As minhas sete ex-melhores amigas. escrita por Rodrigo Lemes


Capítulo 7
Parte II - Nossas vidas são feitas de um grande talvez.




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Naquela manhã tediosa de segunda-feira eu não havia feito nada além de fumar cigarros, o que deixou Alice muito irritada. Agora ela disse que cada vez que eu fumasse, iria levar um tapa dela, e embora ela pareça pequena e frágil, a ruiva é uma menina forte.

JP iria passar o resto dos dias conosco na casa grande, o que é uma coisa entediante, já que ele e Alice não param de brigar. Segundo a garota de cabelos avermelhados, ele é um ‘gordo escroto que não para de olhar pros seios dela’, embora João Paulo realmente seja isso. Mas acho que ele nunca fez isso por mal, não podemos exigir que todas as pessoas pensem como você.

“Eu quero fazer algo de bom nessa porra de vida” Reclamou Alice.

“Eu quero comprar mais cigarros” Reclamei.

“Eu queria não ter um filho” Reclamou JP.

Todos estávamos lá entediados, escutando o som da televisão ao fundo, enquanto sentávamos numa mesa de madeira rústica. Comíamos sanduíches enquanto tomávamos refrigerantes light. E a vida passava lentamente aos nossos olhos, como se nada daquilo importasse.

“Pera aí, me deixa ver se eu entendi: essa ruivinha aí vai te ajudar a pegar todas as garotas que você nunca teve coragem de ficar? Pera aí, você é um mentiroso, Dante.” JP parecia desacreditar em tudo que eu havia explicado sobre a teoria de ex-melhores amigas para ele.

“Isso é impossível”, ele continuou retrucando. Alice estava remexendo os lábios, parecendo novamente nervosa com a ignorância de João Paulo, ela não se segurou nos insultos. Primeiro depositou o copo de refrigerante na mesa, quase o quebrando numa batida forte. Depois apontou a mão esbranquiçada para o rosto rechonchudo daquele gordo miserável.

“Escuta aqui seu gordinho pai de família, eu acho muito bom você parar de tratar o Dante Collins desse jeito. Se você não acredita na porra da minha teoria, continue não acreditando, mas eu só tenho uma coisa para perguntar para ti: você acredita em Deus?”

João Paulo assentiu com a cabeça, afinal ele vinha de uma família com fortes traços religiosos.

Alice fez uma pausa na fala, sacando pingente de ouro do bolso de sua calça jeans. Assim que ela abriu o pingente, nele havia uma foto, em que ela estava sendo carregada por um homem ruivo no colo. A mulher ao lado era loira e estava com um cigarro na boca. A foto era feliz, e havia sido tirada no outono sueco. Embaixo havia as seguintes palavras grifadas em português, numa letra itálica: Meus anjos eternos. Talvez fizesse sentido ver tudo aquilo, talvez os cigarros fizessem sentido, talvez tudo no jeito de Alice fizesse sentido...

“Eles morreram há três anos num acidente de carro. E eu havia perdido a fé na humanidade, em deus, ou qualquer coisa que as pessoas dissessem que eram boas e que resolveriam meus problemas. Mas no fundo, eu soube que se eu acreditasse nas coisas mesmo sem poder vê-las, se eu tivesse fé, isso poderia acabar. Você pode ver Deus? Você pode provar a sua existência ou inexistência? Não, não pode. Nem Eisten pode, quanto mais um gordo miserável como você. Agora você está se deparando com um teorema, não está? E sinceramente não sabe se ele poderá ser verdade, e eu também não sei, mas eu posso sentir tudo aquilo. Eu preciso fazer esse garoto acreditar que as pessoas precisam mais dele do que ele delas. E isso tudo é verdade, não é Dante Collins? Todas as meninas que o rejeitaram estão virando patéticas, por não aceitarem ter um relacionamento feliz com esse cara. Veja só: Rebecca virou uma menina tão vadia como eu, e agora você vem com esse papo de que a menina que ele gostava ficou grávida de VOCÊ. Agora eu que te pergunto, seu gordo miserável, você teria a habilidade de fazer algo de bom para alguém? Não, não tem. Porque simplesmente não podemos exigir que as pessoas deixem de ser umas merdas ambulantes.”

A essa altura, o olhar de Alice estava semicerrado, enquanto JP simplesmente chorava. Não sei se havia necessidade de tudo aquilo, mas a garota ruiva certamente estava certa sobre tudo isso. Ela tinha o dom de fazer as pessoas chorarem com suas palavras, com seus sermões. Ela era o tipo de pessoa inteligente demais para existir no nosso mundo.

“Desculpe-me... Eu... Não sabia...” Sussurrava João Paulo, obviamente comovido com a história toda.

“Não precisa sentir pena de mim. Se eu tivesse câncer ou passasse fome na África, e você me conhecesse, teria esse mesmo sentimento. Mas pena não é uma coisa boa, meu querido. Cada um aceita a cruz que pode carregar, e eu não pude escolher se a minha seria grande ou pequena.”

