A Sombra do Norte escrita por Remmirath


Capítulo 2
Um Encontro Inesperado




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Ano 42 da Quarta-era do Sol

 

Perambulava por entre as árvores novas de Ithilien, arrastando os pés com total desânimo, não havia nada de emocionante a se fazer em uma floresta alegre e verdejante. Certo que, se não fossem pelos elfos, nunca as florestas de Ithilien se tornariam tão revigorantes novamente, não que tivesse alguma lembrança de como elas eram antes da quarta-era, afinal, nem era vivo na época da última Grande Guerra. Bufou entediadamente, sentando-se contra o tronco de um carvalho, o único que parecia velho entre tantas árvores vistosas e reluzentes. Uma formação diferente de pequenas pedras formava-se perto do carvalho, formando um laguinho devido a ultima chuva recente. Inclinou-se para a pequena 'fonte', vislumbrando seu próprio rosto, encontrando os traços que herdara de seus pais. Apesar de ainda ser considerado uma criança élfica, para a raça de seu pai ele já estaria na idade de se tornar um guerreiro. Soprou uma mecha negra de cabelo, que teimosamente caia por sobre seus olhos cor de céu nublado. Sua imagem refletida começou a se desfazer, e pulou para trás ao perceber que um pequeno sapo verde-musgo surgira aonde antes estava o seu rosto.

— Sai dai! – ordenou o jovem ao sapo, irritado, mas a pequena criatura só coaxou, tentando o espantar de seu pequeno refugio. Se o perguntassem depois, não saberia definir o porque de ter se irritado tanto com um simples animal, mas naquele instante, sentiu que o sapo estava desafiando-o, e para mostrar quem era que mandava por ali, pegou uma pequena adaga curva, que levava pendurada em seu cinto, e já iria desferir um golpe se não fosse surpreendido por uma voz repreensiva.

— Se eu fosse você, não faria isso – o garoto suspirou aliviado ao perceber que não era sua mãe, mas mesmo assim aquela pessoa, que não havia notado antes, o fez sentir arrepios. Imediatamente escondeu a adaga.

— E quem é você para me dizer o que fazer? – perguntou, petulante, o jovem, procurando de onde vinha a voz e encontrando a dona sentada em um dos galhos do grande carvalho, a uns bons metros do chão.

— E quem é você para decidir quem deve morrer ou viver? – retrucou a jovem, lá do alto, despertando curiosidade no jovem príncipe, pois ela cobria-se totalmente com uma capa esfarrapada de peles escuras.

— Era apenas um sapo, não faz diferença se ele morrer ou não – tentou explicar-se, já levantado e tentando encarar de modo sério a estranha figura, a qual só conseguia distinguir estranhos olhos dourados e penetrantes. – De que raça você é?

— Era apenas um hobbit, não fazia diferença se ele morresse ou não – emendou a encapuzada, deixando-o confuso por alguns segundos, e logo depois arregalando os olhos azuis ao constatar do que ela estava falando.

— Mas, isso, não tem a ver, é totalmente diferente, não causaria mal a ninguém – falou ele, apontando e olhando para o chão à procura do pequeno ser verde, constatando que ele continuava lá, coaxando, e acompanhado de outros sapos.

— É claro que não, só à família do sapo... – era impressão dele, ou havia ouvido uma ironia na voz daquela estranha? – mas seria uma pena se o número de pragas começasse a aumentar repentinamente, acabando com os belos jardins de Ithilien, não é mesmo?

— Eu... não entendo...– murmurou ele, a olhando intrigado – Mas que é você, afinal?

— Eu sou a sombra que vem do Norte – falou ela em um tom que deixou o ar ao seu redor repentinamente gelado e misterioso. E então, de um salto, desceu do carvalho, aterrissando perfeitamente no chão, e estendeu-lhe a mão, como forma de cumprimento.

— Certo, Lady¹ Sombra... – murmurou o jovem descrente, analisando a mão alva como que procurando alguma armadinha, e cumprimentaram-se do jeito dos elfos, apertando-se o antebraço. – Eu sou Eldarion, filho de Aragorn. Herdeiro do trono de Gondor.²

— Ouvi muito a respeito dos feitos de seu pai – comentou a Sombra, que olhou-o como se soubesse tudo sobre ele, e abaixou-se perto do laguinho, para verificar se o sapo estava realmente inteiro.

