A Sombra do Norte escrita por Remmirath


Capítulo 3
Entre Perguntas e Despedidas




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A lembrança do encontro com a Sombra perturbou o jovem Eldarion por vários dias, tornando-o distante até para os pais e os amigos mais próximos. As dúvidas sobre o seu destino o corroíam, e nos dias que permaneceu em Ithilien, sempre voltava ao mesmo local em busca de um vestígio, um resquício de algo que poderia acalentar os seus pensamentos. No entanto, só conseguia rever aquele par de olhos de falcão em seus sonhos, repletos de enigmas e sussurros de um perigo crescente.

O príncipe de Gondor acordou antes de os primeiros raios de sol tocarem os jardins de Ithilien, no dia em que voltaria para Minas Tirith. Ele até tentara estender a sua estadia, mas seu pai lhe lembrara de suas obrigações, e que se pudesse também ficaria mais tempo visitando seus velhos amigos, no entanto, o dever os chamava. Bufando frustrado, Eldarion terminou de se vestir, ajustou a bainha da espada e seguiu em direção aos estábulos sob o brilho do céu abobadado por estrelas distantes. Seus ouvidos captavam o farfalhar das folhas, alerta para a presença de alguém, mas mesmo seus sentidos aguçados não eram páreo para identificar o elfo com mais de mil anos de treinamento em batalhas e camuflagem.

Legolas voltou sua atenção das estrelas para o herdeiro de Aragorn, arqueando levemente uma sobrancelha, curioso com o estado de espírito do jovem meio-elfo. Da árvore que estava não precisou se mover para observar o rapaz inquieto, que escovava a crina de um garanhão marrom. Eldarion estava tão distraído com os próprios pensamentos que não percebeu quando uma figura surgiu das sobras do estábulo.

Estreitando os olhos azuis brilhantes, o elfo empoleirado na árvore adiantou a mão para seu arco, silenciosamente armando uma flecha e esperando, atento para qualquer ameaça enquanto observava.

— Saudações, Eldarion – pronunciou-se a figura encapuzada, fazendo o jovem saltar levemente, surpreso pela aparição.

— Você! – exclamou o moreno, apontando a escova de cavalos para a Sombra, que só olhou-o divertida. – Veio me perturbar outra vez?

— As perturbações de hoje podem ser necessárias amanhã – comentou a figura, aproximando-se e adiantando a mão para o cavalo, enquanto Eldarion recuava alguns passos. – São raros os descendentes de Mearas nos dias de hoje. – acrescentou, acariciando o focinho do animal.

— O que quer dessa vez? – inquiriu o jovem, cruzando os braços para parecer firme ao mesmo tempo que tentava ver algo além das capas e peles negras envolta daquele par de olhos de falcão.

— Tão impaciente é a raça dos homens – murmurou a sombra para o cavalo, divertindo-se com a situação do rapaz. O cavalo bufou e pateou o chão, como se concordasse. – Thalion é esperto, só espero que não seja mais que o dono.

Eldarion piscou algumas vezes, olhando indignado dela para o cavalo.

— Diga-me o que quer de mim e não chamarei os guardas para prendê-la – acrescentou o príncipe, recompondo-se.

— Criança, não seja tão impaciente – advertiu ela, os olhos ficando perigosamente escuros ao relanceá-los rapidamente para o jardim. – Vim apenas lhe pedir que não me procure, não sou eu que tenho as respostas para as suas dúvidas. No entanto... – e levantou a mão, impedindo o rapaz de retrucar, estendendo com a outra um pequeno pedaço de pergaminho dobrado e selado. – somente quando for chegada a hora, você saberá onde encontrar ajuda.

— Hum, obrigado? – agradeceu o rapaz, incerto, pegando o pergaminho e virando-o, estranhando que o selo escuro era liso e sem inscrições. – Mas como eu vou saber que...

— Afaste a ansiedade e aproveite a companhia daqueles que ainda estão ao seu lado – cortou a sombra, distanciando-se dele e misturando-se com o escuro. Então parou à porta do estábulo, lançando um último aviso ao herdeiro do trono de Gondor. – Já não existe mais uma personificação do mal no mundo ou um inimigo universal. Não deseje uma aventura pela qual tantos morreram para por um fim.

Os ombros do jovem caíram, Eldarion olhou decepcionado para o chão por alguns segundos, voltando os olhos nebulosos para os dourados, antes que eles desaparecessem novamente.

— Mas os orcs continuam a se multiplicar, quem sabe o que há ainda escondido nas profundezas de nosso mundo? – acrescentou, com uma pontinha de esperança.

— Não são as profundezas que deveriam preocupar, mas sim os lugares esquecidos pelos povos livres da Terra Média – declarou ela, inclinando levemente. – Namárie(1), Eldarion, que o destino não reserve aos seus descendentes se tornarem apenas reis e governadores, como Denethor ou pior. – e dito isto, tempestuou-se para fora do estábulo, deixando um príncipe chocado demais com suas palavras para segui-la.

Tentou fundir-se com as últimas sombras da madrugada e despistar o observador indesejado que a seguia por entre os caminhos da floresta de Ithilien, não ousando assoviar para chamar sua montaria e acabar despertando também a atenção dos guardas para si. Apressou os passos silenciosos que mal tocavam o chão, ao perceber que o elfo que se deslocava entre as árvores chegava cada vez mais próximo, no entanto, não ousava atirar contra ela.

Quando quase alcançava uma ponte de pedra, vislumbrou por entre as árvores o corcel negro galopando na trilha que emparelhava com a floresta, a crina esvoaçando ao vento assim como os longos pelos nas patas, o animal não possuía rédeas e nem sela. A sombra tomou um impulso subindo em uma encosta e para uma pedra, agilmente, pulando para o lombo do cavalo negro e segurando sua crina, apertou os joelhos fazendo-o ganhar mais velocidade em direção à ponte.