Toda essa discussão já estava me entediando. Mas não pude deixar de me sentir mal por Alice, por tudo que ela passou. Eu só queria que ela abraçasse e chorasse em meu colo, para que eu pudesse apoiá-la... Mas não posso. Fico me perguntando quantos copos de vodka seriam necessários para ela fazer isso.

“Vamos sair, Dante Collins e Gordo Miserável.”

“Para onde?” Perguntei eu e JP ao mesmo tempo.

“Por aí, dar uma volta. Fazer algo mais do que realmente existir no mundo. Deixa só eu me trocar, ok?”

E então Alice subiu as escadas para vestir uma nova camisa, já que a antiga estava suja de maionese. Enquanto eu e João Paulo ficávamos sozinhos, ele sussurrou comigo.

“Porque vocês não ficam juntos logo?”

“Hã, como assim?” Perguntei, parecendo um pouco bobo.

“Ela tá tão na sua. Você tá tão na dela. O jeito que ela te defendeu e tudo mais cara, foi incrível, ela certamente está gostando de você. Posso ser um gordo babaca aos olhos de todo mundo, mas eu sei algumas regras básicas do amor, como conhecer casais apaixonados e tal.”

“Mas isso é uma mentira, gordo. Ela nunca iria gostar de um fracassado como eu, porque está me ajudando a superar os amores perdidos, etc. Isso seria loucura.”

“Não seria não”, discordou JP, balançado a cabeça. “Não há nada como um novo amor para esquecer outro amor.”

“É a primeira vez que você diz algo inteligente, João. Estou impressionado.” Respondi, erguendo uma sobrancelha.

“Não sou tão burro assim, cara. Vídeo Games ensinam muitas coisas sobre a vida.”

“Pensando por um lado, acho que sim.”

E então Alice desceu as escadas. Percebi que ela estava usando minha camisa do Duende Verde edição limitada, que Tia Hellen havia trazido dos USA para mim. A camisa estava um pouco grande nela, pelo fato dela ser baixinha e eu alto, mas a garota ruiva estava extremamente sexy com aquela blusa e um short jeans.

“Gostei da camisa”, anunciei.

“Pois é, eu também gostei”, Alice respondeu.

“Eu detesto ficar de vela”, comentou JP, o que lhe rendeu um tapa nas costas.

Pelo resto da tarde passeamos pelas ruas de Santos. O dia estava fresco e ensolarado, as pessoas andavam nas ruas com suas roupas prediletas, enquanto a minha camisa predileta estava sendo usada pela minha pessoa predileta no mundo.

Talvez eu estivesse apaixonado por Alice. Talvez ela estivesse apaixonada por mim. Talvez João Paulo não seja tão babaca. São muitos ‘talvez’ para uma pessoa só, mas eu realmente espero que eles se confirmem de forma positiva.

Resolvi entrar numa loja de esportes dentro do shopping, já que eu estava com bastante dinheiro no bolso, e como eu vim de uma família relativamente pobre eu nunca conseguia ter muita grana para gastar. Fiquei discutindo com JP que o time de futebol do Santos era melhor do que o do Corinthians, mas ele não parecia ligar muito pra isso, já que ele só queria a camisa da Seleção Brasileira. E então eu comprei uma camisa da Seleção Brasileira pra ele, e quando estávamos saindo ficamos procurando Alice no shopping inteiro. Ouvi o som do celular tocar, e era uma mensagem de texto dela:

“Estou com dor de cabeça, por isso voltei para casa. Podem continuar o passeio que não é nada grave, beijos de sua amiga Alice Ivanov.”

Eu até que deveria seguir o conselho dela de simplesmente continuar a andar por aí com o JP, mas não posso ignorar o fato de que agora ela está passando mal, vomitando, com dor de cabeça, morrendo, ou sei lá o que. Eu só sei que não fico preocupado com alguém assim desde que meu pai havia contraído dengue e ficou uma semana internado. Todo esse sentimento de preocupação, de querer proteger alguém quando a pessoa simplesmente está doente só acontecia quando eu estava gostando de uma pessoa. E talvez tudo isso seja verdade. Eu devo ter me apaixonado por Alice, da mesma forma que uma garoa serena caí do céu: ela não avisa quando irá acontecer, e as pessoas não se importam muito em se molhar no começo, mas todos tem medo de que ela vire um furacão no final.

“Ela tá doente cara?”, Perguntou-me JP, logo após ler a mensagem de texto.

“Uhum. Deve ser algo sério, ela tem muitos problemas, gordo. É melhor nós irmos atrás dela, não é?”

João Paulo só assentiu com a cabeça. Ele era do tipo de cara que sabia a coisa certa a se fazer nos momentos críticos.

Pegamos o primeiro táxi que vimos pela frente, pedindo para ele ir à velocidade máxima permitida, embora eu ache que o motorista não tenha passado dos oitenta quilômetros.

