhos cor de oceano, dando uma gargalhada doce e saudável. Ela estava tão linda, tão saudável, tão viva.

E então Noelle fez uma coisa que eu nunca imaginei. Ela me abraçou, nossos corpos separados por duas camadas de roupa, e sussurrando em meus ouvidos: “Eu não quero te perder. Você é especial, meu pequeno.”

Ela me apertou ainda mais no gesto de afeto, e eu também a apartei. Encarei o rosto dela, frente a frente, nossos corpos prestes a se beijar. E nossos lábios se tocariam naquele exato instante, se a vida não fosse tão diferente.

Estava indo me trocar no quarto quando encontrei João Paulo deitado na cama dormindo, seminu. Ele portava uma cueca do Batman e estava com sua barriga esbranquiçada para fora, e os peitos todos arranhados por conta das cintadas. Meu pai estava olhando pela janela do quarto, fumando um cigarro, e não desperdiçou minha presença. Queria conversar a sós comigo, e eu também queria conversar a sós com ele.

Antes de ele começar o discurso, jogou o tabaco recém-apagado pela janela. Deu uma tossida típica de fumantes mais velhos, encostou a mão em meus ombros magros, e enfim começou a falar.

“Você não precisa fazer isso filho. Ficar cuidando de Alice, João Paulo. Noelle me contou todas as coisas que estão acontecendo na sua vida, e sinceramente, não quero que isso te atrapalhe meu filho. Sei que é jovem e não irá entender muito bem o que estou dizendo Dante, mas quando tiver a minha idade vai entender...”

Dei um sorriso malicioso antes de dar a minha resposta.

“Sim, eu sei pai. Eu sei que o senhor não gosta que eu apanhe na rua, e nem que ande com uma menina psicologicamente instável, mas a sua vida sempre foi assim. Nós nunca fomos normais, pai. Ou você acha que eu não sei que mamãe era igual à Alice? As coisas que ela fazia eram horríveis, cara. Mas mesmo assim você gostou dela, o senhor nunca desistiu! Por quê? Porque você a amava... E o amor é isso, cara. Você não pode escolher, simplesmente acontece.”

Meu pai me encarou por alguns instantes, a expressão meio rígida e brava. Depois passou a mão em meus cabelos cacheados, levantando uma sobrancelha.

“Você é especial, Dante. Tem um coração muito grande. Continue assim meu filho.”


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