More Than This escrita por Ana Clara
Notas iniciais do capítulo
(narrado por Caleb)
Acordei com dores no pescoço e nas costas e demorei uns quinze segundos para me dar conta de onde eu estava. E me surpreendi quando vi que America dormia no meu colo. O cabelo bagunçado, o tronco encolhido, a boca aberta igual criança. Sorri. Ela suspirava, respirava devagar: tão singela e tranquila. Parecia estar tendo um sonho bom. Foi naquele momento que eu comecei a me apaixonar por ela.
Coloquei sua cabeça no travesseiro com cuidado, levantei e fui em direção à cozinha, me esforçando para não fazer barulho. Pus água para esquentar e passar o café (odeio beber, mas adoro o cheiro), porque lembrei que Meri era viciada em cappucino e café expresso, principalmente quando ficava até tarde estudando, o que era frequente. Depois de adoçado, deixei as xícaras em cima da mesinha de centro, mas me descuidei com o controle remoto que estava ao lado e o deixei cair. America acordou assustada.
– Desculpa, não queria te acordar.
– Ah. Oi. – ela se assentou e esfregou os olhos. – meu Deus, que horas são?
– Nove. – respondi, sentando ao seu lado. – mas tudo bem, a gente pode chegar no terceiro horário. – entreguei o copo pra ela. – Aqui. Toma.
– Obrigada. – ela apoiou no colo. – Que foi? – riu.
– Só to te olhando.
– Então para.
– Você demora demais pra se arrumar, já disseram?
Ela riu, quase entornando o café. Colocou a xícara na mesa novamente.
– Desculpa.
– Por que eu tenho a leve impressão de que você estava me enrolando?
– Eu estava te enrolando. – ela admitiu, sem rodeios.
– Sua sinceridade move montanhas, mocinha.
– Eu tento. – disse, com um leve dar de ombros.
– Ainda podemos conversar. – falei, me virando de lado e apoiando a cabeça no encosto do sofá.
– Claro. Assim que eu tomar um banho, trocar de roupa e pegar as minhas coisas, além de arrumar a zona do meu quarto. – ela disse já se levantando. Puxei-a pelo pulso e Meri aterrissou meio no meu colo, meio no sofá.
– Você já fez hora demais ontem, não?
– Não o bastante.
– Como você tá? – perguntei, um tanto preocupado. Pela expressão que surgiu em seguida, percebi que ela sabia do que eu estava falando.
– Eu estou bem. – disse, mas não olhou pra mim ao responder.
– Tem certeza, Meri? Não tem nada te incomodando?
– Caleb...
– Sabe que pode falar qualquer coisa comigo, não sabe?
Então ela começou a chorar. Isso me desconcertou um bocado, fiquei sem saber o que dizer ou fazer, então apenas a abracei e fiquei afagando seu cabelo até ela se acalmar.
– Tá tudo bem agora, Meri. Ninguém mais vai tocar em você.
Ela escondeu o rosto no meu pescoço. Abracei suas costas e minhas mãos deslizaram até sua cintura. Seu cabelo cheirava a macadâmia e erva-doce, e eu me peguei pensando em como alguém teria a coragem de fazer mal a ela.
– Tem alguém te incomodando?
Ela não respondeu.
– Pode me contar. – insisti.
Ela levantou o rosto e olhou pra mim.
– Na verdade, tem. Mas eu consigo resolver.
– America, para com isso. – apelei. – para de tentar achar que pode resolver uma coisa dessa sozinha. Você tem que pedir ajuda.
– Eu não quero confusões. E você tem cabeça quente às vezes.
– Eu? Se eu tivesse mesmo cabeça quente, aquele cretino que estava com a Caroline já teria morrido. Eu não sou assim.
– Ah. – ela passou as mãos pelo rosto, enxugando as lágrimas. – em falar nisso, você conversou com ela depois que aquilo aconteceu?
– America, por favor, não mude de assunto. Dá pra você me dizer logo quem é?
– É o Evan.
– Do terceiro ano? – perguntei. Na verdade, eu já sabia, mas precisava confirmar. Até porque boatos sempre são distorcidos.
– É. Evan Walker. Ele não me deixa em paz.