Assim que descemos na calçada da casa, paguei rapidamente o taxista, correndo numa velocidade jamais vista. Pedi para que JP a procurasse em todos os cômodos, e eu e ele não a achamos no andar solo, então tivemos que subir as escadas. Não ouvi nenhum som. Estava tudo tão silencioso...

Abri três das quatro portas. Nada: ela não estava lá. Por fim, resolvi abrir a última porta, que era do meu quarto. E naquele exato momento, eu pedi a Deus para ser cego, e por um instante não poder enxergar.

Havia um cara. Havia Alice. Havia a minha camisa favorita. Haviam calças jeans jogadas no chão. Ele estava encima dela, o corpo todo másculo e sarado, deveria ter uns vinte anos. As pernas dela estavam entrelaçadas entre as dele...

Não, eu pensei. Ela não está fazendo isso com a minha camisa favorita. Eles não estão transando, ela havia prometido que pararia com isso. Que merda! Ela havia prometido, e promessas merecem ser cumpridas.

Nesse exato momento, os dois estão me olhando com uma cara decepção. Deixei uma lágrima salgada escorrer de meus olhos escuros, enquanto JP vomitava no chão. Ele tinha uma doença de sei lá o quê, que sempre o fazia vomitar quando ficava nervoso ou passava por um momento tenso.

“Não... Não é isso que você tá pensando, Dante!” Arfou Alice, parecendo extremamente nervosa. A pele branca já ficava vermelha.

“Não, Alice. Me deixa em paz, vadia!”

Entrelacei meus braços nos ombros largos de JP. E naquele momento, eu só pude dizer:

“Vamos dar o fora daqui, gordo.”

Nesse exato momento eu estou dentro de um ônibus, são duas da madrugada e essa é a terceira noite seguida que eu não consigo dormir direito. Eu e João Paulo estamos voltando para a capital, e ele está sonhando com ovelhas, enquanto eu estou morto de tédio mexendo no celular.

Alice tentou ligar para mim dezesseis vezes desde o ocorrido, e também mandou dez mensagens, mas estou chateado demais para respondê-la. O mundo é uma merda, e as pessoas irão te decepcionar, e sempre que você estiver feliz acontecerá algo que irá prejudicar sua instabilidade.

Sempre é assim. Sempre foi assim. E eu me pergunto o porque disso... O porque da vida ser assim, o porque de felicidade só existir em livros e filmes. Acho que só assistimos filmes porque eles contam histórias que gostaríamos de vivenciar, já que somos humanos incapazes de amar.

Tudo que eu queria agora é fumar um cigarro, e esquecer-se de como a minha vida é um lixo. Só que daí eu lembro que cigarros fazem mal, e isso me deixa melhor, saber que terei sete minutos a menos para viver nessa merda.

Tento sentir inveja de João Paulo, pelo fato de mesmo ele sendo um cara todo ferrado na vida, ainda consegue sorrir e se divertir. Queria saber a fórmula da felicidade, saber o porquê da vida ser esse enorme mar de agonias que nos consome. Mas felicidade não é uma matemática: ou você nasce com ela, ou morre sem ela.

O motorista do ônibus acabou de avisar que ocorreu um acidente em uma das avenidas, e que isso tornaria nossa viagem de duas horas ainda mais longa. Ficar ali olhando o gordo babar enquanto dorme... É um sentimento horrível.

Então, por um momento entrelacei minhas mãos nas mangas do casaco, deixando-as protegidas como uma luva. Estou com muito frio. E não me restava mais nada para fazer, além de simplesmente olhar as estrelas daquela noite gélida.

O ônibus chegou à capital às sete horas da manhã, o que faz com que eu tenha viajado por sete horas seguidas. JP dormiu o tempo inteiro, acordando só nós últimos minutos de viagem, quando eu ainda estava com os olhos arregalados de insônia.

“Parece que você viu um fantasma, Dante.” Provocou-me João Paulo.

“E parece que você engoliu um elefante, JP.” Retruquei.

“Eu não sou tão gordo assim.”

“É sim.”

“Tá bem, talvez eu realmente seja gordo igual um elefante.”

Durante todo o caminho para casa, eu e João Paulo não ficamos conversando muito sobre nada, pois estávamos ambos chateados. Tristes demais para dizer algo realmente divertido.

Entrei no prédio rapidamente, pedindo para que JP carregasse minha mala de viagens, já que minhas costas estão doendo demais. Ele não reclamou, o que pra mim era um milagre, já que ele sempre fora sedentário.

Assim que subimos as escadas, ouvi o som do choro de alguém no terceiro andar, que no saco seria o meu. Era de uma garota, o choro soava familiar, mas eu não conseguia identificar a pessoa dona daquelas lágrimas.

Quando terminamos de subir as escadarias, vi uma figura extremamente branca de cabelos negros na porta de meu apartamento, os olhos azuis intensos me encarando. E então ela fez algo que eu nunca imaginei que faria: correu para me abraçar. E ficou abraçado por um bom tempo, só despejando as lágrimas em meu ombro. E eu não me importava com tudo aquilo, só queria estar com ela. Para sempre.

Aquela garota era Noelle.


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