— É, todos ouvem – bufou o garoto, levemente irritado. Só agora notou o grande arco e a aljava de flechas, com um porta espada embutido, que ela carregava.– Mas é uma pena que a cada vez que a história seja contada, ele se torna ainda mais fantástico e destemido. Fico imaginando o que contarão na quinta-era do Sol.

— Não se preocupe – falou ela, levantando-se e começando a andar. – Vou providenciar para que as histórias continuem iguais às que me foram contadas na época, e nenhum fato seja deturpado.

— Então você presenciou a Guerra do Anel? – perguntou o garoto interessado, apressando o passo para ficar ao lado dela, e aproveitando para analisar as estranhas inscrições no cabo da espada, que parecia milenar.

— Quase isso, eu estava meio ocupada na época – comentou ela, como se o ocorrido fosse uma coisa insignificante, e não A Guerra que definiu o futuro das raça livres da Terra-Média. O jovem príncipe Eldarion não sabia escolher entre ficar aborrecido ou estarrecido com aquela estranha figura. Ele acabou escolhendo por ficar impressionado, ao ver ela desmontando uma armadilha de caça e soltando um filhote de lobo, como se fosse um coelhinho indefeso.

— Mas, o que estás fazendo? – perguntou ele, meio cético da cena que acabara de presenciar.

— Creio que não preciso explicar meus atos para uma criança – respondeu-lhe ela, lançando-lhe um olhar indiferente. O príncipe não estava acostumado a ser tratado com tão pouco caso, era até uma ofensa.

— Eu não sou criança! – retrucou ele, como uma criança mimada. – E não deverias desmontar as armadilhas de caça do rei, elas são para o banquete.

— Tenho certeza que o rei não há de passar fome, por falta de um filhote de lobo, há muitas frutas e especiarias élficas que substituem em muito a carne desses pequenos seres da floresta – falou a Sombra severamente, tentando fazer com que o príncipe entendesse o outro lado da moeda.

— Mas lobos atacam os rebanhos – retrucou ele, mas lembrando-se o que ela havia dito sobre o sapo, ficando com uma expressão de interrogação.

— Se você faz tanta questão assim, por que não o mata então?– sugeriu ela, pegando o filhote do chão e segurando-o de forma a ficar na altura dos olhos do príncipe. – Não tens coragem? Ou a ideia de apenas duas opções lhe deixa confuso? Preferes uma espada ou um arco?

— Não compreendo, por que estás aqui, falando enigmaticamente comigo, enquanto poderias estás por ai, salvando os...– e completou brilhantemente a frase ao olhar para o lobinho. – Olifantes.

— Convivi por tanto tempo entre magos que acabo me esquecendo que a maioria das raças considera incompreensível sua forma de falar – comentou ela, demonstrando o brilho de um sorriso em seus olhos, ao começar a retrucar a pergunta do jovem príncipe. – Por um lado, estás correto, seria considerado um feito muito nobre a libertação dos Olifantes das mãos imundas dos Haradrin, porém eu não procuro a glória e a sina dos heróis. Eu apenas faço o que tem de ser feito, e no momento, me sinto inclinada a ter conversa com um jovem irritadiço que um dia se tornará rei.

— "Um jovem irritadiço!"– emendou ele, virando o rosto irritado, e pegando bruscamente o filhote que continuava nas alturas, e soltou-o no chão.

— Sua humanidade é evidente – afirmou ela, observando o lobo que desaparecia entre as folhagens. – Só espero que faças a escolha correta quando for chegada a hora.

— Do que estás falando? – perguntou ele, completamente confuso.

— Não é possível permanecer um meio termo para sempre, Eldarion – disse-lhe ela, olhando em seus olhos como se enxergasse sua alma. Sua voz era profunda e quase profética, e aquilo que disse em seguida ecoou por muitos anos em seus pensamentos.

— Há uma linha muito tênue que separa tudo, certo do errado, o bem do mal, assim como há uma que muitos ficam tentados a escolher, e eu me refiro à da imortalidade. Pode parecer uma dádiva para muitos que a almejam e não podem ter, e por isso influenciam aqueles que tem o direito de escolher, aqueles conhecidos como meio-elfos, e as escolhas desses poucos afortunados, geralmente pode mudar o curso do mundo. Eu espero sinceramente, que quando for chegada a hora, você escolha com sabedoria.

— E se eu escolher o caminho errado? – perguntou ele assustado, sentando-se em um tronco partido, no meio de um caminho na floresta.