– Por isso você não foi pra faculdade nesses dias? Você tá com medo dele?
– Não. Não, não é medo. Eu só to tentando impedir um confronto.
– Meri, ele machucou você?
– Não, Caleb, eu to bem. – ela dizia meio agitada pra que eu mudasse de assunto. – tá tudo bem.
– Mas você não pode perder aulas só porque um babaca tá te incomodando. Você se esforçou muito para estar estudando lá. Isso tá errado.
– Eu sei. Eu sei, mas quero evitar ao máximo e...
– Não, Meri. – interrompi. – você vai hoje, comigo. Ninguém mais vai te encher o saco, tá? Eu te prometo. Ele não pode fazer qualquer coisa com você dentro da faculdade, então eu vou começar a te levar e a te buscar de lá, todos os dias.
– Caleb. – ela chamou, um pouco irritada. – eu posso cuidar de mim mesma.
– Meri... – olhei-a, baixando o tom de voz. – só não quero que nada de ruim aconteça com você.
“De novo”, pensei, morrendo de raiva. Raiva do Evan por ser tão imbecil e desumano, e de todas as pessoas que tiram e já tiraram proveito de meninas que não podem se defender. Raiva de mim mesmo por não alertá-la, por não estar lá para protegê-la quando ela mais precisava de mim.
– É só até o fim do período. – continuei. – eu já estou me formando, e o Evan também. Depois disso, ele nunca mais vai voltar a te incomodar. Provavelmente vai herdar uma das empresas do pai e vai se mudar para Ohio ou Texas. Ou qualquer lugar bem longe daqui, tudo bem?
America ficou um tempo calada. Terminou de tomar o café esquecido, que já tinha esfriado. Depois de deixar as xícaras na cozinha, ela olhou pra mim e disse:
– Então é melhor eu ir me arrumar, né?
– E bem rápido dessa vez.
–------X-------
Enquanto eu dirigia, Meri ligou o rádio do carro e ficou procurando qualquer música que prestasse, mas depois de um tempo e de muitas frustrações, ela desistiu e ficou apenas olhando para a rua, distraída. O trânsito estava horrível, e pegamos um engarrafamento assim que saímos de sua rua. Enquanto o sinal teimava em permanecer vermelho, conversamos um pouco. Agora, porém o assunto era eu. E Caroline.
– É sério, Caleb. Vocês conversaram?
– E pra que? – respondi, descansando as mãos no volante e olhando rapidamente pra ela.
– Pra resolver de uma vez.
– Nós não vamos voltar. – falei convicto.
– E quem disse em voltar, Caleb? Nem acho que deveriam. Mas, de qualquer forma, seria bom tirar isso a limpo. Sentar e conversar de verdade.
– Você “sentou e conversou de verdade” com o Brad, quando vocês terminaram? – caçoei, meio rindo.
– Pra falar a verdade, sim. Nós fomos jantar e eu disse tudo o que eu pensava e que não queria voltar a vê-lo. Que ele podia seguir em frente e que não deveria voltar a me procurar. Mas sem brigas e sem ressentimentos. Garanto, é bem melhor assim.
– Não tenho essa sua...
– Essa minha...? – perguntou, me olhando com curiosidade.
– Essa sua calma. Sei lá.
– Ora, calma merda nenhuma. – ela falou, e eu tive que rir. America falando palavras como essa é raridade. – tive vontade de enfiar aquele garfo sabe-se lá onde. Mas pra que? Isso não ia mudar nada.
– É. Você tem razão. Mas na prática, a teoria é outra.
– Perdoar é importante, mesmo que não haja a mesma confiança de antes. Assim como sentir dor, é um processo de crescer.
– Ainda não entendo isso. – insisti, mesmo sabendo que ela estava certa em tudo. – só sinto raiva e mágoa.
– Eu sei, Ca. Mas perdoando, você vai se tornar uma pessoa melhor.
Sorri e olhei para ela de relance.
– Como você pode ser tão inteligente?
– Alguém tem que ser né? – e me empurrou de brincadeira. Retribuí, mas meus dedos encostaram-se a sua pele macia e não conseguiram soltar.