 

 

 – Noro lim(2), Rauthar – pediu a sombra, olhando por cima do ombro para o elfo que parara no começo da ponte, flecha apontada para o chão, orbes azuis cintilantes prendendo-se nos dourados, apenas por alguns segundos antes do corcel desaparecer entre as árvores de Ithilien.

 

O sol despontava no horizonte, seus raios de luz banhando o príncipe da antiga Mirkwood, rebatizada de Floresta Verde no início da Quarta-Era, que permaneceu por um momento infindável observando a trilha entre as árvores, até que seus ouvidos não conseguiam mais captar o som das patas do cavalo negro. Em sua mente as palavras da sombra ainda ecoavam, misturando-se com lendas do passado e memórias difusas de batalhas que presenciara. Que a sombra tivesse surgido naqueles tempos de paz, não podia ser bom agouro. Legolas esboçou um leve sorriso ao lembrar-se de como alguns homens chamavam Mithrandir, o Corvo da Tempestade, sempre precedido por maus presságios e notícias inquietantes. Seria essa Sombra da mesma natureza de Gandalf? Por um momento, desejou que o mago ainda não tivesse ido para o oeste, os concelhos dele seriam úteis naquele momento. Ou não. Magos, sempre falando em forma de enigmas.

Legolas voltou o olhar em direção à costa, onde as ondas o chamavam ao longe, e depois à sua volta, vislumbrando a terra que ajudara a reconstruir, antes de voltar a olhar para o mesmo ponto em que desaparecera a sombra, inspirando profundamente enquanto seu cérebro trabalhava. Girando nos calcanhares, voltou determinado para o estábulo, assustando um cavalariço quando surgiu ao seu lado.

— Prepare meu cavalo – pediu Legolas, já se encaminhando para a saída.

— Senhor? – falou o jovem humano piscando confuso, mas a um segundo olhar do elfo, pôs-se a trabalhar. Por sorte os outros cavalariços já haviam terminado de alimentar e selar todos os cavalos da comitiva do rei.

Aragorn e Arwen falavam as ultimas palavras de cumprimento para Faramir, príncipe de Ithilien, acompanhado de sua mulher Eowyn, e seu primogênito, Elborion – que observava curioso para o príncipe de Gondor, ao qual olhava pensativo para um pedaço de pergaminho, já montado em seu cavalo. Após as ultimas formalidades, trocas de abraços e desejos de que fosse retribuída a visita, o senhor e senhora de Gondor montaram em seus cavalos. Seria quase um dia inteiro de viajem em galope rápido, e onde estava Legolas para se despedirem?

— Eldarion? – chamou pela terceira vez Aragorn, finalmente conseguindo capturar a atenção do filho.

— Já estou pronto, ada.(3) Podemos ir? – perguntou o jovem, em tom distante.

 – Oras, não era ele que insistiu tanto para ficar, e agora quer ir embora? – exclamou um dos guardas do rei, seguidos de comentários e risadas sobre a provável doença do rapaz, que só ficou com o semblante fechado.

O velho Aragorn suspirou, trocando um olhar com a esposa antes de avistar Legolas surgindo em roupas de caça e equipado para batalha, facas, aljava com arco e flechas e uma pequena mochila nas costas, como nos velhos tempos.

— Vai nos acompanhar, Legolas? – perguntou Arwen, expressando as dúvidas do marido.

— Apenas vim me despedir, o meu caminho segue outra direção incerta – o elfo declarou, adiantando-se para beijar a mão de Arwen, em seguida apertando o antebraço de Aragorn e finalmente de Eldarion, com quem trocou um olhar.

Os restantes apenas o observavam sem entender.

— Os batedores já saíram para verificar o caminho – comentou Faramir, trocando um olhar confuso com Aragorn.

— Estou indo verificar os rumores de uma sombra que paira por esta terra – falou finalmente Legolas, explicando tudo e nada enquanto montava o cavalo branco que o cavalariço lhe trouxera, sem rédeas ou sela. – Infelizmente não posso me alongar muito, antes que perda o rastro.

— Oh – exclamou Arwen, arregalando levemente os olhos azuis para o amigo, ao ter um vislumbre do que acontecia – Mára farië.(4)

— Espero ouvir noticias favoráveis da próxima vez que nos encontrarmos, amigo – pediu o rei de Gondor, ao que o elfo acenou brevemente antes de esporear o cavalo e disparar para a floresta. – Fazia tempo que eu não via tanta determinação nos olhos dele.

— Meu senhor! – veio correndo uma elfa, parando e arfando ao ver seu príncipe ao longe.

— Ao que parece, o tempo de Legolas na Terra-Média ainda vai se alongar por algum tempo – comentou Arwen, sorrindo fechada.

— Certamente, minha senhora, ele esvaziou o estoque de lembas – resmungou a serva élfica, cruzando os braços.

— Tem certeza que não foi nenhum hobbit? – perguntou divertido Aragorn, recebendo um olhar confuso da serva. Fez um sinal para que ela não fizesse perguntas, antes de pegar as rédeas. – Namarie, até um dia, meus amigos.

— Adeus, meu senhor, que seus caminhos sejam verdes e haja brisa atrás de você – desejou Faramir, acenando junto de sua família para a comitiva que se distanciava pela estrada.



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Notas finais do capítulo

Traduções do Élfico

(1) Namarie - Adeus

(2) Noro lim - Corra, Rauthar.

(3) Ada - Pai

(4) Mára farië - Boa Caçada

Na ilustração do capítulo são Arwen e Aragorn.

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