— Se escolher o caminho errado?... – emendou ela, novamente naquela voz zombeteira, desembainhando sua espada, que reluziu em uma luz negra. – Então, eu terei que interferir, afinal, esse é o meu trabalho.

A Sombra fez uma mesura para o jovem príncipe que a olhava terrificado, embainhou sua espada e lhe deu uma piscadela travessa, como se tivesse acabado de lhe contar uma piada, fez meia volta e saiu andando, ou melhor, parecia que ia se dissolvendo a medida que se distanciava, tornando-se apenas uma sombra bruxuleante em contraste com as folhas verdes brilhantes do bosque, que a emolduravam. Perdido em seus pensamentos, que aliás, não eram muito agradáveis, acabou se surpreendendo com a chegada do amigo de seu pai, o elfo silvestre Legolas.

— Eldarion! – chamou o elfo, na terceira tentativa de tentar despertá-lo de seu estado... incomum. – O que houve? Sua mãe está lhe procurando desde o desjejum³.

— Eu... vi umas sombras estranhas na floresta, e acabei me distraindo – mentiu o jovem, e levantou-se para constatar se seu corpo continuava inteiro.

— Já tem um bom tempo desde que orcs não aparecem nessa floresta – comentou o elfo, intrigado. – Mas pelo seu estado, parece-me que você viu a sombra de um Balrog.

— Não, Eru me livre! – exaltou-se só ao imaginar ter que confrontar um demônio do mundo antigo, e passou a andar pelo caminho que Legolas havia vindo, mas não sem deixar de olhar para trás, procurando algum sinal da sombra que lhe atormentara.

— E então, o que era? – inquiriu Legolas, ainda interessado no assunto. – Tem a ver com alguma garota ou elfa, por acaso?

— Bem, sim... – disse Eldarion, mas ao perceber o olhar do elfo se arrependeu de ter falado algo. – Mas eu nem sei o que ela era, só podia ver os olhos dourados, ela estava coberta dos pés à cabeça por uma capa de peles negra.

— Isso me lembra um velho conto – murmurou Legolas, agora com um olhar preocupado, olhando para trás também.

— E não era um bom, não é mesmo? – completou o príncipe de Gondor, deixando os ombros caírem. – Ela falou comigo, sobre escolhas, e que se eu não fizesse a certa, algum dia ela teria que fazer o seu "trabalho" – e fez aspas com a mão – eu imagino que não seja nada bom, uma vez que ela deu ênfase nisso me mostrando o brilho negro de sua espada. Que, aliás, parecia ser muito antiga.

— Não me diga que... não – sussurrou o elfo para si mesmo, estacando descrente – Deve ser só uma coincidência...

— O que foi Legolas? – perguntou o meio-elfo, parando para olhá-lo.

— E essa encapuzada dos olhos dourados, disse como se chamava? – perguntou o elfo, bem devagar, semicerrando os olhos.

— Não, só disse que era a Sombra que veio do Norte – disse-lhe, e começando a ficar preocupado pela expressão de assombro no rosto de Legolas. – Sobre o que era aquele conto?

— Não se preocupe – falou Legolas, mas parecia que estava falando consigo mesmo. – Isso que aconteceu, não conte para mais ninguém, bons conselhos, apesar da aparência de quem os dá, devem ser ouvidos. Com o tempo você entenderá, e torçamos para que você faça a escolha certa.

E dando-lhe uma palmadinha amigável nas costas, como se isso fosse confortá-lo, voltou a caminhar pelo caminho abobadado pelas copas baixas das árvores remexendo-se ao vento, deixando o jovem ali, jogado à própria sorte.



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Notas finais do capítulo

Notas: 1. Lady é muito melhor do que Senhorita ou algo do tipo, além do mais, é costume dos elfos chamar suas senhoras de Ladys.

2. Isso é bem Tolkeniano. Alguém se lembra de Aragorn filho de Arathorn, ou Gimli filho de Gloin? E para quem não entendeu, este é o filho do Aragorn e da Arween, não há quase nenhum relato sobre ele, assim como sobre toda quarta-era, portanto tive que criar uma personalidade para ele, o que não é tão difícil, levando em conta que aqui ele está naquela fase de "adolescência"

3. Sim, eles falam desjejum, mas isso não quer dizer que eles só conheçam três refeições, aliás, os hobbits tem sete ao todo: Desjejum, Café da Manhã, Segundo Café da Manhã, Almoço, chá da tarde, jantar e ceia.



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