Juro, eu tentei. Mas acabei deslizando os dedos pelo seu braço até entrelaçá-los aos dela. America ficou com vergonha, e eu também, por ser tão descarado. As bochechas dela coraram e eu podia sentir minhas orelhas quentes. Parecíamos duas crianças de dez anos de novo, descobrindo o amor.
Por fim, ela disse:
– Acho que você vai precisar dessa mão pra dirigir.
– Também acho. – e soltei.
Passamos mais alguns minutos em silêncio, até que o trânsito começasse a fluir novamente. Os carros iam se dirigindo a outras ruas até que o caminho ficasse menos engarrafado. Voltei a prestar atenção no trânsito.
– Onde está seu celular? – ela perguntou.
– No porta-luvas. Por quê?
– Qual a senha?
Odiava a mania dela de responder às minhas perguntas com outras perguntas.
– Me dá aqui.
– Fala logo a droga da senha. – ela insistiu, rindo. – Não vou olhar suas fotos pornôs ou algo assim.
Pra falar a verdade, eu estava meio acanhado em contar qual era. Quem dera fosse um número aleatório ou algo assim.
– É a data do seu aniversário.
– Ah. – exclamou, digitando e tentando conter o sorriso.
– É fácil de lembrar. – balancei os ombros e mudei de assunto:
– O que você vai fazer?
– Estou mandando uma mensagem de texto para a Caroline.
– O que? – tentei pegar o celular da mão dela. Sem sucesso. – America, você quer morrer?
– Cala a boca, senão eu digito errado.
– Devolve isso!
– Pronto, enviei. – e depois leu em voz alta:
– Caroline. Acho que precisamos resolver isso de uma vez por todas. Não quero continuar te evitando pra sempre, porque sei que essa conversa é inevitável. Vamos acabar com isso de uma vez. Vou ao Baker’s no próximo sábado, fique à vontade para aparecer lá. Ou não. /Caleb.
– Você é uma idiota, sabia? Eu nem escrevo à la intelectual, como você.
– Não há de quê. – ela riu, se divertindo. – sério. Você vai me agradecer depois.
– Não tenha tanta certeza.
Mais alguns minutos e chegamos ao estacionamento da universidade. Achamos uma vaga e saí do carro primeiro, para abrir a porta pra ela. Meri riu e fez uma mesura, entrando na brincadeira.
– Besta. – murmurei, mas acabei rindo também.
Caminhamos até o campus, e hesitei para deixá-la ir sozinha. Meri percebeu e achou graça da minha insegurança.
– Caleb, eu não tenho doze anos. Tá tudo bem.
– Vou só te levar até o seu prédio, tá?
– Caleb...
– America, eu to falando sério. A essa hora, o terceiro ano tem horário vago. Evan pode estar em qualquer canto, à espreita. Não quer o prazer da minha companhia?
Ela pensou um pouco.
– Tudo bem.
– Vou te poupar do mico de ser acompanhada até a sala, ok?
Dito e feito. Evan Walker, estudante de administração, aguardava escorado no prédio B, com o joelho flexionado e o pé encostado na parede. Quando viu Meri, impulsionou o corpo para a frente, pra ir conversar com ela. Ou não, sei lá. A expressão do rosto tomada de ódio. Me cocei de curiosidade para saber o porquê, mas eu não ousaria perguntar a ela.
Sussurrei para que Meri não olhasse e deslizei o braço até sua cintura, colando-a a mim. Ela olhou para o chão enquanto andamos. Evan desistiu no meio do caminho e permaneceu imóvel. Depois deu meia volta e desapareceu de vista.
Quando estávamos nos aproximando da sala dela, ela parou de andar e olhou pra baixo.
– Obrigada, Ca. Acho que se não fosse você, eu...
Levantei seu queixo com a ponta dos dedos, para que ela olhasse pra mim.
– Ei, ei. Tá tudo bem agora. Ele não vai mais mexer com você, ok? E eu vou estar sempre com o celular, qualquer coisa é só me ligar.
Ela ficou na ponta dos pés pra me beijar na bochecha. Tive que me segurar pra não virar o rosto e beijá-la (no lugar certo) de verdade, mas sabia que era um momento turbulento e confuso pra ela. E que Meri precisava de espaço. Então apenas sorri e fui embora.
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